Levi abre os olhos lentamente, o teto branco do quarto a primeira coisa que vê.
Ele tem uma dor de cabeça leve, mais provavelmente pelo cansaço da noite anterior que de ressaca. Levi tem uma tolerância forte para bebida, afinal. Ele praticamente foi criado no meio de garrafas dos tipos mais variados possíveis de álcool.
Uma casa caótica que foi a sua na infância. Instrumentos musicais por todos os cantos, cacos de vidro e cheiro de álcool regrado ao de cigarros. Muita poeira, também. Levi era quem fazia todo o serviço doméstico, não que ele se incomodasse muito com isso. Afinal, se ele não limpasse era muito provável que toda a família viveria junto com ratos.
Ele gostava da vista da janelinha do seu quarto, as ruas de Paris e a torre Eiffel à distância. Ele gostava de ver as pessoas passando pelas ruas, ver como eram elegantes as mulheres ao estilo Coco Chanel cheirando a perfumes caros, os homens com seus chapeis e sapatos de couro fumando longos cigarros.
As crianças sujas de lama correndo e brincando com bolas e pipas coloridas, Levi agarrando a cortina da janela para não ceder à tentação de sair para brincar também.
A última vez que ele tinha saído de casa por uma tarde inteira para brincar, as coisas não foram bonitas em casa.
O seu ex-violino, despedaçado e dentro do lixo provava isso.
Levi amava Paris. Amava as cores francesas da bandeira hasteada nos postes, e amava as construções seculares pela cidade, carregadas de tanta história e beleza.
Da vista de sua janelinha de madeira, Paris era como uma cidade parada no tempo, nas eras dos castelos e glórias medievais.
Ele gostava disso. A ideia de parar no tempo, a infinitude do silêncio e a beleza que seria um mundo congelado em que nada se movesse.
Nova York é a cidade que nunca dorme, que nunca para, em que tudo é rápido e apressado demais. Uma cidade para alguém com a alma mais jovem, certamente. Levi nunca teve oportunidade de ser jovem de verdade, mesmo nos seus anos de adolescência. Nunca teve a chance de simplesmente abandonar o controle e se jogar nos impulsos tão típicos dessa idade, de abraçar a liberdade da juventude. De fazer o que quisesse simplesmente porque podia, ou porque não houvesse nada que o parasse.
Levi era como uma construção velha de Paris: monótono, sempre parado e sem mudanças, antigo e tão diferente do contexto de modernidade que se vivia atualmente.
Ele realmente odiava Nova York, a capital da futilidade, capitalismo e individualismo.
Levi queria casa, não uma casa material, mas o sentimento de casa. Mas mesmo se retornasse a Paris, ele não teria mais isso.
A França agora era manchada por memórias ruins.
Ele se levantou da cama e foi até a cozinha, o cheiro de café o atraindo como um ímã.
Petra estava sentada com as pernas cruzadas mexendo uma colherzinha na xícara enquanto fixava seu olhar à distância, uma expressão pensativa na sua face angelical.
Petra tinha uma forma pequena e delicada, o rosto na forma de coração com um queixo triangular e o cabelo ruivo alaranjado num corte Chanel, que acentuava sua face e seus grandes olhos castanhos.
O nariz pequenino que às vezes tremia involuntariamente na ponta quando ela estava pensando era adorável e lembrava Levi de um coelinho.
Petra era o estereótipo de mulher que a maioria dos homens pensava ao ouvir a palavra “esposa”, amável, dedicada e delicada. Levi não se importava com estereótipos assim, e ele gostaria que Petra também não. Às vezes ela tentava demais corresponder a todas as expectativas da sociedade de uma esposa ideal no lugar de ser ela mesma.
Levi queria desejá-la. Queria poder olhar para a alça caída da camisola dela e sentir desejo, mas ele não sentia nada.
Subitamente uma memória da noite passada, e ele se lembra de um casal sob as luzes caóticas de uma pista de dança, se lembra de mãos fortes e sensuais acariciando o corpo da mulher a sua frente, de olhos verdes ferventes.
Levi se pergunta se algum dia iria conseguir fazer algo assim com Petra, como Eren fez com Mikasa. Ele se lembra do jeito que ele a segurou, do jeito que ela parecia perdida nele como se Eren fosse à única coisa que existisse nesse mundo. Seria possível que Levi fizesse alguém desejá-lo tanto a esse ponto? Ou desejar alguém tanto assim?
Ao vê-lo parado na porta da cozinha, Petra ajeita a alça da camisola e puxa a manga do robe longo para o lugar certo, amarrando a roupa com mais força ao redor da cintura.
Eles são extremamente decentes um na frente do outro. Levi sabe que Petra se sente autoconsciente usando roupas reveladoras na frente dele, sabe que os dias de langerie provocante já passaram há muito tempo, quando Petra percebeu que isso não aumentava em nada a vontade de Levi de procurá-la.
“Bom dia.” Ele murmura, pegando uma torrada enquanto ela coloca o café na xícara dele.
“Bom dia.” Ela responde, com um tom de quem está se preparando para dizer mais.
Levi espera, e eventualmente Petra fala de novo, e ele deseja instantaneamente que ela não tivesse. “Levi... Ontem, na festa, Kenny falou comigo sobre o aniversário que ele está querendo comemorar conosco lá no chalé e—”
“Não.” Levi diz simplesmente querendo encerrar o assunto.
Petra respira fundo, provavelmente tentando reformular seus pensamentos para convencê-lo. “Por favor, me escute... Ele é seu tio, Levi. Pouco do que resta da sua família, e ele está sempre pedindo para você visitar e você nunca vai... Dessa vez, foi muita sorte de coincidir com a visita de Mikasa, ia ser muito bom se—”
“Não.” Ele repete e se surpreende com a força que Petra bate a caneca de café na mesa. Ela raramente fica nervosa com ele.
“Tem como você parar de me interromper por um minuto!” Ela esbraveja, respira fundo novamente e olha pra baixo com decepção brilhando nos olhos. “Levi... Você está ciente da saúde de Kenny também. Como você pode tratar seu próprio tio tão friamente? Foi ele que te acolheu quando seus pais morreram. Você viveu com ele por alguns anos, e Kenny não tem filhos, então você é provavelmente o mais próximo que ele tem disso...”
Levi deu uma risada seca. “Não fale besteiras. O que Kenny tem por mim não é nenhum tipo de amor paternal, e sim sentimento de culpa. Você bem sabe que ele só ficou comigo até eu completar dezesseis anos e depois me colocou num colégio interno para não ter mais que cuidar mais de mim. Kenny não era velho quando me jogaram pra cima dele, ele queria aproveitar vida, não cuidar de um pirralho problemático.”
Petra ficou em silêncio. E então, “... Mas ele ainda é sua família.” Mais silêncio, e Petra estende o braço sobre a mesa para segurar a mão de Levi. “Levi. Você sabe que ele tem pouco tempo até ter que começar a fazer hemodiálise, não sabemos até quando ele vai ter saúde. Por favor... Você não pode fazer pelo menos isso por ele? Alguns dias em Minnesota no chalé? Nem precisamos ficar a semana inteira, só alguns dias. E você gosta de chalés! São bem isolados, esses quartinhos estilo casa em que não precisamos compartilhar espaço com ninguém. Vai ser ótimo!”
“Eu sei o que é um chalé. E sim, tenho certeza que será ótimo.” Levi diz em voz monótona e sarcástica. “Você e Mikasa conversando o dia todo sobre maquiagem, Kenny enchendo a cara como se não tivesse malditos rins policísticos e Eren, não sei, me enchendo o saco sobre todas as coisas legais que ele faz na academia ou sobre alguma ONG estúpida de golfinhos que ele ajuda.”
Petra apenas olhou para ele, incrédula. “Então é isso que você pensa de todos nós?” Ela se levanta deixando uma xícara de café meio cheia e uma torrada pela metade. “Eu nunca te peço nada. Nunca exijo nada de você, nem me lembro a última vez que tiramos férias juntos ou-ou que, não sei, que fizemos qualquer coisa romântica. Noite passada foi uma piada, mal ficamos juntos e você aparentemente sente tanta vergonha de mim que além de não ter ido dançar nem conseguiu ficar para me assistir! Você odeia tanto assim ficar comigo perto da sua família?!”
Ela estava muito vermelha e parecia que ia explodir em lágrimas a qualquer momento, Levi se levantou também para tentar tocar o rosto dela, mas ela se afastou. “Petra...”
“Não.” Ela se afastou dele e se virou para sair.
Levi se sentiu culpado.
Mas ele olhou para o relógio e viu que se enrolasse mais iria chegar atrasado no trabalho, então correu para tomar um banho, e afastou a culpa para sentir em outro momento.
Hanji é uma boa assistente. Muito aplicada e prática, apesar dos óbvios problemas com a higiene, e a única que não parece se importar com as manias esquisitas de Levi quando está trabalhando.
Ela também ama o trabalho no IML, diz que se sente uma detetive descobrindo como as pessoas morreram e que adora analisar os órgãos. Diz que a ciência é sua esposa e que não tem medo de se enterrar no sangue de outros humanos até os cotovelos, fala livremente sobre coisas como a vez em que descobriu uma moeda na garganta de uma criança morta e de como um intestino pode ser engraçado quando está estendido fora de uma pessoa.
Todos acham que Hanji é louca. Levi concorda, mas apenas acha que a loucura dela é um tipo diferente da dele.
Porque todos possuem um pouco de loucura em si, não é verdade? Alguns são apenas piores que outros. E quem julga se uma pessoa é sã ou não? Deus? A sociedade?
A sociedade não diz que Levi é louco. Isso é porque ninguém sabe a chama que queima dentro dele às vezes, a vontade de ver a morte de perto.
Os poetas têm sua eterna fascinação com palavras, os músicos com a música, os pintores com as cores e as formas. Levi, a sua própria maneira, é também um artista — um artista da morte, a lâmina seu pincel e o corpo sua tela.
Quem poderia cortar como ele corta, com a precisão exata e quase matemática em sua perfeição? Quando Levi segura um bisturi, o mundo cai a seus pés e ele tem o controle de tudo. O senhor das lâminas, o serviçal da morte para cuidar dessas pessoas que a Senhora dos Fins enviou para ele.
Ele se lembra da época em que não tinha nada disso. Antes de ter um lugar para aliviar a frustração do dia a dia, aliviar a chama dentro dele que clamava por morte.
Seus anos de adolescência foram definitivamente os piores.
Talvez Kenny viu que algo nele não estava certo. Talvez por isso o mandou para longe.
Ele não quer ir para aquele chalé. É próximo demais de memórias que ele não precisa reviver mais do que já revive às vezes nos seus pesadelos.
Levi pensa que ele é como Paris. Eternamente vivendo no passado, não conseguindo nunca deixar as raízes para trás. Monótono, sua alma é como os prédios parisienses, bege e descolorida.
Ele só acha injusto, às vezes. As pessoas dizem que Hanji é louca apenas de olhar para ela, mas não dizem nada de Levi. Porque Levi age de acordo com os padrões da sociedade, suprime sua insanidade o máximo que pode para os momentos privados em que o corpo do cadáver é sua única testemunha.
Levi está com as mãos nas vísceras de um senhor quando um funcionário aparece e o alerta que Petra está procurando por ele.
Levi termina o mais rápido que pode sua avaliação dos órgãos internos e depois tira as luvas, se limpando devidamente o máximo que consegue porque ele sabe que Petra odeia sangue — mesmo assim, olhe com quem ela se casou — e vai até a área comum encontrá-la.
Petra está de cabeça baixa, uma sacola nas mãos. Quando ela vê Levi solta um suspiro macio, olhos castanhos cheios de arrependimento.
“... Eu sei que você não iria comer nada se eu não passasse aqui para trazer seu almoço, então eu vim. Você não apareceu em casa, então...”
Levi fazia isso na maioria das vezes. Ignorava ou simplesmente esquecia do intervalo do almoço e não ia para casa, raramente pensava em comprar comida em algum lugar próximo também. Tinha comida no prédio, mas tinha gosto de comida ruim de hospital. Evidentemente.
Por isso Petra vinha trazer comida para ele às vezes. Mesmo com a briga de manhã, Levi não duvidou que ela viria.
Petra era extremamente leal. Bem, claro, tirando a infidelidade no casamento. Nos outros aspectos, ela era bem leal. Estava sempre se esforçando ao máximo por Levi e fazendo de tudo por ele, e a maior parte dessa atitude não era por culpa, mas sim pela vontade de agradar e chamar atenção, uma necessidade da parte dela que ocorreu durante todo o período de relacionamento dos dois.
“Levi,” Ela começou, mordendo o lábio, e ele viu com pesar como os olhos dela estavam inchados e vermelhos de choro mesmo com o evidente esforço que ela colocou na maquiagem. “Perdão, eu... Não gosto de brigar com você. Mas eu realmente acho importante irmos nessa viagem, pelo seu tio, sua família... e... faz tanto tempo que você não tira férias. Prometa que pelo menos vai pensar nisso?”
Antes que Levi possa responder, uma Hanji encardida dos pés a cabeça de manchas de sangue aparece na frente deles.
“Ei, chefe! Você não vai acreditar no que eu achei dentro do cadáver dessa vez—”
E então os olhos dela se fixam em Petra.
A pele de Hanji não é tão clara então é difícil dizer se cor sobe nas bochechas dela, mas Levi está quase positivo que sim.
“Ah! Hum, Petra está aqui, Okay. Bem, oi.” Ela gagueja estranhamente embaraçada, e Levi vê que Petra tenta, mas não consegue esconder direito à cara de nojo.
Hanji é realmente... Diferente para a maioria das pessoas. Sua aparência desleixada normalmente chama atenção, ainda mais do que se estivesse arrumada, ainda mais porque ela é bastante alta.
Cabelos amarronzados presos em todo tipo de direções aleatórias, geralmente num rabo de cavalo bagunçado, Hanji tem tatuagens por todo o decorrer dos braços e algumas nas pernas também. Óculos sempre embaçados e sujos, ela é uma pessoa bagunçada tanto por fora quanto por dentro. Ela sempre aparenta ter acabado de sair de uma exploração arqueológica ou do meio do deserto, empoeirada e cheirando a odores estranhos.
Petra a cumprimenta com um movimento educado da cabeça e se vira para Levi uma última vez. “Bem... Pense sobre isso, por favor. Kenny está aguardando nossa resposta.”
Levi murmura um “tchau” e Petra vai embora, os saltos cor de pêssego dela tilintando com um clique suave no piso branco.
Hanji suspira e ajeita os óculos que estavam quase caindo da ponta do seu nariz. “Chefe! Você é tão sortudo de ter uma mulher bonita que traz comida pra você. Droga, talvez se a Ciência já não fosse minha esposa eu poderia arrumar uma também...”
Hanji é lésbica. E Levi tem absoluta certeza de que ela tem uma certa quedinha por Petra, o que não o incomoda tanto quanto provavelmente deveria. Porque ele sabe que é num nível mais platônico do que qualquer coisa, e que Hanji é tão transparente, sincera e estranhamente ingênua que ela nunca conseguiria enganar Levi ou sentir qualquer tipo de verdadeiro ciúmes ou inveja dele.
Na primeira vez que ela viu Petra anos atrás, vindo buscar Levi para um evento vestida de preto e produzida dos pés a cabeça, ela disse para Levi impressionada, com um sorriso bobo nos lábios e uma certa cor nas bochechas que poderia ser Hanji corando ou apenas mais alguma poeira estranha impregnada no corpo dela,
“Caraca! Chefe, você têm uma esposa bonita pra caralho, hein! Estou com inveja!” E riu.
Nesse dia, Levi descobriu que Hanji era de fato lésbica e não “ciênciasexual” como ela tinha afirmado com uma cara séria meses atrás. Também aprendeu que ela não sentia inveja nociva como era próprio das pessoas venenosas que realmente sentiam isso, gente que nunca agiria do jeito dela ou diria que sente inveja com um sorriso tão genuíno no rosto.
Era engraçado como Hanji parecia um ser humano que nasceu sem nenhuma noção de convenções sociais e de vergonha no geral, mas que quando via Petra ficava embaraçada e desajeitada como um menino do fundamental com uma quedinha pela professora.
Só não era muito engraçado o tanto que Petra torcia o nariz para Hanji em privado, falando coisas como “a sapatona que não toma banho” para se referir a assistente de Levi.
Petra era do tipo que tinha vários amigos gays e se dizia não homofóbica, mas que na verdade sempre se achava superior pelo menos em certo nível aos homossexuais apenas pelo fato de que nasceu gostando do sexo oposto. O tipo que às vezes ia a bares gays com os amigos e pelas costas dizia coisas como, “Ele é um sujeito legal, mas é gay” como se ser gay fosse uma contradição a ser uma pessoa legal, ou, “ele é tão bonito, pena que é bicha” como se pessoas bonitas fossem obrigadas a gostar do sexo oposto.
Levi era mais do tipo que não estava nem aí. A sexualidade de outras pessoas não influenciava em nada na vida dele, fosse o que fosse.
Na verdade, nada sobre as outras pessoas parecia afetá-lo no geral. Pessoas, para Levi, eram apenas uma coisa que ele aprendeu a tolerar e conviver, não muito diferente de algo como um clima desagradável — que você não particularmente gosta, mas não tem opção a não ser tolerar e seguir em frente com o dia a dia.
“Chefe,” Hanji cortou seus pensamentos, pulando na frente dele e abanando os braços com urgência. “Ei, ei, do que você e Petra estavam falando? Ela parecia chateada e você mais constipado que o normal.”
“Nada demais.” Levi mente. “E não é da sua conta.” Ele diz a verdade.
“Cheeefe!” Hanji fez biquinho e tentou apertar as bochechas de Levi, que se desviou dela com maestria. Sem chance que aquelas mãos estavam encostando nele, Deus sabe a última vez que elas foram lavadas. “Me conte! Me conte. Meee conte!”
Levi grunhe exasperado. “Cale a boca, nesse ritmo você vai acabar levantando os mortos com o volume dos seus gritos. Bem, o maldito do Kenny nos convidou para passar uma semana com ele em Minnesota.”
“Bom, não tem muita coisa para fazer em Minnesota. É um estado meio frio, sim? Sou bem mais Flórida, uma boa praia.” Hanji refletiu. “Mas não é como se ele tivesse te chamado para o exterior ou algo assim. Porque você não vai? Eu acho que nunca vi você tirar folgas.”
“... Não gosto de viajar. Não gosto do meu tio. Não gosto de pessoas, nem de Minnesota, nem de ficar longe do trabalho.”
“Chefe.” Hanji suspirou. “É um fato bem conhecido que você não gosta de nada. Mas isso não é sobre gostar ou não, mais como agradar sua esposa e família. Nem precisa ficar a semana toda, vai alguns dias e pronto. Não é o suficiente?”
A lógica de Hanji sempre era algo que impressionava Levi pela simplicidade que, inacreditavelmente, às vezes fazia sentido.
Levi apenas grunhiu em resposta, ele iria lutar o máximo para não ir nessa viagem.
Várias ligações de Mikasa e Kenny depois, junto com chantagem emocional constante de Petra, e Levi estava quase para arrancar os cabelos e mandar todo mundo à merda. Tudo por causa da maldita viagem.
“Você entende,” Levi estava falando para Kenny naquele exato momento no telefone, com dentes cerrados e uma dor de cabeça a caminho. “Que eu tenho um trabalho, certo? Diferente de você eu não cago dinheiro. Alguns de nós têm que suar para colocar comida na mesa, sabe. Não tenho tempo para essas estúpidas aventuras turísticas.”
“Não fale comigo nesse tom, e você está ficando repetitivo.” Kenny argumentou com um tom de humor na voz. “Já te disse que a viagem é na semana do feriado, seu bosta. E já está na hora de você aproveitar as folgas acumuladas que eu sei que você não pegou. Você já fez muitos plantões para outros médicos, certo? Cobre alguns favores e sua semana estará livre”.
“Eu não vou. Au revoir, Kenny.”
“Levi.” A voz de Kenny de repente ficou séria, todo o humor de antes desaparecendo. Mesmo sem querer, Levi se viu parando para escutar. “... Eu fui ao médico há algumas semanas. Meu rim esquerdo já está quase dando perda total e o direito também não está bom. Vou ter que fazer um transplante logo ou ir para a hemodiálise. Eu sei que fui um parente de merda quando você precisou... Não estou tentando pedir desculpas ou aliviar minha culpa, que droga. Só quero passar alguns dias com a única família que tenho, porque se sabe lá que desgraça vai acontecer comigo de agora em diante... Então você pode parar de ser um pedaço de merda arrogante e sem coração pelo menos dessa vez e me escutar? ”
Levi respirou fundo. Kenny era obviamente um bom negociante, seu poder de convencimento era forte. Ele despertava coisas feias em Levi, ressentimento, raiva, e uma pitada de preocupação que Levi nunca conseguiu se livrar por mais que quisesse. Levi sentia um certo senso de dever para com o homem, porque apesar das grandes falhas dele em cuidar de Levi, ele foi o único que tentou. O fato de Levi estar hoje saudável, bem sucedido e principalmente vivo era devido a ele.
“... Não vou ficar a semana toda.”
Levi desligou rápido o suficiente para não escutar a risada irritante de Kenny.
Petra ficou radiante com a notícia que eles estavam indo afinal.
Levi descobriu que ela, Kenny, Mikasa e marido tinham um grupo de mensagens sobre a viagem apenas para ficar bolando estratégias para convencer Levi a ir. Que ridículo.
Uma semana e meia depois, Levi estava em um avião voando para Minnesota para as férias em família que ele nunca quis.
Bem, não é como se muito fosse acontecer nessa uma semana, certo?
Levi desce no aeroporto de Minnesota com uma mala de tamanho bem modesto e uma roupa social esportiva negra da cabeça aos pés. Sua forma de protesto e luto quanto a toda essa situação.
Petra está ao seu lado sorrindo como se tivesse ganhado na loteria, com uma mala significantemente maior.
Eles estão chegando um dia depois de Kenny, Mikasa e Eren, que prometeram encontrá-los no aeroporto mesmo que Levi tivesse dito que preferia um táxi.
O clima está agradavelmente frio sem ser exagerado, e Levi é grato por isso. Ele também fica grato quando Petra segura no seu braço, porque a vontade de sair correndo dali e entrar num avião de volta para Nova York é grande, e ela está ajudando firmá-lo ali.
“Levi!” Kenny grita a distância, praticamente do outro lado do aeroporto, e Levi torce os lábios enquanto reflete seriamente nas suas escolhas de vida.
Petra aperta o braço dele como se pressentisse que Levi estava apenas a apenas alguns segundos de fugir.
O homem corre até eles, e Levi observa impressionado a velocidade que alguém de quase 60 anos com problemas renais pode correr. Talvez o mais sensato fosse Levi e Petra caminharem até ele, mas Levi não é do tipo que vai até as pessoas, e sim do tipo que espera elas chegarem até ele.
Kenny finalmente chega até Levi, e o cumprimenta do jeito carinhoso de sempre: um tapa nas costas que fazem algumas pessoas olharem para eles com preocupação e Levi soltar uma tosse discreta.
“Filleul! Nossa, você realmente veio. Quer dizer, você disse que vinha, mas ainda estou surpreso. Eu estava meio esperando uma ligação em cima da hora dizendo que o cachorro comeu sua passagem ou algo assim.”
“Eu não tenho um cachorro, connard. E eu também nunca fui de dar desculpas quando eu não queria ver a cara de alguém.”
“Ei, Petra!” Disse Kenny como se não tivesse escutado Levi. “Bonita como sempre, um raio de sol pra balancear essa cara de tempestade aí do seu lado.”
Petra dá uns risinhos e responde algo que Levi não escuta, porque agora ele está focando no casal que está se aproximando deles.
Mikasa está com botas pretas de saltos agulha e um cachecol vermelho, Eren ao seu lado com roupas casuais ridiculamente estilosas –- uma calça que parece quase colada ao seu corpo com correntes metálicas ligadas ao cinto e óculos escuros. Eternamente preparado para a capa de uma revista, aparentemente.
Eles são tão horrivelmente perfeitos que Levi resolve olhar para o teto como se fosse a coisa mais interessante do mundo, para prevenir suas retinas de derreterem com o brilho de tamanho glamour.
Mas seu intenso contato visual com a superfície inanimada tem que ser cortado com a voz suave de sua prima mais nova.
“Levi.”
Ele move seu olhar para Mikasa, a face maquiada com um toque profissional e artístico que é típico daqueles com muita prática e talento.
Ela se move para algo que poderia ou não ser a tentativa de um abraço ou um aperto de mão, e por um milésimo segundo Levi tem a sensação para sempre desconfortável na hora de cumprimentar pessoas, o limbo de incerteza de como cumprimentar. A tradição francesa geralmente é o abraço com dois beijinhos nas bochechas (às vezes até três ou quatro), mas Levi nunca foi alguém exatamente tradicional. Ele é mais do tipo que quanto menos contato, melhor.
Mikasa acaba dando um aperto de mão e outro leve no ombro.
Simples, prático e não meloso, bem do jeito Ackerman de fazer as coisas. Levi realmente gosta de Mikasa.
Mas Eren claramente não é um Ackerman, não com as ações que ele toma a seguir.
“Levi! Que bom que você veio!” E antes que Levi possa ser cegado pelo sorriso de 1000 watts que Eren exibe ele é esmagado em um abraço, que apesar de durar menos de um segundo é o suficiente para Levi sentir o cheiro da colônia picante e única do outro.
Não satisfeito Eren beija a bochecha de Levi.
Aconteceu tão rápido que Levi só percebe depois que Eren já está a dois passos distante dele, o olhando com toda a inocência de alguém que não acabou de invadir a bolha de privacidade de Levi e espalhar todo o tipo de potenciais germes em sua bochecha.
Antes que Levi possa demonstrar qualquer tipo de reação Eren está se movendo para cumprimentar Petra da mesma maneira.
Levi poderia dizer que talvez isso seja uma coisa de alemães, exceto que não é. Alemães não são muito carinhosos uns com os outros.
Talvez o marido de Mikasa seja diferente, ele gosta e é mais confortável com contato físico diferente da cultura do seu país. Levi é menos a vontade, mesmo com todos os beijos e contato que os franceses adoram. Realmente a cultura do lugar que se nasce influencia, mas não define ninguém.
De qualquer jeito, Levi vai totalmente esfregar sua bochecha com álcool em gel depois. Ótimo jeito de começar uma viagem em família, já pensando em todos os potenciais jeitos de assassinar o marido da prima.
“Vamos, vamos. Nós meio que estacionamos o carro em lugar ilegal, então vamos antes que eu tenha que acabar subornando mais um policial para fazer vista grossa.” Kenny diz apressando todos eles em direção à saída.
“Se vai gastar dinheiro com suborno porque não simplesmente pagar a maldita multa? Você fala como se não tomasse banho em ouro líquido todo dia.” Levi murmura, mas Kenny escuta de qualquer maneira.
“Haha, que gracinha, Levi. Você fala como se fosse a pessoa mais certa do mundo, até parece que nunca foi preso.”
“Você já foi preso?!” Petra e Mikasa exclamam na mesma hora, e até Eren parece surpreso.
“Claro que não, ele está brincando.” Levi revira os olhos. O fato de todos parecerem inclinados a acreditar em Kenny sobre a suposta prisão de Levi diz muito sobre o que pensam sobre dele, ele pensa irritado. Levi sabe que tem uma aura intimidante, mas um ex-presidiário? Sério mesmo?
Eren apenas continua encarando Levi.
Levi ergue as sobrancelhas com arrogância e um ar de desafio. Sim, Eren, ele pensa, pessoas são presas às vezes. Sem necessidade de se mijar nas calças por causa de algo assim.
Eles chegam ao carro, um belo modelo prata esportivo que Kenny deve ter apenas para ficar no chalé, e Levi percebe que pela primeira vez em muito tempo Kenny não trouxe um motorista.
“Estou emocionado.” Levi diz em voz monótona. “Você finalmente aprendeu a dirigir, Kenny.”
“Na verdade Eren está dirigindo,” Kenny diz. “E vá se ferrar.”
Por algum motivo a frase “Eren está dirigindo” irrita mais Levi que o “vá se ferrar”.
Quando estavam Kenny e Petra, às vezes Mikasa quando era solteira e vinha passar férias, era Levi quem dirigia. Essa cadeira espaçosa na frente do volante era especialmente designada para Levi, não importa que carro, não importa quem estivesse no carro. Levi dirigia e essa era a lei.
O fato de Eren ter pulado diretamente de uma revista e ido parar na vida deles já era um inferno, agora ele estava roubando o maldito assento de motorista também?
Eren abre a porta de trás do carro do lado de Levi com um sorriso, uma pontada de malícia nos seus olhos que apenas alguém afiado como Levi poderia identificar, e é como se ele soubesse. Levi é esperto demais para encarar aquele gesto como um de educação, e ele vê como realmente é:
Eu estou dirigindo, você não. Eu estou no controle, você não.
Levi pensa sobre assassinato.
E depois ele pensa o quão estúpido é brigar por algo assim, ou mais como ele não vai dar a Eren a satisfação de vê-lo com raiva novamente, então Levi simplesmente entra no carro e senta como o adulto maduro que ele supostamente é.
Por um segundo apenas a face de Eren parece mostrar decepção.
E então todos estão entrando no carro, Mikasa na frente ao lado de Eren e Petra e Kenny atrás com Levi.
“Nossa, estou surpreso que você não deu um piti,” Diz Kenny dando tapinhas irritantes no ombro de Levi. “Você odeia não dirigir.”
“Isso é verdade.” Petra dá uns risinhos e Levi se pergunta por que ele sempre tem que ser o tópico de conversa dessas pessoas.
“É mesmo?” Eren pergunta. Onde os outros veem sincero, Levi vê cínico.
“É. Ele costumava intimidar todos os meus motoristas em pedirem demissão.”
“Hm, eu me pergunto como é um Levi com raiva.” Eren diz casual, subindo os olhos lentamente para fazer contato visual com Levi pelo retrovisor. “Deve ser... Uma visão muito interessante.”
Levi não sabe que jogo Eren está jogando. Ele já viu Levi com raiva uma vez, na festa com o canivete, e ele deveria estar com medo; não trazendo a tona um assunto que deveria ser esquecido.
Levi apenas o olha com apatia total, como se Eren estivesse falando sobre o clima.
“Um Levi com raiva é muito assustador!” Exclama Petra. “Ele apenas fica te encarando em silêncio como se estivesse te matando com os olhos. A maioria das pessoas sucumbe à raiva silenciosa.”
“Ah, se bem que é até uma expressão refrescante.” Kenny comenta. “Pra variar um pouco dessa cara de tédio que ele tem o tempo todo. Olhe para essa criança: é como se ele tivesse nascido constipado.”
“Pelo menos eu nasci com um cérebro. O que não pode ser dito para certas pessoas.” Levi dá de ombros.
“Ei, Levi, Já passou a fase do preto? Como vai a adolescência?” Kenny debocha gesticulando para Levi vestido de negro dos pés a cabeça.
“Eu não sei, Kenny. Como vão seus rins?” Levi responde no mesmo tom, Petra lhe dá uma cotovelada horrorizada e Eren e Mikasa começam a rir.
“Iceberg.” Kenny murmura.
Depois disso Levi se cala e o assunto move para outras coisas, sobre a viagem, o chalé, Minnesota e possíveis passeios turísticos. Petra e Eren são os que mais falam, animados, e Levi simplesmente ignora tudo e tudo como sempre faz. É como se sua mente fosse literalmente um lugar em que ele podia entrar quando quisesse e fechar tudo e todos para fora.
Ele olha pela janela observando os altos edifícios e os carros, esperando que a vegetação se torne mais densa sinalizando que eles estão mais próximos do chalé.
“— não é mesmo, Levi?”
Levi olha para Eren. Parece que ele estava dizendo alguma coisa já há um tempo, mas Levi sinceramente não faz ideia do que.
Na verdade, no passado a maioria das interações entre Eren e Levi consistia em Eren falando alguma coisa e Levi não prestando atenção, e depois fingindo que sabia do que diabos Eren estava resmungando algumas respostas genéricas.
Eren está na longa lista de Levi de “conhecidos desinteressantes não dignos de atenção” já há um tempo.
Levi não sabe o que aconteceu naquela noite da festa, em que Eren de alguma maneira conseguiu prender tanto a atenção de Levi. Poucas coisas conseguiam, realmente.
“É.” Levi respondeu esperando que o monossílabo fosse o suficiente, enquanto encarava suas próprias unhas. Quase na hora de cortar, ele pensa.
Os dedos de Eren apertaram o volante com mais força que o necessário e o sorriso dele pareceu forçado por um instante.
Ele parecia irritado com alguma coisa? Eh, que seja.
Mais alguns minutos de conversa irrelevante e Levi tamborilando os dedos no joelho calculando quantas horas faltavam para ir embora dessas férias quando Mikasa disse,
“Está quase na hora do almoço.” Ela olhou para o relógio de pulso. “Vocês querem almoçar lá mesmo ou parar para comer alguma coisa em um dos shoppings daqui? Eu estava precisando comprar algumas coisas que me esqueci, e uma vez que estivermos no chalé vai ficar mais difícil para voltar a um centro urbano para comprar o que precisarmos.”
“Pra mim tanto faz.” Petra deu de ombros enquanto Kenny disse que precisava comprar algumas coisas também. Eren disse que não fazia diferença.
Levi era o único que preferia não almoçar fora, porque ele nunca trocava uma comida caseira por uma que ele não sabia como funcionava a procedência, mas já que ele era minoria eles acabaram parando em um shopping.
Estava cheio como esperado de um domingo, então eles ainda demoraram um pouco para achar um estacionamento. Levi disse que eles deveriam parar na vaga de idosos, afinal eles tinham Kenny. Kenny mandou Levi tomar naquele lugar.
Eles desceram e decidiram que iriam comprar o que precisavam para depois almoçar.
No momento que eles pisaram no lobby, Petra deu de cara com uma loja de marca em promoção que ela gostava e Levi gemeu internamente se relembrando de todos os motivos que ele odiava ir ao shopping.
Ele era bem prático quando assunto era comprar, aquele tipo de cliente entrou-comprou que sabia exatamente do que precisava, e onde precisava ir para isso. Ele simplesmente odiava horas andando em um lugar lotado de gente para ficar olhando um milhão de coisas que na maioria das vezes não comprava, como era o caso da maioria das pessoas que vão ao shopping, e tristemente como era o caso de Petra — que ficava horas insuportáveis em uma loja provando as roupas do estoque até as do manequim.
Então quando ele viu os olhos de Petra brilharem ao olhar aquela loja em particular, ele pensou rápido e leu a placa que indicava onde ficavam algumas direções de algumas outras lojas do shopping.
“Petra, eu vou naquela direção ali.” Ele apontou para o lado oposto de onde ela queria ir. Antes que ela pudesse reclamar ou começar a rotina dramática de você-nunca-fica-comigo-seu-marido-insensível, Levi rapidamente meteu a mão na carteira e tirou um cartão de crédito.
Ela o olhou de olhos arregalados. Levi assentiu com o coração doendo, mas antes que ele pudesse repensar ela deu um gritinho contente e tirou mais rápido que a velocidade da luz o cartão da mão dele, entrelaçando o braço com o de Mikasa e a arrastando para a loja junto com ela.
Levi assistiu um de seus cartões de crédito ir embora com tristeza.
“Wow, você foi corajoso.” Eren disse olhando para ele com metade surpresa e metade divertimento. “Tem certeza que não vai se arrepender disso?”
“Eu nunca me arrependo de uma escolha. No momento que eu a faço eu assumo as consequências.” E depois, mais baixo. “Bem, mesmo que tenham sido consequências meio estúpidas de aceitar.”
Kenny ri e bate a mão nas costas de Levi, para variar. “Sempre profundo como um buraco negro, esse meu sobrinho.” Pausa. “Bem, vou mijar. Se divirtam crianças, vejo vocês na praça de alimentação.”
Silêncio por alguns instantes esquisitos enquanto Eren e Levi assistem Kenny ir embora com a mão não muito discretamente coçando as partes íntimas.
Levi de repente percebe que está parado sozinho com Eren Jaeger no meio de um shopping. Nossa, que situação horrível em todos os aspectos.
“É isso aí.” Levi diz provavelmente falhando em tentar parecer casualmente contente com a vida. “Até a hora do almoço.”
Parabéns, nota 10 por educação e sutileza, Levi pensa enquanto começa a andar rapidamente para longe de Eren na direção em que queria antes. Não tinha como possivelmente deixar mais claro que queria ficar sozinho, só fazendo um desenho.
E é por isso que Levi está no mínimo surpreso quando Eren apressa seus passos para caminhar ao lado dele, dobrando os óculos escuros Ray ban e os colocando pendurado no colarinho da camisa, revelando olhos verdes e uma clavícula bem definida ao mesmo tempo.
Levi pausa. Ele anda um pouco para o lado para evitar ficar no fluxo da multidão e Eren o segue. Ele anda devagar e Eren também. Rápido, Eren automaticamente na mesma velocidade.
É tão frustrante e ridículo que Levi seriamente entretém a ideia de sair correndo no meio da multidão para fazer Eren perdê-lo de vista.
Levi para de vez e presumivelmente Eren também. Levi o encara com olhos queimando de raiva. “A sessão de suplementos de academia é pro outro lado.” Ele deixa escapar ácido.
“Eu sei ler.” Eren sorri se referindo a placa de direções antes, e Levi pensa um pouco surpreso, então a rosa tem espinhos, “Inclusive falando em ler, eu estou indo por aqui porque eu quero passar na livraria. Pensei que você estivesse indo para lá também e por isso podíamos ir juntos. Tudo bem se você não quiser.” Eren dá de ombros e volta a andar casual como se Levi não tivesse sido muito mal educado, agora obviamente provado sem motivos, e Levi mesmo sem perceber se vê correndo um pouco para alcançar Eren.
Mas que mundo.
“Como você sabia que eu estava indo para a livraria? Tinha várias outras lojas apontadas para essa mesma direção. Eu poderia estar indo para qualquer outro lugar.” Levi perguntou um pouco curioso e horrorizado ao mesmo tempo, o horror consequência da curiosidade por algo relacionado à Eren de todas as pessoas.
“Ah, eu não sei.” Eren deu de ombros e sorriu de lado para Levi, olhos verdes cintilando com algo. “Talvez seja tipo um radar, o instinto de conseguir identificar pessoas com... gostos parecidos.”
“Hm.” Levi murmurou, sentindo como se tivesse perdido alguma coisa no ar. “Bem, pelo menos você não soltou alguma merda como ‘porque tem cara de quem lê.’”
Eren riu, um som morno e gostoso de ouvir. “Auf keinen Fall, isso não existe. Pessoas podem gostar de qualquer coisa, aparência não define nada nem ninguém. Falar que alguém que gosta de ler é uma pessoa quieta de óculos é apenas mais um desses estereótipos ridículos...”
Levi encarou Eren com olhos semicerrados, tentando achar onde o garoto da academia e dos golfinhos tinha ido. Que diabos?
Eren percebeu e sorriu ainda mais, agora com um tom de malícia, se inclinando como se fosse contar um segredo para Levi.
“É por isso que, sabe, não é legal julgar as pessoas pela aparência. Eu sei que eu tenho um bom corpo, mas isso não significa que eu penso em exercício físico o dia todo. Se fosse assim você também não seria um maníaco de academia?”
Levi se afastou de Eren com uma mistura inexplicável de indignação e embaraço. Ele realmente tinha estereotipado Eren pela aparência, mas ele não esperava que Eren ia chamar a atenção dele por isso.
O Eren do passado não teria, então porque esse de agora estava?
E o que diabos com essa última frase, esse era o jeito dele de dizer que Levi também tinha um “bom corpo”?
Felizmente eles logo chegaram à livraria e Levi foi salvo de ter que dar uma resposta, entrando sem nem parar para olhar a vitrine. Levi não gostava muito de vitrines, ele gostava de entrar e pegar o que queria logo.
Então ele fez o que normalmente fazia ao entrar em uma loja. Foi até o primeiro vendedor que identificou, um jovem de cabelo platinado e azul nas pontas, e disse:
“Leve-me ao Stephen King.”
O jovem sorriu simpático e assim o fez. Eren felizmente foi para outro canto da livraria.
Levi gostava muito de livros e filmes de terror desde a adolescência, e esse ainda era seu gênero de ficção preferido. Ele não lia com a mesma frequência de antes, pouco para ser sincero, com todo o estresse do dia a dia e a semana sempre ocupada com trabalho.
Mas ele realmente amava Stephen King, rei do terror doentio, sangrento e descritivo que Levi adorava ler de novo e de novo. Eram palavras poderosas que não poupavam detalhes mórbidos, e nada atraia mais Levi do que tudo que era relacionado à morte.
Ela passou os dedos pelas capas grossas relembrando dos livros que tinha lido muitas vezes já, e observando crítico os que não tinha, vendo qual iria levar dessa vez.
Realmente era um plano brilhante passar na livraria antes de ir para o Chalé, comprar um livro para entreter e ser um meio de escape de situações sociais que ele preferisse evitar.
Ele estava olhando há um tempo já a estante de King, tentando decidir se pegava um livro mais recente ou um mais antigo que ele não tivesse lido.
“Eu recomendo Pet Sematary, apesar que você provavelmente já deve ter lido.” Disse Eren, com um braço apoiado na estante e outro com a mão dentro do bolso, o vendedor que deveria de fato estar dando indicações paralisado ao lado de Levi olhando para Eren como se Jesus tivesse acabado de descer do Céu para levar os mortos ao paraíso.
“Não, incrivelmente esse foi um dos poucos sucessos dele que não li.” Levi disse ignorando o vendedor se metamorfoseando em um tomate próximo a si, olhando para a sacola que Eren segurava se perguntando qual livro ele tinha comprado.
“Bem, o próprio Stephen King disse que se assustou escrevendo esse aqui, então por aí você já imagina. É meio nojento e você provavelmente não querer passar perto de um gato tão cedo, mas vale a pena.”
O vendedor fez algum som estranho como se estivesse tentando falar alguma coisa ou morrendo engasgado ao mesmo tempo, e Eren finalmente o notou ali.
“Grüß dich! Tudo bem?”
“V-você é Eren Jaeger, certo? Morei na Alemanha por um tempo, sou muito seu fã! Pode me dar um autógrafo, por favor?”
Eren disse que sim e foi dar o autógrafo, Levi só revirou os olhos e foi para o caixa pagar o livro. Pet Sematary, era o que ele estava levando no final das contas.
Eles finalmente se encontraram na praça de alimentação, Petra devolveu o cartão de crédito com um sorriso e um beijo na bochecha de Levi, ela com uma quantidade tão grande de sacolas nas mãos que doeu fisicamente nele.
Mikasa tinha apenas uma sacola de uma loja de maquiagem, e outra parecendo ser de uma farmácia.
Kenny não tinha compras, apenas um cartão de uma loja de sapatos com um número que não parecia ter sido escrito ali por motivos profissionais, julgando pelos coraçõezinhos desenhados ao lado.
Levi, Kenny e Petra foram em um self-service de comida caseira, e Eren e Mikasa foram até a comida japonesa. Eles sentaram para comer juntos, discutindo planos empolgados para a viagem.
Eren falava animadamente enquanto Mikasa limpava a boca dele com um guardanapo aqui e ali quando ela percebia que ele tinha se sujado. Que criança.
Levi olhou para sua carne.
Ele pressionou com força o garfo contra ela, mas nenhum resquício de sangue saiu.
A memória veio logo em seguir.
O cheiro de queimado.
Sua mãe sempre queimava a carne.
Às vezes, ela queimava outras coisas também.
Era por isso que Levi tinha que ver o sangue, tinha que comprovar que a carne não estava queimada, ele odiava, odiava o fogo, a dor, o gosto de carne queimada—
“Mãe, por favor, não, não, eu não quero, por favor, não—”
“Ei, esse bife parece tão gostoso, se você não quiser eu posso comer?”
A voz de Eren foi como um puxão de volta para a realidade, e Levi piscou vendo o garoto a sua frente com o prato vazio gesticulando com o hashi para o bife de Levi.
Mikasa esbofeteou o ombro de Eren. “Não seja guloso, Eren.”
Eren riu brincalhão e afagou o cabelo de Mikasa para irritá-la, ela começou a falar mais alto, e em algum momento no meio disso tudo Eren olhou para Levi e é quase como se ele soubesse.
Mas como ele perceberia que Levi estava desconfortável quando sua própria esposa não percebeu? Eren nem conhecia Levi direito, eles se viram em poucas ocasiões desde que Eren casou com Mikasa, e se levava anos de convivência contínua para alguém conseguir decifrar os sentimentos e expressões de Levi.
Levi olhou para Petra e viu que ela estava mexendo no celular. Típico. Talvez por isso a dita esposa não tinha percebido nada.
Ele olhou para Eren e incrivelmente, viu uma saída. Sem dizer nada ele pegou seu bife com o garfo e passou para o prato do rapaz.
Mikasa parou de esbravejar e olhou para Levi com surpresa, Kenny também. Aparentemente passar comida para o prato de alguém vindo de Levi, era o equivalente a alguém se levantar em cima de uma mesa no shopping e começar a dar piruetas, ou seja, um ato inacreditável.
Eren olhou para o bife no seu prato como se fosse a coisa mais bela e fantástica que tinha visto na vida e começou a comer feliz, seu pé por algum motivo roçando com o de Levi por baixo da mesa.
Levi obviamente afastou seu pé, mas continuou a comer com um peso tirado dos ombros e uma certa sensação de conforto que não tinha sentido desde que tinha decidido vir nessa viagem.
Depois de almoçar todos foram para o carro e se prepararam para algumas horinhas de viagem até chegarem ao local onde ficava o Chalé de Kenny.
Levi iria encontrar o olhar de Eren vezes demais no retrovisor para não ser desconcertante, e ele diria que estava profundamente arrependido por ter dado o bife para Eren. Com o jeito que o outro estava agindo, mais parecia que Levi tinha dado a ele uma joia do que um pedaço de carne semi comido.
Mas já que Levi acreditava em escolhas e não em arrependimento, ele apenas decidiu que iria ser mais cauteloso com o mais jovem dali em diante. Ceda um pouquinho e ali estava Eren sorrindo estupidamente para ele de cinco em cinco minutos.
Tendo em mente a segurança de todos no carro se Eren continuasse esgueirando olhares para ele o tempo todo na estrada, Levi resolveu para o bem geral tirar seu livro da sacola e começar a ler. Talvez sendo ignorado Eren iria parar.
Mas logo todas essas preocupações desapareceram, e Levi começou a ficar realmente imerso na leitura. Ele nem sabe quanto tempo tinha se passado desde que ele tinha se perdido nas palavras de Stephen King.
“Você não deveria ler no carro!” Petra exclamou depois de um tempo, provavelmente quando eles ficaram mais próximos da natureza e o 4G dela caiu, fazendo assim com que ela prestasse atenção em Levi. “Sua retina pode cair.”
Levi apenas bufou divertido, sem tirar os olhos do livro. “Não seja estúpida, isso é impossível. Eu sendo médico, você realmente acha que se tivesse o perigo de algo assim eu estaria aqui, lendo?”
Se fez silêncio no carro e Levi percebeu que, novamente, tinha causado um clima pesado para todos.
Petra não mereceu essa, simplesmente saiu antes que Levi pudesse se policiar. Eles não eram o tipo de casal com briguinhas amigáveis como Mikasa e Eren, quando eles falavam algo mais pesado um para o outro simplesmente não saía como brincadeira de alfinetadas entre casais. Era para brigar de verdade. E Levi, realmente, às vezes era bruto nas palavras com Petra mesmo sem perceber, e isso sempre a chateava bastante.
Ele levantou os olhos do livro e sussurrou um raro, “Me desculpe.” no ouvido dela, pontuando com um beijo suava na bochecha depois.
Petra pareceu ficar contente de novo, mas Eren não olhou mais para Levi durante o resto da viagem.
Mais tempo rolou até que eles finalmente chegaram.
O Chalé era composto por quatro mini casinhas rústicas pouco distantes uma das outras, equipadas com quarto e banheiro. No meio delas tinha uma grande construção com cozinha, área de churrasco, piscina aquecida e inclusive um espaço para malhar.
Era uma grande área repleta de natureza que pertencia todinha a Kenny, sendo que tinha um lago perto também. Era a combinação perfeita para pessoas que querem aproveitar dos confortos da vida moderna e apreciar belezas naturais ao mesmo tempo.
Kenny tinha levado Levi para passar férias lá algumas vezes na adolescência. Se fossem só os dois talvez as memórias de Levi daquele lugar fosse melhor, mas o fato de Kenny sempre estar acompanhado com uma mulher no braço e mais algumas “amigas” nessas ocasiões de viagem em “família” realmente irritavam Levi. Ele não se importaria se não fosse cada vez uma mulher diferente ainda mais folgada, fútil e escandalosa que a outra.
Para Kenny, assim como muitos homens, uma mulher era só aparência. Bonita? É o suficiente. Não precisa de mais nada, mesmo algo como um cérebro. Kenny se defendia dizendo que é uma fase que todo homem passa, mas Levi não acreditava que a fase tinha realmente passado para o tio (apenas diminuído).
Quando ele era mais jovem Levi se perguntava se um dia essa fase iria chegar para ele também. Ele está com 34 anos hoje e nunca chegou.
Estava quase na hora do almoço. Eles foram deixar suas bagagens nos quartos antes de comer, Levi e Petra ficaram com a casinha da esquerda, com Kenny na do meio e Mikasa e Eren na da direita. Era uma distância de uns 10 metros entre cada uma.
Levi entrou no quarto e começou imediatamente a verificar o estado de limpeza. Parecia decente. Bem, Kenny tinha contado que já havia avisado para a empregada caprichar no quarto que Levi iria ficar, então devia ser por causa disso.
Ele organizou suas coisas com eficiência e perfeição. Não tinha trazido muitas roupas, apenas o essencial.
Levi avisou para Petra que estava cansado, que só iria tomar um banho e escovar os dentes para tirar um apreciado cochilo da tarde.
Antes de deitar e cair na cama, ele teve o estranho pensamento que talvez essa semana não fosse ser assim tão ruim no final das contas.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.