Quatro meses antes do acidente de Justin...
África — Somália — 30/03/2018 06:37 AM
Katherine Chermont’s P.O.V
Acordei assustada com comissária de bordo me balançando sorrindo fraco para mim.
Eu chorei por praticamente toda a viagem e conexões até a Somália, assim que me lembrava dos olhos dele com tanta raiva, da saudade que eu sentia e da falta de certeza se carregava um bebê dele ou não na barriga as lágrimas me atingiam.
Desci do avião sentindo o calor escaldante me atingir me fazendo suspirar.
Essa será a minha nova vida, me dedicar a ser menos egoísta, a pensar mais no próximo do que em mim mesma e realmente ajudar pessoas.
Minha única bagagem estava em meus ombros, caminhando pela pista e logo entrando no aeroporto internacional. Depois de ser liberada para estar legalmente no país como uma apoiadora de ONG vinda dos EUA.
O idioma deles era quase impossível para mim, já que era somali ou árabe e eu não falava nenhum dos dois.
Vi um homem segurando uma placa com o meu nome, com roupas típicas árabes, apenas segui até lá como se fosse algo automático com ele sorrindo e me obrigando a fazer o mesmo sem vontade alguma.
— Seja bem-vinda a África, Katherine — fala em inglês e eu sorriu.
— Muito obrigada — assente.
— Você vai me levar até o local? — Concorda e eu assinto.
— O carro está no estacionamento, podemos i... — Ele é interrompido por um som de bomba e disparos alto me fazendo ficar desesperada.
— O que é isso? — Pergunto chocada.
— Estamos sofrendo um ataque terrorista — fala e eu fico sem reação.
— Não olhe para eles ou fale qualquer palavra, está me entendendo? — Pergunta e eu assinto.
— Nós vamos sair daqui, vão precisar da gente, então ande ao meu lado, rápido, não olhe, desvie de tudo e chegue até o carro viva — concordo chocada e ele começa a caminhar pelo aeroporto.
Ouço disparos e sons me bomba me deixando absolutamente apavorada.
E se eu fosse atingida por um tiro ou se me pegassem, eu não sabia como reagir.
Eu me encontrava em um país africano, mas com muitos árabes que tinham uma guerra civil interminável, como vou sobreviver a isso e salvar garotas?
Elas usam burcas e mesmo assim são estupradas. Elas não podem falar ou ter opinião, como eu vou ser útil em um lugar onde só há dor e caos, sendo que eu sou exatamente isso neste momento.
Eu sou uma covarde!
E se eu estiver mesmo grávida, como vou conseguir manter uma gestação saudável com tantas coisas horríveis ao meu redor?
O cara agarrou em meu braço e ele me arrastava por entre corpos, sangue, gritos, tiros e bombardeios.
— Não olhe, não olhe! — Grita correndo no caos e eu apenas choro.
Eu não tenho problema algum perto de toda essa merda que está o mundo.
O rapaz conseguiu nos colocar dentro do carro em seguranças saindo no meio daquele caos em segurança e dirigindo como um louco em alta velocidade me deixando ainda mais apavorada por ver os homens com armas, arrastando pessoas, pegando mulheres a força, em que mundo estávamos? Merda!
A viagem foi longa e perigosa. Por onde passávamos encontrávamos pessoas vagando pelo infinito deserto, implorando por ajuda, por água e comida, como eu sabia disso?
O motorista fazia questão de me lembrar a cada segundo.
Eu entendia que tinha cara de uma patricinha mimada que não tinha nada que fazer aqui, mas ele não conhecia as minhas dores ou motivações, então não era ninguém para me julgar.
Eu estou farta de ser julgada!
Depois de horas de viagem dentro de um carro e calor escaldante chegamos a um acampamento gigante, com negros, árabes, fome, falta de água, moscas, morte, pobreza e tristeza.
Engulo seco descendo do carro e sentindo o calor me atingir de forma bruta.
— Querida — ouço a voz da minha tia me fazendo olha-la chocada.
Um rosto conhecido que não me julga ou escorraça como se eu fosse um cachorro de rua. Me agarro a ela prendendo as lágrimas e ela acaricia meus cabelos me fazendo suspirar. O conforto de braços que são como lar, pode recarregar as energias.
— Por que você mentiu por tanto tempo? — Pergunta apertando meu rosto em suas mãos e eu desvio os olhos.
— Não posso contar a ninguém que está aqui? — Pergunta e eu nego desesperada.
— Por favor tia Marcy, quero que eles se esqueçam que um dia eu existi — imploro e ela ri.
— Isso jamais acontecerá, você sabe né?! — Assinto constrangida.
— Eu te amo — beija a minha testa e eu limpo as lágrimas que escorrem.
— Eu te amo — me abraço a ela.
— Onde está o tio Victor? — Pergunto e ela suspira.
— Está me esperando, precisamos ir ajudar as pessoas atacadas e quem mais conseguirmos, estava esperando apenas que você chegasse em segurança, estava preocupada — segura minha mão me levando pelo local.
Entramos em uma cabana em que existiam duas macas acolchoadas, uma delas estava ocupada por uma loira dos olhos verdes azulados que apenas me observou entrar e deixar minhas coisas em cima da cama vazia.
— Katherine, essa é Chloe Mitchell, vocês vão trabalhar juntas ensinando idiomas para as pessoas — explica e eu assinto apertando sua mão.
— Você está bem, está com uma cara de quem vai vomitar — Chloe fala e eu riu levemente.
— Acabei de passar por um atentado, estou um pouco afetada ainda, mas vai ficar tudo bem — ela assente com a compreensão passando por suas feições.
— Bem-vinda a Somália! Passamos por isso todos os dias — arregalo meus olhos.
— Você vai precisar ser forte, querida, as coisas por aqui não estão nada fáceis — minha tia informa e eu assinto.
— Eu realmente preciso ir, filha — fala beijando a minha testa.
— Posso ir com você? — Peço e ela arregala os olhos.
— Você acabou de chegar, acho que precisa conhecer o local e acredito que você vá ser mais útil aqui — aconselha e eu concordo.
— Boa sorte! — Chloe fala se levantando e saindo do quarto.
— Acho que ela não gostou muito de mim — falo saindo do quarto no encalço de minha tia.
— Filha, não é só você que vem se esconder dos problemas aqui — avisa e eu dou de ombros.
— Vamos Theo! — Minha tia chama e um homem sai de uma cabana com uma mochila em suas costas.
Ele tinha uma estatura parecida com a de Justin, mas eles são absolutamente diferentes.
Theo tinha aquela cara de cafajeste nato, cabelos lisos despojados, testa marcada pelo tempo ou talvez por ironizar demais, olhos galantes, barba por fazer e um sorrisinho de canalha de primeira a me encarar.
— Theo, esta é minha sobrinha, Katherine Chermont — apresenta e ele me olha da cabeça aos pés.
Se aproxima beijando meu rosto e eu reviro meus olhos.
— Você está usando perfume para vir a Somália? — Pergunta divertido me fazendo revirar os olhos.
— Pode parar com isso — aviso e ele ri.
— Isso? — Pergunta se afastando.
— Não se faça de idiota — informo virando as costas e caminhando para longe dele.
— Não olhe a minha bunda — aviso e ele gargalha.
— Mas eu não estav...
— Tudo bem, eu nasci ontem — falo e ele ri.
— Você vai precisar de roupas leves, se não vai morrer aqui — informa e eu o olho.
— Peça que Chloe lhe arrume algumas — passa por mim indo atrás da minha tia e eu vou andar pelo local.
Quanto mais eu conhecia o local, mais dor e tristeza eu via. Via a dificuldade que eles tinham em se comunicar pelas línguas diferentes, via alguns americanos como eu trabalhando em diversas coisas, alguns na tentativa de cavar um poço para água, outros em tentar sanar a fome daquela população tão grande e outros tentando ajudar os doentes.
— Temos quarenta mil pessoas neste campo — Chloe conta me assustando e eu a observo rapidamente —, quarenta pessoas morrem por dia de todo tipo de doença mais idiota que você trata com facilidade na América, mulheres morrem por serem estupradas e espancadas até a morte, pessoas morrem de fome, de sede e ninguém faz nem ideia do que acontece neste lado do mundo. Eles preferem simplesmente ignorar seres humanos porque vivem de forma cômoda — desabafa e eu seco uma lágrima que escorre observando do alto todo aquele acampamento.
— Sei que é difícil, mas não demonstre fraqueza perto deles, seja o mais otimista e segura que puder, isso os ajuda. Eles já sabem a merda em que se encontram e esperam que nós possamos os “salvar” e você precisa ser a super-heroína deles todo santo dia — pede e eu concordo.
— Eu vou te apresentar o local, o pessoal, te dar roupas mais leves e depois vou te ajudar a dar sua primeira aula já que falo o idioma deles — assinto agradecida.
— Muito obrigada, Chloe — sorriu e ela assente sorrindo.
— Somos uma família, Katie — assinto sorrindo mais.
O campo era dividido entre a parte que eles distribuíam as doações que recebiam de comida para que eles pudessem cozinhar e se alimentar que era chefiada por Alicia. A distribuição de água que estava encontrando problemas, já que eles precisavam escavar para encontrar água e a máquina que eles usavam estava quebrada que era chefiada por Joe que construía absolutamente tudo que o campo precisasse. A administração do local que era chefiada por Miguel, onde ele tratava de doações e tentava fazer com que o governo os ajudasse. O centro médico precário, que encontrava dificuldades em medicamentos, macas, equipamentos e só salvavam vidas ali por serem excelentes médicos que era chefiado por minha tia Marcy, eles tinham os enfermeiros Sarahah e Raj que sabiam as línguas das duas populações que habitavam ali e por fim, mas não menos importante as professoras, eu e Chloe e sabemos bem quem manda nisso por aqui.
Amarro meus cabelos em um rabo de cavalo alto, passo protetor solar e troco minhas roupas pelas que Chloe me arrumou.
Calça que acabava logo após os joelhos, de linho, branca, regata branca e uma alpargata clara também.
[...]
Passei o dia todo com Chloe me ensinando absolutamente tudo sobre o lugar, ela conseguiu me animar, me fazer rir e entender que eu poderia ajudar muito mais que causar qualquer dano a aquele lugar que já está em sua ruína.
— Como foi seu dia? —Theo me assusta da porta da minha cabana me fazendo revirar os olhos.
— Você está machucado — falo e ele assente.
— Conte outra, gênio — reviro meus olhos.
— Meus tios estão bem? — assente.
— Você é noiva ou algo assim? — Aponta para o colar fora da minha blusa e o ponho para dentro o escondendo.
— Não falo sobre minha vida pessoal — me levanto.
— Sua tia pediu para que toda equipe se junte para tratarmos de assuntos — fala saindo da cabana e eu o sigo.
A temperatura cai muito no deserto de noite, então estava com um casaquinho emprestado de Chloe. Sigo até onde todos se encontram sentados e me junto a eles com Theo se sentando ao meu lado.
— Pessoal, o governador da Somália vem aqui amanhã para saber do que precisamos — Miguel conta e Sarahah desdenha.
— Você sabe que ele não vai ajudar em nada, Miguel — constata.
— Precisamos ser otimistas — pede —, preciso saber do que vocês precisam para passar para eles — informa.
— Eu preciso de equipamentos descentes e medicamentos — minha tia fala com desdém.
— Cadernos e lápis seriam bons — falo tímida e ele assente.
— Grãos — Alicia pede ele assente.
— Preciso de uma peça para um novo poço, daqui alguns dias não teremos mais água — Joe conta e Miguel arregala os olhos.
— Quero duas vadias e uma garrafa de gin — Theo fala fazendo todos rirem e eu reviro meus olhos.
— Joe, preciso que construa uma nova fossa longe do acampamento para que eles possam usar o banheiro, preciso que juntem os saudáveis que ainda nos restam e cavem covas novas, de noite, não quero que eles morram de uma maldita depressão — minha tia pede e ele assente.
— Trate toda a água com cloro, toda, existem muitas doenças — Joe concorda.
— Foram quantos hoje? — Theo pergunta.
— 17 do meu lado — Sarahah conta.
— 19 do meu — Raj conta.
— Foram mais do que ontem — Theo fala parecendo chateado pela primeira vez me fazendo olhá-lo.
— Se não arrumarmos mais medicamentos temos no máximo duas semanas — Chloe fala e eu arregalo meus olhos.
—Para... par — tento falar.
— Que quarenta mil pessoas estejam mortas — tio Victor constata e eu arregalo meus olhos.
— Bem-vinda a realidade, princesa — Theo se levanta saindo e os outros o seguem me deixando sozinha observando as barracas com apenas velas acesas.
Grande parte dos seres humanos desta Terra dormem em camas quentes e aconchegantes, tem água encanada e tratada para beber, comida em suas mesas, quando a noite chega ligam o interruptor fazendo com que a luz se ascenda, saneamento básico, mas estas pessoas não tem nada, elas só tem fome, sede e um pouco de vida.
Elas sofrem todos os dias por terem perdido suas casas por conta das guerras civis, elas sofrem com a perdas dos filhos, dos pais, irmãos, amigos, elas sofrem com a fome que os lacera de dentro para fora, eles sofrem com a sede, mas diariamente estamos mais preocupados com os nossos problemas que são absolutamente ínfimos perto da grandeza da dor na África.
— Está impressionada? — Theo pergunta se sentando ao meu lado e observando o acampamento.
— Eu sabia que não era fácil, eu tenho uma ONG de apoio feminino em Napa na Califórnia, mas eu não poderia saber da dimensão da dor destas pessoas — falo e ele assente.
— Eu faço isso desde que tenho 18 anos de idade, eu me apaixonei por ajudar estas pessoas, já estive nos lugares de maior confronto possível, já apanhei, já fui atingido, já briguei para proteger suprimentos, eu simplesmente amo isso aqui e se morrer o fazendo vai ser ótimo — conta e eu assinto.
— Também morreria pelo que eu amo — falo pensativa.
— O que você ama Katherine Chermont? — Pergunta e eu riu triste.
— Seu ex noivo? — o encaro que não tem deboche algum nos olhos.
— Como tem tanta certeza que é ex? — Pergunto e ele dá de ombros.
— Se eu fosse seu noivo, mesmo na Somália, jamais permitiria que você não usasse uma aliança — riu.
— Isso é meio possessivo, poderiam arrancar meu dedo pelo diamante — rimos.
— Provavelmente poderiam, mas ainda sim eu faria questão — gargalho chocada.
— Eu te fiz rir honestamente — fala me encarando sério com seus olhos penetrantes.
— Só faz alguns dias que terminamos, mas é como se eu tivesse a certeza todos os dias que se passam que eu vou morrer sem ele — conto.
— Eu senti isso quando perdi um garotinho daqui que tinha como um filho por conta de uma bala perdida em um confronto entre os Somalis e os Árabes. Ele me seguia por onde eu fosse, ele falava que queria ser como eu quando crescesse e perde-lo foi o pior golpe que este lugar poderia me dar — abre seu coração.
— Eu sinto muito! — Falo honesta e ele sorri.
— Eu também sinto muito por você, mas saiba que mesmo que sinta falta dele todos os dias como eu sinto de Kiki, você vai conseguir viver, este lugar te faz ver que outras pessoas precisam muito mais de você do que o seu egoísmo — aconselha e eu concordo.
— É importante estar aqui — admito e ele concorda.
— Só não passe mais perfumes, madame — riu batendo meu ombro no seu.
— Precisamos descansar, o dia amanhã será puxado, Sarahah e Joe estão planejando roubar a peça do carro do governador para arrumar nosso poço, já que Miguel é ingênuo ao ponto de imaginar que ele fará alguma coisa por nós — rimos.
— Essa eu quero ver — ele assente e nos levantamos.
— Não pegue leve comigo só porque te mostrei minhas feridas — peço o olhando rapidamente.
— Ah, eu não vou Katherine — riu levemente de costas para ele seguindo para a minha cabana.
Continua...
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