1. Spirit Fanfics >
  2. Sensibilidade >
  3. A busca de si em outras metades

História Sensibilidade - A busca de si em outras metades


Escrita por: amanur

Notas do Autor


Boa leitura!

Capítulo 17 - A busca de si em outras metades


Sensibilidade

By Amanur

Capítulo 17

...

A busca de si em outras metades

...

 

A solidão é um estado de constante auto-conhecimento. É estando sozinho que o individuo se conhece mais. É no silencio da alma que se desvenda seus mistérios. Solidão, para muitos, pode também ser sinônimo de silencio. E, portanto, Naruto vivia na constante solidão.

 

Ele passou duas semanas em sua cama, sem contato externo algum. Seus olhos divagavam pelas paredes brancas do seu quarto, às vezes se perdia no teto. Às vezes, ele simplesmente fechava os olhos e fingia estar morto, por que era mais fácil quando não se ouve nada. Ele estava mergulhado num estranho torpor de apatia e estagnação, como se, de repente, seu mundo havia se tornado ainda mais silencioso. Às vezes confundia a voz dos seus pensamentos com as lembranças que tinha de seu avô — aquele que primordialmente o incentivara a escrever; aquele que lhe ensinara a pescar; aquele que lhe ensinara o valor de sua vida.

 

Ele não estava bravo, nem se dizia triste. Estava apenas vazio, oco. Sentia apenas o eco da solidão vibrar do seu espírito.

 

Depois de uma semana sem notícias do loiro, Sasuke resolveu passar na livraria. Achou estranho o modo como ele havia lhe dado as costas da ultima vez, e mais ainda o fato de não ter mais mostrado seu rosto no atelier — ou em parte alguma da cidadezinha. Então, com seu cigarro na boca, no final do expediente, foi caminhando as mãos nos bolsos e fones de ouvido até a loja. Mas no lugar o seu modelo, encontrara uma versão mais velha do mesmo, e logo presumiu que algo havia acontecido. Mas pensou que fosse apenas problemas com a gripe que o derrubara.

 

No final da outra semana, no entanto, ao passar pela loja e ver que o pai dele continuava em seu lugar, resolveu pedir a sua sócia para perguntar sobre ele, no horário do almoço.

 

O homem estava distraído, comendo um sanduíche enquanto lia uma lista de materiais que precisava solicitar para repor na loja, quando a ruiva entrou com o moreno. Ele sequer ouviu o sino sobre a porta tocar.

 

— Com licença, — ela murmurou para chamar a atenção do homem distraído — Vocês têm tintas acrílica da marca X?

 

Minato a olhou, surpreso não tê-la visto ali. E então, reparou nos olhos curiosos do moreno atrás da moça, que parecia procurar algo no interior da loja.

 

— Ah, sim. Temos, sim. Mais alguma coisa?

— Só.

 

Então, ele saiu de trás do balcão e foi até uma prateleira nos fundos onde guardava materiais de pintura. Não eram muitos, por que a loja não era especializada naquele tipo de material, mas por acaso tinha o que ela queria. Em seguida, voltaram para o balcão. Enquanto ele folheava a caderneta de lista de preços dos materiais, Sasuke a cutucou discretamente.

 

— Hummm, desculpe perguntar isso, mas... — hesitou, meio envergonhada — Aconteceu alguma coisa com o moço que ficava aqui?

 

Minato a olhou surpreso, novamente.

 

— Naruto? — e então, ele olhou mais uma vez para a moça, agora com mais atenção — Por acaso você é a namorada dele?

— Ah, não, não... Sou apenas uma conhecida. — e sorriu, meio nervosa.

 

De repente, o homem parecia decepcionado.

 

— Bom, aconteceu algumas coisas que o chateou...

— Como assim, ele foi embora?

— Não, não... Ele apenas tirou uma folga prolongada. Mas se você quiser falar com ele, pode passar em nossa casa — e então, ele pegou um pequeno cartão de visitas da loja, e no verso escreveu o endereço para entregá-la — Você pode encontrá-lo aqui. Na verdade... Eu agradeceria se falassem com ele... Naruto anda meio cabisbaixo... — lamentou.

— Nós iremos, sim. Obrigada.

 

Ela pagou pelas tintas, pegou a sacola, se despediu com um aceno e saíram da loja. Imediatamente, Sasuke tomou o cartão das mãos dela, vendo que não era muito longe dalí.

 

— “Vou lá.” — disse entre gestos.

— Sasuke, por que você está tão interessado nele? Tem certeza de que é apenas por sua pintura?

 

Ele suspirou.

 

—“ Você sabe que nasci aqui... Eu conheço ele, mas parece que ele não se lembra de mim.”

 

E sem mais, o moreno lhe deu as costas.

Enquanto caminhava pelas sombras das calçadas, ia pensando na decepção que vira no rosto do pai dele, e se perguntou por que a pianista nunca tinha se apresentado para os pais do próprio namorado. E há quanto tempo eles estavam juntos.

 

A casa dele era um pequeno sobrado de dois andares, no final de uma rua, na vila de pescadores da cidade. O pequeno portão estava aberto, e uma mulher varria a entrada cheia de folhas secas. Ele pensou em como dizer a ela que procurava pelo loiro, com todo aquele problema que tinha para falar. Ele ia e vinha pela calçada, pensando numa solução, mas nenhuma resposta viável lhe veio em mente. Então, se aproximou do portão, assim mesmo.

 

Kushina tinha o visto rondar a casa naquele vai e vem. Desconfiada, com a vassoura nas mãos, se aproximou dele.

 

— Você está procurando alguém? — indagou.

— Naruto. — sussurrou, logo tossindo em seguida. Depois, fez um gesto com a garganta, para dizer-lhe que estava com algum problema para falar. E, então, entregou a ela o cartão que Minato havia escrito.

 

A mulher analisou o cartão, e reparou na letra do marido. Olhou mais uma vez para o rapaz, dos pés a cabeça. Notou que ele tinha algumas manchas de tintas na calça, enquanto o moreno desviava o olhar, meio sem jeito.

 

—  Espere aqui...

 

Então, ela desapareceu, entrando da casa. Ele tirou um cigarro da carteira para fumar, enquanto esperava. A rua estava cheia de pequenas casas, algumas de madeiras, mas todas coloridas. Era um vilarejo pobre o suficiente para alguém ter vergonha de apresentar a namorada rica aos pais, pensou. No, entanto, era um lugar tranqüilo, simpático, cheio de vida. Um lugar pelo qual ele preferiria àquele casarão frio de onde a pianista vinha.

 

Enquanto isso, Kushina subiu as escadas, até o quarto do filho. Naruto estava de costas para a porta, jogado em sua cama. Ela tocou no ombro do rapaz para chamar sua atenção, e preguiçosamente o olhar dele se arrastou até sua mãe.

 

— Querido, um rapaz está lá fora querendo falar com você.

 

Naruto ponderou, entre se levantar ou não. E então, veio a duvida de quem poderia querer falar com ele. Em todo esse tempo em sua existência, ninguém havia batido em sua porta para uma visita. Então, com um pesaroso suspiro, se obrigou até a janela. Afastou as cortinas que bloqueavam a luz sorridente do sol, para ver o pintor lá embaixo, andando de um lado para o outro com o cigarro na boca e as mãos nos bolso.

 

Sua mãe o olhava entre a curiosidade e ansiedade.

 

— Peça para ele subir...

— Você o conhece?

— Sim...                            

 

Sem mais, ela desceu as escadas e convidou o outro rapaz a entrar. Sasuke ia andando pelos cômodos com cuidado, como se estivesse pisando num mundo diferente, numa outra dimensão. Seus olhos passavam por todos os cantos da casa, gravando cada detalhe que encontrava. A casa era simples, mas aconchegante. Tinha a simplicidade de uma família pobre, mas a rica aura das pessoas felizes que ali viviam — e isso, por algum motivo, fazia com que seu olhar imaginasse cenas por entre aquelas paredes.

 

A mulher notou que o rapaz se demorava no olhar desolado, meio perdido, meio esquecido.  Ele estava trazendo à tona alguma lembrança do seu passado, e colocando-as onde seu olhar pousava com um certo abatimento. Então, gentilmente, ela pousou sua mão cansada sobre o ombro dele, e apontou para as escadas.

 

— O quarto dele fica à esquerda.

 

Ele agradeceu com um gesto de cabeça, e seguiu o caminho. seus passos subiam as escadas como se carregassem chumbo; eram lentos e ao mesmo tempo cuidadosos.

 

Era a primeira porta aberta que encontrou, e estava aberta.

O loiro havia se jogado novamente em sua cama, encarava o teto, como se tivesse morrido de olhos abertos. Mas com o rabo do olhou, Naruto captou o movimento.

 

— O que você quer? — resmungou, sem se mover.

 

No entanto, Sasuke não respondeu por que seus olhos bateram diretamente num poema escrito na parede de madeira ao lado do loiro, numa caligrafia quase artística.

 

“Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse pleno de tudo.

 

Enquanto não atravessar
a dor da solidão,
continuarei
a me buscar em outras metades.
Mas, para viver a dois, antes, é
necessário ser um.

 

Onde nós estamos?”

 

 

O loiro continuava a encarar o teto com aqueles olhos azuis, mas eles não mais lhe pareciam com o céu alegre. Pareciam azuis como a melancolia que cobria aquele corpo.

 

Com um suspiro, sentou-se ao lado dele. Só então Naruto resolveu dirigir o olhar para o moreno, em busca de alguma resposta, mas ele também não tinha nenhuma para os seus problemas.

 

— Meu avô foi um segundo pai para mim, estive sempre com ele quando era criança, mas de uns anos para cá me distanciei dele. — Naruto começou a resmungar — Praticamente o esqueci, por que estava preocupado demais com outras coisas, outras pessoas... E ele foi o único a me dizer que eu poderia ser o escritor que eu queria ser. E no final, em seu ultimo suspiro, eu não estava ao seu lado. Não pude me despedir, nem dizer o quanto estava agradecido por ser seu segundo filho... Não pude dizer o quanto ele significou para mim. Mas eu não estou realmente triste, sabe?! Acho que estou... Desapontado. Estou decepcionado comigo mesmo. O que é estranho, por que é a primeira vez que a morte aparece na minha vida, e eu não sei como reagir.

 

Era engraçado — no sentido irônico da palavra — para ele perceber que na verdade não era a primeira vez em que se sentia assim. Na vez em que vira Sakura mergulhar no mar, e seus cabelos se espalharem na água como uma grande mancha de sangue (por que na água, aquele tom de rosa escurecia), ele também ficara sem saber o que fazer ou o que sentir. Ele, até mesmo, ficara paralisado, quase como se estivesse preso num encantamento, que talvez tivesse a ver com a própria morte. Talvez, estivesse apenas seduzido por ela naquela vez, e agora aquele feitiço se repetia.

 

Mas Sasuke desviou o olhar. Num tique nervoso, começou a mexer com as unhas das mãos tentando encontrar algo para lhe dizer, mas tudo o que lhe vinha em mente eram imagens. Imagens turbulentas, sem sentido. Uns borrões de figuras e formas não definidas. Pois, se Naruto se sentia atraído pela morte, Sasuke a repugnava. E ele queria poder, de alguma forma, lhe dizer como deveria acordar. Por que palavras não eram realmente seu forte. Mas se pudesse, lhe faria um desenho que representasse que dias melhores são reais, por que era nisso em que ele também precisava acreditar.

 

Então, inspirado pelo momento, Sasuke resolveu se revelar um pouco mais. Tocou no seu braço, para chamar a atenção do loiro, e quando seus olhos se encontraram no meio daquela aura meio sombria, se deu conta de que não conseguia evitar que seus lábios parassem de se mover tão freneticamente. Era quase como se estivesse com a raiva contida pelos sentimentos do outro, como se, de alguma forma, os menosprezasse.

 

— “Quer saber como eu reagi quando encarei a morte pela primeira vez? Na verdade, eu a chamei. A chamei, implorando para que levasse o meu pai. A chamei da mesma forma com que ele a chamava para me levar. Por que aquele homem só se importava consigo mesmo, e nunca se importou em perguntar como eu estava, como eu me sentia, ou o que eu queria. Ele era um porco machista, egocêntrico, que me torturava dia e noite por que tinha nojo de mim. Ele era o tipo de homem que faria o que fosse preciso para ter o que queria. E ele me odiava, por que minha mãe nos abandonou por minha causa. Ele dizia que eu teria que pagar por isso todos os dias da minha vida. E com aqueles enormes dedos, grossos, ásperos, imundos e raivosos, ele me estrangulava. Ele me odiava tanto que não suportava minha voz... Então, um dia ele chegou em casa, bêbado, quebrando moveis. Eu reclamei, e ele me deu um soco na boca, e me arrastou até banheiro. Nos trancou lá e me espancou até eu perder a consciência... Quando acordei, estava no hospital publico da cidade, com um tubo na garganta e faixas em volta do pescoço, por que aquele desgraçado havia enfiado uma faca na minha garganta para arrebentar minhas pregas vocais. — então, ele ergueu um pouco mais o pescoço, afastando a gola de sua camisa, para mostrar sua cicatriz — Ele odiava tanto a minha voz , que precisava fazer algo para nunca mais me ouvir... Alguns anos depois, quando ele já estava debilitado pelo câncer no fígado, causado pela bebida, e eu já estava mais forte do que ele, fiz o mesmo. Pintei minhas mãos de vermelho...”               

 

O pintor olhava para o poema desenhado na parede, mas seu olhar parecia atravessar aquela camada de madeira, para algum lugar distante. O loiro estava boquiaberto, sem saber o que dizer ou pensar. Ele sabia que tragédias aconteciam a pessoas a todo instante, sabia que qualquer um podia ser vitima de uma fatalidade, e que um dia, cedo ou tarde, todos receberiam o abraço frio da morte. Mas a sensação de ter aquele conhecimento inserido na sua cabeça era tão diferente daquela nova sensação que sentia por estar diante de uma tragédia. Por que, agora, Sasuke lhe passava essa idéia que ele era a tragédia em pessoa.

 

De repente, Sasuke se levanta, enfiando as mãos nos bolsos, sem voltar a olhar para seu modelo.

 

— “Seu quadro está quase pronto... Caso tenha algum interessem em vê-lo. ”

 

E então, lhe deu as costas, e desapareceu.


Notas Finais


Algum comentário?
|
O poema é uma mistura de um texto da Clarice Lispector com outro do Fernando Pessoa. Fiz algumas alterações para se adequar à situação da fic.


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...