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História Sensibilidade - Odeio Tudo


Escrita por: amanur

Notas do Autor


Boa leitura.

Capítulo 2 - Odeio Tudo


Sensibilidade

By Amanur

Capítulo 2

...

 

 

Eu estou morto.  Todos nós estamos. E acho que nunca estive vivo. Mantive o coração tão frio, em ocasiões que solicitava o contrário, que às vezes surpreendia a mim mesmo... Você entenderá o que quero dizer quando chegar ao final desta história.

 

Até meados de 1990, minha cidade era um lugar, praticamente, desconhecido pelos turistas. Aos poucos, por um motivo ou outro, pessoas de fora vieram chegando de mansinho, construindo casas, estabelecendo pousadas, hotéis e aumentando o comércio. Agora, parece ter virado uma pequena colônia, onde japoneses de todos os lugares brigam por espaço nos meses de verão. Meu avô pescador resmungava fazendo previsões do futuro com base em seus “achismos”, que daqui a alguns anos não teríamos mais lugar para viver na ilha. Ele dizia que os naturais do município teriam de migrar para outro lugar para dar espaço aos turistas. Lembro-me de uma tarde quente, na metade de Janeiro de 2001, em que estava sentado na beira da estrada com ele. Eu olhava para a fila de carros que se movimentavam pela rua principal do município, quando vimos um sedã preto com placa de Tokio. Eu mastigava um pedaço de palha do vizinho que fazia chapéus, quando vi meu avô se remexer no banco de concreto em que sentávamos à sombra dos galhos de uma árvore.

 

— Tá vendo, Naruto? Anota o que estou te dizendo! Esta praia vai virar numa maldita cidadezinha capitalista. Agora temos até estrangeiros aqui! Vê se pode uma coisa dessas! O senhor, seu Prefeito, já mandou reformar a praça e ainda quer mandar construir uma galeriazinha de lojas de souvenires para alegrar os turistas. Triste fim! Os pescadores vão desaparecer. Anote aí, no seu caderno, o que estou te dizendo... — então, foi o que eu fiz. Anotei as palavras do meu avô, por mais que não concordasse com sua teoria.

 

Bom, confesso que nunca fui grande entendedor de política, e menos ainda de economia. Talvez ele estivesse mesmo certo, mas talvez não.  Eu acreditava que as pessoas não iriam deixar de comer peixe, entre outros frutos do mar, e não abdicariam do privilégio de os conseguirem pelo preço baixo que os pescadores locais vendiam. No entanto, eu concordava em uma coisa com o meu avô: turistas são um saco! Fazem barulho vinte e quatro horas por dia, e ainda sujam nossas praias. E como se fosse pouco, não respeitam o trânsito, jogam papel e latas nas ruas, e trazem seus carros possantes para poluir nosso ar puro. Graças ao vovô pescador, passei quase toda a minha vida me sentindo indignado com isso. Detestava o verão com todas as minhas forças.

 

Pelo menos, assim foi até o final do verão daquele ano, naquele domingo em que a vi pela primeira vez.

 

Depois daquele nosso encontro na praça, não nos falamos mais. Ela simplesmente se levantou e partiu. E eu fiquei.

 

Umas duas semanas se passaram, e em outro Domingo quente, o sol lambia a minha pele na praia novamente. Como de costume, eu boiava olhando para as poucas nuvens que flutuavam a cima de mim, enquanto algumas poucas gaivotas sobrevoavam por entre nós — eu e os nervos de algodão. Eu ouvia seus gritos em meio aos uivos do mar, enquanto deixava as ondas que me acariciavam me levar para onde quisessem. A água estava morna, e não havia ninguém por perto num raio de, pelo menos, uns quinhentos metros. As nuvens iam calmamente se passando por mim enquanto eu cantarolava com meus botões alguma melodia que tinha de cabeça, da minha infância. Mas era estranho falar e não ouvir a própria voz. Pensar e não ouvir o que digo.

 

E era nisso o que estava pensando quando, de repente, uma pequena onda me pegou de surpresa me obrigando a afundar na água.

 

Eu já disse que o mar daquela ilha parece uma grande piscina verde e azul de ondas suaves? Se o Paraíso existe, e lá houver um mar, acredito que ele seja como as praias dali. Limpa, quente e calma. Eu não me importaria de me transformar numa sereia macho para viver naquele mar...

 

Voltando aos fatos, uma pequena, mas suficiente, quantia de água entrou em minhas narinas, afogando minha concentração. Eu havia me perdido no tempo, e não sabia dizer quantos minutos se passaram desde que mergulhei no mar. Quando voltei à superfície, olhando para a beira da praia, quase em frente a mim estava ela — a garota que mudaria a perspectiva que eu tinha de ver o meu pequeno mundo. Mas claro que eu não sabia disso, naquela época. Essa seria uma descoberta de um pouco mais de um ano.

 

Desta vez, pelo menos, ela vestia um biquíni, e a pele dela parecia brilhar contra o sol.

 

— É bom que você tenha um bom protetor. — resmunguei.

 

Ela virou o rosto para mim, depois de jogar água em sua face para se refrescar.

 

— Não tem problema, eu gosto da sensação da pele ardendo em chamas.

— Ninguém gosta disso. — estranhei.

— Eu gosto, ora.

 

Na beira da praia, estava aquela senhora que havia comprado os livros. Ela estava de pés descalços, molhando os dedos e ao mesmo tempo tentando conter o cachorro, mas não estava vestida para tomar banho de mar. Ela se lembrou de mim, no entanto, pois abanou para mim — a garota estava de costas para ela.

 

— Ela é sua mãe? — indaguei.

— A Tsunade? Ela é apenas uma babá...

— Babá? Você tem irmãos?

— Muito engraçado. Ria o quanto quiser.

— Está brincando? A babá é sua mesmo?

— E odeio ela.

— Ela parece ser boazinha.

— Ela não é.

— Oh.

 

Meu braço, que ainda abanava para ela, foi caindo aos poucos, imaginando o que aquela senhora poderia fazer com minha musa.

 

— Ela comprou dois livros de música da livraria do meu pai. Ela toca para você?

 

Ao invés de me responder, ela mergulhou na água. Deu duas voltas por mim, como se fosse uma sereia, brincando em volta de seu mais novo achado. Vi seus cabelos se moverem embaixo da água como serpentes aquáticas. E, então, ela voltou à superfície.

 

— Eu nunca vi uma praia de água tão morna como essa. — ela disse.

— Eu amo essa praia.

— Eu odeio aqui.

— O quê? Por quê?

 

Ao invés de me responder, ela mergulhou na água. Deu duas voltas por mim, como se fosse uma sereia, brincando em volta de seu mais novo achado. Vi seus cabelos se moverem embaixo da água como serpentes aquáticas. E, então, ela voltou à superfície.

 

— Por que você não me responde?

— E por que você tem tantas perguntas?

 

Me calei. Nunca havia parado para pensar no por que de eu fazer tantas perguntas. Mas acho que a razão era bem óbvia, não é mesmo?

 

— Para entender como as coisas funcionam.

— E por que você tem que entender?

 

Ela me calou mais uma vez. E desta vez não soube como respondê-la. Não havia um motivo para querer entender nada. Era tudo apenas uma necessidade nata da curiosidade humana, que não tinha nenhum propósito específico, se não ampliar conhecimentos e aplicá-los em algo. Mas por que eu tinha de ampliá-los?

 

— Só sei que eu tenho que entender por que acho você tão bonita. — eu disse a ela. E nem pude acreditar que tivesse conseguido dizer aquilo em voz alta, por que realmente não era do meu feitio. Foi impressionante a forma natural com que aquilo saiu da minha boca.

— Você me acha bonita? — mas o mais engraçado foi perceber o quão surpresa ela parecia — Se você tivesse que se descrever, como o faria?

— Como assim?

— Você acha o seu nariz pequeno demais? Longo demais?

— Não... Acho-o normal.

— E seus lábios?

 

Mordi meu lábio inferior pensando naquilo.

 

— Por que você quer saber o que eu acho de mim mesmo? Por acaso você me acha feio?

— Argh! Esquece. — de repente, ela parece ter perdido a paciência e saiu andando na água meio emburrada.

 

Eu não entendi o que aquela garota estava tentando fazer comigo, mas achei interessante a maneira estranha com que ela levava uma conversa. Ela não era uma adolescente ordinária, como outra qualquer. Mas outra vez fiquei ali parado como um pateta olhando para ela no meio da água, se afastando com seu cabelo molhado nas costas pálida. Ela não era como as garotas da minha escola, cheia de curvas e necessidade em se mostrar. Nem mesmo fio dental ela usava. Seu biquíni tapava mais da metade de sua bunda magra.

 

Eu a desejei mais ainda.

Naquela noite, antes de me deitar na minha cama, escrevi alguns versos no meu caderno.

 

“Quando será o dia em que irei ouvi-la dizer:

Eu preciso imediatamente de você?

 

É neste silencioso momento

em que meus olhos

mergulham no teu tormento.

 

E eu me afogo na espera da tua resposta”

 

Em seguida rabisquei aquela porcaria. Fiquei sonhando acordado com ela durante toda a noite, encarando o teto branco do meu quarto até o sono me levar para bem longe dali.

 

Eu sonhei que ela mergulhava no mar, me chamando para acompanhá-la. Ela dançava em volta do próprio cabelo, na medida em que seguia ao fundo. Ela sorria, parecia feliz ao seu modo. Sua imagem, embaixo da lua, me enfeitiçava mais ainda, ela parecia uma criatura encantada. Ela parecia uma daquelas bailarinas de caixinha de musica, rodopiando e rodopiando. Desta vez, eu fui atrás dela, peguei em sua mão e mergulhamos no mar. Fomos nadando até as profundezas daquela praia, e ainda deixamos um cardume de peixes azuis nos levar até a escuridão nos engolir, nos sufocar, nos esmagar.

 

Mas acordei no dia seguinte tranqüilo. Um pouco inquieto, na verdade. Mas só por que eu me perguntava por que motivo ela odiaria um praia maravilhosa como aquela. Desde quando ela a odeia? Ela já havia estado aqui antes? Desde quando? E onde eu estava para nunca tê-la visto?

 

Bom, a resposta veio em seguida, quando meu pai entrou na cozinha, me pedindo para cobrir ele mais uma vez na loja.

 

— Vou até Osaka para pegar mais umas caixas de livros didáticos. Já-já as aulas recomeçam, é bom estarmos com o estoque cheio. Você me cobre, Naruto?

— E quando foi que eu não fiz isso? — resmunguei.

— Haha, é verdade. Eu vou comprar aquele caderno que você tanto queria, por ser tão bonzinho, ok?

 

Meus olhos brilharam, por que o caderno era bem caro. Tinha folhas especiais, mais grossas, mais resistentes. O lápis deslizava com mais facilidade sobre sua superfície, e a capa de couro tinha um fecho, impedindo-o de abrir-se e derrubar minhas folhas soltas, por que eu tinha mania de escrever coisas em qualquer pedaço de papel.

 

Então, naquela dia, eu fiquei o tempo inteiro na livraria rabiscando palavras após palavras no meu velho caderno. Vi o relógio dar duas voltas completas sem uma alma preencher aquele lugar. Mais tarde, notei que o ventilador de teto balançava de um lado para o outro enquanto girava. Deveria estar bastante rangente. E as folhas da planta da minha mãe começavam a se debater umas contra as outras, em virtude do vento que invadia a loja pela janela. Lá fora, o tempo parecia entristecer-se com uma camada de nuvens cinzas. Preguiçosamente, me levantei e fechei o vidro. Quando voltei ao meu banco, dei de cara com a menina me encarando como uma aparição de outro mundo.

 

— Jesus Cristo! — resmunguei.   

 

Com toda sua graça, ela se apoiou no balcão com os cotovelos. Naquele dia ela estava com o cabelo solto, escorrendo suave pelos ombros delicados. Por pouco não joguei meus dedos entre seus fios, louco para acariciar aquela maciez que brilhava com a luz do dia. E seu perfume doce me envolveu instantaneamente num abraço mortal, do qual mal consegui me libertar, não fosse por aquele olhar penetrante de pedra preciosa encantada que me despertava. Então, percebi que seus lábios macios estavam pintados num leve tom de sangue, me fazendo desejar sugá-los como um vampiro sedento, me levando de um feitiço para outro. Seu corpo esguio estava coberto num leve vestido negro que acariciava sua pele, e batiam em seus joelhos delicados. Eu tinha apenas quinze anos, mas soube ali que jamais alguém seria capaz de me iludir daquela maneira como ela fazia.

 

Em seguida, as patas e cabeça do cachorro surgiram ao lado dela, espiando minha mesa.

 

— Ouvi dizer que você gosta desse lugar. — ela disse.

— Muito.

— Por quê?

— E por que você quer saber?

— Não quero saber.

— Então por que perguntou?

— Estou entediada. Entretenha-me.

— Hehe. Eu não sou um palhaço.

— Eu não disse que era.

— Mas insinuou.

— Não me culpe pelas coisas que você interpreta mal.

 

Uma veia de irritação saltou da minha testa. Então, tive uma idéia, que me pareceu realmente ótima.

 

— Você gosta de ler? — perguntei.

— Não. — e então, todo meu entusiasmo evaporou — Mas gosto quando me contam uma história... — ela virou o rosto, como se estivesse meio encabulada por estar confessando aquilo.

— Você não gosta de ler, mas gosta quando leiam para você?

— Qual o problema em gostar de ouvir a voz das pessoas?

— Oh... Nenhuma... — não sei se ela teria dito aquilo de maneira diferente, se soubesse o quanto eu desejava conhecer seu tom de voz.

— Você é surdo, não é? Então deve saber bem.

— Sua babá não deixou escapar nada, não é mesmo?

— A boca dela só não é maior do que os peitos por que não caberia no rosto dela.

— Eu não acho justo falar mal das pessoas quando não estão presentes... — falei.

 

Ela ficou calada, me olhando, com uma expressão completamente passível. Não expressava absolutamente nada, como se não passasse de uma boneca. Aquilo foi tão estranho, por que me deixou completamente desarmado, sem reação. Eu não sabia o que se passava na cabeça dela, para poder responder de acordo, e isso me deixou muito sem graça.

 

De repente, um som nos assusta. O cachorro dela havia derrubado alguns livros de uma pilha que eu tinha num canto da parede para organizá-los quando tivesse paciência. Então, fui correndo atrás dele.

 

— Xô, xô! — resmunguei — Cuide do seu cachorro, por favor. Meu pai me mata se algum deles estragar.

 

Enquanto eu os reorganizava na pilha, ela se aproximou. Agachou-se ao meu lado, pegou um livro, e o entregou a mim.

 

— Sou eu quem toco piano. — de repente ela diz.

— Oh. Legal.

— Eu odeio piano.

— Posso vê-la tocar algum dia?

— Para quê, se não consegue ouvir?

— Por isso disse vê-la tocar, não ouvi-la.

— E como saberá que estarei tocando algo bom?

— Eu não preciso saber disso.

— Como saberá se sou boa no piano?

— Eu não preciso saber disso.

 

Ela sorriu, satisfeita. Foi então que percebi que ela odiava tudo, na verdade. Quero dizer... Ela gostava de dizer isso, mas no fundo era o contrário. Ela só não sabia dizer o oposto.


Notas Finais


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