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História Separate Ways - Phobia - Lar


Escrita por: oikamis

Notas do Autor


Boa noite, girls!
Ufa, fugi um pouco para postar o capítulo, espero que gostem!
Sugestões e críticas, é só comentar! <3

Capítulo 11 - Lar


Fanfic / Fanfiction Separate Ways - Phobia - Lar

Haviam se passado duas semanas desde o meu aniversário. As aulas tinham voltado ao normal, os alunos continuavam comentando sobre a festa e alguns poucos eram tachados de loucos por afirmarem ter visto cadeiras se movendo sozinhas — mal sabiam que eram os únicos certos da história toda.

As coisas haviam voltado ao seu ritmo normal e monótono, a não ser pelo estranho sonho que eu tinha quase todas as noites desde então, se repetindo incansavelmente. Na verdade era mais uma sequência de imagens aleatórias do que algo concreto, no qual havia um homem velho de cabelos e barba manchados de grisalho sentado atrás de uma mesa, o boné com a estampa gasta pelo tempo combinava com a camiseta xadrez folgada. Ele ficava ali por horas, na mesma posição, encarando livros e papeis enquanto esvaziava uma garrafa de uísque que ficava fielmente ao seu lado. Eu podia sentir o cheiro da bebida misturada com tabaco e óleo de motor quando o mesmo voltava os olhos para mim, sorrindo enquanto resmungava algo inaudível.

Era nesse momento que eu sempre acordava.

Encarei o teto, novamente desperta. Olhei o relógio digital e eram dez da manhã de um domingo. Eu não tinha muitas opções de lazer que realmente viessem a me motivar a levantar da cama. Eu podia fazer compras com Jessica e America, podia organizar uma festa do pijama, podia convidar todas as garotas para relembrar os velhos tempos em uma balada casual, podia até mesmo bolar algum plano para ferrar Carla, como antigamente, mas só de imaginar me dava preguiça. Seria a maturidade enfim chegando?

Rolei para o lado, deslizando a tela do celular e procurando na agenda alguns contatos que parecessem interessantes. Parei por um momento no número de Jimmy, pensando se eu poderia chamá-lo para um programa mais familiar, mas logo descartei a ideia. Meu irmão tinha os amigos dele com quem sempre procurava alguma festa para se entreter e, ultimamente, Marianne sempre ia com ele, então eu ficava sem escolhas.

Claro que eu podia ficar em casa, mas ficaria sozinha, porque até mesmo meus pais sempre saiam nos fins de semana. Nessas horas eu era capaz de sentir falta de Logan, apesar de nosso relacionamento ter fracassado, ele era uma ótima pessoa para conversar e se divertir, mas convites para saídas casuais estavam fora de questão, já que ele sumiu do mapa e me deletou de todas as redes sociais. Havia boatos entre as garotas de que o mesmo até havia viajado para o Canadá no início da semana passada, o que me dava um aperto no peito devido a situação em que ficamos.

Suspirei, esfregando os olhos e deixando um dos meus braços cair para o lado. Procurei aleatoriamente os contatos na agenda novamente e arqueei a sobrancelha quando percebi que eu ainda tinha gravado o número de Sam Winchester.

Agora eu tinha duas opções: Deletar o número de Sam e aproveitar que havia me livrado dos problemas sobrenaturais ou ceder ao estranho puxão irracional, ligar e saciar minha curiosidade quanto a algumas coisas mal explicadas.

Mordi o lábio, meus dedos coçando enquanto meu cérebro pesava as propostas e gritava para que eu excluísse logo aquele número, porém eu acabei por chutar o balde da sanidade e encaminhei a chamada, esperando o Winchester atender no terceiro toque.

— Esther? — sua voz soou surpresa.

— Oi, eu... — desafinei com voz de sono, buscando melhor as palavras sem realmente saber o que dizer — Liguei para saber como vão as coisas. O que aconteceu depois daquela noite, você sabe.

Sam esperou um momento enquanto eu puxava os lençois com demasiado nervosismo.

— Dean está bem, se é o que você quer saber, apesar de um pouco abalado. — o mesmo entendeu a pergunta implícita e eu queria me estapear.

— Bem do tipo humano? — enfatizei, não conseguindo imaginar muito bem essa situação.

— Cerca de noventa por cento. — contou em tom animado.

— Hãm... Eu também queria esclarecer algumas dúvidas, mas acho que vocês devem estar bem longe do Texas agora. — comentei, lembrando que eles estavam só de passagem por aqui.

— Na verdade, não. Decidimos ficar até acertamos as coisas e depois voltaremos para o Kansas. — o moreno esperou um instante, a próxima pergunta soando descrente na voz dele — Você gostaria de vir até aqui?

— Eu não sei... — suspirei, ainda brigando comigo mesma internamente por estar buscando o caminho de volta para as loucuras que eu havia conseguido me livrar.

— O Dean comentou que queria conversar com você. — falou por fim e eu imaginei no quão desconfortável seria essa cena, o loiro pedindo desculpas e com cara de tacho. E isso seria divertido, eu merecia vê-lo nesse estado depois de tudo o que me fez, era o mínimo.

— É muito longe? — indaguei com demasiada animação, sentando-me empolgada na cama. 

— Eu envio o endereço por mensagem.

Cerca de duas horas depois, eu havia achado o tal endereço em um prédio afastado no centro de Galveston. A fachada desgastada mostrava que o lugar era bem clandestino, tanto que a recepcionista nem se importou em fazer muitas perguntas antes de me deixar passar. Subi dois lances de escada até a porta 133, batendo algumas vezes. Esperei cerca de meio minuto até ouvir a mesma ser destravada e Castiel aparecer.

— Olá — acenei com a mão para o anjo, que sorriu para mim.

— Achei que tinha dito que nunca mais queria ver nenhum de nós. — apontou em dúvida, abrindo espaço para que eu entrasse.

— Mas as circunstâncias mudaram um pouco. — dei de ombros, um pouco constrangida enquanto ele trancava o quarto — Onde está o Dean? — questionei, buscando o cômodo e não o vendo em nenhum lugar. O sofá bagunçado com malas, bolsas e roupas combinava com vários papeis presos na parede com anotações e indicações de lugares. 

— Ele acabou dormindo, ultimamente ele tem dificuldades para dormir. — explicou o moreno, vindo na minha direção. Nesse momento percebi que Castiel usava apenas uma camiseta social azul clara junto com a calça preta, o sobretudo bege jogado em cima de uma cadeira. Ele ficava com um ar tão normal daquele modo que era quase impossível acreditar que eu estava de frente para um anjo, a não ser quando o mesmo me encarava diretamente nos olhos, eu me sentia tão eletrizada que podia jurar estar olhando diretamente para o céu.

Como estava acontecendo nesse exato momento, nós dois nos encarando fixamente de um jeito muito constrangedor.

— Olá, Esther — ouvi a voz de Sam e imediatamente virei de costas, acenando para o moreno, passava por uma das portas com um notebook em mãos.

— Oi, Sam.

— Como está a sua família? — questionou, o braço que estava com a tipóia agora estava livre novamente. 

— Estão bem, sobrevivendo aos prejuízos da festa. — assenti, lembrando da cara de derrota de meu pai ao assinar o cheque para cobrir os estragos do salão — Seu braço está melhor?

— Ainda dói um pouco quando eu forço, mas estou me adaptando — disse franzindo os lábios.

— E Jimmy? — indagou Castiel, contornando o cômodo para acomodar-se próximo ao sofá bagunçado.

— Eu vim mais por causa dele.

— Você quer saber mais sobre o que ele é. — adivinhou o anjo, prontamente enfiando a mão dentro de uma das bolsas e alcançando um caderno, colocando-o em minhas mãos — Veja.

— É o mesmo livro que você me deu uma cópia? — reconheci a letra pesada assim que o abri, só que este era original. O Diário de Bobby Singer, eu quase podia sentir o cheiro de uísque quando passei o dedo sobre uma mancha amarelada na folha.

— Você o leu? — perguntou e eu me lembrei dele guardado na gaveta da cômoda, intocado.

— Não, realmente. — fiz uma careta, um tanto envergonhada.

— Tem uma explicação bem detalhada sobre nefilins nesse diário. — gesticulou Sam, sentando a mesa e colocando o notebook a sua frente.

— Mas se Jimmy é um nefilim, como eu não sou? Eu não consigo me curar de um cano enfiado na barriga. — protestei e os dois se encararam com olhares tensos.

— Talvez seja um choque para você ouvir isso, mas se Jimmy fosse realmente seu irmão, você também não seria humana. — falou o Winchester e eu demorei alguns segundos para processar o que ele estava insinuando.

— Está dizendo que não somos irmãos?

— Não totalmente, talvez meio irmãos. — considerou balançando a cabeça.

— Não pode ser verdade! — exclamei com um misto de irritação e surpresa. Como eles simplesmente podiam dizer isso baseado em teorias? — E como você sabia disso? — apontei para Castiel, que permanecia calmo.

— Alguns seres sobrenaturais podem reconhecer outros, assim como reconheci Gerard, percebi que Jimmy não era humano no momento em que coloquei os olhos nele. — contou o anjo.

— Eu não consigo acreditar nisso. — balancei a cabeça rapidamente, começando a andar de um lado para o outro. Incrivelmente aceitando mais fácil do que achei que poderia a hipótese de não sermos totalmente irmãos — E ele não pode se livrar disso? Como vocês fizeram com Dean? Você disse que agora ele não é mais um demônio.

— Por partes, Esther. — pediu Castiel, gesticulando no ar — Dean não nasceu demônio, Jimmy nasceu nefilim. Se existe cura para isso, em milhares de anos eu nunca ouvi falar.

— Eu sinto minha cabeça confusa...

— Se ler esse caderno, vai ficar muito pior. — disse Sam, arqueando as sobrancelhas. Suspirei com um grunhido, me afastando para longe como se pudesse me livrar dos problemas. Parei de frente para o espelho, encarando meus olhos castanhos e o cabelo preto, algumas ondas se formando abaixo dos ombros. Não havia diferenças físicas entre mim e Jimmy ou entre mim e nossos pais, todos tinham os traços fortes italianos. Cabelos escuros, rosto delicado. Não era possível aceitar que não fôssemos parentes.

— Como vocês conseguiram curá-lo, afinal? — perguntei após dois minutos em silêncio, debatendo comigo mesma.

— Sangue humano benzido e dias de tentativas. Não sabíamos se ele iria sobreviver, mas no fim, conseguimos. — Sam respirou com pesar — Porém a Marca de Caim não sumiu e não podemos deixar que ele se transforme novamente.

— Eu ainda não consigo entender totalmente. — franzi a testa  e Castiel indicou o assento ao seu lado no sofá, cruzando os cotovelos nos joelhos.

— Certo, vamos do início. — começou e eu ouvi a cadeira de Sam arrastar.

— Eu vou até pegar um café que a história é longa. — O Winchester deu uma risada, atravessando para o outro cômodo que havia no quarto.

Castiel começou a narrar uma série de acontecimentos que mais pareciam ter surgido de algum livro de ficção. Desde os Leviatãs — criaturas primitivas que abrigam um lugar isolado chamado Purgatório —, passando pela descoberta dos Homens de Letras, que eram os especialistas nas artes de combater os monstros sobrenaturais, até chegar em Metatron, o escriba de Deus que fez toda a haste celeste literalmente despencar céu abaixo enquanto Sam e Dean tentavam fechar as portas do inferno.

Após algum tempo de conversa, minha mandíbula já estava doendo de tanto que eu ficara boquiaberta diante das descobertas. O Winchester já havia pegado umas três xícaras de café e estava indo para a quarta enquanto Castiel brincava com os botões das mangas de sua camiseta.

  — Tudo isso parece um filme, sabia? — comentei e ele deu uma risada sem graça, virando o rosto para me fitar.

— Dos bem trágicos.

— Digo, você e Dean irem parar no Purgatório para se livrarem dos Leviatãs que estavam dominando o mundo, conseguirem sair daquele lugar direto para achar as placas que podem fechar o céu e o inferno... — falei rapidamente, imaginando as cenas.

— Comigo sendo controlado por outro anjo, Naomi, deixou tudo bem mais complicado — falou no meio das minhas constatações.

— Bem, mas ela tirou você do Purgatório, não deve ter sido tão ruim. — dei de ombros.

— Ela me queria fora para ser um soldado. — disse, as feições tensas ao recordar os acontecimentos. 

— E é isso o que você é? Não? — questionei quase como se estivesse refletindo em voz alta.

— Eu não sei mais. — suspirou com a expressão cansada. 

— Mas no fim vocês consertaram as coisas. Dean conseguiu convencer o Sam a não fechar o inferno, o que poderia matá-lo, e você pegou Metatron. — constatei positiva.

— Em partes, sim. — concordou. 

— Nem tudo são flores, mas há um lado bom nas coisas.

— Eu sou caçado por todos os meus irmãos, condenado e acusado de traidor. Qual o lado bom nisso, Esther? — o anjo  me encarou profundamente e eu fitei as anotações na parede.

— Você tem Sam, e agora Dean.  — falei após alguns segundos e ele assentiu, concordando com a afirmação. Até onde eu sabia, para um celestial ser ligado a algum humano da forma que eles eram, a amizade era quase como um laço familiar.

— Por que você não olha nos olhos? — perguntou por fim, enquanto eu devaneava, brincando com minhas mãos sob meus joelhos.

— Eu não sei... — respondi sacudindo a cabeça, desconcertada pela pergunta repentina. De repente me sentindo familiarizada demais com aquela questão, minha resposta formulada foi quase que automática — Talvez porque eu fique desconfortável com alguém me olhando nos olhos por tanto tempo? Todo mundo fica...

Exceto você que é anormal. Como... — dissemos em uníssono, parando antes que eu pudesse terminar a frase. Castiel estreitou as pálpebras, tão confuso quanto eu. Por um momento era como se aquela conversa já tivesse sido feita antes, uma espécie de déja vú. De alguma forma, eu sabia de cor as palavras que sairiam de sua boca antes mesmo que ele as pronunciasse. 

Nos encaramos por instantes, a sensação permanecia tão forte no ar que eu sentia como se pudesse tocá-la com os dedos.

— Sammy, onde você colocou o meu... — ouvi a voz de Dean vindo da porta atrás do sofá, quebrando meu transe nostalgico e me fazendo virar o rosto para encará-lo. O mesmo tinha o cabelo loiro bagunçado e usava uma camiseta verde surrada, como quem acabara de acordar. Assim que constatou minha presença, parou bruscamente, desconcertado. 

— Ei, Dean. — falou Castiel, também se recompondo e girando o corpo para fitá-lo — Esther veio fazer uma visita.

— Hãm... Esther... — acenou  o Winchester, sem jeito, assim como eu. Se quando estava em sua forma demoníaca graças a Marca de Caim, Dean perdera todo e qualquer sentimento humano, o primeiro que eu vi depois da transformação foi a vergonha. Bem, eu também sentiria um peso moral enorme se tivesse sequestrado, torturado, machucado e ameaçado uma pessoa e depois ela aparecesse na minha frente.

— Olá. — retribui o cumprimento, acenando com a mão. Ao mesmo tempo em que eu me divertia vendo sua reação, também sentia um leve remorso, mas eu podia aguentar.

— Então, do que falavam? — questionou Sam, vindo do outro cômodo com uma xícara cheia novamente. Pergunto-me se ele não sofria de insônia depois de tanta cafeína no sangue.

— Só uma atualização rápida sobre os últimos anos. — contou Castiel, o tom cansado enfatizava os fatos.

— Mas porque ela precisa saber disso? — considerou o loiro, andando até o irmão e descaradamente puxando a xícara, tomando um gole de café — Digo, nós vamos embora.

— O irmão dela é um nefilim e a Esther tem um selo enoquiano, não acha um pouco estranho? — rebateu o moreno, franzindo a testa por ter perdido sua bebida.

— Eu me lembro... — Dean fez uma careta de dor, esfregando os dedos na nuca. Então se voltou confuso para Castiel — Selo enoquiano?

— Hannah falou sobre isso quando tentou tocar a alma dela. — disse o anjo. Sim, eu lembrava bem da ocasião em que a moça me encarou apavorada depois do negócio de "tocar alma".  

— Esses selos não são tipo... Coisas comuns? — questionei, um tanto aflita por ter "algo" dentro de mim.

— Selos de anjos, sim, de arcanjos, não. — gesticulou e Dean soltou um assovio, andando pelo quarto enquanto Sam mantinha as sobrancelhas arqueadas, atento ao assunto.

— E isso é bom ou ruim? — insisti.

— Depende. — continuou após uma pausa.

— Agora vocês estão me assustando. — levantei do sofá rispidamente, não conseguindo controlar a ansiedade. 

— Você realmente não se lembra como ganhou essa tatuagem? — Sam cruzou os braços, em dúvida.

— Não! — rosnei, pela milésima vez — Mas sempre soube que devia se tratar de algo ruim e no fim das contas, é algo ruim.

— Só tem um jeito de descobrir. — Castiel repuxou as mangas, vindo em minha direção. Dei um passo para trás, não gostando do que estava prestes a acontecer.

— Mas, Cass, até mesmo Hannah não conseguiu nada e você quer fazer isso de novo? — interviu o moreno.

— Tem outra sugestão? — questionou o anjo.

— Espera, eu vou ter que ter um braço enfiado em mim mais uma vez? — indaguei, desconfortável.

— Pode ser algum encantamento angelical, toda informação é útil nas circunstâncias que estamos. — incentivou Dean.

— Que droga. — murmurei, tentando ficar imóvel para que aquilo acabasse o mais rápido possível. Castiel passou uma das mãos pelas minhas costas, apoiando o braços, e com a outra espalmou a minha barriga, forçando gentilmente. Dessa vez eu senti apenas uma ardência suportável conforme sua mão desaparecia dentro da minha pele em uma luz prateada. Era bizarro demais de se presenciar.

O anjo retirou o braço após alguns momentos.  

— Nada, mas é estranhamente familiar. — franziu a testa.

— Você acha que existe a possibilidade de a Esther ter tido a memória apagada por um arcanjo? — questionou Sam, coçando o queixo — Isso explica a tatuagem, ela pode ser uma caçadora.

— Isso não faz sentido. E quanto à minha família? Também tiveram a memória apagada? — rebati, descrente.

— Acha possível algo tão grande e nunca termos ouvido falar nada sobre isso? — duvidou Dean, agora recostado contra a parede. Todos se entreolharam, as expressões tão confusas quanto a minha.

— Eu vou para casa, se descobrirem alguma coisa, por favor, me avisem. — falei com um suspiro, caminhando até a porta e a abrindo. Antes de sair encarei o loiro, que estava ali de braços cruzados.

— Cuide-se. — murmurou baixinho e eu senti um arrepio como se aquilo fosse uma ameaça, porém seu tom era casual.

O resto do dia havia passado voando enquanto eu equilibrava meu tempo entre assistir alguns vídeos no Youtube e organizar meus cadernos da faculdade. Meus pais chegaram perto das nove da noite e jantamos macarrão com almôndegas. Tomei um banho e sentei na cama, pegando o livro que Castiel havia me dado. Ele não tinha tantas páginas, então eu comecei a folhear curiosamente até perder a noção do tempo. Havia muito material de folclore, o que me instigou a procurar também em sites do google. Quando me dei conta, eu estava com o notebook, o livro, um caderno de anotações e uma térmica de café ao lado.

Em algum momento eu devo ter adormecido, pois quando abri os olhos já havia sol batendo na janela. Empurrei tudo para o lado e tateei meu celular, não conseguindo encontrá-lo pelo colchão. Fite o teto e franzi a testa, minha lâmpada era embutida e não uma luminária incandescente. Será que meu pai trocara a iluminação enquanto eu dormia?

Sentei-me e levei um susto de imediato. Meu quarto estava totalmente diferente.

Corri até a primeira porta que vi, girando a maçaneta e dando um encontrão que quase me fez cair para trás.

— Que pressa é essa logo de manhã cedo? — questionou Dean com uma careta, segurando meus ombros para que eu permanecesse de pé.

— Dean? — perguntei descrente.

— Que tal uma visita ao shopping hoje? Talvez você queira estourar o limite do cartão clonado de novo. Te deixo dirigir a  baby — ele andou até a janela, abrindo as cortinas roxas e bregas.

— Mas que... — comecei observando ao redor e enviando comandos mentais para que meu cérebro acordasse daquele sonho extremamente real. O loiro se espreguiçou e me encarou com uma careta.

— Que bicho te mordeu? — perguntou se aproximando e eu, por instinto, recuei, saindo pela porta e descendo as escadas dois degraus por vez. Instintivamente seguindo o caminho sem realmente saber onde estava.

O sofá em frente a escada tinha roupas amontoadas e a televisão estava ligada nos desenhos.

— Ei! Quer café? — ofereceu Sam, sentado à mesa com o notebook no colo. O moreno gesticulou com o indicador para a caneca ao seu lado.  

— O que você está fazendo aqui também? — quase gritei, perguntando-me desesperadamente porque eu estava sonhando com os irmãos Winchester de uma maneira tão familiarizada.

— Eu moro aqui. — respondeu com uma risada, sua expressão assumindo feições de sarcasmo. Observei ao fundo da sala, uma mesa repleta de papeis e uma garrafa de uísque pela metade, o cheiro imediatamente invadindo minhas narinas. A sensação de aperto no peito marejava meus olhos e eu não conseguia entender o motivo.

— Não mora! — rosnei com raiva, escapulindo pela porta da frente e dando de cara com o Impala estacionado rente a uma moto preta. Percebi que estava dentro de uma espécie de oficina com várias sucatas de carros antigos, entre elas reconheci a silhueta do meu irmão.

— Jimmy! — exclamei com um suspiro aliviado, até que enfim alguém realmente conhecido. O mesmo usava uma jaqueta de couro marrom e o cabelo estava mais comprido que o habitual.

— Bom dia, Esther. — acenou uma garota loira, entrando no meu campo de visão e se prostrando ao lado dele. Ela arqueou uma sobrancelha, me encarando da cabeça aos pés — Que pijama é esse? Que fofo. — falou com tom de deboche e eu fitei o tecido com estampas de gatinho.

Se eu não estivesse tão desconcertada, podia responder a altura.

— Não deboche da minha irmã, Maison. Só eu posso. — elucidou Jimmy com um dedo levantado, logo se voltando para mim — Que pijama é esse?

— Isso é um pesadelo... É um pesadelo... — murmurei para mim mesma.

Eu sabia que não deveria ter voltado para as loucuras sobrenaturais.  Agora eu estava presa em um sonho bizarro do tipo família perfeita com pessoas que na vida real não representavam nada para mim. E o que mais me deixava perplexa era o fato de eu sentir meu peito sendo esmagado, como se competisse por espaço com uma rocha. Seria isso algum truque para apelar para meu lado emocional?

Corri para longe, disposta a sair daquele local e para longe daquelas pessoas, ouvindo os gritos da garota e as risadas do meu irmão. Segui até o portão da oficina, quase sem fôlego, quando ouvi um farfalhar de asas, como se um pássaro tivesse passado por mim. Senti mãos segurarem minha cintura por trás e me virei de repente.

— Bom dia, anjo — falou Castiel, erguendo os dedos delicadamente até meu rosto e sem nenhuma hesitação depositando um beijo em meus lábios. A sensação fazendo um impulso elétrico sacudir meu corpo inteiro, ofeguei sem ar, atônita — Está fazendo exercício?

— Que tipo de pesadelo é esse? — recuei alguns passos. O mesmo tinha a aparência identica a atual, a única diferença é que usava uma gravata azul marinho e o sobretudo era de um estilo mais inglês. Embora minha mente estivesse dando voltas e completamente perplexa, meu coração havia acelerado em um ritmo mais rápido que um carro de fórmula um.

— Você parece assustada. — o moreno franziu a testa — O que houve?

— Por que você me beijou?

— Que pergunta é essa?

— Você... — comecei, prestes a discutir com uma pessoa existente apenas na minha imaginação — Eu não posso estar aqui.

— E onde mais você deveria estar se não comigo e sua família? — questionou com a expressão confusa e ao ouvir aquela frase meu coração se espremeu contra as costelas.

— Você parece um pouco perdida, menina. — constatou uma voz familiar. Segui o som e dei de cara com um homem de flanela azul e boné surrado, a barba comprida escondia o sorriso.

— Bobby? — arrisquei. Era o mesmo homem dos meus sonhos repetidos, a mesma mesa com papeis bagunçados e o mesmo cheiro de uísque que agora eu sentia sendo trazido pelo vento morno da manhã.

Poderia eu estar sonhando com alguém que eu nem conhecia? Por quê?

— Desacelere, tome um fôlego. Você está em casa. — indicou suavemente, colocando as mãos sobre meus ombros e neste momento eu desmoronei em lágrimas.

Pelo que eu sabia do tal Bobby Singer é que ele estava morto. E eu senti como se nunca pudesse superar.

Quando eu acordei, estava ensopada de suor. O som da chuva batendo contra as telhas da casa parecia uma salva de tiros. Minhas emoções elevadas a níveis extremos me deixavam entre a vontade de chorar e gritar de raiva. Levantei da cama e sai do quarto, descendo as escadas e correndo pela cozinha, tateando as chaves reserva com as mãos trêmulas até conseguir abrir a porta. Minha primeira ação foi sair na chuva, a sensação da água gelada amenizava a angústia, mas estava longe de acalmar meus nervos.

Gritei de raiva. Ninguém ouviria devido ao barulho e eu precisava disso agora.

Eu estava com raiva dessa perseguição, com raiva de toda essa maldição sobrenatural, com raiva de mim, com raiva desse tal de Bobby, com raiva de um sonho ser mais real para mim do que toda a porcaria do meu passado.

Arrastei as mãos pelo rosto, enfiando os dedos pelo cabelo e os puxando para trás. Minha crise existencial à beira de um colapso. Deitei na grama, agora começando a chorar.

Quem eu fui? Quem eu era agora e quem eu deveria ser? Por que ao vasculhar minhas memórias existiam tantas facetas de mim mesma que eu não conseguia me familiarizar?

O que eu queria? Para onde eu iria? O que eu era? O bombardeio emocional parecia um tsuname, jogando tudo que estava acumulado diretamente no meu rosto. E a sensação era insuportável.

O som abafado de um carro estacionado foi seguido de uma batida.

— Não é a sua irmã jogada na grama? — constatou a voz de Marianne, ao longe. Ouvi passos apressados guincharem na água segundos antes de Jimmy me puxar para cima com a expressão alarmada.

— Esther, o que houve?

— Eu me perdi, irmão.  — respondi entre soluços.


Notas Finais


Bobby, eu sim que digo: Nunca vou superar.
Será que ela vai se dar conta de que teve a memória apagada? E será que é realmente o Bobby que está dando uma mãozinha?
Próximo em breve!


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