POV Narrador
Desabou, simplesmente deixou-se afundar no sofá, com o rosto entre as mãos, os olhos cheios de lágrimas, ultrajada, usada, suja e... Ordinária, Camila sentia-se terrivelmente comum, obsoleta.
Nesse exato momento, Lauren entra pela porta do apartamento, descontraída, seus olhos a encontram, sentada no sofá, mas ela parece não perceber o estado de espírito de Camila.
- Pequena! - Lauren exclamou, sorrindo.
Foi a gota que fez a água do balde de Camila transbordar.
Camila levantou do sofá, trêmula de raiva, de frustração, de humilhação. Só então Lauren percebeu que havia algo errado.
- O que aconteceu, minha querida?
A resposta veio cheia de força e intensidade, bem no meio da bochecha esquerda de Lauren.
- Eu não sou sua querida!
O torpor tirara a fala de Lauren, que simplesmente olhara para ela, boquiaberta, cobrindo a parte atingida que ardia consideravelmente com a mão. Camila lhe apontou o dedo no meio do rosto, seu rosto estava inflado, corado e franzido. Ela estava uma fera. Mas... Por quê?
- O que foi q...
- O que foi que você fez?! - Ela gritou estrangulada, gesticulando forte. - Pergunte à sua amada Halsey!
- Quem?!
Essa história fazia menos sentido cada vez mais.
- Não! - Ela berrou na cara de Lauren, e recuou - Não se faça de desentendido, Jauregui!
- Mas, do que é que você está falando, Camila?! - Ela berrou de volta, irritado por nem estar entendendo a situação e já estar sendo crucificada.
- Da sua viagem de negócios. - Camila lhe cuspiu com sarcasmo carregado - É disso que estou falando!
Camila caminhou até a secretária eletrônica e apertou o botão de mensagens, imediatamente após o bip a voz demasiadamente açucarada e enjoativa voltou a preencher o ar da sala.
"Oi Lauren, aqui é a Halsey, você não se esqueceu de mim, não é? Bom, eu acho que não, afinal você repetiu tanto esse nome ontem, não foi morena...?"
- O que é isso? - Lauren indagou confusa.
- Muito interessante o seu trabalho, Jauregui. Realmente fascinante.
- Camila, eu não conheço essa mulher. - Ela respondeu prontamente, encarando-a sério, tentando disfarçar a pequena felicidade que surgiu em seu peito ao notar que Camila estava com ciúme dela.
- Claro, por isso ela te ligou pra agradecer as maravilhosas horas de prazer que vocês compartilharam ontem - Camila rebateu surpresa por usar a ironia tão bem mesmo imersa em tanto ódio. - Faz todo o sentido do mundo, porque eu não pensei nisso antes?!
- Camz, olha pra mim. - Lauren tentou se aproximar, mesmo sentindo que dessa vez, seus beijos e seu charme não conseguiriam resolver a situação, não no estado em que ela estava - Eu não conheço essa Halsey, eu nunca nem ouvi o nome dela. Eu entendo o que deve parecer, mas você não precisa sentir ciúme.
- Não é ciúme! - A frase rasgou a garganta de Camila no exato momento em que a mensagem chegava ao fim, ela gritara, tentando sobrepor sua voz ao som metálico e pegajoso que saia da secretária - Eu me sinto enganada, você quebrou o contrato!
- Quê? Você não está dizendo nada com nada!
- Ah, você não se lembra? - Camila andava de um lado para o outro na frente dela, alucinada, secando os olhos o tempo inteiro com uma mão, tentando domar os cabelos com a outra, esquivando-se de Lauren e ela a observava, tão surpresa que não conseguia reagir - Você disse, quando lhe fiz essa proposta idiota, você disse que aceitaria, se pudesse me fazer exigências... Ainda não se lembra? Eu me lembro de cada pequeno detalhe! Você me disse, abre aspas, nestes dois meses será só minha, assim como eu serei só sua. Compartilharemos disso juntos, fecha aspas. Lembra disso, Jauregui ? Como você pôde romper com o nosso contrato?!
Então era isso, Lauren pensou consigo mesmo, sentindo os ombros pesarem, essa era a confirmação de que Camila enxergava todo o tempo que passaram juntos apenas como parte do plano, nada mais do que um negócio, como tantos outros com que lidava. E agora estava furiosa, não por ciúme, claro que não, apenas porque fora passada para trás, ou pensava que fora.
- Mas, eu já devia saber, não era? Você tentou me avisar, nesse mesmo dia, um pouco depois de ter dito isso, você me avisou...
- Eu lhe avisei que eu não fazia jus à fama que me atribuíam. Eu lhe avisei que gostaria de assumir um compromisso com você! – Frisou a última parte, na esperança de que ela entendesse que Lauren era absolutamente louca por ela e que no bolso dianteiro do seu casaco já havia uma caixinha aveludada, guardando uma jóia especialmente para Camila, que combinaria tão bem com sua pele, com seu corpo delicado...
- Obrigada, mas acho que já aprendi o suficiente, professora. - Camila respondeu com frieza, se aprumou, jogando os cabelos para trás, apanhou sua bolsa e caminhou em direção a saída do apartamento.
- Camila! - Lauren a chamou, alterada, segurando-a pelo braço - Não fale assim comigo.
- Solte-me. - Camila vociferou mais séria do que ela jamais a vira. Havia tanta decisão em seus olhos, tanta ira, que Camila poderia, se assim o quisesse, matá-la com o olhar.
- Camila, sente-se, vamos conversar, por favor. - Lauren pediu mais baixo, mesmo que as palavras de Camila a ferissem cada vez mais, a irritassem cada vez mais, ela tentava, a todo custo, não ser grosseira, não passar dos limites com a menor a sua frente.
- Não sou uma das suas amiguinhas, Jauregui. - Ela lhe rebateu, as palavras se arrastavam através dos dentes cerrados - Não pode e não fará o que quiser comigo, sou diferente delas.
- Eu sei que é! - Em agonia, Lauren estava em agonia, ela sabia de tudo isso, entendera tudo isso, por isso queria casar-se com Camila, ter filhos com a mesma. Ela era diferente, ela era única, era sua de uma maneira que ninguém mais fora. Assim como ela fora de Camila.
- Então não me trate como uma delas. Solte o meu braço agora mesmo.
- Onde é que você vai, caso eu a solte?
- Procurarei Luis, é claro. - Ela lhe respondeu com frieza, não sabia por que dissera isso, talvez realmente o procurasse, talvez não. Queria apenas mostrar pra Lauren que ela também não estava assim, tão escassa de opções. Ela também tinha seus admiradores.
- Vai procurar o Luisinho ? - Sem se conter de raiva, Lauren apertou a pressão dos dedos no braço dela, trêmula.
- É, sabe. Estou mesmo com fome... - Ela sorriu cinicamente, ignorando o aperto no braço.
- Você não pode. Você é minha, Camila e sabe disso !! - Lauren balbuciou ilogicamente. Falando alto o que seu cérebro repetia atordoado.
- Nosso contrato não é mais válido, Jauregui. Você acabou com ele.
- Quer dizer que você vai atrás dele, pronta pra mostrar seus novos truques? - Lauren cuspiu as palavras, irritada.
- É esse era o plano, não era? - Ela rebateu como se não ficasse abalada com as palavras de Lauren.
- É, foi sempre o seu plano, nunca mudou?
- Nunca. - Ela mentiu descaradamente, afinal, era advogada.
- Nem por um segundo?
- Jamais me ocorreu que terminasse de outra forma. - Ela endossou, uma lágrima escorreu por seu rosto, desmentindo-a.
- Eu nunca ouvi falar de Halsey nenhuma. - Lauren lhe respondeu, sem mais nada para dizer.
- Então onde é que você estava nesses três dias, se não estava dando aulas particulares de reforço?
Ela a encarou, indignada. Estava sendo acusado de algo que não fizera e Camila acabara de lhe jogar na cara que nunca se envolvera com ela e que nunca se envolveria. Não de forma emocional.
- Não importa mais.
Lauren soltou o braço dela com violência e se afastou, cerrando os punhos, impedindo a si mesmo de agarrá-la e tomar seus lábios a força, vontade essa que ameaçava corroer seu corpo.
- Nada disso importa mais.
Camila a encara nos olhos, Lauren corresponde, talvez tenham dito muito mais naquele olhar do que na discussão, mas nenhum das duas comentou nada, tudo o que ela disse, depois de subir a alça da bolsa mais para cima no ombro, foi:
- Concordo com você. Não importa, não mais.
E o último som que Lauren ouviu foi da porta batendo atrás dela, antes de se deixar afundar no sofá, o bolso dianteiro do casaco parecia muito mais pesado agora, como se a aliança fosse feita de chumbo, puxando-o para baixo.
Como tudo tinha chegado aquela situação? Era o que Lauren se perguntava constantemente. Como de repente, aquele conto perfeito havia se transformado num futuro sem perspectivas?
(...)
Havia um mês que Camila fechara a porta de sua casa, saindo de sua vida, afirmando que iria correr para os braços de outra pessoa. Um mês.
Desde então, Lauren não sabia o que era ter um minuto de paz. Era uma mulher madura e experiente, uma mulher que nunca tivera qualquer problema com mulheres, uma mulher que nunca pensara em compromisso.
Nem namoros longos ela teve. Na verdade foram dois namoricos de três meses cada, quando ainda era uma adolescente cheia de espinhas e fantasias
Agora ali estava Lauren, sentado em frente a sua mesa, com sete relatórios para analisar e pareciam estar escritos em árabe. Tudo por que há um mês ela não a via.
Na primeira semana ficou louca. Não queria dar o braço a torcer, afinal Camila nem havia dado chances para ela se defender, simplesmente a julgou e foi embora gritando na sua cara que tudo tinha sido um mero acordo.
Um acordo? Acordo uma ova, não parecia um acordo quando ela gritava e tremia nos braços de Lauren a noite inteira, ou suplicava para ser possuída.
Ela estava com o ego ferido demais para procurá-la, mas ainda assim seguiu os passos de Camila, nas sombras. Shawn o ajudou, dizendo para ela o que Camila estava fazendo. Até onde soube, ela passara as duas primeiras semanas trancadas em seu quarto, sem atender ninguém e muito menos sair.
E agora Lauren sabia que o maldito Luis estava fora da cidade numa conferência. Isto era a única coisa que lhe mantinha totalmente são, pois sempre que pensava em Camila nos braços de Luis, seus piores instintos afloravam e muito lhe custava permanecer onde estava em vez de agir como uma mulher das cavernas e ir buscá-la pelos cabelos depois de assassinar Luis brutalmente.
Fora acusada injustamente e isto estava lhe corroendo. Não fazia a menor ideia de quem fosse Halsey, mas sabia que era armação. Tanto quanto sabia que o autor dela era Luis. O golpe era baixo e mesquinho, assim como ele.
Pegou o telefone e começou a discar o número dela, mas antes de terminar desligou o telefone com um baque surdo e sentou esfregando as mãos no rosto com impaciência.
Vinha sendo assim todos os dias desde que romperam, dez, quinze, até mesmo vinte vezes ao dia. Ela ficava ouvindo as mensagens de texto que Camila lhe mandara, algumas sutis, outras mais sensuais. Olhava as fotos que tinham tirado juntas, estava completamente enfeitiçada.
Em vez de ligar para ela, ligou para o primo, tenente da Scotland Yard.
- Ivan, é Lauren, alguma novidade?
- Não Lauren, nada ainda. Eu ainda não consegui autorização para fazer uma busca. Mas tenho certeza de que o promotor autorizará hoje.
- Mas eu prestei uma queixa.
- Eu sei Lauren, mas acontece que a situação é inusitada. Tive que enfrentar muita gozação aqui. O pessoal não acredita que você deu queixa de trote, ainda mais um trote sensual como aquele. O promotor acredita que você dormiu com a garota e agora quer tirar o corpo fora.
- Mas que inferno, eu não conheço esta mulher.
-Eu sei Lauren, mas não é o suficiente. Tenha paciência.
- Não posso ir até Camila antes que eu tenha uma prova de que não conheço esta mulher Ivan.
- Eu sei Jauregui, mas não posso fazer mais do que estou fazendo.
- Pode sim. Pode conseguir isso num piscar de olhos por baixo dos panos. – Lauren disse mais irritada.
- Não é assim que eu trabalho Lauren e sabe disso.
- Mas Ivan...
- Ouça sei que está apaixonada e respeito isso. Mas em primeiro lugar, sua garota deveria ter acreditado em você.
- Não é tão simples assim...
- Não estou dizendo que é, apenas estou lhe pedindo calma. Estou fazendo isso por que acredito em você, mas tenho de ouvir coisas que você nem imagina. Nem todo mundo foi criado como nós, acreditando no amor e na fidelidade Lauren . E se fizermos tudo dentro da lei e você estiver mesmo certa, posso conseguir um processo para Luis.
Esta fora a melhor parte da conversa.
- Não deixe de me avisar. – Lauren disse derrotado.
- Será a primeira coisa que farei. Agora acalme-se.
- Certo, Ivan. Obrigado, tchau.
Ele desligou.
Quanto tempo mais teria que esperar?
Depois da briga, com raiva, Lauren quis dizer a si mesmo que era apenas por que ela ainda a desejava, mas logo admitira estar mentindo. Sentia falta do corpo dela, sim. Ardia por ela todas as noites. Lembrar de tudo o que compartilharam lhe tirava dos eixos e das orbitas, mas não era só isso.
Sentia falta da voz dela, do sorriso, até mesmo das reclamações. Daquele jeito decidido e rígido que ela tinha. Sentia falta do rubor que surgia em sua face quando o enlevo de paixão se dissipava e ela percebia o que haviam feito.
Sentia falta dela. Estava apaixonado por ela.
Não. Era mais que paixão, era amor. Amava Karla Camila Cabello Estrabao e por isso, aquela maldita caixinha de veludo que carregava um solitário caríssimo de diamantes ainda estava em cima de seu criado-mudo. Como se Camila fosse aparecer a qualquer instante e cair em seus braços.
Um mês inteiro sem nem ao menos ouvi-la. Ela não estava mais aguentando.
Para Camila não foi muito diferente. Ela enclausurou-se em sua casa e afogou-se no trabalho. Não conversava com ninguém.
A dor lhe corroía, por dentro mas ela se manteve firme.
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