C A P Í T U L O O I T O
Somos condicionados a crer que existe uma verdade absoluta, mas a realidade é que tudo no nosso universo é variável
.
Entrar naquele ambiente foi uma experiência especialmente excêntrica.
Não por eu estar com uma carranca perceptível a quilômetros de distância, ou por estar nítido em minhas expressões que eu não queria estar ali. Mas, incrivelmente, foi por eu estar acompanhado de um ser que parecia puxar todas as atenções para si, além de corresponder com sorrisos simpáticos e piscadelas.
Ela parecia conhecer todo mundo ali.
E, estranhamente, eu não fui alvo de nenhum olhar.
Não que eu fosse alguém que tivesse alguma aparência capaz de destacar em uma multidão, na verdade era bem o oposto disso. Mas, eu tinha aquela típica aparência doente e que parecia exalar algum tipo de alerta, fazendo com que as pessoas me olhassem de maneira retraída e escolhessem se afastar.
Mas ali não.
Pelo menos não enquanto eu seguia Sakura por todo aquele salão, passando pelos corredores formados pelos estandes e toda aquela baboseira de feiras de ciências. No começo do lugar, assim que atravessamos a porta giratória e fomos recepcionados por um grupo de pessoas fantasiadas, eu comecei a esperar o óbvio; homens beirando a casa dos 40, desocupados e que gostavam de coisas de procedência duvidosa, como aquelas fantasias horrendas.
Mas isso durou apenas 5 minutos, o que foi basicamente o tempo que eu levei para chegar até aquele salão — fiquei em silêncio naquele elevador, enquanto tentava não surtar por causa do ambiente apertado.
Sakura, felizmente, estava mais focada em falar com um desconhecido sobre alguma coisa que eu não prestei muita atenção. Mas ela parecia animada, isso era incontestável. E isso a deixava ainda mais simpática, o que gerava um efeito contrário em mim — acaba me encolhendo ainda mais em um dos cantos, olhando de esguelha para ela e sentindo como se estivesse em frente a um alienígena.
E então chegamos naquele lugar bem arejado, uma temperatura agradável para mim e um bando de pessoas normais, andando de maneira normal e conversando, obviamente, de uma maneira normal. Sem músicas agudas, multidões, tumulto, barulho e aquelas bagunças que eventos do tipo prometiam. Nada. Apenas um ambiente confortável e que me passava uma sensação minimamente relaxante.
Exalando uma calmaria, tendo como música ambiente algo tão leve que eu mal pude entender o que de fato era. Não chegava a ser clássica, mas tão pouco tinha alguma voz sobressaindo aos acordes lentos. O ambiente parecia propício para uma conversa calma, algumas risadas, como um grande encontro de amigos.
E, enquanto observava Sakura, pude ver que era realmente isso; um grande encontro de amigos. Amigos nerds, mas amigos.
— Sakura. — murmurei, me abaixando um pouco em sua direção e mantendo meus olhos ao redor. Ela andava de maneira até rápida, e eu pressupus ser a empolgação que sentia.
Mais um ponto para minha teoria; eram um bando de amigos se reencontrando. O que era meio estranho, pois Sakura não parecia fazer parte desse estilo de amizade; com seus cabelos rosados, sua voz rouca e seus olhos cinzentos, beirando uma placidez imprevisível. Não mesmo. Sakura parecia fazer o estilo daquelas amizades cults, vinhos caros e músicas estranhas, além de exalar aquela típica aura que me fazia entrar em um automático estado de defesa.
Mas, definitivamente, Sakura não parecia uma nerd. Não mesmo.
— O que? — ela olhou de esguelha para mim, não parado de andar.
O carpete abaixo de nós impedia nossos passos soarem, e isso me deixou minimamente mais confortável. Não era como se o ambiente fosse uma das piores coisas do mundo, pelo menos não estava parecendo. Mas eu ainda estava esperando algum homem, vestido de maneira tosca, cruzar nosso caminho.
— Onde estamos indo? — perguntei com calma.
Sakura desviou seus olhos para um estande que estava ao nosso lado, mas voltou-se para mim rapidamente assim que o deixamos para trás.
— Estamos indo para o planetário falar com um físico quântico e um metafísico. — ela disse com naturalidade.
Tanta naturalidade que eu quase não entendi o que ela se referia.
O que ela realmente se referia.
— Mas..Como? — parei de andar, voltando a crispar minhas sobrancelhas.
Ela simplesmente jogou a informação que estávamos indo falar com pessoas que qualquer ser humano normal, com sua vida normal e com o cotidiano simplista, jamais falaria com tamanha naturalidade. Porra, eu estava esperando qualquer pessoa que viesse com algumas informações indiferentes, vinda de qualquer site de conspiração, mas não estava esperando a porra de dois estudiosos — eu tinha certeza que eu nao sabia nem a metade do que aqueles dois faziam, pois esses cargos sempre me parecem inalcançaveis.
Aquele tipo de coisa que aparecia em filmes, e sempre servia como um meio de explicarem ao público o que estava acontecendo — eu realmente achava que eles serviam apenas para isso, porque eu nunca havia cogitado a ideia de ir buscar sobre.
Sakura parou assim que notou que eu não a seguia, pois estava estagnado pela informação. Se virou, mantendo-se meio de lado — estranhamente ela pareceu um pouco sem graça, batucando até mesmo seus dedos na lateral da sua perna.
— É..nós nos conhecemos na faculdade? — ela tentou sorrir, o que gerou um sorriso meio torto. Deu de ombros, mas até pareceu um pouco mais robótico — Somos amigos, agora podemos voltar? Eu quero chegar a tempo de ver eles antes da próxima sessão.
Assenti com a minha cabeça quase no automático. Ainda estava meio extasiado por aquilo, não era todo dia que conhecia pessoas que conheciam projetos de gênios. E para alguém como eu, que seguia completamente pela área de humanas, era um bônus ainda mais para a surpresa que eu sentia.
Voltei para seu lado após alguns passos, e voltamos a cruzar os corredores compostos por palanques de diversos tipos e tamanho, além de box que serviam como pequenos ponto de informação. Não prestei atenção em nenhum, mas pude ver rapidamente que a maioria mostrava experimentos; desde os mais pegados para a parte da mecânica, até para aqueles que iam para o lado mais quimico.
Me senti novamente no colégio, só faltava uma batata explodindo depois do meu experimento fracassado — a prova de que eu seguiria apenas para a área de humanas, pois qualquer coisa que envolvesse números acabaria me custando minha liberdade, já que eu tinha certeza que acabaria sendo preso por tentativa de atentado a comunidade.
Umedeci meus lábios, voltando a olhá-la de esguelha.
Um pensamento martelava em minha mente.
— Então você era uma nerdzinha? — arqueei minimamente minha sobrancelha, não me opondo ao sorriso que surgiu em um dos cantos da minha boca.
Era até engraçado a cena; eu com minhas mãos nos bolsos, com aquele típico ar adoentado e de emo rebelde — pelo menos meus cabelos estavam como sempres; presos em um coque minimamente decente — enquanto Sakura tinha seus cabelos róseos sendo um destaque gritante — na verdade, enquanto a media rapidamente, percebi que ambos tínhamos uma predição por cores escuras.
Sakura continuou andando, mas sua resposta demorou mais do que o costume para vir — começar a decorar as ações de Sakura estava sendo algo que eu acabei começando naturalmente, como se estivesse tentando mapear um perfil sem em minha mente. Do mesmo estilo que as perícias faziam quando estavam lidando com psicopatas.
Obviamente eu havia conseguido apenas um bando de nada. Mas estava no caminho, eu esperava — começar a fazer perguntas aleatórias não me parecia certo, mesmo que Sakura fosse um ser inconstante e que agia com tanta intimidade comigo, indiferente ao fato de nos conhecermos a pouquíssimos dias.
Eu conhecia Haruno Sakura.
Eu não fazia ideia de quem Senju Sakura era, e isso só ficava mais nítido a cada segundo do seu lado.
— Eu estava prestes a me formar em engenharia mecatrônica apenas por isso, se você quer saber. — ela disse em um murmuro, evitando me olhar. Aquilo era timidez? Eu não saberia dizer, mas estava gostando. Talvez a ideia de ter um apelido para a Sakura, podendo superar assim aquele famigerado Stalker, me soasse agradável — Ser uma nerd me rendeu as melhores notas no colégio, e eu só não me formei pois estava tentando não morrer.
Eu não saberia dizer se a morte era mais natural para mim do que era para ela, mas nenhum dos dois pareceu se afetar com aquela possibilidade ser posta em nossa frente. Era apenas inevitável, então não tinha porque ser tratada como um grande tabu.
Era só a morte, afinal.
— Você não tem cara de ser a nerd da sala. — arqueei uma sobrancelha.
— Eu nunca tive. Na verdade, eu era até que um pouco popular. — deu de ombros — Mas é o que minha mãe sempre diz: aparências enganam.
Ela me olhou ao falar essa última frase, e eu me calei com aquela indireta.
Novamente Sakura mostrava aquele lado mais incisivo, conseguindo superar até mesmo o lado mais ácido. Interessante.
Enfim, paramos em frente a uma porta escura, larga o suficiente para três pessoas passarem lado a lado. A parede em que estava também era preta, e não havia nada que indicasse se ali era um armário de depósitos ou apenas um lugar para possíveis assassinatos.
Serviria para os dois, eu tinha certeza.
— Bem, chegamos. — Sakura sorriu, apenas para em seguida abrir a porta sem qualquer problema e se embrenhar naquela escuridão que nos esperava.
Demorei alguns segundos para entender o que realmente estava fazendo, e isso fez eu ter o princípio de uma crise nervosa — a segunda desde que havia chegado ali. Sinceramente, eu esperava pelo menos meia dúzia antes de conseguir chegar no meio do salão, então já estava sendo um lucro.
Eu olhei ao redor, buscando qualquer segurança — a ideia de entrar em ambientes escuros e sem qualquer indicação não me pareciam agradáveis. Muito menos tendo a possibilidade de poder sair algemado dali, e eu me orgulhava de não ter feito nenhuma merda muito grave na minha adolescência, podendo assim me livrar de um histórico manchado por uma prisão precoce.
Não seria depois de velho que eu me daria a chance de experimentar tardiamente aquela fase rebelde. Não quando eu sabia que precisava de uma ficha limpa, e essa história de rebelde sem causa ficava patética quando posta em um cara tatuado, alto, e que definitivamente não parecia um colegial — um adulto depressivo com predição a frustração? Obviamente, mas o jeito adolescente eu havia largado a alguns bons anos. Até minha amada juventude, que também foi uma grande merda.
Sacudi minimamente a cabeça, voltando a olhar para aquela escuridão que me aguardava.
— Porra, Sakura. — murmurei.
Eu deveria ter tomado algum remédio errado aquele dia, só isso explicaria aquela merda toda.
Mas era claro que meu dia estava tudo normal. Eu estava em um lugar desconhecido, com uma mulher desconhecida e prestes a entrar em um buraco escuro e que eu não sabia qual seria o meu destino — minha morte, talvez? Isso era o mínimo que eu esperava depois de todo aquele dia que ainda estava pela metade, mas que eu já não estava aguentando mais.
Mas, que se foda.
Assim que entrei no lugar escuro, fechei a porta atrás de mim — se viriam seguranças, pelo menos era bom disfarçar que eu não estava invadindo a parte privada de um evento público — e comecei a andar, certificando-me que estava seguro; passando minhas mãos pelo ar, procurando uma parede.
Só então que me toquei que haviam pequenas luzes presas às paredes, mas que iluminavam apenas o caminho que deveria seguir — estava escuro, mas eu sabia que se passasse na frente de um espelho acabaria vendo apenas um profundo vinco entre as minhas sobrancelhas, como de costume. Eu estava me sentindo um idiota, o que era outro costume também.
Um costume que eu ainda estava me adaptando.
Segui em silêncio aquele caminho, e foi inevitável não erguer minha cabeça quando percebi que as luzes terminaram ao chegarem em uma cúpula. Estava escuro, assim como tudo, mas consegui distinguir o formato de redoma por conta das luzes acopladas ao chão, e que formavam um círculo consideravelmente grande. Era um lugar frio.
Olhei ao redor.
Eu não conseguia ver o teto, muito menos se havia qualquer outra estrada para aquele iglu artificial.
Mas consegui vê-la.
Sakura estava em pé no meio daquele lugar, mas eu não conseguia distinguir mais do que sua sombra e aquele brilho apagado do róseo dos seus cabelos, causado pelo reflexo da luz nas partes que não estavam cobertas pelo boné militar. Mas conseguia ver aquela postura feminina, mesmo ela estando de costas para mim — pelo menos eu acreditei estar de costas. Na verdade, ela parecia olhar para cima também.
Me aproximei lentamente.
Estranhamente, como um aviso natural do meu corpo, me soou errado falar e interromper aquele momento de silêncio. Então, silencioso e com as minhas mãos voltando aos meus bolsos, apenas fiquei com meus olhos presos a ela; parada, estática quase uma estátua, mas que me passava uma estranha sensação de introspecção.
Mas estava vazio, e eu não entendia o que tanto ela olhava.
A voz rouca soou em um sussurro:
— Você não acha engraçado?
Pisquei, acordando de sei lá onde houvesse me enfiado. Até mesmo ponderei se tinha escutado certo, mas não havia nada ali para me atrapalhar — até mesmo meus momentos de imersão estavam mais distantes. Passei minha língua por meus lábios, falando de maneira incerta:
— O que? — sussurrei, e eu não fazia ideia do motivo de estarmos sussurrando.
Sakura pareceu sorrir, mas eu não me arriscaria a julgar isso com uma certeza, por mais que ela fosse alguém de sorriso fácil.
— Isso. — eu semicerrei meus olhos, apenas para erguer minha cabeça e ver para onde ela olhava; o nada. O vazio. O escuro. — O silêncio, Stalker.
E então eu notei o óbvio; o silêncio absoluto que estava ali.
Nada de músicas ambiente, de conversas, passos ou o barulho ensurdecedor da cidade, que conseguia transpassar até mesmo as mais grossas paredes. Apenas o silêncio, embalado por aquele frio que me deixava mais relaxado, além de toda aquela escuridão densa, infligida apenas pela baixa luz branca que rodeava aquele ambiente.
Eu gostava.
Mas não entendia o porquê daquilo no meio de uma feira.
— Quando eu estava no hospital, nos últimos dias antes do coma, eu acabei percebendo uma coisa; nunca fazia silêncio. — ela sussurrava de maneira calma, e o silêncio possibilitava que eu ouvisse até o barulho de seus lábios se movendo com certa lentidão, entre uma pausa e outra — Era estranho perceber isso, porque eu sempre vi pessoas reclamando da maneira que hospitais eram silenciosos. — ela pareceu rir pelo nariz, soltando uma rápida lufada de ar — Eles nunca ficaram internados tantos dias, só assim eu percebi como hospitais eram barulhentos.
Eu ainda olhava para o teto, mas desci meus olhos para ela quando sua voz se extinguiu.
Sakura estava um pouco à minha frente, ainda na mesma pose — sua cabeça voltada para cima —, e eu não me movi. A distância estava mais do que boa, confortável até mesmo para mim.
Falei no mesmo tom:
— Eu também reparei isso, mas todos com quem eu converso acabam discordando de mim. — o frio estava tão bom que acabei relaxando meus ombros, minhas sobrancelhas estavam mais leves — O barulho das máquinas, dos passos, do choro de outras pessoas. — pausei, minha cabeça se lembrando daquela época em que eu não saia de hospitais. — Tudo parece alto demais, como se estivessem gritando em meus ouvidos.
Uma época que eu sequer sabia quem era, que meu corpo ainda tinha poucas tatuagens e que meus pais ainda estavam vivos para poderem me visitar entre os turnos de trabalho. Uma época em que eu não sabia muitas coisas, mas tinha uma certeza óbvia, que corroía meus pensamentos e se alastrava pelo meu corpo como veneno; a morte.
Uma época que me preparou para os anos seguintes, quando eu vivi meu fatídico coma.
— Eu comecei a gostar do silêncio absoluto depois que acordei. Pelo menos quando acordei completamente — ela ponderou, mas em seguida sorriu. Dessa vez eu tive certeza que era um sorriso — Eu amo ao ponto de poder contar meus próprios batimentos, e isso serve para lembrar que eu estou viva. Que eu estou realmente viva, e não em um estado vegetativo, presa em uma cama enquanto estudam minha cabeça — ela abaixou seu rosto, virando-se parcialmente em minha direção. A luz iluminou apenas um dos lados do sua face, evidenciando seu perfil — É algo que poucos sabem o valor.
Eu abri a boca, mas pontos de luz iluminaram a cúpula, sendo projetado de um projetor que estava no centro daquele lugar. Pouco a pouco, iluminado tanto meu corpo quanto o de Sakura, galáxias se formaram, junto com seus planetas infinitos e suas estrelas vivas e mortas. Até mesmo uma supernova se mostrou, junto com uma chuva de cometas que cruzava longamente aquele universo criado.
A qualidade era algo que estava além dos meus humildes padrões, provando a profissionalidade daquilo.
Abaixei meus olhos, vendo aqueles orbes os cinzentos fixos a tudo aquilo; as estrelas e os fragmentos do universo refletiam em suas esferas deixando-as ainda mais verdes. Na verdade, até seu rosto pálido pareceu mais vivo naquele momento, voltando-se completamente para o ápice daquele lugar; o teto estrelado.
Ela parecia encantada com tudo aquilo. Encantada de uma maneira quase genuína.
Até as palmas soarem acima de nós, fazendo que olhassem com sincronia para lá; uma plataforma se projetava metros acima do chão, estando oculta pelas sombras até então.
Em cima dela dois homens nos olhavam, ambos com seus corpos iluminados pelo universo.
— Sakura, querida! — um deles gritou, e eu semicerrei seus olhos em sua direção; cabelos pretos em um corte que me lembrava uma cumbuca. Ele se debruçou sobre a amurada de vidro, balançando seu braço em nossa direção — Eu não acreditei quando você me ligou! Meu Deus! — o cara se virou na direção do outro, abraçando-o de maneira intima. — É a Sakura, querido! A Sakura!
O homem que era abraçado riu, assentindo com a cabeça.
— Sim, querido. Por que não vai lá abraçar ela?
O primeiro homem pareceu se tocar desse detalhe, então não se opôs em descer a escada de espiral que estava ao lado da plataforma. O jaleco que ela usava acabou acompanhando os movimentos, assemelhando a uma capa enquanto ele descia os degraus com velocidade — o outro homem acabou descendo mais devagar, relaxado e acostumado com a atitude expressiva do outro.
Sakura riu, balançando sua cabeça.
— Lee, você não mudou nada.. — murmurou mais para si mesma.
O homem — que agora descobri se chamar Lee — parou em frente a Sakura, e não exitou em rodeá-la com seus braços e abraçá-la com vontade. Sakura riu mais alto, balançando seus pés que estavam alguns centímetros acima do chão, e Lee não se importou com a diferença gritante de altura entre eles, rodando-a como se fosse uma boneca.
A colocou no chão após esse reencontro digno de filmes, deixando suas mãos sobre os ombros femininos e apertando-os com ternura — o tempo entre eles abraçados foi o suficiente para o segundo homem se aproximar, e eu enfim pude ver seus cabelos ruivos.
Sakura desviou seus olhos para ele, e um sorriso ainda mais aberto surgiu em seus lábios.
— Gaara, quanto tempo. — Lee se afastou, deixando com que ela abraçasse o ruivo. Ele retribuiu com carinho e Sakura se distanciou minimamente, mantendo os braços ao redor dele. Um brilho ansioso tomou o rosto feminino — Conseguiram adotar o Shinki? Meu Deus, ele deve estar enorme!
Lee se aproximou dos dois, e Sakura enfim se soltou de Gaara, apenas para que o moreno juntasse seu braço com o do ruivo. Eles deram as mãos de maneira carinhosa, e eu vi alianças idênticas no dedo de ambos — bem bonitas, por sinal.
— Ele quase teve um troço quando você ligou, estava mais ansioso para te ver do que ficava quando iamos te visitar no hospital. — Lee sorriu, apoiando sua cabeça no ombro do marido — Ele estava aqui até agora pouco, mas uma amiga acabou arrastando ele para andar pela feira. Sabe como é: adolescentes e seus hormônios. — Gaara riu ao seu lado, empurrando o moreno. Lee riu — Você sabe que eu não estou mentindo, querido.
Gaara revirou os olhos — esses que eram absurdamente verdes, lembrando-me vagamente as cores esverdeadas dos mares tropicais.
— Deixa ele te ouvir falando isso, sabe como ele odeia quando sugerem alguma coisa entre ele e a Cho Cho.
Sakura parecia prestes a vomitar brilhos, não disfarçando todo o carinho que sentia por aqueles dois, mas até eu conseguia sentir a ligação entre o casal de cientistas. Era algo bonito de se ver, aquela dinâmica e tudo mais.
Eu gostava de romances, principalmente os que tinham finais felizes.
— Eu espero vê-lo ainda hoje, entenderam? Preciso ver com meus olhos como aquele garoto ranhento cresceu. — Sakura sorriu, e então seu rosto se endureceu. Não que ela tenha fechado suas expressões, mas foi nítido a nota de seriedade que recaiu sobre si — Agora eu preciso apresentar um amigo. — olhei para ela, e ela tinha seu corpo virado em minha direção, fazendo que o casal olhasse para mim. Engoli em seco — Esse é Uchiha Sasuke, e eu vim conversar sobre ele com vocês. Ele é o cara que sofreu o acidente e acabou imaginando uma vida.
Eu endureci.
Sakura falou com naturalidade, como qualquer coisa que saia de seus lábios, pouco se importando com a situação que aquilo me colocava.
Se ela era louca e queria se arriscar naquela aventura, tudo bem. Mas a maioria das pessoas me olhavam de modo diferente assim que descobriram sobre essa parte da minha vida. E ela havia simplesmente dito como se estivesse convidando alguém para um chá, e não sugerindo que havia a porra de um esquizofrico entre eles.
Minhas palmas suaram, e meus olhos estavam sobre ela. Torci para Sakura conseguir ler os claros sinais que eu estava dando — aqueles que deixavam óbvio que ela estava falando demais, e que eu estava querendo ir embora.
Acabei não notando Lee se afastando de Gaara e se aproximando de mim, apoiando seu rosto em uma das mãos e me olhando com atenção. Quase gritei ao vê-lo bem na minha frente, analisando-me como se estivesse medindo um novo experimento.
— Conseguiu imaginar uma vida? — o moreno murmurou, seus dedos rodeando seu queixo, e eu assenti lentamente.
Senti como se fosse um animal em exposição. Principalmente quando ele começou a andar ao redor de mim.
— Faz quanto tempo isso? — indagou atrás de minhas costas.
Engoli em seco, esforçando-me para não gaguejar.
— Três anos.
— E o que você viveu? — disse ao parar na minha frente, ainda apoiando seu rosto em uma de suas mãos.
Não havia nada além de um interesse incisivo em seus orbes castanhos.
Olhei para Sakura rapidamente, ela me observava com atenção — uma atenção que beirava a do homem à minha frente, mas que era mascarada por conta daquela camada fosca que fazia parte de si. Não sabia o ela pensava, e tão pouco ela dava algum indício disso.
Seu rosto estava como sempre; esculpido em uma eterna calmaria.
— Terminei minha faculdade, conheci uma garota legal, casamos e tivemos dois filhos. — murmurei.
Não iria falar da mesma maneira que havia falado com Sakura. Não mesmo. Aquilo era um resumo perfeito, e bastava para qualquer coisa que eles precisassem ter como base — eu esperava que bastasse, pois eu não iria abrir a boca para passar por aquela humilhação novamente.
Para sentir aquela dor outra vez.
— Você amava ela? — perguntou de maneira limpa, sem me entregar o que se passava pela sua cabeça.
Apertei minhas mãos dentro dos bolsos, sentindo minhas unhas pressionadas em minha palma. Um bolo amargo se formou em minha garganta, deixando-me rapidamente enjoado. Falei entredentes:
— Sim.
Isso não mudou a expressão dele.
— Você sentiu esse amor? — arqueou uma sobrancelha.
Engoli em seco novamente.
— Sim.
Ele se aproximou mais um passo, invadindo meu espaço pessoal.
— Você lembra o rosto da sua mulher e filhos?
Desviei meu olhar para Sakura rapidamente, outra vez.
Eu lembraria daquele rosto até depois de esquecer até meu próprio nome. Estava marcado em minha pele, no fundo das minhas preciosas memórias.
— Sim. — sussurrei.
Sentia os olhos de Lee passando por mim, medindo meu rosto e minhas expressões, provavelmente buscando qualquer traço de uma mentira no meu triste relato. Eu senti ele se aproximando mais um pouco, deixando-me ainda mais agoniado com toda aquela situação, e tive certeza que ele deveria estar cogitando as possibilidades para todo aquele drama.
Então ele se afastou, um sorriso simpático apareceu em seus lábios.
O ambiente sufocante pareceu mudar de repente, como se aquilo jamais tivesse acontecido. Notei que segurava minha respiração, e foi um alívio poder respirar com normalidade.
Lee falou calmamente, ainda tendo aquele sorriso em seus lábios:
— Então, Uchiha Sasuke, espero que esteja pronto para abrir sua mente para algo que vai além do que nos é ensinado na escola. — Lee abriu os braços, indicando o toda cúpula ao redor — Espero que esteja pronto para se livrar de todos seus estigmas, pois o que eu vou te falar pode fazer com que sua percepção sobre o mundo mude completamente.
Pisquei, e me esforcei para não parecer assustado. Não, melhor. Me esforcei para não começar a achar aquilo tudo estranho demais, e de uma maneira que só aumentava ainda mais a minha desconfiança.
Atrás de Lee, revirando os olhos e cruzando os braços, Gaara riu.
— E que comece o show. — murmurou, balançando suavemente sua cabeça.
Lee andou até o centro do salão, parando ao lado do projetor. Eu, assim como Gaara e Sakura, o seguimos em passos lentos — eu por estar mais nervoso do que qualquer coisa. Ambientes como aquele costumavam me deixar minimamente mais em paz, mas tudo havia mudado de uma maneira muito de repente e eu estava resignado demais para poder mudar isso — minha única escolha foi apenas começar a contar até 10, torcendo para que voltasse a me acalmar.
Eu meio que não gostava de surpresas.
— Primeiramente, vou nos apresentar. — Lee colocou a mão atrás das costas, e ele pareceu tornar-se um pouco mais maduro com seu jaleco branco naquela posição — Eu sou Rock Lee, um filósofo especializado na área da metafísica. Tenho formação em algumas engenharias, mas nada que seja muito significante. — eu franzi as sobrancelhas, não compreendendo onde a filosofia se encaixava ali — E meu marido é Sabaku no Gaara, um físico quântico, e que está fazendo uma pós em física nuclear.
Eram muitos diplomas em uma simples frase.
Eram coisas demais para uma cabeça igual a minha, que servia apenas para guardas leis e derivados — na verdade, fazia tanto tempo que eu não praticava que agora já começava a crer que era um perfeito ignorante em relação a minha possível profissão. Ou a tentativa dela.
— Muitas pessoas associam a metafísica com a física, mas eu realmente não sou nerd a esse ponto. Não é, querido? — Gaara revirou os olhos — Enfim, a metafísica é um ramo na filosofia, muitas vezes estudada por qualquer profissional da ciência. Mas que é, basicamente, a análise da natureza da realidade que conhecemos. Debatemos pontos fundamentais, como a relação da mente e da matéria, potencialidade e atualidade, além de outros termos que são complexos demais e irrelevantes para o momento. — Lee se posicionou atrás do projetor, e eu notei que havia um monitor acoplado a ele. Ele começou a tocar em alguma partes da tela. — Eu sou agnóstico, mas Gaara é ateu. Caso tenha alguma perspectiva que minha ideia esteja pendendo para o lado mais divino, pode pedir para ele se envolver.
Gaara virou seu rosto em minha direção, ainda com seus braços cruzados.
— Por mais que eu seja péssimo em apresentações. Esse lado é sempre com ele: o extrovertido da relação.
Assenti com a cabeça, voltando meus olhos para Lee.
— A metafísica, por mais que seja um ramo da filosofia, é um ponto que está antes da física, e aquilo que está além dela. O começo e o fim. Afinal, de que serviriam todos esses estudos se não houvesse a capacidade do questionamento? — Lee ergueu seus olhos rapidamente da tela, tendo um meio sorriso em seus lábios. Voltou sua atenção para a tela — Buscamos entender a essência de tudo, daquilo que faz as coisas serem como são, mas questionando o principal ponto; Deus. — ele franziu as sobrancelhas — Normalmente a metafísica vem acompanhada de preconceitos, julgando como uma ciência obscura apenas por tais questionamentos. — ele se afastou da tela, mas olhou para cima — Bem, a metafísica é o ponto incial disso tudo.
E uma imagem tomou toda a cúpula, rodando lentamente ao nosso redor.
Senti como se estivesse no meio do universo, podendo até mesmo sentir o frio que eu imaginava existir ali — rodei em meu próprio eixo enquanto observava aquilo tudo, notando o óbvio; até mesmo o silêncio ali era para fazer jus ao real universo, e todo aquele imenso vácuo.
Pelo menos eu estava respirando.
— Gaara, querido, pode explicar a parte quântica? Eu sou péssimo com isso. — Lee sorriu, voltando-se a focar na tela. — Vou montar o ambiente para você, não se sinta tímido.
Meus olhos foram para Gaara. Ele suspirou, virando-se para mim e para Sakura — essa que estava ao meu lado. Se aproximou tão devagar que eu sequer a escutei, mas estava atenta à apresentação da mesma forma que eu; um pouco chocada, levemente extasiada.
A representação do universo ao nosso redor era incrivelmente linda.
Linda de uma maneira que conseguia retirar até mesmo o meu próprio fôlego.
— Essa parte é meio chata, e eu sou péssimo nisso. Minha oratória era uma das piores da turma. — murmurou. Lee semicerrou os olhos em sua direção, arqueando uma sobrancelha. Suspirou mais uma vez, voltando-se para nós — A física quântica é o estudo das partes fundamentais que compõem nosso universo, resumidamente. É o estudo das moléculas, dos prótons e dos nêutrons, dos fótons e neutrinos, até mesmo as partes mais detalhadas e pouco conhecidas.
Gaara olhou para cima, e sorriu minimamente para sei lá o que que estivesse acima de nós.
Olhei para cima, acompanhado de Sakura.
Acima de nossas cabeças e se formando lentamente, passando a sensação que estava flutuando no meio do vácuo do espaço junto conosco, uma molécula se formava; lenta, feita de algo que me passava a sensação gelatinosa, além de ter pequenas veias brilhosas correndo por toda sua superfície — pareciam pequenos caminhos de energia, minúsculos fragmentos de raios.
— Um erro comum e compartilhado pelas gerações é dizer com toda certeza do mundo que o universo é infinito, e isso é um equívoco muito grande e irresponsável de todas as partes envolvidas. Afinal, nunca provamos isso. — abaixei minha cabeça, encontrando os olhos verdes de Gaara sobre mim — A quantidade que podemos ver no nosso universo, que com toda certeza é vasto, é finita e quantificável. O universo pode ser considerado infinito por dois fatores, mas que fazem jus a tudo na ciência; apenas teorias, e que conseguem seguir um conceito interpretativo.
Gaara começou a andar com lentidão, aproximando-se do centro da cúpula, próximo ao projetor. Suas mãos estavam atrás de suas costas, e ele usava um jaleco quase idêntico ao de Lee.
— O universo pode ser considerado infinito baseado na quantidade minúscula de nosso tempo de vida. — parou — O Universo e tudo que o compõe, tem um ciclo de vida muito mais duradouro que nós, frágeis seres humanos que em algum momento serão extinguidos. Nossas vidas, comparadas com tudo isso ao nosso redor, são apenas minúsculos grãos de areia, e isso pode nos fazer crer que o universo é infinito apenas pela ideia de que, pode se passar décadas, milênios, jamais teremos tempo o suficiente para conseguir estudar completamente esse enorme vácuo.
Gaara sorriu, indicando o teto com um meneio de cabeça.
Ergui meus olhos, encontrando nosso humildade planeta rodeado pro aquele extenso lençol negro, preso aquele completo silêncio — uma sensação de paz tomou meu corpo ao ver aquilo, talvez pela maneria que a Terra parecia um singelo planeta pacifico visto daquela distancia.
Como ele parecia um pequneno pairoso em meio aquele vazio negro frio.
— E tem a outra teoria; a expansão exponencial. — franzi as sobrancelhas ao ver a Terra se distanciando, diminuindo enquanto nos afastamos. Na verdade, ela se afastava, até sumir por completo — Nos primórdios do nosso universo tudo era muito denso, quente e em expansão. Até o fatídico dia do famoso Big Bang, onde nosso universo atual se formou, se consolidou e assim nasceu o berço de nossa criação. — acima de mim uma explosão silenciosa aconteceu, e um universo completo se formou — Mas isso não significa que ele parou de crescer.
Abri minha boca, chocado.
Estava cercado por estrelas. Tantas que sequer era capaz de contar. Haviam até mesmo algumas abaixo de mim — ao abaixar meu olhar, vi o chão sendo tomado por aqueles infinitos pontinhos coloridos de variados tamanhos, me rodeando e me dando aquela maravilhosa sensação de estar andando sobre os órgãos celestes.
Era incrível.
E todas as estrelas pararam por uns segundos, estáticas sobre aquela obra indescritível, apenas para tudo começar a rodar rápido demais; as estrelas tornaram-se apenas raios de luz sendo deixados para trás, e meus olhos não acompanharam nada além daquele jogo de luz que foi capaz de me causar algumas náuseas
Aí paramos.
E não paramos em qualquer lugar.
Paramos no meio de planetas diversificados, rodeados por suas estrelas e suas supernovas, além de alguns pontos que eu não fazia ideia do que eram, mas que brilhavam de uma maneira incrível. De repente o Espaço não me parecia uma terra morta e silenciosa, mas exalava tanta diversidade, possibilidades, que me deixaram até mesmo embasbacado — Sakura riu ao meu lado. Uma risada cuspida, como se faltasse ar para tal, mas que exalava o mesmo que eu sentia.
Ela estava maravilhada, assim como eu.
— A expansão não é apenas exponencial, mas também é incrivelmente rápida. Rápida demais para seres inferiores como nós. Entretanto, o que deixa a expansão tão poderosa não é sua rapidez, mas sim a maneira que ele é inalcançável. — os planetas começaram a se afastar novamente, dando-me a impressão que ou eu estava indo para trás, ou o universo estava crescendo. Era confuso — Em teoria essa expansão acabou com o Big Bang, encerrando assim o estado inflacionário que era esse crescimento esporádico. — tudo parou mais uma vez — Mas, assim como tudo no nosso universo e todas as infinitas variáveis, a inflação não ocorre em todos os lugares ao mesmo tempo, e muito menos termina em todos os lugares ao mesmo tempo.
E o universo rodou mais uma vez, mas de uma maneira tão inesperada que me causou uma certa vertigem. Logo estávamos no meio de um furacão de estrelas, apenas para chegarmos no ponto inicial; a terra — eu tinha certeza que já estava prestes a vomitar.
— Em regiões que sofrem o Big Bang, a inflação para e assim surge um universo igual ao nosso, mas em outros que a inflação continua, a expansão se mantém. — a terra manteve -se intacta, mas atrás dela pude vislumbrar novamente aquele efeito de expansão. Partes começaram a ser puxadas para trás — Conforme o tempo passa, com o tempo instável e relativo, às regiões que já tiveram sua inflação interrompida não se cruzam com as regiões que ainda a mantém — Gaara apontou para o ponto de expansão que eu estava olhando — Vê porque aquele ponto não está aqui, no nosso universo? Pois nossas regiões não se cruzam. — de repente tudo diminuiu demais, e múltiplos universos diminuídos em bolhas disformes tomaram a cúpula. Flutuavam ao nosso redor, e eu tive a sensação até mesmo que poderia tocar uma delas — As bolhas de universo que ainda se expandem acabam empurrando as outras para trás, e assim inicia este ciclo infinito onde cada universo segue sua própria regra temporal.
E começamos a se aproximar de uma bolha, ignorando todos os outros universos ao redor.
— A teoria é que essas bolhas, esses universos que foram expandidos de partes de outras regiões e empurrados para trás, são cópias desses outros que tiveram seu efeito expansão interrompido. Cópias do que nós vivemos. — e nesse momento, sincronizado com a voz de Gaara, paramos em frente a Terra. Ou pelo menos um planeta idêntico a ela — Seguindo o conceito de espelhos, ou reflexo, que é baseado apenas naquele fenômeno que ocorre ao colocar um espelho em frente ao outro, esses universos de bolha são idênticos ao nosso. — vários planetas Terra se formaram em uma linha, imitando o ta conceito de espelho. Não consegui ver até onde essa linha seguia — E isso é o conceito da realidade paralela e seus multiversos.
E então tudo voltou ao normal, com as estrelas rodando ao meu redor e eu me sentindo no centro de todo o universo. Me senti jogado naquele vácuo, flutuando livremente por toda aquele mar de estrelas, planetas, e todas as outras coisas que estavam escondidas por ali.
Minha boca secou, senti minha nuca molhar e meus cabelos grudaram em minha pele.
Minhas mãos começaram aquele processo que eu tanto odiava; abrir e fechar, tentando disfarçar falhamente os tremores que corriam por mim.
Desci meu olhar para Gaara e Lee, encontrando aqueles pares de olhos apreensivos em minha direção. Minha cara deveria estar horrível, pois eu mal conseguia me manter sobre minhas pernas — queria vomitar ali mesmo, e meu estômago estava apoiando minha vontade, pois não parava de se embrulhar.
Era surreal.
Irreal.
Insano.
Abri minha boca e senti meu lábio inferior tremendo. Puxei uma lufada de ar entredentes, murmurando ainda com meus olhos sobre eles:
— Vocês... estão falando sério? — eles demoraram alguns segundos para confirmarem com suas cabeças. Pisquei, incrédulo. Me virei lentamente para Sakura, sentindo meu corpo endurecido pelo nervosismo. Ou seja lá o que fosse tudo aquilo. Mas eu não estava gostando — Onde eu me encaixo nisso tudo?
Os dois atrás de mim ficaram quietos. Meus olhos estavam sobre os cinzentos, ainda mais foscos e ilegíveis — isso apenas contribuiu para meu nervosismo. Apenas isso.
Ela não me parecia linda, incrível e muito menos alguém que atiçava minha curiosidade. Ela me dava medo, pois eu não sabia o que esperar daqueles malditos olhos mortos e toda aquela obra insana à minha frente. Não sabia e não queria saber, pois Senju Sakura era apenas aquela garota que não se encaixava em nada no que eu era, e toda a bagunça escondida dentro de mim — eu já respirava com dificuldade, forçando-me a não focar no fato de eu estar em um lugar apertado, sem janelas e preso com uma das pessoas mais estranhas que eu já havia tido o desprazer de conhecer.
Eu só queria respirar.
Sair dali.
Correr, fugir.
— Ainda estão estudando sobre isso. — murmurou. Moveu sua cabeça, novamente daquela maneira que a fazia parecer um gato curioso — Mas é um começo, não é?
Me senti um palhaço.
Pior, me senti enganado.
Ergui minha cabeça e olhei ao redor — senti o suor em minha nuca e sabia que ele escorria pelo meu pescoço. De repente tudo me pareceu apertado demais, e eu apenas queria esquecer aquela mínima pontada de esperança que havia nascido em meio peito — um grande idiota. Um perfeito e grande idiota.
Eu meio que merecia aquilo. Uma lição.
Balbuciei nervosamente:
— E-Eu agradeço a ajuda de vocês..mas meu irmão está me ligado. — assenti em direção a Gaara e Lee, já indo em direção da entrada.
Não reparei muito nos rostos deles, mas eles pareciam nervosos, um pouco encabulados.
Bem, eu não me importei.
Eu queria respirar, fugir de toda aquela insanidade. Nem que eu precisasse correr para fora dali — quase fiz isso, não me importando com mais nada além da minha necessidade absurda de ar.
Foda-se o que iam pensar de mim, eu só queria ir embora.
Escutei passos atrás de mim. Merda.
— Sasuke! — não parei. Não iria parar — Sasuke! — crispei ainda mais as sobrancelhas, fechei minhas mãos em punho — Sasuke, porra!
Parei, hiperventilava audivelmente.
Fechei meus olhos com força, querendo acordar daquela merda toda.
Obviamente não acordei, mas isso me deu força para me virar e encarar aqueles olhos verdes em minha direção, cuspindo as minhas palavras:
— O que foi?! — crispei os lábios, sussurrando aquele grito.
Sakura parecia ter feito demais para seu corpo debilitado, mas seus olhos estavam presos em mim. Ela tinha seus ombros mais eretos, e as luzes do corredor estavam mais fortes, permitindo que eu conseguisse enxergar o desenho do seu perfil e aquela nuance do reflexo rosa dos seus cabelos.
— Você simplesmente vai embora assim? — ela praticamente rosnou, o que foi uma leve surpresa. Franzi as sobrancelhas, e ela abriu os braços, indicando tudo aquilo ao nosso redor — Você não tá extasiado? Cara...olha isso tudo! Porra, olha as coisas que nós escutamos! — riu como se ainda estivesse ela mesma desacreditada daquilo tudo.
Parecia uma criança burra, daquelas que conseguiam ser manipuladas por qualquer promessa ridícula. Revirei os olhos, não poupando minha acidez.
— Isso tudo — gesticulei da mesma maneira que ela, indicando todo o nosso arredor — não passa de insanidade. Pura insanidade.
Ela deu um passo à frente, e estava com sua coluna ereta, tentando parecer mais alta do que realmente era. Apontou para o próprio peito, me olhando por baixo das suas sobrancelhas crispadas.
— Isso é ciência.
Ri com escárnio. Eu estava cercado por loucos.
— Eu chamo de loucura.
As feições de Sakura se apertaram, e os olhos verdes tornaram-se mais escuras — ou algo próximo disso. Ou havia sido apenas a mudança de luz.
— Eu achava que você era apenas ateu, mas você é um grande ignorante. Apenas isso. — ela apontou o dedo para mim — Olha isso tudo, como você pode não se importar? Como pode não ligar para tudo isso que acabamos de ouvir? Eles são cientistas!
Crispei os lábios, falando como um rosnado:
— Isso é da sua conta?
Ela parou, semicerrando seus olhos em minha direção e dando um passo à frente. Sua voz soou mais baixa, mas não menos carregada. Muito pelo contrário, aliás.
— É desde o momento em que você me chamou para um café em uma Quinta nublada, e me contou toda a sua história! — mais um passo à frente, seus olhos presos aos meus — Desde a tarde que você falou que eu sou a cara do seu delírio, que eu sou a dona do rosto da mulher que te deu filhos e te fez feliz — mais um passo, até erguer seu queixo para cima e falar com raiva. Uma nítida raiva — Desde o momento em que você quase chorou na minha frente por causa de uma vida que só você acredita.
Respirei de maneira pesada, sentindo até mesmo meu nariz se mexer. Engoli em seco, minha garganta ainda estava seca.
— E por que você está me ajudando?! — minhas sobrancelhas estavam crispadas, senti meu peito subindo e descendo rapidamente.
Os olhos cinzentos estavam fixos aos meus, e um silêncio perdurou por nós por alguns segundos. Nenhum de nós se mexeu, e alguns bons centímetros ainda nos separavam — eu não queria me aproximar, mas Sakura exalava uma autodefesa que impedia que eu pensasse nessa possibilidade.
Apenas nos encaramos por segundos intermináveis.
Até ela murmurar, mesmo ainda tendo seu tom raivoso:
— Eu não sei. — desvirou eu olhar dos meus orbes, mas apenas para analisar todo o meu rosto. Ela voltou após alguns segundos — Eu só sinto que eu devo te ajudar, porque eu sinto sua dor em mim. — franziu as sobrancelhas, deixando sua boca semi aberta enquanto parecia pensar — Eu sinto como se fosse ela que me ligasse a você.
E isso era algo que eu não estava esperando.
Eu, definitivamente, não estava esperando.
Analisei aquele rosto à minha frente, e a escuridão ainda nos rodeava em uma semi tentativa de nos cobrir. Engoli em seco novamente, piscando rapidamente — Sakura não desviou seus olhos do meu rosto, ainda parecendo me analisar por debaixo das suas sobrancelhas levemente franzidas, até que ela voltou seus olhos incisivamente sobre os meus.
Suspirei de maneira contida, balançando suavemente minha cabeça.
— Isso não faz sentido. — levantei minha cabeça, olhando para o teto escura acima de nós — Nada disso faz sentido.
Sakura ponderou por alguns segundos, e eu senti seus olhos ainda sobre mim.
O silêncio surgiu outra vez, sendo interrompido apenas por sua voz rouca.
— Seu problema, Sasuke, é querer ver sentido em tudo. — abaixei minha cabeça lentamente, encontrando seus orbes sobre mim — Seu problema é querer respostas, mas nem sempre existe resposta para suas perguntas.
Pisquei, arqueando uma sobrancelha.
— Por que eu sinto que você não está falando apenas disso daqui?
Sakura deu de ombros, e eu vi a sombra de um sorriso em seus lábios.
— Talvez, nem eu sei. Como eu disse: eu sinto que estou ligada a você. — arqueou uma sobrancelha — E eu não estou tentando entender o motivo disso.
Parei, analisando-a.
Sakura também parou, e deixou seus olhos sobre mim.
Nenhum dos dois se mexeu, muito menos falou,
Apenas nos encaramos, envoltos naquela penumbra e com nossos rostos parcialmente escondidos por aquelas sombras.
Apenas isso; o normal.
— Eu quero ir para casa. — sussurrei, muito mais calmo.
Sakura assentiu com a cabeça, sorrindo com suavidade.
— Vamos então, eu quero almoçar mesmo.
Ela mexeu seus ombros, como se aliviasse uma tensão sobre eles, até voltar a andar e passar por mim, indo em direção ao caminho que eu estava seguindo.
A seguindo em silêncio, voltando a colocar minhas mãos dentro dos meus bolsos assim que a vi abrindo a porta, e nossos corpos sendo atingidos por aquela forte luz meus — olhos arderam por alguns segundos.
Mas, ao atravessar as portas, notei algo.
Minhas mãos não tremiam e eu conseguia respirar.
Eu estava respirando.
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