Severo P.O.V
- Era véspera de natal, e como todo ano, estávamos arrumando nossas coisas para voltar para casa. O que para mim não tinha nada de interessante, além de receber as visitas anuais de Lilian em casa no dia do meu aniversário. Passava todo o recesso trancado em meu quarto olhando para o teto, enquanto o traste que eu chamava de pai passava os dias ou fora, ou reclamando do que na cabeça dele não havia sido feito direito. Nada para ele estava bom, e o uso da magia era abominável. Em algum momento talvez cogitei a possível visita de Mihaela, mas ela me avisou que teria de ficar em Hogwarts já que não poderia voltar a Hungria e eu sabia que Dumbledore só a liberaria em algum caso específico.
Catei meus livros e os arrumei no malão, me concentrando em não pensar no que iria aguentar novamente durante aquelas semanas fora de Hogwarts. Desde a data em que a minha mãe havia falecido, no terceiro ano, tudo ficara mais difícil.
Avery passou arrastando seu malão enquanto esmurrava Múlciber por estar atravancando a saída de propósito. Muitos calouros acabaram por ter de esperar que os dois decidissem sair do meio depois de uma breve discussão que mais parecia uma brincadeira para poder passar. Lucius apesar de ser monitor estava mais ocupado em verificar se estava arrumado e o cabelo no lugar do que impedir a confusão. Era notável que recebia puxões de orelha de Narcisa se estragava a sua bendita arrumação de todas as manhãs em seu cabelo. E nos últimos dias, até mesmo Mihaela havia entrado no mesmo patamar de Lucius quanto aquilo. No entanto ao contrário dele, ela desarrumava tudo e arrumava novamente do seu jeito. O dormitório foi esvaziando em meio aos barulhos de coisas saltando para dentro das malas e arrastões, logo só havia ficado eu. Não lembrava onde havia deixado meu livro de Defesa Contra as Artes das Trevas, e mesmo revirando tudo com a varinha não achava. Sem ele não poderia fazer os trabalhos pedidos para o segundo trimestre.
- Acho que está procurando isso. - Virei-me a tempo de ver Mihaela descendo as escadarias rapidamente trazendo meu livro. – Iria trazer antes, mas Bella e Andrômeda estavam me alugando.
- A cara delas fazer isso. – Peguei o livro da sua mão quando ela chegou mais perto, encaixando-o entre os outros, apressado. Estava em cima da hora e ainda teria de subir correndo para chegar ao pátio principal. Tranquei o malão e subi com ela pelas escadarias. Ao contrário do que eu pensei, o salão comunal estava quase vazio, e os últimos alunos que saiam estavam com seus malões. Ninguém fora ela parecia que ia ficar. Antes que eu me esquecesse, ela me entregou a gaiola com a minha velha coruja que eu sabia que depois de mais uma viagem talvez não ficasse mais comigo.
- Miha, você vai ficar bem? – Perguntei olhando para sua face relaxada. Não parecia estar preocupada com aquilo.
- Sim. Não se preocupe. – Aquele sorrisinho mínimo apareceu enquanto apontava para os últimos alunos e arrumava o meu cachecol direito. – Vai acabar se atrasando.
Abracei-a com força usando o braço que estava desocupado, aspirando aquele cheiro cítrico e adocicado que sempre se desprendia de si, guardando-o da forma como podia em meus pulmões. Esperava mesmo que ficasse em minha roupa, ficaria quase um mês sem vê-la e sentiria falta daquela rotina que havíamos criado. Seus braços sempre frios abraçaram-me pela cintura e eu podia sentir sua respiração quase morna em meu peito.
- Se cuida. – Beijei sua testa.
- Você também. Até a volta, Snape.
- Até. – Corri até a saída arrastando o malão e equilibrando a gaiola. – Mandarei correspondência!
- Estarei esperando. – Ouvi ela dizer as minhas costas.
Assim como ela havia me avisado que me atrasaria, ocorreu. Corri o suficiente para ficar sem fôlego por alguns segundos até sair no pátio. Ainda nevava muito, e apesar dos quase escorregões de todos que ainda passavam por ali tentando alcançar o caminho, ninguém ficou para trás por muito pouco. Uma aluna da Grifinória escorregou antes de entrar na carruagem caindo de cara na neve. No entanto se achava que receberia uma ajuda imediata, acabou tendo que se levantar sozinha. McGonagall estava mais ocupada em ralhar com os alunos da Lufa-Lufa do que em prestar atenção aos atrasados que passavam de fininho pelas suas costas ou quem tivesse caído na neve. Entrei em uma das carruagens junto com os últimos sonserinos que saiam em um pulo rápido, jogando o malão no chão entapetado e após alguns solavancos e piados de uma coruja aborrecida, deixei para trás o terreno enevoado e branco de Hogwarts. E assim como todas as vezes que tinha de voltar para casa, já estava sentindo falta da escola antes mesmo de deixa-la completamente.
♕♚♕
- A paisagem parecia correr ao meu lado como um vulto cinzento, no entanto minha cabeça e minha visão não estavam preocupadas ou focadas nas árvores cobertas de gelo. Como sempre achei uma cabine vazia para ficar sozinho com meus próprios pensamentos sem que ninguém me incomodasse. Enquanto o expresso fazia suas curvas longas, meus pensamentos se misturavam numa espécie de espiral. Estava tentando entender o que havia acontecido naqueles últimos dias, e como aquilo estava me afetando, mas só conseguia sentir aquele cheiro bom. Aquela mistura de gardênias e bergamotas agora me perseguia, e eu tinha que admitir que gostava disso.
A lembrança do beijo que havia dado em Mihaela voltava a minha cabeça com frequência. Por um lado, havia sido maravilhoso. Eu já imaginava que beijar ela fosse algo diferente, mas se já queria beijá-la o tempo inteiro antes, agora havia se intensificado. Eu tinha que me controlar, pois no mesmo nível que aquilo sempre voltava a mim quando a via falar, a culpa por sentir aquilo se apoderava dos meus ombros como um peso. Lilian. Eu a amava, mas não conseguia evitar de me sentir atraído por Mihaela, e isso meio que soava como uma espécie de traição aos sentimentos que tinha para com Lilian. Aquilo se misturava dentro de mim como duas cobras brigando, cada qual tentando se sobressair e ganhar mais atenção.
Lilian cada vez mais se mostrava distante de mim. E depois que Pomfrey proibiu a entrada de pessoas na enfermaria e eu não pude ir, ela se distanciou ainda mais. Tentei lhe explicar que não tinha culpa pelo que havia acontecido, mas parecia resoluta em ignorar isso e brigar comigo. Era notório que aquilo me magoava, mas guardei e fingi que nada aconteceu. Depois de alguns minutos em seus sermões ela voltou ao mesmo assunto, contendendo com a presença de Mihaela. Novamente ignorei aquilo, e ficava cada vez mais claro que meus sentimentos agora por ela estavam praticamente baseados em fazer o que ela queria e fingir que nada do que ela dissesse me atingia de fato. Era óbvio que eu queria desde o início que ela se mostrasse aberta aos meus sentimentos que me correspondesse, no entanto, ficava cada vez mais claro que isso não aconteceria, e tampouco eu conseguiria me livrar disso tão cedo. Eu ainda queria estar com ela, tinha aquela vaga esperança, e continuaria até o fim se fosse possível, apenas para esperar o que pudesse acontecer.
Mas não podia fazer aquilo com Mihaela.
Eu não queria usá-la como substituta do que sentia para com Lilian não achava justo para com ela. Todavia o que eu sentia por Mihaela se mostrava cada vez mais nítido com o passar dos dias. Não era o amor que sentia por Lilian, mas se mostrava tão forte quanto. Eu gostava dela, do seu cheiro, do sotaque que ainda me irritava, mas quando não aparecia sentia falta, daquele olhar frio e a falta de expressão que me deixava confuso e que me instigava a saber por meio de suas respostas enigmáticas o que significava. Não sabia nada sobre ela, era verdade. Se tinha família, como era a relação com eles, ou qual era seu passado. Era sempre tudo recoberto por aquela névoa gelada que ela carregava de lá para cá, e da qual eu tomei ciência de que não era apenas impressão minha. Realmente tinha esse poder de encobrir-se com o que eu achava ser uma parte dela trazida de Durmstrang. Porém eu não tinha problema algum com isso, e sabia que uma hora ou outra eu saberia. Ou não.
Se tinha algo que me deixava abismado com ela, era aquele seu dom de dizer as coisas de modo compreensível para o momento, mas sem aprofundar. Suas respostas me contentavam temporariamente, e me faziam conjeturar outros caminhos, mas que sempre retornavam à informação inicial. Era como se fosse um círculo, tudo nela tinha essa base de não haver saídas, e quando eu chegava mais perto de saber, o talvez tão dito por ela me deixava com mais dúvidas ainda. Escondia algo, e esse algo cada vez mais me parecia perigoso quando relembrava as cicatrizes em seu corpo, na forma como havia resistido ao meu feitiço, ou na forma como se empenhava em não me deixar participar fisicamente com as experiências que fazíamos. A explicação para a mente dela ter avançado tantos níveis antes do tempo, era que ela precisava cumprir algo, e isso estava além do que qualquer um precisava saber.
Ela era uma caixinha de surpresas. E querendo ou não eu queria compreender o conteúdo, o que me levava de volta ao momento presente ali na cabine do expresso com o seu perfume me fazendo respirar um pouco mais fundo. Passaria quase um mês sem vê-la, e isso queria dizer que estava perdendo tempo para entender o que era e quem era ela...
- Sev?!
- Lily? – Virei-me para a porta e lá estava ela de testa franzida.
- Achei que iria me ignorar, Sev. – Respondeu em um tom frio.
- Estava distraído, Lily. Iria me dizer algo? – Perguntei de forma amena.
- O professor Slughorn pediu para perguntar se você irá participar da Competição de Poções desse ano? – Entrou e fechou a porta sentando-se do meu lado. De alguma forma estranha aquilo me incomodou um pouco. – Estou com a lista de quem vai participar.
- Quem vai tanto? – Perguntei tentando me manter neutro de alguma forma. Não era para estar me sentindo daquele modo.
- Bom, grande parte dos alunos vem da Corvinal. Eu me inscrevi, a Alice... Marlene, Potter, as gêmeas Lufanas do último ano, Avie e Mary...
- Potter? – O que diabos ele queria em poções?
- Slughorn achou por bem recrutar outros alunos. – Falou distraída propositadamente. Estaria ela dando crédito agora a ele?
- Se ele vai, eu não vou. – Segurei a manta em minhas pernas um pouco mais forte.
- Não seja assim, Sev. Você é ótimo em poções, passaria dele facilmente, ele só entrou para atazanar o resto.
- Não sei não, Lily, isso está um tanto quanto...
A porta da cabine se abriu e lá estava Bellatrix, Andrômeda e Narcisa que se antes pareciam distraídas e de bom humor, agora pareciam fingir cara de indolência.
- Achamos que deveria vir para a nossa cabine, Severo. Estávamos discutindo sobre a Competição de Poções, e Slughorn me falou que a senhorita Evans estava com a lista. – Narcisa virou seu nariz empinado para Lilian com aqueles seus olhares esnobes.
- Régulo irá participar, e nós três também iremos. – Bella sorriu maliciosa. – Será uma competição de fortes, tirando alguns que não vão nem começar direito.
- Poderia nos entregar a lista? – Andrômeda se empertigou. – Já se inscreveu, Severo?
- Não sei se vou. – Respondi sinceramente.
Lilian entregou a lista a contragosto a Andrômeda, e Bella roubou o pergaminho mais rápido do que a outra havia pego. Eu apenas observava a situação.
- Ué, como assim? – Arregalou os olhos como sempre fazia ao ver algo absurdo. - Onde está o nome da nossa Rubyzinha? Não, não. Quem Slughorn pensa que é? Vou falar com ele agora! Onde já se viu? Ignorar o nome dos Báthory, uma das famílias mais influentes do leste europeu! Ah, mas não vai ficar assim não... uma princesa não fica de fora de nada!
- Bella! Espera! – Andrômeda tentou evitar o assomo de irritação da irmã, mas ela já estava longe provavelmente xingando os céus e a terra do seu modo, balançando o pergaminho de forma demente, e provavelmente fazendo Slughorn recuar.
- Bem. Se Ruby for, você irá, Severo? – Narcisa me perguntou inquisitória, mas com aquele fundo maternal.
Claro que iria, o problema seria ela aceitar. E pelo que me constava, ela não iria graças à indulgência proposital de Slughorn consigo.
- Acho que ela não vai, Narcisa.
- Iremos ver. Mas inscreva-se, Severo. Você é um dos mais talentosos, se não o mais. Tenho certeza que convencerá ela a participar também. Assim que Bella devolver a lista passaremos aqui para que assine. – Ela assentiu com a cabeça e saiu balançando os cabelos longos e alinhados nas costas, enquanto Andrômeda sorria zombeteira as suas costas seguindo-a enquanto fechava a porta da cabine.
- Desde quando ela é boa em poções? – Lilian perguntou desconfiada.
- Desde sempre, Lily. Ela é bem mais avançada nisso do que a maioria. – Estava sendo sincero. Haviam coisas que Mihaela sabia que eu sequer imaginaria.
- Acho que deveria prestar atenção no que bebe, Sev. Vai que ela coloca algo na sua bebida para você continuar andando com ela e ignorando meus avisos. – Ela levantou.
- Ela não faz nada disso. Não é da sua índole e não há razão alguma para você culpa-la de fazer isso. – Eu sabia que não. Ela não se daria esse trabalho, e haviam provas suficientes para provar isso.
- Você é suspeito para falar sobre, Sev. Abra os olhos, ela não é bem o que aparenta.
- Está com ciúme, Lily? – Perguntei ocasionalmente para caçoar.
- Posso não vir de uma família da qual possa me enaltecer, mas não preciso recorrer ao lado negro para ser alguém na vida, e muito menos ser alguém que se aferra a isso. Não teria ciúmes de uma pessoa assim nunca. Tenha uma boa tarde, Sev.
♕♚♕
- Chegamos a estação King’s Cross no meio da tarde. Eu agora me encaminhava a contragosto pelo metrô trouxa para casa. Era notável que aquilo demorava mais do que pegando uma chave de portal, mas só haveria uma mais próxima depois de quase duas horas de viagem. Faltavam mais vinte minutos. Enquanto isso me concentrava em algo menos tedioso do que ver aquele amontoado de pessoas na mesma situação que eu e seus olhares curiosos para a gaiola que eu levava coberta. Minha lista de feitiços não-verbais crescia a cada instante e eu precisava treiná-los. Aliás eu precisava treinar tudo o que vinha aprendendo, no entanto, me sentia culpado em fazer aquilo sem Mihaela. No fundo eu sabia que se tentasse algo fora do que já havia me deixado fazer, ela saberia, e provavelmente iria brigar comigo. Mas, eu queria testar, e não iria parar de pensar nisso até ceder. Era ridículo, mas conversaria por correspondências, quem sabe ela me ajudasse nisso e me desse essa bendita concessão.
Quando enfim o metrô diminuiu a velocidade, paramos antes de Bristol, exatamente em Brad Road. Enquanto me deslocava pelo vagão e saia para fora aturdido pelo piar da coruja, avistei um velho que por alguns segundos me lembrou um pouco Dumbledore, no entanto a expressão sádica e um pouco sarcástica lhe davam um ar digno de alguém que eu já tinha ouvido falar antes. No entanto o que me deixou desconfiado era o fato de que estava usando uma pele azul, muito parecida se não igual a de Mihaela. E por aquele olhar frio, talvez eu soubesse que vinha de Durmstrang também. Algo em minha mente gritava perigo, e, no entanto, sai do vagão como se nada tivesse visto e caminhei lentamente até as escadarias que me levariam a chave de portal que pegava sempre em uma das vielas acima. Era algo simbólico e que ninguém tinha pensado em retirar do lugar até aquele momento.
Em momento algum ousei me virar para trás, mas tinha a leve impressão de que aquele olhar ainda me seguia, e como eu não podia usar magia fora de Hogwarts, seria burrice permanecer ali. Quando enfim me misturei as pessoas que passavam por ali, e subiam para seus afazeres, corri o quanto podia até uma das vielas atrás de uma loja de flores. Alcancei o vaso de flor da lua escondida entre as escadarias ali, e logo senti meu corpo ser engolido por aquela espiral estranha e nada agradável da viagem. Mantive-me aferrado ao vaso, até que momentos depois eu já estava com os pés firmes novamente no chão, em uma das avenidas de Cokeworth, que por sorte estava quase vazia naquele horário. Deixei o vaso de planta onde sabia que ninguém por ali ousaria pegar, e sai em disparada pelas ruas tentando não derrubar nem o malão nem a gaiola.
Quem era aquele velho? Se realmente fosse de Durmstrang pela pele, era alguém que pertencia a casa de Mihaela? Essas questões me atazanaram até que desci pela rua íngreme que dava acesso à rua da fiação e tive um momento de insight que achei pior ainda.
Ela não poderia sair de Hogwarts por estar sendo seguida? Dumbledore sabia disso? E mais do que tudo, ela estava em perigo?
Alcancei a chave no bolso e abri a porta entrando para dentro depois de olhar para cima e para baixo na rua. Tranquei-a de volta e vi que não havia ninguém ali. Agradeci a Merlin por não ter que dar de cara com meu pai e subi para o meu quarto no fim do corredor, fechando a porta e jogando meu malão para o lado. Deixei a gaiola em cima da minha escrivaninha e me joguei na cama. Milhões de perguntas rondavam a minha cabeça, e as respostas talvez eu só conseguisse ao voltar para Hogwarts.
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