Severo P.O.V
- A ampulheta, cuja areia prateada estava quase no fim, em cima da mesa nos avisava que a hora do fechamento da biblioteca estava mais perto do que o esperado. Havíamos chegado ali antes do jantar, e pelas minhas contas já teríamos perdido ele completamente. Lá fora a chuva caia torrencialmente maltratando as vidraças e concorrendo com o vento e os trovões que estremeciam estranhamente as paredes de pedra ao nosso redor. Já havíamos procurado por uma infinidade de livros em várias das seções sobre o que havia acontecido, mas nenhum deles tinha uma explicação de fato plausível, e se tinha sempre havia algo que não batia totalmente. Mas ao contrário do que procurávamos acabamos achando ligações entre nós dois que não imaginávamos sequer existir se não fossemos procurar em cada área sobre.
De acordo com a Numerologia os dias e meses dos nossos nascimentos somados resultavam no número dezesseis, que também era a soma dos números contidos no ano em que nascemos. O número dezesseis era o número da queda, das mudanças de hábitos e ideias, e da perseverança. O que fazia um belo sentido se fossemos colocar o seu significado desde o início da nossa trajetória juntos até aquele momento. Eu tive que “cair” das minhas convicções e do que eu acreditava piamente para que as mudanças ocorressem, e Mihaela teve de perseverar no que achava sensato e no que sentia para que as coisas dessem certo. Mas, o que de fato era interessante nisso, era a junção do número um com o seis, que de acordo com os estudiosos na Numerologia era o número da alma.
Levando o número de correspondência numerológica entre nós dois para Adivinhação, eu era o Arcano maior oito no tarô, A Justiça, ela era o Arcano maior quatro, O Imperador, ambos formando uma ligação de aliança simbólica entre o Poder e a Lei, Autoridade e Obediência. A justiça tinha de ser concretizada pelo poder nas mãos do imperador, mas o poder do imperador tinha de ser apoiado sobre os valores da justiça. Eram complementares assim como nós éramos. Mihaela na maior parte do tempo só decidia as coisas me consultando, e eu só fazia algo na prática quando sua opinião estava de acordo com aquilo.
- Ok, isso realmente está ficando interessante. – Mihaela sorriu ao encontrar algo em um dos livros de Alquimia. – Olha só isso.
Enquanto Mihaela colocava o livro a minha frente para que eu pudesse ler a passagem correta, Madame Pince passou olhando para a mesa no corredor onde estávamos com a expressão igual a de uma ave de rapina que nos atacaria se visse algo de estranho no nosso comportamento.
- A biblioteca fechará daqui a quinze minutos. – Resmungou indo para o outro corredor.
- Por que ela tem sempre que ser assim? Parece até o Filch. – Mihaela resmungou enquanto sentava na cadeira ao meu lado juntando a pilha de livros que havia pegado para devolvê-los.
- Vai ver estão andando juntos demais. – Sorri olhando para o livro. Era uma passagem interessante relacionada a Quintessência, o Éter.
“ A Quintessência, mais conhecida como Éter na alquimia, está relacionada ao humano em si, ao homem, o quinto elemento buscado por todos e que permeia o cosmos e o universo. Ao contrário do que se imagina, o Éter não é algo visível, não é algo físico e muito menos palpável. A Quintessência é a psique humana, a mente, o pensamento, a transcendência do plano meramente físico para o espiritual, etéreo. Somente se chega ao alcance da Consciência Etérea quando os três elementos primordiais estão em conjunção: o sal (corpo), o mercúrio (mente) e o enxofre (espírito). No entanto a Quintessência também pode ser tocada a partir da união dos três elementos primordiais, e a existência de um elemento etéreo que muitas vezes é tido apenas como um sentimento. O amor, ao contrário do que se imagina é um elemento vibracional, é energia pura não-visível e nem tangível, que muitas vezes em contato correto com as percepções sensoriais do sal (corpo) nos elevam ao Éter. A consciência total e irremediável das três dimensões que estão interligadas em nós. O físico quando sabemos o que está acontecendo com o nosso próprio corpo de uma forma mais concreta; o mental, quando sabemos e temos uma visão mais abrangente do que achávamos que tínhamos domínio; e o espírito, quando transcendemos e achamos o caminho para a dimensão da consciência imperturbável além-físico/ambiente. ”
Respirei fundo como se de alguma forma eu estivesse esquecendo de como se respirava. Aquilo fazia sentido, não que de fato os outros pontos não fizessem um certo significado. Eu não imaginaria que nossos nomes, e a numerologia deles pudessem ter tanto a ver. Contudo o trecho em si explicava tudo o que eu particularmente havia sentido. Não era apenas como se fosse um desligamento momentâneo da realidade, era uma espécie de imersão em um plano totalmente imperturbável e que gerava uma percepção bem mais apurada do que o normal da mente e do corpo. Eu tinha plena consciência de que estávamos na chuva, que um raio havia cortado o céu acima de nós, que poderia ter decidido cair naquele momento. Mas o som, não era o do ambiente, eu podia ouvir não apenas o meu coração, mas o dela, ambos batendo sincronizadamente, alcançando os meus ouvidos de uma forma amplificada. Sentia todo e qualquer toque simultâneo de suas mãos frias em mim, e podia sentir seu corpo de uma forma diferente ao tocá-la. Assim como mentalmente eu estava compreendendo mais além do que eu imaginaria. Eu podia sentir o amor que eu nutria por ela aparecer em suas mais diversas nuances, em seus diferentes modos, e mesmo assim ser o mesmo. Era como compreender as facetas de tudo ao mesmo tempo. Uma sensação assustadoramente impressionante.
Sem citar o calor. Se alguma vez eu achei que poderia me queimar perto de Mihaela, aquele foi o momento certo.
- E então? – Perguntou enquanto colocava os livros em seus lugares lentamente. Levantei-me e tomei aquela pilha de livros em seus braços a ajudando a repô-los em seus devidos lugares.
- Faz sentido. Muito sentido, mas será que foi isso? – Seria mesmo o real significado. Termos tocado a Quintessência juntos?
- Eu não sei.
Deixei o último livro flutuar para o seu lugar, e coloquei a mão novamente em seu peito. Passei alguns segundos apenas sentindo aquele martelar tão típico do coração dela contra a palma da minha mão, percebendo que ainda estava batendo no mesmo momento que o meu. Sincronizados.
- Sem querer interromper o momento já interrompendo, por que não foram jantar sabidinhos? – Bella irrompera do meio das estantes caminhando com a varinha na mão. Se ela soubesse que o movimento que estava fazendo com a varinha contra a mão parecia com o de um trouxa batendo um cinto, ela não teria feito.
- Estávamos procurando algumas coisas para a nossa lição de Alquimia. – Mihaela virou-se calmamente corroborando com o que havia dito com a sua expressão relaxada. – Demoramos um pouco e não vimos a hora passar.
- A senhorita não devia estar fazendo todo esse esforço. – Bella ergueu o queixo nos olhando de cima da sua maneira tipicamente esnobe e desconfiada. – E você Severo deveria se alimentar direito, acha que não vejo você passando as refeições?
Mihaela me olhou perguntando-me silenciosamente por que.
- A Biblioteca, irá fechar em cinco minutos. – Madame Pince passou por trás de Bella que deu um pulinho para frente.
- Tudo bem, já estamos indo embora. – Ela retrucou irritada. – Vamos, pedi aos elfos para deixarem a comida de vocês no dormitório, agora tratem de caminhar.
Peguei a mão de Mihaela e após deixar o livro que havíamos pegado voltar para a escuridão de sua prateleira bem acima de todas as outras, saímos com Bella resmungando sobre irresponsabilidades, falta de cuidado e invenções fora de hora.
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- Já tomou a poção para dor? – Perguntei ainda olhando pela escuridão do dormitório se havia mais alguém acordado àquela hora. Ainda não era nem onze horas direito, mas tudo já estava escuro e silencioso. Provavelmente Bella havia baixado um novo horário para se recolher ali, o que para mim era mais do que uma ajuda.
- Já sim. – Mihaela sorriu a pouca luz e me deu espaço para que eu escorregasse para debaixo das suas cobertas. A abracei suavemente trazendo-a de para o meu peito depois de fechar o dossel. Não queria machucá-la, e não sabia até onde ela estava totalmente recuperada. Suas costas encostaram totalmente em meu peito enquanto ela puxava o meu braço para a sua cintura onde geralmente ficava e eu fazia cócegas nela quando teimava em não querer dormir. No entanto evitar apoiar todo o peso do braço ali. Aqueles quatro dias eu não havia dormido direito sentindo sua falta. Antes eu cheguei a achar que era apenas o costume, mas não era. Eu realmente sentiria falta se fosse apenas um cochilo a tarde, coisa que fazíamos nos horários vagos e que nem isso eu consegui.
- Preparada para a aula de Trato das Criaturas Mágicas amanhã? – Sussurrei enquanto beijava o seu pescoço.
- Sim, mas fico imaginando se o professor Kettleburn realmente conseguiu apanhar um Farosutil para a aula. – Murmurou.
- Acho que sim. Da última vez ele quase conseguiu um bicórnio, apesar de quase ter morrido na tentativa.
- Eu não chegaria perto de um nem por mil galeões. – Riu baixinho.
- São bonitos até. – Caçoei.
- Quando não estão tentando comer suas vísceras. – Virou-se lentamente passando a perna por cima das minhas de forma costumeira, beijando meu pescoço repetidamente. – Ou tentando arrancar sua jugular. – Ela mordeu de leve brincando.
- Não vai arrancar um pedaço como da última vez, não é? – Brinquei.
- Eu não mordi com força. – Me encarou beijando minha testa.
- Não, imagina. – Encaixei a minha mão em seu rosto acariciando sua bochecha com o polegar.
- Você não pode falar nada. – Franziu a testa semicerrando os olhos de forma brincalhona. – Da última vez quase que arrancou o meu ombro fora, se duvidar a marca ainda está aqui.
- Exagerada. – Sorri.
- Só um pouco. – Sorriu encostando os lábios nos meus. – Mesmo assim doeu.
Assenti alcançando seus lábios levemente úmidos, enquanto a trazia para cima de mim com cuidado. Deslizei minhas mãos suavemente pelas suas costas indo e vindo, me contendo ao máximo para não a machucar, sentindo seu corpo se acomodar junto ao meu. Travávamos um beijo de início cadenciado, lento. Havia apreciado muito a experiência que tínhamos tido mais cedo, mas ainda preferia assim, todas as sensações mexendo com a minha cabeça sem que eu pudesse controla-las realmente. Aprofundei o beijo enterrando meus dedos em seus cabelos ainda um pouco úmidos do banho, o que fez aquelas partículas com cheiro cítrico de bergamotas desprender-se no ar e adentrar meus pulmões, acomodando-se. Mihaela mordeu meus lábios ao fim do beijo, e fez uma trilha lenta e decididamente longa pelo meu pescoço me testando como sempre fazia. No entanto deixei me levar, sendo beijado novamente de forma veemente, e cheia de volúpia, sentindo todo o meu corpo responder arrepiando-se e esquentando mais do que o normal.
- Estava com saudade disso. – Sussurrou em meu ouvido.
- Também estava. – Abri os olhos um pouco desnorteado.
Ela beijou minha testa e respirou um pouco mais fundo deitando-se novamente com a cabeça em meu peito. Afaguei o seu cabelo suavemente enquanto tentava normalizar a minha respiração novamente. Eu podia sentir ela respirando de forma curta e descompassada contra mim, o que não era bem normal.
- Está sentindo dor? – Indaguei preocupado.
- Só um pouco, nada demais.
- Tem certeza?
- Sim. É apenas meu pulmão reclamando. Ainda vou ter que tomar um pouco da poção para cicatrização.
A irritação voltava novamente aos recônditos da minha mente. Ainda não havia aceitado o fato de que aquele cretino não tinha sido expulso como deveria. Já bastava as suas perturbações diárias, ainda tinha que tentar me matar e ficar impune como se nada tivesse acontecido. A vontade de lançar um Avada nele ultrapassava qualquer desejo meu naqueles últimos dias, e só não o fazia por recomendação de Narcisa para que não fosse expulso no lugar deles e criar uma espécie de investigação do Ministério. Mas me garantiu que fora, ela mesma se encarregaria de dar cabo dele se fosse necessário. Também não aceitava que Lilian ainda estivesse por aí andando livremente com seu papel falso de boa aluna. Se Bella não tivesse descoberto logo algo pior teria acontecido. Doses de pó-de-trombeta por tempo demais criariam uma espécie de efeito acumulante no organismo que levaria a pessoa a morte por envenenamento. Esperava que os dois ficassem bem longe de Mihaela depois das medidas “cabíveis” de Dumbledore. Ainda achava que ele estava passando a mão na cabeça deles por serem da Grifinória. As punições mais pesadas sempre recaiam em cima da Sonserina aprofundando ainda mais a relação de ódio entre as duas casas.
- Miha? – Chamei-a suavemente, mas ela não respondeu. Havia pegado no sono. Estava cansada assim como eu, haviam sido noites em claro sem dormir direito. No entanto ainda não estava com o sono que deveria estar. Continuei acariciando os seus cabelos enquanto fazia minhas próprias suposições sobre os últimos fatos durante um tempo considerável. Suposições essas que aos poucos foram ficando nubladas e difíceis de compreender com o passar dos minutos, e tão logo me dei conta estava quase dormindo. Abri os olhos apenas para verificar a hora e ver se não era o tempo de Mihaela tomar novamente a poção, e apaguei.
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