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História Sherlock e os Noivos Demoníacos da Rua Fleet - Noite Feliz


Escrita por: Sylphielx1

Notas do Autor


Bom dia gente, este capítulo tá muito fofo e leve. Livre para todos os públicos mais ou menos kkkkk
Eu não revisei muito bem pq to morrendo de sono e queria postar logo, então eu vou consertando os erros ao longo dos dias, hahaha. Me perdoem desde já.

Vocês já leram a fanfic The Broken Teacup do @Bonsoiir ?
Se sim, continuem que é nóiz!
Se não, corre lá e lê, pq aquela coisa é linda!! Muito bem escrita e merece todo o reconhecimento e amor do mundo!

Voltando a este capítulo, espero que gostem.

Capítulo 22 - Noite Feliz


Era inverno na cidade do estripador. Um outro Jack, porém, voava sobre Londres, lançando ar seco e gelado sobre os vidros fechados das janelas, preenchendo-os com uma fina camada de gelo.

– Saia do vento ou o Jack Frost vai congelar você! – Gritava uma mulher para seu filho pequeno.

Nas ruas, as pessoas andavam encolhidas, com as cabeças afundadas nos ombros. Pescoços cobertos por cachecóis coloridos e mãos enluvadas escondidas nos bolsos de grandes e grossos casacos.

As boas e inocentes almas que viam as casas e comércios se enfeitarem para o natal, poderiam até pensar que a frequência de crimes cairia. Algo relacionado ao espírito benevolente que tomava as pessoas subitamente naquele feriado. Mas os mais astutos e talvez mais maldosos sabiam a verdade. Londres continuava a ser tão perigosa naquela época quanto era em qualquer outro momento do ano. A prova disso era que só na região de Whitechapel e Spitafields, bairros assolados pela fúria do estripador, uma mulher e um menininho haviam sido brutalmente assassinados num intervalo de apenas nove dias. A polícia sabia muito bem. Ingênuos eram aqueles que achavam que a paz do Senhor imperava no aniversário do nascimento de Seu filho.

Mesmo assim, o clima de festa arrebatava a cidade. Os mais ricos compravam presentes espalhafatosos e caros para seus entes queridos. Os mais pobres compravam e enviavam cartões para todos aqueles com quem se importavam. O preço baixo das postagens tornava este, um presente acessível até mesmo para as crianças. As árvores que imitavam aquela que aparecera na ilustração da Rainha e seu Rei eram vendidas aos montes e enfeitavam as salas das famílias mais abastadas. Enfeites coloridos davam um clima festivo para os lares e lojas e as comidas que seriam servidas no feriado em si já estavam maturando há semanas.

Não havia crime hediondo que pudesse apagar o poder do nascimento de Cristo. Mesmo o terrível Jack já estava sendo, aos poucos, esquecido pela população londrina. A investigação continuava, claro, mas a agitação começava a esfriar. A vida seguia seu caminho.

***

Segunda-feira, 24 de dezembro de 1888 – Christmas Eve

– Hannibal, eu não acredito que você está preparando este bolo há um mês. – Comentou Will Graham, enquanto carregava as louças caras do senhorio com o maior cuidado possível.

– É preciso que a massa pegue sabor. Isso leva tempo meu caro. – Disse o lituano, não retirando os olhos de um livro de receitas que estava apoiado sobre a mesa.

– Eu entendo, mas... um mês?

– Este é um prato tradicional do seu povo, meu querido Will. – Hannibal suspendeu o olhar. – Não fui eu que inventei a receita, apesar de apreciá-la muito.

– Nunca comi isso. – Confessou Will. – Meu pai não se importava com o natal, então nunca tínhamos festa.

– Então esta comemoração natalina será em sua homenagem! – Lecter sorriu. – E eu tenho certeza de que você vai apreciar o sabor do bolo, assim como todo o resto.

– Bom dia, cavalheiros. – Abigail apareceu na cozinha, sorrindo e apanhando um avental. – Dormiram bem?

– Bom dia. Eu dormi muito bem, mas nós realmente temos que dar um jeito nos pesadelos dele. – Falou Hannibal, referindo-se a Graham.

– Eles são menos frequentes hoje em dia.

– É bom saber que nossa companhia o faz dormir melhor. – Brincou a menina. – Ou pelo menos a companhia dele. – Apontou para Hannibal que a olhou com cara de reprovação.

– Abigail! É indelicado fazer estes comentários. Deixe Will em paz.

– Estou brincando! – A menina se justificou. – É bonito como ele fica vermelho. – Disse ela e Will ficou mais vermelho do que já estava.

– Estou pensando em preparar um prato diferente. O ingrediente principal seria uma língua bem atrevida. – O chef ameaçou em tom de brincadeira ou brincou em tom de ameaça. – O que acha Will?

– Acho uma ideia excelente! – O de olhos azuis sorriu maldoso.

– Tudo bem, tudo bem, não brinco mais. – Disse uma Abigail, incerta da probabilidade de Hannibal cumprir a ameaça brincalhona. – Bem, vejo que teremos muita comida, quantos convidados virão?

– Sherlock e John, Jack e Bella, Lestrade e Molly... – Will parou o que estava fazendo para contar nos dedos.

– Anthony. – Abigail inseriu o rapaz.

– O Franklyn, a senhora Hudson e o senhor Mycroft Holmes talvez apareçam. – Acrescentou Hannibal.

– E a senhora Bedelia? – Questionou Abigail, atraindo o olhar de Lecter para si.

– Quem é Bedelia? – Perguntou Will.

– Oh, você não sabe... – O rosto da jovem ficou vermelho. – Me desculpe Hannibal, eu não quis me intrometer.

– Não se preocupe, querida. – O homem loiro a tranquilizou. – Eu deveria ter falado sobre isso antes. Bedelia DuMarier foi minha esposa há alguns anos. – Respondeu a pergunta de Will.

– E por que ela viria para o natal?

– Nós nunca nos afastamos, apesar de nosso laço matrimonial ter sido desfeito. – Hannibal estava sendo irritantemente franco para o detetive.

– Eu não vou ser rude a ponto de perguntar se você ainda mantém um relacionamento romântico com ela. – Disse Graham, voltando o olhar para um monte de cascas de frutas que Hannibal havia deixado sobre uma bancada. – Deixe que eu jogo isto fora. – Apanhou as cascas e saiu da cozinha, deixando o chef e a protegida a sós.

– Senhor Lecter, por favor, me desculpe. – Abigail estava agoniada. – Eu não queria colocá-lo em uma situação difícil.

– Você não me colocou em situação alguma, minha querida. – Disse Hannibal. – Eu cheguei aqui sozinho. Já disse para não se preocupar.

Abigail assentiu e tratou de auxiliar o chef nos afazeres domésticos. Ela achava que ele deveria ir atrás de Will para conversar, mas decidiu não se meter quando Lecter não o fez.

O detetive se engajou em decorar a estranha árvore que havia na sala, sendo observado por um preguiçoso Winston que estava esparramado por ali. Para ele, ocupar-se era a melhor forma de não pensar no seu já crescente ódio pela ex-esposa do homem com quem dormia. Durante o dia, os dois mantinham a postura de senhorio e inquilino que viraram amigos. À noite, porém, devoravam-se com o corpo e com a mente. Hannibal era agressivo, gostava de deixar marcas na pele pálida de Will. O detetive diversas vezes teve que esconder as marcas de mordidas e apertões que ganhava do amante. No entanto, também gostava de deixar evidências de sua presença nos braços e nas costas do lituano. O cortejo entre eles começara desde a primeira vez que os olhos azuis fugiram dos castanhos-amarelados. Graham nunca tinha sido arrebatado por alguém daquela maneira. Se sentia como um adolescente. Um fogo ardia dentro dele. Seria tolice para ele – um detetive – não reconhecer os sinais de que estava apaixonado por seu amigo.

Infelizmente, a mesma coisa que fazia daquele relacionamento algo interessante, podia fazer com que tudo significasse nada. Eram homens. O que eles faziam à noite era proibido. Graham se sentia incomodado por ter sido parabenizado quando tirou a vida de alguém enquanto era obrigado a esconder o que ele era junto com Lecter. Naquele dia antes do natal, Will começava a se perguntar se eles eram, de fato, alguma coisa. E se eram, o que seriam? Tudo aquilo era muito incomum. Não o fato de serem homens, mas a esquisita excitação do lituano pelo fato de o detetive ser um assassino. Toda a moral excêntrica que fazia das conversas entre eles as mais interessantes. Lecter gostava de cutucar nos lugares sensíveis e Will gostava de ser cutucado. Apreciava a comida, os elogios e a boa educação do senhorio, mas o que o enlouquecia, no mal e no pior sentido, era a avidez de Hannibal por descobrir o que estava por baixo.

Will Graham gostava de ser o objeto de desejo de Hannibal Lecter.

– “Nenhum de nós pode estar plenamente consciente de outro ser humano, a menos que o amemos. Por amor, vemos potencial em nosso amado. Através deste amor, nós damos a quem amamos a visão deste potencial. Expressando o amor, tal potencial se torna verdade. ” – Disse Lecter certa vez. O de olhos azuis não entendera o significado daquelas palavras na época, mas começava a compreender agora. Quando voltou para a Rua Fleet, no comecinho de setembro, era um homem feio, quebrado, abandonado pela vida. Envergonhava-se de si mesmo, de seu corpo malcuidado e de seus pensamentos ligeiramente cruéis. Estava acostumado a ideia de solidão. Esperava encontrar naquele endereço um buraco onde pudesse se esconder de tudo e de todos. Em vez disso, conheceu alguém que via beleza no quebrado. – “Quero que saiba que, quando olho para você, vejo uma pessoa linda. ”– E pronto. De repente, Will Graham ganhou um lar e uma família. Um amigo que o aceitava, mesmo sabendo que ele não era a pessoa boa que todos esperavam. Uma pessoa que apreciava o seu lado mais sombrio, apenas para vê-lo completamente livre e confortável. Não foi surpreendente quando o inglês percebeu que temia perder tudo isso.  

Aos olhos de Hannibal, ele era belo, especial, único e maravilhoso. O lituano via potencial onde o próprio Will enxergava apenas ruínas. Graham começou a acreditar em seu amigo. Passou a aceitar a ideia de que talvez, ele fosse mesmo aquilo tudo. Alguém especial. Ele queria ser especial, exatamente o tipo que seu amigo e sua quase filha desejavam. Viu potencial em si mesmo. E, aos poucos tudo foi se tornando verdade. Já não era o Will Graham de meses atrás,  era alguém novo. Não sabia se melhor ou pior, mas sabia que aquele era, em partes, resultado da influência de Hannibal sobre si.

Saber sobre a tal Bedelia – Mas que nome era aquele, afinal? –, deixava o detetive abalado. Por que Hannibal não havia dito nada sobre ela? Será que a tal mulher viria para a comemoração do natal? Quais seriam seus motivos para continuar a manter contato com o antigo marido? E, o mais preocupante pensamento era a ideia de que, caso Lecter decidisse deixa-lo por ela, ele nada poderia dizer ou fazer. Um risco que existia independentemente da presença da ex-mulher, mas que parecia se tornar maior agora que sabia da existência dela.

Os amigos não conversaram naquela tarde. Durante o jantar, praticamente só Abigail falara, o que a deixou extremamente desconfortável.

– Vou para o quarto. – Informou Lecter, após lavar as louças. – Estou cansado por causa da organização da casa. Devo esperar você? – Perguntou, tocando o ombro de Will, que estava sentado no sofá lendo um livro.

– Não. Eu vou subir com você. – Respondeu Graham, tocando a mão do outro em seu ombro.

– Você quer conversar?

– Não. – Disse Will, dando um sorriso tímido. – Vamos só dormir. Amanhã será um longo dia.

Hannibal assentiu e, segurando Graham pela mão, subiu as escadas para seu quarto. Chegando lá, os dois se deitaram. O de cachos castanhos ficou virado de costas para o loiro, se odiando ao descobrir a quantidade de ciúmes que era capaz de sentir. Sabia que se abrisse a boca, seria injusto com o amigo e então preferiu ficar calado. Lecter passou os braços ao redor do corpo do menor e o puxou para perto. Com um beijo, enterrou os lábios nos cabelos de Will e o sentiu respirar fundo. Um cheiro salgado encheu as narinas do mais velho. Will Graham estava chorando. Sentiu vontade de perguntar a razão daquilo, mas achou melhor respeitar o silêncio que o detetive escolhera. Dormiram ambos, um se sentindo idiota e o outro achando graça.

***

No dia seguinte, Molly, Anthony e Lestrade chegaram mais cedo do que o esperado. A moça estava realmente bonita dentro do vestido verde que usava em datas importantes. Entregou um pequeno embrulho para Will e pediu para que ele apenas abrisse no dia seguinte, Boxing Day, como chamavam. Então foi para a cozinha, após Lecter aceitar a ajuda que ela oferecera para finalizar os pratos para a ceia. Franklyn já estava lá. Havia chegado extremamente cedo, ostentando um sorriso de orelha a orelha pelo convite que recebera. Ao entrar, agarrou o dono da casa em um abraço apertado e sincero, entregando uma caixinha bonita para Hannibal, que ficou feliz com o gesto do homem. Anthony e Abigail se revezavam entre preparar e comer prematuramente os doces da festa. Longe dos olhos do chef, claro. Lestrade e Will ficaram conversando na sala de estar. O detetive inspetor se lamentava sobre ter sido traído por um dos três amores eternos que encontrara naquele ano.

Bella e Jack Crawford chegaram ao final da tarde, trazendo pequenos presentes para todos os convidados de Lecter e um grande pacote de nozes, agradando imensamente o chef que as usara para enfeitar um prato feito com uma carne especial. A mulher negra, exalava uma beleza e classe que Molly e Abigail só podiam admirar e desejar. Jack sempre parecia orgulhoso e encantado quando falava “Bella”, além de compartilhar as histórias que vivera na América enquanto segurava um copo sempre cheio de conhaque, sua bebida predileta. Já bêbado, Lestrade contava casos embaraçosos sobre ele próprio e Will, que ria seus pulmões fora.

Quando o céu já estava quase todo negro e o frio começava a enregelar a pele dos desprotegidos, Sherlock, John, Mycroft e a senhora Hudson chegaram. A velhinha se encantara com bela decoração da casa e tão logo pousou os olhos sobre Molly, a questionou se estava tentando seduzir alguém com aquele vestido. A moça sorriu, sem graça e vermelha, soltando uma panela cheia do molho fumegante que seria servido junto ao ganso que estava quase assado. Hannibal agarrou as laterais do recipiente de ferro em um ato reflexo, se arrependendo assim que sentiu o calor do metal começar a ferir suas mãos. O lituano correu até a superfície mais próxima e largou a panela ali, se esforçando para não gritar de dor enquanto agitava os pulsos freneticamente. Will correu para acudi-lo, agarrando as mãos do chef para soprá-las. Abigail tratou de buscar água e Anthony tentou achar curativos pela casa.

John examinou as mãos do outro médico e constatou que elas não haviam sido expostas por tempo suficiente ao calor e por isso não se feriram de fato. Tão logo a dor passasse, Lecter estaria apto a retomar seus afazeres. Sherlock e Mycroft decidiram compartilhar um cachimbo, mas o olhar de reprovação da senhora Hudson os fez reconsiderar a decisão. Os irmãos Holmes eram os únicos que não pareciam interessados nas outras pessoas. O mais velho era mais sociável, apesar de descaradamente falso e o mais novo apenas se enfiou num canto da sala de estar e não saiu mais de lá.

Sherlock tinha uma expressão péssima que só era superada pela cara de poucos amigos de John, que tinha se tornado inexplicavelmente atado a reclamações por qualquer motivo. Após o assassinato de Mary Jane Kelly, um pessimismo tomara conta do médico, que sempre suspirava dizendo que a polícia perdia tempo prendendo pessoas inofensivas enquanto os verdadeiros vilões permaneciam livres. O detetive, por sua vez, estava se recuperando de uma quase overdose de cocaína que sofrera na mesma semana que a vítima do estripador morrera. Watson havia destruído o estoque pessoal da droga de Holmes e, com isso, o condenara a uma severa abstinência que o deixava irritadiço e com o pensamento confuso.

O ex-soldado se sentiu feliz e invejoso quando viu, com o canto dos olhos, o beijo que Will deu na palma da mão de Lecter, quando achou que estavam longe dos olhos de todos. Hannibal sorriu em aprovação, sabendo através do olhar de seu amigo que o ciúme já estava superado. Durante o jantar, todos deram as mãos e agradeceram a Deus pelas bênçãos daquele ano e principalmente, pelos novos amigos que fizeram. Sorrindo, Lecter beijou as costas da mão de Abigail e o coração da menina se aqueceu. Apesar do medo que sentia, ela era grata por ter conhecido o lituano. Sem seu pai biológico, se encontrava desamparada na vida. Mas com seu novo pai, não estava mais sozinha e havia aprendido tanto, para o bem ou para mal. Sherlock apertou com força a mão de John, que olhou de relance para ele e sorriu triste.

Comeram e beberam, sempre fazendo questão de deixar claro, para a alegria de seu anfitrião, quão boas as comidas estavam. O bolo de natal que maturara por um mês, fez a alegria de todos na casa. Esta absurdamente delicioso. Após a ceia, um Mycroft provocador encorajou todos a pedirem que Sherlock tocasse uma canção em seu violino. O detetive consultor aceitou a contragosto e Will decidiu acompanha-lo no piano.

Tocaram Canon in D. Tão logo começaram suas performances, o restante das pessoas se acomodaram e pararam de tagarelar para se concentrarem no divino som que saia dos instrumentos magistralmente tocados pelos dois detetives. Pela primeira vez, os dois homens de olhos azuis e cabelos cacheados pareciam se entender perfeitamente. Sherlock mantinha os olhos fechados enquanto balançava levemente o corpo, no ritmo lento da música. Will se deixou enfeitiçar pelo ar triste e belo dos sons e logo, lágrimas estavam escorrendo pelo rosto que carregava uma expressão serena.

 Depois tocaram uma canção chamada Butterfly Waltz. Foi bonito quando Jack segurou a mão de Bella entre as suas, deixando seus olhos se encherem de lágrimas. A mulher sorriu, orgulhosa por tê-lo como seu esposo. Anthony sorria como um bobo para uma Abigail que estava vermelha por tentar engolir um nó em sua garganta. Então Will iniciou Aria, de Sebastian Bach, a preferida de Hannibal, dedicando-a para ele com um sorriso torto e genuinamente alegre. Lecter fechou os olhos para apreciar os sons que vinham do piano. Nunca esqueceria aquele momento. Gravava em sua memória não apenas a música, mas quem tocava. O cheiro, o sorriso, a textura, o olhar e as lágrimas. Imagens e sons eternizados. Juntando-se novamente a Graham, Sherlock tocou Adagio con Amore e viu o rosto satisfeito de Mycroft ao ver o irmão arrancar um som tão belo de um simples pedaço de madeira, metal e cordas. John não tirava os olhos de seu companheiro e sequer se importava com as lágrimas que encharcavam seu rosto.

Por fim, os dois homens tocaram Moonlight Sonata, de Beethoven e Fuer Elise. Molly e a senhora Hudson tinham as caras inchadas por causa do choro e sorriam de alegria, apesar das tristes canções. Havia algo de prazeroso na dor que aquelas músicas carregavam. Quando os homens terminaram de tocar, todo o resto os aplaudiu. Lestrade, com suas bochechas vermelhas pelo álcool gritava “bravo” e levantava os braços acima da própria cabeça para bater palmas. Hannibal, sempre solicito, trouxe lenços para que Franklyn secasse o rosto e ficou horrorizado pelo homem ter assoado o nariz no pano e largado o mesmo sobre o sofá.

Já na alta madrugada, após terem desejado feliz natal uns aos outros, os que festejavam na Rua Fleet foram buscar seus presentes aos pés da árvore que a cada ano se tornava um símbolo maior daquele evento. Era o tal Boxing Day. Trocaram os agrados entre si. Peças de roupas, pequenas esculturas, cartões, relógios de bolso e jóias. Todos ganharam algo de alguém. Então voltaram a beber e conversar, rindo, gritando, caindo e chorando, graças ao efeito dos vinhos, conhaques e whiskeys. Nem se preocuparam em ir embora. Alguns adormeceram ali mesmo, no sofá e nas cadeiras. Will estava no chão com Winston, um usando o outro como travesseiro. Abigail dormiu encostada nas pernas de Hannibal, que, por sua vez, adormeceu na poltrona próxima a lareira. Anthony fora o único que foi vencido pelo sono enquanto estava com as calças arriadas no banheiro. John, Sherlock e Mycroft roncavam em um sofá, amassados uns nos outros. Franklyn estava desmaiado na poltrona ao lado de Lecter. Molly dormia no chão, próxima de Will e Lestrade estava numa cadeira, abraçado a senhora Hudson.

Quando o sol nasceu, eles acordaram quebrados e doloridos. Passaram o dia juntos, aproveitando por mais aquelas horas a paz que a vida lhes dava. Comeram o restante das comidas e ajudaram com a limpeza e organização da casa. Coisa rara. Ao final do dia 26 de dezembro, se despediram e partiram, deixando o detetive, o chef e a protegida sozinhos na companhia uns dos outros. Abigail correu para seu quarto, ansiando por sua cama. Hannibal ainda preparou um banho para si e para o amigo antes de dar aquele dia por encerrado. Em uma banheira, lavou os cabelos de Will e massageou seu corpo aquecido pela água. Queria encher o de olhos azuis de mimos, após ele ter lhe dedicado sua canção favorita.

– Antes de irmos dormir, gostaria que visse isso. – Disse o lituano, enquanto estendia a mão que segurava um envelope.

– Uma carta para mim? – Perguntou Graham, segurando o pacote cuja origem era italiana.

O homem mais novo rasgou o envelope e tirou de dentro dele um papel de altíssima qualidade. Nele, belas letras desenhavam a mensagem que foram escritas para os olhos de Will apenas.

Olá,

Nós não nos conhecemos. Talvez nunca viremos a nos encontrar.

É melhor assim, mesmo que eu admita ter uma curiosidade sobre a sua pessoa.

O doutor Lecter tem muita estima pelo senhor. Isso é raro.

Parece que salvou a vida dele e de Abigail ao encerrar a vida de um bandido perigoso. Hannibal está orgulhoso de você. Acho que também estou, em partes.

Imagino que o senhor já tenha notado que nosso “amigo” em comum é um homem singular. O aviso, mesmo acreditando que o homem a quem Hannibal Lecter chama de “inteligente” já tenha tal noção, que há muito mais para se descobrir do que aquilo que está na superfície.

Ele é como um diamante. Raro e atraente por seu valor e beleza, mas com bordas afiadas. Cuidado para não se cortar.

Desejo-lhe um feliz natal e um próspero Ano Novo.

E felicidades para os senhores.

Uma amiga,

B.D

– Há quanto tempo você está guardando isto? – Perguntou Will.

– Desde o dia 21. – Respondeu Lecter.

– E por que só me entregou agora?

– Queria ter te informado primeiro sobre a existência de Bedelia. No fim, a forma com a qual você descobriu não foi a mais apropriada. Então decidi esperar até um momento em que a carta não se tornasse um problema.

– Eu estava um pouco irritado. – Confessou Will. – Fez bem em não ter me deixado ver isso. Eu provavelmente não compreenderia.

– Foi o que imaginei.

– Falou de mim para ela?

– Somente coisas boas, eu lhe asseguro. – Lecter sorriu para o mais jovem.

– Vamos para a cama. – Convidou o detetive.

Os dois homens se deitaram na cama, não se preocupando com fato de estarem completamente nus. Tinham a intenção de aproveitarem mais a companhia e o corpo um do outro, mas o sono já começava a se apoderar deles.

– Você precisa ajudar o John. – Falou Hannibal.

– Ele e Sherlock não estão bem há um bom tempo. – Comentou Graham. – Algo sério aconteceu em Devon.

– Eles estão a perder tempo com coisas insignificantes. O tempo não vai espera-los. – Disse o senhorio.

– O que quer dizer?

– Na minha experiência, se quisermos algo, temos que segurar firme. Ou isso simplesmente escorregará por entre nossos dedos e então, será tarde demais.

– Fala isso por causa da sua família? – Questionou Will, fitando o rosto de Lecter, iluminado pela luz de uma única vela.

– O tempo não poupa ninguém. – Disse o loiro, deixando um sorriso triste desenhar seus lábios. Então Will o beijou, demorando para separar suas bocas e abraçando o corpo do maior.

Naquela noite, Hannibal Lecter se esforçou por Will Graham, o homem que começara a demonstrar sentimentos tão bonitos e profundos por ele. Afugentou o sono de seu corpo e se movimentou para ficar sobre o menor. Tomou os lábios dele com carinho e firmeza, enquanto acariciava com cuidado sua pele pálida. Aquilo era para ele, seu anjo de olhos azuis, lindo como céu e o mar, doce como mel. Seu belo assassino, venenoso como uma serpente e feroz como um mangusto. Amava a dualidade em Will, que ria ao sentir a pressão dos lábios do maior sobre seu corpo.

Sorrindo como um gato de Cheshire, Graham fez, pela primeira vez, amor com seu senhorio. O que praticavam ali não era a volúpia gerada por uma paquera de mentes. Era devoção, agradecimento e súplica. O maior presente que poderiam receber um do outro e da vida. Will almejava que aqueles momentos durassem para sempre. Lecter, que notara quão inconvenientes aqueles desejos e sombras de sentimentos poderiam se tornar, decidiu entregar o melhor de si mesmo para seu amigo e amante, desejando guardar cada instante em sua memória, para poder olhar aquele belo rosto risonho quando chegasse a hora e ele não estivesse mais ali.


Notas Finais


Eai meus queridos e queridas, o que acharam? Foi um capítulo bem "de boas", como disse uma vez, não se acostumem a calmaria, pois a tempestade logo virá.

Usei versões em piano e violino das canções citadas no texto:
Canon in D: https://www.youtube.com/watch?v=C4snVLuzask
Butterfly Waltz: https://www.youtube.com/watch?v=xSJVuf2kB3I
Aria: https://www.youtube.com/watch?v=AYRzCT5chIM
Adagio con Amore: https://www.youtube.com/watch?v=3m_8NlS52Dc
Moonlight Sonata: https://www.youtube.com/watch?v=CoQ7zI2SeFc
Fuer Elise: https://www.youtube.com/watch?v=_mVW8tgGY_w



Espero que tenham gostado. Como sempre, obrigada por acompanhar.
Até o próximo capítulo para os meus queridos silenciosos e até os comentários para quem me agraciar com os próprios pensamentos.

Abraços.


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