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História Sherlock e os Noivos Demoníacos da Rua Fleet - A Morte de Will Graham - Parte I - Chá e Tequila


Escrita por: Sylphielx1

Notas do Autor


Olá pessoas, voltei.
Sabe o que voltou junto comigo? Minhas aulas. Sistemas Financeiros Internacionais, Tópicos Avançados de Relações Internacionais, Internacionalização de Empresas e Política de Comércio Exterior. Fora TCC e uma matéria EAD. E as malditas Atividades Complementares. Se eu começar a demorar mais para postar capítulos ou vcs começarem a observar mais erros do que de costume, é por isso. Mas a ideia é continuar postando sempre que possível e da melhor forma.

Vamos ao que interessa.
Talvez, o título deste capítulo seja um pouco sensacionalista. Tipo a morte do Superman. Talvez, seja realista até demais. Tipo a morte da Gwen Stacy. Enfim, a ideia era postar dois capítulos de uma só vez. Assim eu já resolveria toda a questão rapidamente. Mas não deu. Então, daqui a uns dias eu postarei a segunda parte.

Como sempre, espero que apreciem a leitura e perdoem os meus erros.

Capítulo 23 - A Morte de Will Graham - Parte I - Chá e Tequila


Sexta-feira, 1 de fevereiro de 1889.

Depois do que parecia ser uma eternidade gelada, o inverno finalmente chegara na metade de seu tempo. Apenas alguns dias separavam os londrinos da bela e desejada primavera, onde as flores se abririam, colorindo a vida e, os pássaros cantariam alegres, carregando as sementes das plantas em seus bicos pequeninos.

Aquela sexta-feira era, porém, diferente dos outros dias invernais. Uma forte chuva espantou as pessoas das ruas durante toda a manhã e tarde. À noite, ela apenas se tornou mais intensa e gelada, mantendo a metrópole vazia e silenciosa.

Will Graham fitava o céu escuro com seus olhos arregalados. As nuvens de chuva o impossibilitavam de enxergar as estrelas. A partir de seu ângulo de visão, o detetive se surpreendeu ao perceber que o céu parecia sólido como o chão. Gotas d’água acertaram seus globos oculares, fazendo-os arder. Ainda não havia tido tempo para piscar. Quantas piscadelas conseguiria dar antes de alcançar o chão? Tudo estava lento e o homem de olhos azuis conseguia enxergar de soslaio os próprios cachos castanhos se movendo para o alto, como se estivesse dentro da água.

Estava frio. O ar seco puxava as roupas negras e encharcadas na mesma direção que seus cabelos seguiam, informando o homem de olhos azuis que seu corpo estava se movendo rápido demais. Mas a verdade era que ele não estava se movendo. Seus braços estavam estirados para a frente dele, como se tentassem tocar as nuvens. As pernas estavam levemente flexionadas e também pareciam querer alcançar a imensidão celeste. Seu torso, curvado para trás, era agarrado pelos braços invisíveis da gravidade, que o puxava para o chão. Will Graham estava caindo.

As gotas da chuva, outrora transparentes, se misturavam com o vermelho do sangue que se desprendia dos pequenos cortes que apareceram em suas mãos, após ser atingido por alguns cacos do vidro que se estilhaçara quando seu corpo se chocou contra a janela. Era difícil respirar. A água que descia dos céus acertava seu rosto como pequenas pedras, invadindo seus olhos, narinas, ouvidos e boca. A essência rubra de Graham fugia através do corte profundo em seu abdômen. No entanto, ele não sentia dor. Embora tivesse consciência de que estava caindo há um tempo inferior a segundos, todo o mundo parecia estar parado. Will sentia que poderia contar até mil antes que finalmente atingisse o solo. A eternidade dentro de alguns ínfimos instantes. De alguma forma, sua mente e seu coração conseguiam fazê-lo sentir e se lembrar de todos os momentos que o levaram até aquele ponto.

Dizem que quando um homem está prestes a morrer, ele vê toda a sua vida passar diante de seus olhos. Talvez isso fosse uma verdade universal, alguma força maior que se encarrega de fazer a humanidade se lembrar de seus feitos antes da morte para que possa se regozijar ou se arrepender. Ou quem sabe, esta seja apenas uma ideia sugerida por alguém em algum momento, que se espalhou e se tornou um protocolo silencioso, inserido nas mentes daqueles que estão prestes a deixar este mundo. De qualquer forma, a vida de Will Graham se reproduzia diante de seus olhos. Alegria e arrependimento dançavam em seu coração enfraquecido. Dois sentimentos que se alternavam em medidas desiguais. Ele se lembrava agora das últimas semanas antes do fim que se aproximava. A imagem da Rua Baker surgiu em seus pensamentos. Num apartamento que cheirava a tabaco e jornais velhos.

***

Quarta-feira, 9 de janeiro de 1889.

 A Vitória de Jack, o Estripador

Por Freddie Lounds

Desejo-lhes um bom dia, meus amigos leitores. Hoje é uma data especial, é aniversário de um evento muito importante, mas que tende a ser esquecido por aqueles que deveriam ser os mais interessados. Hoje, senhoras e senhores, é o aniversário de dois meses da infeliz morte de Mary Jane Kelly, 25, que foi assassinada brutalmente por aquele que conhecemos como Jack, o Estripador.

Sim, há dois meses nós temos esperado por respostas e a polícia simplesmente não sabe o que dizer. Como se não bastasse, daqui a pouco mais de um mês, será o aniversário de um ano desde o ataque contra Annie Milwood, que veio a falecer poucas semanas depois. Nenhum suspeito foi preso pelo crime. Assim foi com todas as outras, como os senhores bem sabem. A polícia não foi capaz de indiciar ninguém. Falta de provas foi a desculpa que inventaram para justificar a própria incompetência. Dez pessoas foram mortas e estão longe de conseguir qualquer justiça para seus casos. E não estamos contando os assassinatos ocorridos após o dia 9 de novembro do último ano.

Jack, o Estripador, assim como qualquer outro assassino que tenha responsabilidade por estes crimes, se saíram vitoriosos. Nós, homens e mulheres de bem somos obrigados a andar nas ruas com medo. Quem deve responder por isso? Os líderes da polícia nada comentam. Sherlock Holmes, o grande detetive, se recusa a falar sobre o assunto e Will Graham, bem, desde o fiasco com a família Verger, não é prudente confiar em nada do que ele disser. Não que ele tenha tido a decência de dizer algo. Um pedido de desculpas que fosse.

A trilha que nos levaria até o hediondo criminoso está desaparecendo a cada dia. Estamos falhando pela segunda vez com estas mulheres, estas vítimas. O estripador está se tornando uma lenda macabra sobre nossa cidade e uma prova de que muito deve ser mudado em nossa sociedade.

– Odeio sentir raiva da polícia quando tenho amigos entre eles, mas não posso deixar de concordar com este texto. – Disse Molly Hooper enquanto jogava o Tattle Crime sobre a mesa que ficava entre a lareira e o sofá do apartamento 221B da Rua Baker.

– Agora esse Freddie começou a implicar com Sherlock também. – Comentou Watson em tom desanimado.

– Sabia que não era uma boa ideia ter meu nome associado ao caso do estripador. – Suspirou Will, sentado no sofá. – Bem, por falar em Sherlock, para onde ele foi? Lestrade esperava que ele fosse para a Scotland Yard hoje.

– Ele saiu para resolver algum problema do irmão. – Informou o médico.

– Deve ser algo importante então. – Molly falou. – O senhor Mycroft trabalha para a Rainha, pelo que sei.

– Imagino que sim. – Disse John. – Confesso que não sei muito a respeito.

– Como ele está em relação as drogas? – Molly questionou.

– Está se entupindo de café e cigarros. Pelo menos isso não vai lhe causar uma overdose. – Riu John. – Aliás, tenho que agradecê-la por estar sendo tão prestativa senhorita Hooper.

– Sabe que pode me chamar só de Molly. – Um sorriso iluminou o rosto lânguido da moça. – E eu não poderia deixar que você cuidasse de Sherlock sozinho. Tem sido um bom amigo, doutor, mesmo que as vezes ele não mereça.

John sorriu e caminhou até a cozinha para pegar as vasilhas, outrora cheias de comida, que Molly havia deixado em sua casa. Com todo o trabalho no hospital e a preocupação com o estado de saúde do detetive consultor, nos primeiros dias após o susto da quase overdose, John estava passando por maus momentos. Mal tinha tempo para preparar algo para comer e suas poucas horas de sono eram gastas suprindo as necessidades do amigo doente. Hooper não pôde deixar de se compadecer quando viu Watson dormindo em pé, encostado numa parede do hospital. Então passou a realizar pequenas tarefas para ajuda-lo, como lavar roupas ou preparar ela mesma a comida.

– Você tem sido uma boa amiga, Molly. – Disse John, entregando para ela os vasilhames.

– Bem, eu já vou indo. – Disse Hooper. – Tenham vocês dois uma boa tarde.

– Para você também. Até mais. – Respondeu Will, se prontificando a abrir a porta para Molly.

Tão logo Will fechou a porta, John retornou para a cozinha e saiu de lá trazendo duas xícaras de chá fumegante. Ofereceu uma para o detetive que a aceitou imediatamente, mesmo não tendo solicitado a gentileza.

– Disse que queria conversar comigo. – O médico iniciou novo diálogo.

– Vim apenas para saber como estão as coisas. – Respondeu Will, se aproximando das poltronas a frente da lareira, sinalizando sua intenção de sentar naquele que costumava ser o lugar de Sherlock.

– As coisas estão bem. – Disse John, deixando um pequeno sorriso desenhar seus lábios enquanto ele se aconchegava em seu lugar, dando uma silenciosa permissão para que Graham fizesse o mesmo.

– Eu não sou muito bom em ser amigo das pessoas. – Riu o detetive. – Isso vai ser mais fácil se você for sincero comigo.

Watson riu. Seus problemas estavam assim tão evidentes? Ou o homem a sua frente era mesmo capaz de ver através dos olhos das pessoas? – Bem, me sinto cansado. Cansado e frustrado.

– E o que tem causado estas sensações em você? – Questionou o detetive.

– Seria simples se eu pudesse colocar tudo em palavras. – John moveu a cabeça para o lado, suspirando. – Bem, enquanto eu tento achar uma forma de falar sobre mim, por que não me conta como você está?

– É estranho pensar nisso. – Confessou Will. – Eu geralmente sou aquele que está cansado e frustrado. Não tenho o costume de dizer que estou bem. Mas a verdade é que eu me sinto muito bem atualmente.

– Imagino que tudo esteja de acordo com o que você tem planejado então?

– Poderia dizer que sim. Mas a questão é que não planejei nada. – Graham deu seu costumeiro sorriso com apenas a metade dos lábios. – Minha vida tem seguido um rumo inesperado.

– Fala de seu relacionamento com Lecter, certo? – John falou e Will engasgou levemente com o gole de chá.

– Meu relacionamento?

– Ora, isso será mais fácil se você for sincero. – O médico sorriu irônico. – Sei que são mais íntimos do que simples amigos. Pude ver enquanto comemorávamos o Natal em sua casa.

Will engoliu outro gole do chá, sentindo-o descer como uma rocha em sua garganta. Sua pele branca avermelhou-se de leve e ele desviou o olhar. – Imagino que isso não seja um problema para você, já que não me denunciou e ainda me recebe em sua casa.

– O que faz na privacidade de seu quarto, Will, não é da conta da polícia. – Afirmou Watson. – E, além disso, tenho repensado muito do que aprendi. Vejo que seria uma injustiça te negar minha amizade apenas por você preferir a companhia de homens.

– Por um mundo em que este seu pensamento seja a regra e não a exceção. – Disse Will, sorrindo de leve e erguendo a xícara de chá, como se brindasse. – Estou curioso sobre a razão que tem levado você a repensar o que aprendeu.

– Acho que minha vida também tem seguido um rumo inesperado. – Watson soprou um pouco da fumaça que subia de sua xícara. – Vivi acreditando em certas coisas e, de repente, tudo mudou. – O médico sorveu um gole do líquido quente. – Will, eu reconheço que preciso falar disso com alguém. Mas este é um assunto que não afeta só a minha pessoa. Se quer mesmo que eu fale, deve me prometer que este assunto não sairá daqui.

– Você pôde testemunhar minha capacidade para guardar segredos em Devon. – Riu o detetive.

– É, eu me lembro. – Watson lançou um olhar reprovador para Will e sorriu. – Bem, como posso dizer? Sherlock e eu... – O rosto do médico enrubesceu. – ...nós...

– Não precisa explicar. – Graham falou, desinteressado nos detalhes. – Imagino que perceberam que a amizade de vocês era mais profunda do que tinham ciência.

– Obrigado. Não saberia pôr o que houve naquele dia em palavras. – John suspirou. – Will, eu não tinha a noção dos meus... desejos... até que estávamos nos agarrando como animais naquele pântano.

– Os desejos são recíprocos, considerando que estavam “se agarrando”. Então, qual é realmente o problema?

– É errado, não é mesmo? Foi o que aprendi, foi o que Sherlock disse...

– Se acreditassem mesmo nisso, não estaríamos tendo esta conversa. – Afirmou Will, tomando o último gole de chá e apoiando a xícara na mesinha a sua frente.

– Como disse, estou repensando muito do que aprendi. Mas... ainda é confuso. É fácil para mim concluir que as companhias que mantenho não são da conta do Estado. Mesmo assim, aceitar é diferente de ser.

– Nós ingleses somos conhecidos por gostarmos de chá. – Falou Will enquanto via o rosto de John se contorcer numa expressão de dúvida pela suposta mudança de assunto. – Esse é um padrão. E há bons motivos para que seja assim. O gosto é bom, a temperatura é agradável, nosso clima está sempre perfeito para uma bebida quente. Gostar de chá é quase algo inerente a ser inglês. Não é mesmo?

– Não sei se estou acompanhando. – Falou o médico.

– Já vai entender. – Graham sorriu. – Imagine então um inglês que não goste de chá. Ele prefere uma bebida mais... forte. Tequila, talvez. Mas esta era uma bebida que apenas os mexicanos gostavam. Os outros ingleses e até mesmo os próprios mexicanos o chamariam de louco por não tomar o bendito chá. Diriam que havia algo errado com o paladar dele por que todos os ingleses gostam de chá e não de tequila, então era absurdo que ele não agisse como todo o resto. E este inglês seria capaz de enxergar todas as razões pelas quais seria preferível que ele gostasse de chá, mas a simples ideia de ter aquele líquido quente em sua boca era abominável para ele. Não gostar de chá não era uma escolha. Por mais que visse as vantagens nisso, seu corpo não desejava o chá. O que seria mais prudente para este inglês, John? Começar a tomar o chá para agradar a todos e se encaixar no padrão de que todos os ingleses devem gostar de chá? Ou aceitar que nunca gostará da bebida e apreciar sem culpa o sabor da tequila?

– Se ele gosta de tequila, então que tome apenas tequila! Não há vantagens em lutar contra isso. – John afirmou com confiança e então parou para ponderar nas palavras de Will e em sua própria conclusão. – Ah! – Riu o doutor. – Acho que entendo agora... Mas seria tão simples assim? No meu caso? Sherlock não é tequila. E eu ainda gosto de chá.

– Seria absurdo pensar que Deus vai punir alguém que prefere tequila em vez de chá, não acha? Ou que tal pessoa é doente. É apenas um gosto diferente. Uma questão de preferência. Você gosta ou não gosta. Não há o que discutir. Se você aprecia chá e tequila, por que não tomar de ambas as bebidas? Se o mundo te condenará por gostar de tequila, basta que ninguém descubra este seu gosto, correto? – Will Graham olhava para John com olhos sugestivos. Suas palavras dizendo mais do que apenas seus significados literais.

– Você acha que eu tenho que parar de lutar contra o que sinto. Contra o que gosto e aceitar o que sou. Mesmo que eu precise esconder isto do mundo. – Disse John, olhando para fundo da xícara em suas mãos.

– Seus verdadeiros amigos não vão se importar se você bebe chá ou tequila, John. – Riu o detetive.

– E o que eu faço se minha tequila está viva e consciente e, além disso, também acha que ingleses só devem gostar de chá? – Questionou John, entrando na metáfora de bebidas.

– Sherlock Holmes está errado. – Afirmou Will. – Eu não vou aceitar que nossos desejos são frutos de uma doença ou de... – O detetive não conseguiu esconder um sorriso de deboche. – ... ação demoníaca. Não preciso que me diga o que levou Holmes a acreditar nisso. A renegar com tanta força o que sente, a ponto de preferir se entupir de cocaína em vez de aceitar que não há mal algum em ser o que é. Você também não deveria aceitar isso. E não digo isso por saber que gosta de “tequila”. Digo por saber que são amigos. Não o deixe afundar nesta mentira de “doença”. E, mais importante ainda, não se deixe afundar nesta mentira.

John ficou em silêncio por alguns instantes, absorvendo o significado das palavras que o detetive lhe dizia. – Às vezes penso nas vítimas do estripador.

– É mesmo? – Will perguntou, se ajeitando na poltrona e cruzando as pernas. Não deixando de rir internamente ao notar que Hannibal costumava se mover da mesma forma quando conversavam.

– É errado o que houve com elas, não é? – John olhou para Will, mostrando, com o tom de sua voz, que o significado de suas palavras também era maior do que parecia. – A última delas, Mary Jane Kelly. Assassinada com apenas vinte e cinco anos. Uma tremenda injustiça. Freddie Lounds está certo ao afirmar que falhamos com ela. Com todas elas. Sherlock disse que o que fizemos, que o que sentimos era errado. Ele não usou estas palavras, mas... deu a entender que nossos desejos eram como assassinato. – Watson viu o semblante de Will se fechar.

– Eu sei o que é assassinato. – Graham falou, lançando seu olhar para um ponto qualquer do cômodo. – É a coisa mais feia do mundo. – Secretamente, se lembrou da sensação de poder que experimentara enquanto matava Tobias Budge e observava o Assassino de Notting Hill fugir apavorado pelo pântano. – O que você e Sherlock sentem... Seus desejos... Meus desejos... Isso é uma dádiva. Se apaixonar por alguém... Oh, o que eu vou dizer é tão... bobo... – Um sorriso divertido distorceu a expressão séria de Will. – Se apaixonar por alguém é lindo. Não tem nada em comum com assassinato. Como disse, Sherlock Holmes está errado.

– Foi o que pensei. – John concordou. – Não posso simplesmente aceitar que o que eu sinto por Sherlock seja semelhante ao que o estripador fez com aquelas mulheres. – O médico limpou uma lágrima solitária que escorreu por sua face. – O que aconteceu com elas é errado. Como meu desejo de estar com meu amigo pode ser igual a aquilo?

– Não é. – Disse Will simplesmente.

– Não é. – Concordou John. – Vou resolver isto, Will, eu lhe prometo. Mesmo que Sherlock não me aceite. Eu farei com que, pelo menos, ele aceite a si mesmo.

Will Graham apenas sorriu, vendo um brilho de determinação acender o olhar do médico. Mudaram de assunto. Tomaram mais chá e comeram biscoitos. Algum tempo depois a senhora Hudson apareceu trazendo um cachecol de tricô que havia feito para John. Naquele dia, o detetive deixou a Rua Baker com a certeza de que seu amigo John Watson e o arrogante Sherlock Holmes estariam em boas mãos.

***

Da casa de Hudson, Holmes e Watson, Will Graham tomou um transporte até a Scotland Yard. Não haviam muitos casos que necessitavam da ajuda dele. Lestrade gostava de usá-lo apenas em ocasiões especiais, mesmo que o detetive achasse que seria bom trabalhar em casos menos complexos. Tentar capturar assassinos “incomuns” era bastante desgastante para ele. Cumpriu seu horário e depois partiu para o mercado de Spitafields. Hannibal havia pedido para que ele trouxesse alguns vegetais após Graham se provar capaz de entender algo do básico de culinária. Retornou a pé para a Rua Fleet sob o céu já escurecido e quando virou a esquina, notou algo estranho próximo a uma carruagem parada perto demais da parede de uma casa.

Caminhou em direção ao local, avistando o cavalo que guiava a condução ao lado de um homem que avançava rapidamente contra algo ou alguém que estava caído no chão. Will apressou seus passos, pensando se tratar de um acidente. Aproximando-se mais, começou a escutar os palavrões que o homem vociferava enquanto esmurrava e chutava o corpo pequenino e encolhido que Graham reconheceu como Freddie Lounds.

– Não se mova! – Ordenou o detetive, apontando seu revólver.

O homem se virou para ele quando ouviu o som da arma sendo engatilhada.

– Não... Não atire!!! Por favor! – O homem caiu de joelhos. – O senhor não entende! Esse maldito vem assediando minha família há semanas!

– Não me interessa o que ele está fazendo! – Graham vociferou. – Pegue sua carruagem, seu cavalo e vá para longe daqui ou eu juro que Freddie Lounds será a menor de suas preocupações!

– Sim... sim... – O homem, outrora valente, levantou aos tropeços e chicoteando o cavalo, arrastou a carruagem para fora dali.

Will se aproximou do corpo caído de Lounds, que estava encolhido com os braços cruzados sobre o tórax. Sangue sujava os lábios machucados por um soco. – Não se preocupe, senhorita Lounds, aquele homem não lhe fará mais mal. – Disse o detetive enquanto se oferecia como ponto de equilíbrio para que a mulher vestida de homem se levantasse.

– Obrigada... achei que ele fosse me matar... aquele maldito! – A voz de Lounds tremia. Os curtos cachos ruivos estavam desgrenhados, jogados sobre o rosto, dando-lhe um ar suave, apesar de frágil por causa da situação.

– Não vou me dar o trabalho de perguntar o que você fez para merecer isso. – Disse Will em tom debochado. – Ele te feriu... muito?

– Me deu socos e chutes, não foi nada demais. – A mulher ergueu os olhos azuis que pareciam enormes em sua cara magrela, encontrando os de Graham, que a observava atentamente do alto. – Por que me ajudou?

– É o meu dever. – Respondeu Will. – O que seria de Londres sem sua corajosa jornalista protetora das mulheres?

– Tem razão, o que seria deles sem mim? – Questionou uma irônica Lounds, endireitando-se e arrumando o casaco sujo em seu corpo.

– Você deveria parar com isso, sabia? – Disse Graham.

– E deixar vocês fingirem que não há nada errado acontecendo em Whitechapel?

– Todos sabem que há algo errado com Whitechapel. Com o país inteiro! – Riu Will. – Ninguém precisa do seu jornaleco para ter consciência disto! E você nem se importa mesmo! Está só querendo fama e dinheiro.

– Falou o detetive louco... – Debochou a ruiva.

– Vê o que estou a dizer? – Graham questionou. – Acabei de impedir que você levasse uma surra. Sabe o que aconteceria se ele descobrisse que o “maldito” que ele odeia é, na verdade, uma mulher? Tem noção do que ele poderia querer fazer com você?

– Por sorte, meu guardião apareceu antes que isso acontecesse. – A mulher continuava em seu tom zombeteiro.

– Eu poderia ignorar tudo isso. – A voz de Graham se tornou sombria. – Te salvei, desta vez, mas poderia ter lhe deixado à mercê daquele homem. – Um sorriso brotou nos lábios do detetive quando viu o semblante de Freddie assumir uma expressão de medo. – Se não parar de arranjar inimigos, pode ser que acabe se juntando as vítimas que você tanto “defende”.

– É isso o que somos, Will? – Freddie levou uma mão até as costelas enquanto falava. – Inimigos?

– Foi você que se colocou nesta posição, Freddie. – Will respondeu. – Mas venha, deixe-me leva-la a um médico.

– Sem hospitais!

– Eu sei, eu sei... Eles podem descobrir o seu pequeno segredo e então você estaria acabada. – Riu o detetive. – Seu já quase incrível jornal perderia qualquer resquício de boa reputação. Tenho certeza que sabe sobre o fato de eu alugar um quarto na casa do doutor Lecter, não sabe? Ele é o médico ao qual vou te levar.

– Will, ninguém pode...

– Você prefere que ele saiba a verdade sobre você ou quer agonizar em sua casa? – Disse Graham com impaciência. – A escolha é sua!

– Tudo bem. Vamos! – Freddie permitiu que Will a ajudasse a caminhar, passando um braço sobre os ombros do homem de olhos azuis enquanto apertava o lugar dolorido ao lado dos seios com a mão livre.

Os dois caminharam vagarosamente até a porta ao lado do Lovett. Freddie ficou apoiada numa parede enquanto Graham destrancava a porta, a ruiva fazia caretas de dor e respirava com certa dificuldade, mas não reclamava, não gostava da ideia de transparecer fragilidade. Quando entraram na casa, seguiram pelos corredores até a cozinha, onde encontraram Hannibal de costas, iniciando os preparativos para o jantar.

– Boa noite Will, vejo que trouxe visitas. – Falou o lituano ao escutar os passos das pessoas no cômodo.

– Lhe apresento Freddie Lounds. – Falou o detetive com uma nota de sombria diversão na voz. – Se possível, gostaríamos de explorar suas habilidades médicas.

Hannibal se virou para os dois, largando a faca que usava para cortar uma peça de carne sobre a mesa. – Será um prazer ajudar. – Disse ele, enquanto buscava água para lavar as mãos.

Não fazendo qualquer esforço para esconder que estava se divertindo, Will ergueu o corpo de Freddie no colo, carregando-a rapidamente para a sala de estar. Deixou a moça sentada num dos sofás e a ajudou a se livrar do casaco que usava. Lecter adentrou o cômodo carregando suas ferramentas médicas e cortou a camisa branca que cobria os seios presos por apertadas faixas que diminuiam seu volume. A ruiva esperou comentários vindos do médico, mas não os recebeu. Hannibal apenas olhava e apalpava seu corpo, verificando os ferimentos que já começavam a tornar a pele dela roxa.

– Eu vou ficar bem? – Questionou Lounds.

– Vai precisar tomar remédios para a dor e descansar por alguns dias. – Respondeu o homem loiro sem a encarar. – Mas vai estar recuperada logo. Vou enfaixar seu tórax e abdômen. Deve se lembrar de trocar as ataduras sempre que estiverem sujas, ou seja, pelo menos, uma vez ao dia.

– Obrigada.

– Me pergunto, no entanto, quais motivos levaram uma dama a ser vítima de tamanha agressão. – Disse Lecter, se posicionando atrás de Lounds para amarrar o tecido branco amarelado em seu tórax.

– Ter inimigos é o preço a ser pago quando buscamos a verdade. – Respondeu ela, com notas de orgulho nas palavras.

– O que seus inimigos fariam se soubessem que Freddie Lounds é uma mulher? – O lituano perguntou e sentiu Freddie estremecer.

– Esta é a razão pela qual estou aqui em vez de ir para um hospital. – A mulher riu sem graça.

– A exposição pode realmente arruinar uma pessoa. – Disse Hannibal. – Você gosta de expor os outros, não é mesmo, senhorita Lounds?

A ruiva não respondeu.

– Li a edição de hoje do seu jornal. – Informou o loiro. – Ao contrário de meu inquilino, acredito que a senhorita possui imenso potencial para o jornalismo e merece mais reconhecimento. Não me agrada, porém, sua tendência ao sensacionalismo e muito menos a sua apreciação por citar, em suas matérias, de forma pejorativa, devo acrescentar, os nomes do senhor Graham e do senhor Holmes. Recomendo que exercite a sua humanidade e imagine como seria terrível se todos descobrissem o seu segredo, se fosse submetida a mesma exposição maléfica que direciona aqueles de quem a senhorita utiliza os nomes, sem permissão, o que considero extremamente rude, diga-se de passagem.

– Por favor, peço que me perdoe. – Freddie entendeu a ameaça nas palavras de Hannibal. – Minha maior preocupação é com a verdade. Admito que me exaspero e acabo sendo injusta com pessoas que estão apenas fazendo o seu trabalho. Garanto que não farei mais qualquer menção pejorativa a qualquer um dos dois.

Lecter movimentou os lábios num ligeiro sorriso, então, finalizando os cuidados que dedicara aos ferimentos da ruiva. Ajudou-a a se vestir. Graham trouxe uma de suas camisas para ela e mostrou um largo sorriso quando Freddie pousou um olhar reprovador sobre ele. – Gostaria de ficar para o jantar? – Questionou o senhorio e a moça negou, dizendo que estava sem apetite e preferia ir para casa.

Will a acompanhou pelo pouco espaço que separava o Lovett do pequeno apartamento em que a jornalista morava. Ajudou-a a entrar e se aconchegar em sua cama. Antes de sair, seus olhos involuntariamente atentos notaram a bagunça do local e um único prato de comida largado sobre uma mesinha. Freddie Lounds era solitária. Não se preocupava em arrumar a casa pois nunca recebia visitas. Sua prioridade era o jornal. E por ele, abrira mão até mesmo do gênero com o qual nascera. Graham sabia que Lounds era uma pessoa difícil e, por vezes, irritante, mas reconhecia a tentativa dela em fazer alguma diferença. Para ganho pessoal, invariavelmente. Então, saiu do apartamento, trancando a porta e jogando a chave pelo espaço que havia abaixo da mesma.

De volta ao lar, Will jantou com Lecter e Abigail. A menina compartilhou com seus pais de consideração como foi conhecer a família de Anthony. O detetive não conteve um sorriso feliz ao ver a jovem esbanjar alegria, falando de sonhos para o futuro. Ele se sentia orgulhoso. E podia jurar que viu uma ponta de orgulho e ciúmes nos olhos sempre serenos de Hannibal. Quando a noite estava alta e o senhorio terminou de limpar as louças e as taças, Graham o acompanhou para o quarto. Faltava pouco para que aquele dia finalmente chegasse ao fim.

– Foi esperto... – Disse Hannibal, cortando o silêncio. – Com Freddie Lounds.

– Não precisava ter ameaçado ela. – Comentou Will.

– E qual seria o ponto de você tê-la trazido até a minha casa, senão intimidá-la?

– Freddie precisava de cuidados médicos.

– E você precisava que ela parasse de te atacar. – Afirmou Lecter. – Que bom que pude ser útil para vocês dois. Principalmente quando estava inconsciente das suas intenções.

– Certo. – Falou Graham, vencido. – Eu usei você para conseguir uma vantagem sobre Freddie Lounds. Está chateado comigo? – Perguntou enquanto tirava os sapatos e sentava na cama.

– Muito pelo contrário. – Hannibal sorriu. – Se não puder usar nossa amizade a seu favor, para que sirvo?

– Outras pessoas ficariam chateadas.

– Então você tem sorte por eu não ser igual as outras pessoas. – Riu o senhorio. – Seu plano foi ardiloso. Até cruel, alguns poderiam dizer. – O sorriso de Hannibal aumentou.

– Bem, eu não gosto dela. – Disse Will com sinceridade. – Daí a minha falta de consideração por sua condição debilitada.

– Se não gosta dela, por que a ajudou? – Questionou Hannibal e uma das sobrancelhas de Will se ergueu.

– O homem que a atacou poderia tê-la matado. – Informou Will. – Uma vez que vi o que estava acontecendo, era meu dever impedir.

– E o que acredita ser seu dever coincide com a sua vontade?

– Está sugerindo que eu queria deixar Freddie Lounds morrer? – O detetive se sentiu ofendido. – Que tipo de pessoa você acha que eu sou?

– O tipo que assistiu o Assassino de Notting Hill ser perseguido até cair morto e não moveu um dedo para ajudar por ter decidido que era melhor assim. – Lecter estava pressionando pontos sensíveis de seu inquilino e tinha completa consciência disto.

– Isto foi diferente! – Will aumentou o tom de voz sem perceber. – Selden era um assassino foragido! Freddie Lounds é irritante e tem a mania de me perseguir, mas isso não me dá o direito de matá-la! É horrível que você sugira algo assim!

– Você tinha o direito de planejar a morte de Selden? – Lecter continuava a provocar.

– Não foi o que eu...

– É horrível que eu lhe fale de uma solução mais definitiva para seu problema com Freddie Lounds, mas não é horrível quando você planeja a morte de um homem, só porque ele é um assassino?

– É horrível que você pense que eu seria capaz de deixar uma pessoa inocente ser morta apenas por não gostar dela. – Will não estava mais sentado na cama. Em vez disso, estava de pé, andando de um lado para o outro enquanto gesticulava com força para um Lecter que estava de costas para ele.

– Você atirou em Mason Verger por não gostar dele. – Hannibal virou para o amigo e viu os olhos dele brilharem de ódio.

– Sim. Eu atirei nele. Mas só um monstro pensaria que atirar no assassino de seu filho é a mesma coisa que deixar uma pessoa inocente morrer. Nunca negligenciaria um inocente! Nem mesmo Freddie Lounds! – Will continuava a aumentar o tom de voz e ao notar que suas palavras sequer haviam modificado a expressão calma de Lecter, saiu marchando pelo quarto e bateu a porta atrás de si, deixando o senhorio sozinho. Hannibal escutou os sons dos passos do amigo se afastarem e concluiu que ele tinha decidido ir dormir em seu próprio quarto. Então apagou as luzes e deitou para descansar. Estava curioso com o que aconteceria após aquela discussão.

Will Graham estava furioso. Lecter tinha a habilidade de fazê-lo sentir as mais arrebatadoras sensações. Para o bem e para o mal. A mente do detetive dizia que havia algo errado. Como alguém poderia tratar de assuntos tão pesados quanto a morte de alguém e continuar inabalável como uma rocha? Não era a primeira vez que Will achava a moral de seu senhorio peculiar, tampouco era a primeira vez que ele tinha a impressão de que Hannibal se regozijava com as mortes de Tobias Budge e do Assassino de Notting Hill mais do que uma pessoa comum se alegraria com a tragédia de bandidos. Graham começou a se sentir ridículo quando a noção de que sua necessidade de aceitação o estava deixando cego para o fato de que Lecter não estava só sendo compreensivo com seu lado mais sombrio, mas o estava alimentando.

A lembrança dos beijos que recebera quando revelou ter participado da morte de Selden lhe deu calafrios. A voz de Lecter dizendo que a morte não precisava ser sempre ruim ou que podia ser uma forma de trazer justiça e punição se fez ouvir como se o próprio senhorio estivesse ali no quarto com Graham. O pensamento de que Hannibal poderia ser o estripador de Chesapeake voltou a surgir. Desta vez, a ideia não parecia tão absurda. Ou Will apenas estava mais disposto a pensar no assunto por causa da raiva. Hannibal viera da América há cerca de dois anos com Abigail. O massacre na Fazenda Humphrey ocorrera enquanto ele ainda estava lá. Seria coincidência? Ou estaria o detetive sendo capaz de ver mais claramente agora?

– O estripador de Chesapeake poderia ser Jack, o estripador? – A pergunta que o fez conhecer Jack Crawford surgiu na mente de Will e o fez se sentir mal por pensar em tantas coisas horríveis. Hannibal serviu uma comida amanteigada quando a carta Do Inferno foi enviada para Lusk e, posteriormente, para a polícia. O estripador havia admitido ter consumido meio rim de Catherine Eddowes com manteiga. Não. Aquilo era absurdo. Uma discussão e uma moral incomum não poderiam significar que seu amigo, e amante, era um assassino e pior, um assassino que canibalizava as próprias vítimas. Will ficou perturbado com a ideia. Sua mente estava juntando todas as peças soltas que havia observado durante seu tempo com Lecter e estava criando uma teoria terrível demais. Seria prudente investigar isto? Ou deveria acreditar que suas ideias eram frutos da raiva? Se Will Graham pudesse prever o futuro, ele teria visto que talvez, esquecer tudo fosse sua melhor alternativa. Mas a prudência nunca fora uma característica marcante do detetive e ele não poderia ver o que estava por vir. Decidiu que investigaria a possibilidade de sua estranha teoria estar correta. Não que ele tivesse planejado o que fazer, uma vez que provasse a verdade ou inverdade de seus pensamentos. Ainda assim, ele precisava saber. Quando deitou em sua cama e apagou as luzes das velas, Will Graham tinha uma certeza. Hannibal Lecter era um suspeito e era seu dever provar a culpa ou a inocência de seu amante e amigo.

CONTINUA...


Notas Finais


E aí gente, o que acharam? Contem para mim.
Abraços e até a próxima.


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