História Silente Devoção - Eu, Você e a Montanha.

Os dias seguintes passaram rápido. As palavras de Shaka realmente haviam surtido efeito no lemuriano. Mu havia expandido sua visão sobre o relacionamento que tivera com Aldebaran, e sentia-se mais calmo para entender o que acontecia em sua vida, agora sob um novo ângulo.

Após muito refletir sobre tudo o que haviam conversado, foi com certa melancolia que chegara a conclusão de que o virginiano estava certo.

“Melhores amigos que dormem juntos”.

Essa foi a melhor definição que encontrou para classificar seu casamento com o Cavaleiro de Touro. Um relacionamento baseado em uma amizade de longa data não tinha como não dar certo, foi o que pensara na época. Mas agora via que apenas se iludira.

A prova do erro, era que nem passava por sua cabeça dar uma segunda chance a Aldebaran. Realmente, o termino do relacionamento amoroso por si só, não lhe trazia nenhuma tristeza. Sofria sim, mas pela dor da mentira e também pelo fim de uma amizade de infância com o taurino, pois mesmo que o perdoasse sabia que não conseguiria mais vê-lo com os mesmos olhos, nunca mais.

A confiança havia acabado para sempre.

Refletia sobre tudo isso enquanto tentava acalmar sua mente na prática matinal do Tai Chi Chuan.

Ainda era muito cedo, mas o vento parecia ter dado uma trégua e o calor do sol fazia com que o clima fosse mais agradável no pagode sagrado. Aproveitando a brisa fresca da manhã, trajando apenas uma calça de tecido leve e com os pés descalços sobre uma esteira a beira do penhasco, Mu movia-se com lentidão graciosa. Flexionava as pernas, girava e cortava o ar com um golpe imaginário, em concentração absoluta.

De olhos fechados completamente concentrado, buscava paz de espirito e sabedoria, tentando esvaziar a mente a cada novo, belo e preciso movimento. Ali no alto da montanha, procurava sentir-se unido com a natureza e calmo. Não era fácil conter os ímpetos violentos de seu signo de fogo, Áries.

Ainda agora, ao dobrar as mãos executando o movimento de acompanhar a calda de um pássaro: aparando, desviando, pressionando, empurrando e finalmente delineando com as palmas o símbolo do Tai Chi, o Cavaleiro de Áries sentia em seu íntimo, o desejo latente de dar um golpe certeiro bem no rosto do Cavaleiro de Touro, assim que o visse novamente.

Frustrado por não conseguir espantar essa ira de dentro de si, Mu acabou desconcentrando-se e errou o giro que executava com uma das pernas, perdendo momentaneamente o equilíbrio. Foi quando sentiu que não estava mais só.

A brisa leve trouxe perfume característico de sândalo, ao mesmo tempo em que o toque suave e quente das mãos de Shaka em seus ombros nus ampararam seu corpo, causando em Mu uma reação inesperada.

Primeiro o choque inicial que o fizera abrir os olhos, depois um arrepio muito intenso percorreu todo o corpo do lemuriano, foi tão forte que se não estivesse amparado por Virgem, teria caído no chão.

Mu não sabia que Shaka o estava observando e a abordagem inesperada do amigo fez com que ficasse tenso.

— Acalme-se, seu corpo está rígido e fora de ritmo, Mu. — a voz suave do Cavaleiro de Virgem, chegou sussurrada próximo ao pescoço do ariano — Não está esvaziando sua mente, precisa deixar que o corpo se mova sozinho sem o comando racional da mente. — Shaka dizia posicionando-se atrás do lemuriano, que voltava a relaxar os músculos e fechar os olhos, permitindo que fosse guiado por Virgem.

Shaka percebendo a aceitação, desceu as mãos para os braços de Áries o conduzindo em um novo movimento, ainda mais lento e gracioso.

— Não pense em nada, apenas escute a minha voz. Acalme seu espírito, recue e golpeie com a palma esquerda... Assim...— Shaka ia falando enquanto ele e Mu executavam o movimento em conjunto — Recue e agora golpeie com a palma direita... Gire à direita... Isso... E finalmente abrace o tigre e empurre-o de volta a montanha.

De olhos fechados Mu seguia os comandos de Shaka, sentindo uma paz interior como não sentia a muito tempo. A voz calma, a aura cálida e a extrema precisão do virginiano em lhe instruir, faziam com que Áries experimentasse uma sensação de plenitude e abandono como nunca havia sentido.

Shaka era muito diferente da rusticidade de Aldebaran. As mãos do virginiano eram suaves e macias, possuíam um toque aprazível e delicado, gostoso de sentir sobre a pele. Não pode evitar a comparação com as mãos pesadas e ásperas do ex-marido.

Em transe, os corpos de ambos se moviam em uma sincronia perfeita, como se fossem um só. Shaka abraçava Mu com delicadeza e o conduzia em uma dança de movimentos precisos e graciosos.

Ali, naquele momento de extrema intimidade, tudo parou de ter importância. Não havia mais santuário, deusa ou missão divina. Tudo o que existia eram os dois e a montanha, unidos em plenitude. O universo agora era regido pelos movimentos do Tai Chi Chuan, e as galáxias, nebulosas e supernovas giravam ao redor de ambos, glorificando a beleza e a perfeição daquele encontro.

Parecia que a existência de ambos finalmente fazia sentido, como se aquelas montanhas fossem criadas unicamente para que eles estivessem ali, juntos, unidos em comunhão de corpo e espírito, e finalmente encontrassem a paz que tanto almejavam.

Mu não soube exatamente quando e nem como, mas em algum momento perdeu-se no tempo e espaço, completamente entregue aquele toque e a voz cativante sussurrada em seu ouvido. Sentiu uma vontade crescente no peito de nunca mais voltar a si, de permanecer por toda a eternidade exatamente onde estava, com Shaka.

Shaka por sua vez estava tão entregue quanto Mu, mantinha-se centrado em instruí-lo, mas sentir Áries tão junto a si daquela forma, o calor de sua pele, o perfume de lavanda que saia de seus cabelos e a maneira fluida com que se moviam, faziam com que suas emoções o comandassem, muito acima da razão.

Virgem já começava a ter dificuldades em controlar sua respiração e suprimir os desejos nada castos que agora assolavam sua mente, a cada toque de sua mão na pele leitosa e macia do ariano.

Áries não estava em melhor situação, pois com a mente nublada, logo começou a sentir uma excitação latente despertar, assim como pensamentos completamente inapropriados. A mão delicada de Shaka, o cheiro inebriante de sândalo que vinha dele, mais o calor de sua respiração, estavam mexendo com os instintos mais primitivos do lemuriano.

Mas o momento logo foi quebrado, pois Mu sentiu as mãos quentes de Shaka abandonarem seus braços, assim como o corpo dele se afastando do seu, deixando uma sensação de vazio que o fez abrir os olhos e voltar a si.

— Pronto, agora que sua mente se acalmou, podemos seguir adiante. Apenas deixe seu espirito vagar enquanto o corpo segue a ordem dos movimentos. — Virgem disse começando uma nova sequência de movimentos um pouco mais afastado de Áries.

Mu, envergonhado pelo que tinha sentido e pensado, agradeceu internamente aquela interrupção ou poderia ter ficado em uma situação constrangedora. Por isso respirou fundo e passou a seguir os movimentos do amigo, agora determinado e focado em mandar para longe aquela sensação estranha e afogueada que o tomara há pouco, acalmando finalmente corpo e mente.

Shaka por sua vez estava com uma concentração ímpar. De olhos fechados, evitava até mesmo olhar Mu, enquanto fazia os movimentos do Tai Chi, pois todo o seu foco era em não deixar que seu corpo o entregasse, demostrando o quão excitado havia ficado ao tocar Mu daquela maneira tão próxima e intima.

Só os deuses sabiam o quão oportuno foi estar vestido com uma túnica longa por cima da calça de malha justa, ou temia que o ariano visse a ereção que havia tido, e que agora usava de toda força de vontade para reverter.

Mu estava tão concentrado em seus próprios dilemas que nada notou, para alívio de Shaka, que após mais alguns minutos praticando a sincronia de movimentos e golpes com o amigo, teve seu problema, firme e pulsante, no baixo ventre resolvido.

Virgem soltou um suspiro aliviado, ao notar que seu corpo já havia se acalmado. Suspiro esse que fora interpretado por Mu como fadiga.

— Acho que por hoje já foi o suficiente. — o lemuriano disse ao voltar a postura ereta e finalizar o treino.

— Sim, creio que já basta. — Shaka respondeu também voltando a postura normal.

— Irei assar alguns pães para o desjejum, já comeu? — Mu perguntou enquanto procurava a camisa jogada sobre uma pedra e a vestia.

— Ainda não. Acordei e o vi pela janela treinando, então decidi também aproveitar a manhã calorosa, para meditar. — o loiro respondia enquanto recolhia a esteira que Mu e ele haviam dividido — Mas ao descer, acabei me intrometendo pois notei certo nervosismo em seus movimentos.

— Tudo bem, não foi intromissão. Eu agradeço sua orientação meu amigo. Estava mesmo com dificuldade. — Mu disse um tanto sem graça — Vem, vamos subir, podemos conversar enquanto preparo a massa.

Shaka acenou positivamente e ambos teleportaram-se para a cozinha.

♈ *** ♍

O Dia transcorreu tranquilo no alto das montanhas do Himalaia.

No fim da noite, banheiro do quarto superior, Mu agora tomava um relaxante banho em sua banheira de pedra. A água era aquecida pela brasa que queimava no compartimento na parte de baixo da mesma, tornando o calor o suficiente para esquentar a água e não queimar quem se banhava.

Com os cabelos presos em um coque e apenas com a cabeça para fora, o lemuriano apoiava o pescoço na borda, sentindo o vapor quente e agradável em seu rosto enquanto refletia sobre o seu dia.

Por conta do sol, Mu e Shaka haviam aproveitado o dia para o trabalho doméstico e a limpeza. Áries bem que tentou não aceitar a ajuda do amigo, mas quando deu por si, o virginiano já surgira ao seu lado munido de balde, rodo e vassoura.

Ver o poderoso Cavaleiro de Virgem entretido em afazeres domésticos ainda era um tanto divertido para Mu, além disso ter a companhia do indiano lhe era muito aprazível. Desse modo ao fim do dia haviam limpado impecavelmente todo a torre.

Enquanto esfregava uma das pernas cansadas e doloridas pelo esforço doméstico, dentro da água, Mu riu ao se lembrar do amigo com um lenço na cabeça tirando o pó das prateleiras. Mas outra lembrança o tomou de supetão.

O treino pela manhã.

Inconsciente Mu tocou o próprio braço onde Shaka o tocara, lembrando do quão sedosas e macias eram suas mãos. O toque de Virgem era suave e sua pele quente. Outro detalhe marcante era o perfume, sândalo, que parecia brotar dos poros do loiro e impregnar todo o ar ao seu redor.

Aqueles momentos foram mais marcantes do que o lemuriano imaginava, e enquanto sua mente vagueava e as recordações voltavam, a sensação de ter Shaka tão próximo e ligado a si também retornaram.

Uma euforia estranha o acometeu, assim como um calor súbito, embora a água já estivesse morna. Com o rosto quente, Mu ofegou ao mover a mão delicadamente sobre o próprio braço ao relembrar como aquele toque havia mexido consigo.

Perdeu-se em lembranças até que atarantado, notou o quão longe havia chegado, pois uma robusta ereção despontava em seu baixo ventre, latejando de desejo e escancarando o quanto pensar naquela manhã com Shaka o excitava.

Completamente chocado e horrorizado consigo mesmo, Mu sentiu-se sujo e culpado por ter esses pensamentos tão mundanos justamente com Shaka, seu melhor amigo.

Confuso, Mu prendeu a respiração e afundou-se de uma vez na água, como se submerso pudesse afogar o desejo de seu corpo e a frustração de sua alma.

Embaixo da água, tentava afastar todas as lembranças perigosas, assim como os desejos indevidos que afloraram dentro de si.

Não estava certo, era até um pecado. Além de seu amigo mais íntimo e confiável, Shaka era o Cavaleiro mais próximo a deus. Um homem iluminado. Pelos deuses, simplesmente não podia pensar nele daquela forma!

Virgem estava destinado a ser o próximo Buda, e ele, Mu, ali na banheira, excitado e duro, com o corpo em chamas, pensando em como sua voz era sensual e seus toques sedutores.

Depois de alguns instantes, já sentindo o ar lhe faltar, Mu voltou a superfície com um longo suspiro, apoiando-se na borda da banheira. Levou as mãos ao rosto o esfregando de maneira nervosa.

— Atena, eu não sou mais um adolescente. Isso não tem cabimento. — dizia para si mesmo de olhos fechados, procurando espantar aquela nova e confusa situação — Ele é meu melhor amigo. Está aqui em missão... Um homem santo e iluminado, que veio até aqui apenas para me ajudar e agora eu... Deus! Shaka puro e casto, que merda eu estou pensando? Ainda nem resolvi minha situação desastrosa com Aldebaran... É tão inapropriado, errado e confuso. Devo estar momentaneamente insano! Por que isso agora? — Mu questionava a si mesmo, sem dar-se conta dos novos sentimentos que desabrochavam em seu coração, e nem suspeitar, que no andar de baixo, naquele mesmo instante, Shaka encontrava-se completamente rendido e entregue a eros, consumido pelo amor e desejo sufocante que sentia por Mu, sendo atormentado pelas mesmas lembranças que assombravam o ariano.