Uma das coisas que Layla mais odiava no mundo, era quando seus pais brigavam. Diferente dos pais de comuns — ou, pelo menos, dos que ela via em livros e televisões —, eles não gritavam, se xingavam ou, tampouco, se agrediam. Eles simplesmente fingiam que tava tudo bem, o que era muito pior.
A pequena Grace-Di Angelo estava sentada na mesa de jantar, enquanto sua mãe, Thalia, a servia com batatas assadas. Na ponta da mesa, seu pai, Nico, estava calado, olhando fixamente para o próprio prato, ignorando o silêncio incômodo.
Thalia terminou de servir a filha e sentou-se do lado direito do marido, sem sequer olhá-lo, colocando a própria comida.
— Como foi na escola hoje, Layla? — A garotinha de seis anos teve o pensamento desperto pela voz do pai, e forçou um sorriso.
— Foi legal. Aprendemos uma musiquinha do alfabeto. -- Respondeu prontamente, lembrando-se de tudo que professora a havia ensinado.
— Qual a musiquinha? -- Ele perguntou, com a atenção apenas pela metade na filha, sorrindo enquanto ela cantava metade da letra, balançando os cabelos lisos amarrados em maria-chiquinha.
— Eu não aprendi tudo. — Layla parou, ao confundir-se com 'J's, 'L's, 'M's e 'N's. — Gostou?
— É linda, meu amorzinho. — Nico sorriu, antes de virar-se para a esposa. — E você, querida?
Aquele era o sinal de que estava piorando. Sempre que o pai chamava a mãe de “querida” era fazendo com ironia para irritá-la, ou em um tom forçado. Ele quase sempre a chamava pelo nome próprio, ou de “Lia”, mas quando só os três se encontravam, às vezes se rendia ao clichê de chamá-la de “amor”, ou, para implicá-la, de “Cara de Pinheiro”, “Pinha” e outro apelidos derivados de piadinhas íntimas.
Thalia desviou os olhos da própria comida e ajustou a postura, antes de virar-se para o marino com um sorriso frio.
— Maravilhosamente comum, querido. E o seu?
Layla abaixou a cabeça, triste. Da mesma forma que Nico, Thalia usar termos como “querido” era sinal de guerra, sinal de que estava profundamente irritada e/ou magoada. Mas nenhum dos dois davam o braço a torcer, pareciam acreditar que realmente eram bons mentirosos e a filha nada percebia.
— Perfeito. — Nico retrucou seco e, para quebrar o silêncio incômodo, Layla começou a tagarelar sobre a escola e seus desenhos animados favoritos até o fim do jantar.
Já se aproximava da hora de dormir quando Layla puxou o pai para o quarto de casal do apartamento, obrigando-o a se sentar na cama.
— Fica aqui, tá bom? — Pediu.
— Lay, o papai tá muito cansado pra brincar de boneca agora. — Nico tentou argumentar, sentindo o corpo pedir cama depois de um dia exaustivo ensinando esgrima no Acampamento Meio-Sangue.
— Por favor! — A garotinha pediu, fazendo uma expressão pidona e fofa.
— Só um pouquinho. — Nico suspirou, pensando em como ia passar da hora de Layla ir dormir e isso talvez irritaria Thalia e, talvez, assim ela voltasse a falar com ele. Lógica completamente errada e estranha, não?! — E só porque amanhã é sábado!
— Vai ficar aqui? — A menina perguntou, séria. — Até eu falar que pode sair?
— Vou, meu amor. Eu sempre fico, não é?
— Jura?
— Layla… — Começou a advertir.
— Pelo Rio Estige? — Ela questionou, olhando fixamente para ele.
Nico sempre se sentia derrotado, os olhos da filha eram tão persuasivos e azuis como os da mãe — talvez de um azul mais escuro e menos elétrico, mas igualmente persuasivos —, e, para nenhuma das duas ele conseguia dizer “não”. Mesmo que envolvesse juramentos sagrados, algo que a filha adorava impor, como agora. Ele ponderou que não era algo difícil de cumprir, então assentiu.
— Juro pelo Rio Estige. — Levantou a mão como um escoteiro e Layla saiu correndo, sorrindo.
Nico deixou o corpo cair na cama, deitado de costas e fechando os olhos escuros. Ouviu os passos de Thalia entrando no quarto poucos minutos depois, revirando as coisas.
— Ele tava aqui agora pouco, Lay. Você também deixa tudo jogado, aí fica difícil achar! — Thalia repreendia em um tom que só as mães conseguem usar. — Eu tinha certeza que havia deixado ele dentro do meu guarda-roupa… Nico, você viu o senhor Bochechas?
Nico revirou a memória a procura da lembrança do hipopótamo de pelúcia que Frank havia dado de presente para Layla no natal passado.
— Você não emprestou pro Julian? — Perguntou, lembrando-se que o filho mais novo de Percy, da idade de Layla, havia ido brincar ali na noite passada, e pegado o brinquedo emprestado.
— É verda… — Thalia nem terminou de dizer e ouviu o barulho da porta batendo. Nico sentou-se de uma vez, abrindo os olhos enquanto ouvia o ruído da fechadura da porta. — Layla! — Thalia brigou, andando a passos apressados até a porta, girando a maçaneta, sem sucesso. — Abre essa porta!
— Não! — A menininha gritou do outro lado, a voz firme. — Vocês vão ficar aí!
— Layla! — Thalia gritou e Nico levantou-se, suspirando. Apesar de boa mãe, a morena não era calma ao lidar com crianças, principalmente quando estas estavam fazendo pirraça.
— Layla, — Nico chamou, a voz firme, mas baixa. — abre a porta pra mamãe, por favor.
— Não!
— Por que não? — Ele perguntou novamente e podia jurar que ouviu a filha respirar fundo, uma mania herdada dele.
— É pra ficar aí. É pra conversar.
— Por que conversar, filhinha? — Perguntou, apesar de xingar-se mentalmente por ser tolo a ponto de achar que a filha não perceberia o clima tenso.
— Não quero vocês brigando! —Thalia recostou-se na parede, sentindo o peito doer com a fala da filha. Ela também odiava aquela situação, mas não havia razão pra tentar conversar com Nico sobre o que os estava levando a uma guerra civil.
— Nós não estamos brigando, amorzinho… — Nico tentou, o que em parte era verdade: Eles não estavam brigando, apenas se ignorando.
— Mas tá de belem-belem! — Layla retrucou. — Como quando briguei com o Julian. A mamãe fez a gente se abraçar e pedir desculpas, é pra ficar aí.
— Layla, abre essa porta. — Thalia pediu, em um tom baixo.
— Não posso, mamãe. Vocês tem que ficar aí. Papai, nem tente as sombras. — A menina advertiu. — Você prometeu ficar aí até eu deixar sair. Jurou pelo Rio Estige.
Nico soltou um palavrão baixo, apesar de impressionado pela esperteza da filha.
— Layla, abre a porta… — Thalia tentou pela última vez, sentindo-se derrotada.
É claro que Layla tinha que aprender a ser inteligente como a madrinha, Annabeth. Muito mais inteligente que os pais.
— Amanhã eu abro.
— E quem vai te colocar na cama, mocinha? — Nico argumentou, sabendo que a filha tinha medo de escuro e não iria dormir até ouvir uma história.
— O Tio Jay! Tchau!
— Layla! — Nico quase gritou, percebendo que a menina havia pensado em tudo, inclusive em refugiar-se no apartamento ao lado, que pertencia ao tio favorito dela, Jason.
O casal ouviu as portas pelo apartamento baterem, sendo deixados aprisionados dentro do próprio quarto pela própria filha. Parecia não haver outra escolha: Nico e Thalia teriam que conversar!
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