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História Sin - Deixaria Tudo


Escrita por: AmandaMill

Notas do Autor


Hola, guapas! Ainda dá tempo de fazer post de Natal?

Esse ano foi um ano muito difícil para todo mundo, mas eu desejo a vocês, mesmo que atrasado, um Feliz Natal. Que essa data traga um pouco de alegria e esperança.
Agradeço a vocês por todos os comentários especialmente no cap. 16 que bateu recorde. Kkkkkk Muito obrigada por todo carinho destinado a mim e a essa fic. Vocês tornaram as coisas mais leves.
Bom, ficou um capítulo bem longo mas não tinha como dividir. Espero que gostem e desculpa qualquer erro!
Boa leitura!
Beixos 😘

Capítulo 18 - Deixaria Tudo


Fanfic / Fanfiction Sin - Deixaria Tudo

Depois da fatídica missa, Raquel ouviu seu próprio coração se romper quando Sergio caminhou envergonhado até a sacristia. Ela só conseguia pensar que aquilo era culpa dela, que deveria ter tido cuidado com o que falava a Frida, ou melhor, deveria ter se afastado dele no início. Quando seu coração deu os primeiros sinais de que estava se apaixonando por alguém impossível para ela. Sergio era o que mais estava sofrendo e por isso resolveu tomar uma decisão.

Raquel ligou para o comissário e pediu transferência para algum distrito fora de Madri. Com o currículo que tinha, não seria difícil conseguir uma cadeira em qualquer lugar do mundo e ela sabia disso.

O comissário estava relutante em deixar Raquel ir, claro, mas ela bateu o pé e disse que sabia de lugares em que sua presença seria mais necessária que em Madri, já que ali havia um número maior de inspetores e candidatos ao cargo dela e o chefe ficou de informar para que lugar ela iria, mas que no máximo em duas semanas tudo já estaria acertado. E com isso, tomou folego para voltar a igreja e se despedir dele.  

Depois de usar toda a foça para dizer aquelas palavras a Sergio, Raquel saiu da igreja, encarou aquele pé d´água e andou sem se incomodar em abrir o guarda-chuva no caminho até o carro. Ainda estava absorvendo tudo que havia acontecido e a chuva que, espelhava a tempestade de sentimentos que havia dentro dela, – intensa e revolta, mas ao mesmo tempo revigorante - só a acalmava.

Ela sabia que aquela era a única coisa a se fazer. Vê-lo daquele jeito era a última coisa que Raquel queria

Ao entrar no carro, Raquel chorou. Precisou dispor de muito esforço para dar aquele passo decisivo para longe dele. Ele estava sofrendo e vê-lo agonizando diante de todo mundo foi demais. Sergio não merecia ter que fazer uma escolha como aquela, então, ela só quis acabar de uma vez com tudo. Aquela dor estava sendo prolongada demais e o veredito final já estava dado desde que o sentimento nasceu. Aquele amor não daria certo.

Sergio considerou ir até ela – quando saiu do estado catatônico – mas preferiu seguir com o que havia planejado: oferecer a ela a solução para eles.

Ela merecia uma resposta definitiva. Eles mereciam.

Raquel se recompôs, mas ainda sem conseguir controlar todas as lágrimas chegou ao Lollipop, onde havia deixado Paula, para que pudesse ir até Sergio. Alicia sabia pela expressão da amiga que as coisas não haviam corrido bem. Com Paula perto aquele não seria o melhor momento para que Raquel contasse o que havia acontecido e na verdade ficou grata por isso. Não conseguiria reproduzir as mesmas palavras direcionadas a Sergio novamente.

Dentro do carro, Paula procurava uma boa estação de rádio e encontrou em alguma “I wanna dance with somebody” tocando pela metade e a menina logo se animou. Sempre partilhava bons momentos com a mãe ao som daquela música. Raquel amava àquela e em seu estado normal estaria dançando mesmo atrás do volante. Mas não dessa vez. O som não surtiu efeito algum sobre ela.

Era como se só o corpo de Raquel estivesse ali. 

Ao chegar em casa, fez tudo no automático. Alimentou a filha, ajudou no banho e colocou na cama.

- Mama? – chamou a menina depois que a mãe deixou um beijo de boa noite. – Você está triste?

- Estou, corazón. Coisas do coração – fez uma careta divertida e Paula sorriu

- Ahm... eu não posso te ajudar nesse assunto

- Eu sei, hija e espero que você nunca tenha que passar por isso. Ou pelo menos que demore muito para que você sofra de amor.

- Você disse que quando namorasse seria alguém que faria nós duas felizes

- Hum.. memória boa, hein mocinha. A vida que parece estar brincando comigo. Mas não se preocupe, a mama vai ficar bem. – Paula acenou afirmativamente em um sorriso ingênuo e a dor que Raquel sentia naquele momento pareceu ter diminuído um pouco. – Boa noite, meu amor.     

Se enfiou embaixo do chuveiro e lá se permitiu chorar mais um pouco e chegou à conclusão de que talvez o amor não fosse pra ela e que deveria aceitar isso.

As noites tranquilas de sono pareciam ser coisas de décadas atrás. Há um tempo, tanto Sergio quanto Raquel, acabavam dormindo vencidos pelo cansaço mental. Criavam novos momentos e memórias ao imaginar uma vida juntos, se martirizavam imaginando um ponto final para algo que nem teve um início de fato.

E naquela noite não foi diferente. Talvez todos os medos e temores estivessem mais intensos que qualquer outro dia.     

Sergio acordou – na verdade, nem bem havia dormido - cedo no dia seguinte e mostrou todo o funcionamento da paróquia ao padre Adriano Ventura. Ele havia assumido algumas missas quando Sergio foi a centro de Madri se confessar, mas agora ficaria mais tempo.

Enquanto Raquel ligava para o comissário na noite anterior, Sergio ligou para o padre Adriano, solicitando sua vinda. Ligou também para um velho amigo que poderia recebê-lo e ajudá-lo.

Naquela manhã de quinta-feira, padre Sergio saiu levando uma mala pequena com destino a Cantábria, uma comunidade ao norte da Espanha.

Sergio havia feito seminário lá e aprendeu toda a base necessária para se tornar o padre que se tornou. Era um ambiente que tinha como vizinha a Praia Langre, uma das mais bonitas da região.  Ele foi para lá no intuito de achar as respostas que tanto precisava. Quem sabe, voltando ao início ele não conseguiria char uma forma de ter um final feliz?

Ao chegar, foi recebido pelo padre Murieta, que o havia recebido da primeira vez que esteve lá, quando ainda era apenas eu menino e mais tarde se tornou um grande amigo. Padre Murieta era um senhor em seus mais de setenta anos e que havia dedicado mais de cinquenta anos a igreja e a Deus. Se cumprimentaram com um abraço apertado e cheio de saudade.  

 - Sergio, meu filho! Quanto tempo – disse ainda mantendo o jovem padre no abraço.

- Sim, muito tempo – conseguiu encarar o senhor com um sorriso largo nos lábios e olhos marejados.

- Eu fiquei muito preocupado com a sua ligação. Foi bem inesperada e você não parecia bem.

- Bem, o senhor foi tudo que me ocorreu depois de... depois de tudo.

Padre Muieta ofereceu um sorriso acolhedor e compreensivo.

- Venha. Vamos entrar e você me conta tudo.

- Vale.

Sergio seguiu o velho padre até as acomodações e assim como na época em que era seminarista, iria dividir o quarto. Dessa vez com o próprio padre Murieta. Deixou a mala e quando tirou o celular do bolso se lembrou que ali não havia sinal.

“Ainda bem que avisei Andres” pensou.

Ao andar pelos corredores, Sergio sentiu seu coração ser aquecido pela paz daquele lugar e tudo que ele representava. Um sentimento nostálgico e de pertencimento o invadiu. Ele sabia que aquele lugar faria parte dele para sempre.

Mas algo havia mudado. O lugar parecia exatamente igual, porém, algo dentro dele estava diferente.    

Padre Murieta observava como Sergio parecia preencher os pulmões com o ar dali e como parecia reconfortado. quando se encontraram na entrada era nítido como Sergio estava abatido e preocupado. Havia um conflito muito grande dentro dele e que não passou despercebido por Murieta.

Os dois padres caminharam até o refeitório e o senhor não fez nem uma pergunta ou disse qualquer coisa dando tempo para que o jovem padre pudesse sentir um pouco da paz presente ali.

Ao se sentarem com suas xicaras de café, padre Murieta ofereceu a Sergio um sorriso reconfortante. Algo no velho padre remetia ao pai de Sergio e ele se sentia à vontade, calmo, abraçado.

Sergio sorriu de volta apenas procurando por onde começar, mas sabia que estaria seguro independente do que dissesse.

- Bem, há alguns meses eu fui direcionado a uma paróquia de Madri. Fui muito bem recebido, acolhido, mesmo que os fiéis estivessem acostumados com o antigo padre, Padre Jacobina.

- Saudoso jacobina... Já trabalhamos juntos algumas vezes e realmente por onde passava todos o amavam. É difícil se adaptar depois de um padre como ele e fico muito feliz que você tenha sido aceito de forma rápida.

- Pois, Sim. Eu também. Tudo corria bem até a chegada de uma das fieis, Raquel Murillo. Nós já havíamos nos encontrado por acaso na rua e algo nos olhos dela me chamou atenção, e depois de alguns dias ela me procurou por sofrer abusos do marido e eu soube que o que eu vi nos olhos dela era tristeza. Eu a aconselhei a procurar ajuda da justiça. Foi uma conversa intensa e embora eu visse tristeza nos olhos dela, eu não imaginava que ela estivesse passando por tanto. Ela não deveria estar sofrendo por nada. Ela só merece amor...

Percebeu que havia começado a divagar em suas palavras e emoções e então retomou o raciocínio

- E quando ela me abraçou algo em mim mudou.  Raquel ficou um tempo fora ajustando a vida e quando voltou – respirou fundo quando a nítida imagem dela entrando na igreja tão linda e refeita lhe preencheu a memória – ela parecia brilhar e os olhos dela estavam inteiros como eu sempre quis ver.

A essas alturas, padre Murieta já havia entendido o que se passava e fazia suposições em sua mente do que poderia ter acontecido ao longo da história, mas sem em momento algum lançar um misero olhar condenador ou espantoso a Sergio.

- Nós nos aproximamos mais depois disso e eu imaginei que ela fazia isso por gratidão por eu tê-la encorajado a resolver tudo...

Como dizer que o ambiente do primeiro beijo havia sido a quermesse?

Como dizer que o segundo beijo aconteceu no piano?

E o terceiro na sacristia?

Por mais que padre Murieta fosse compreensivo ele mesmo se espantava com a realidade.     

Passou as mãos pelos cabelos abaixando o olhar e maneando a cabeça negativamente

- Vamos, meu jovem. O que veio depois?

Sergio abriu a boca, mas nem uma palavra saia e o olhar encorajador de Murieta o fez prosseguir.

- Algumas pessoas da paróquia começaram a suspeitar e iniciaram um rumor e ontem parecia que todos nos condenavam com o olhar.

- Sergio, eu te conheço o suficiente para saber que se fosse apenas uma simples dúvida ou uma fraqueza momentânea, você não estaria aqui. Você veio pelo o que aconteceu ontem, porque eu sei que você conseguiria controlar essa situação caso não existisse nada demais. Você veio porque não era apenas gratidão o que ela sentia e o que você sente não é o amor que sente por qualquer outro membro da paróquia.   

- Não... não é. Eu não consigo evitar sentir isso e eu tentei tanto. Mas quando ela está perto... ela é só o que eu vejo – ele sorriu com os olhos marejados – mas um segundo depois a razão me nocauteia. Padre, nós nos beijamos. Mais de uma vez e eu pensei que a culpa fosse me esmagar. Eu nunca quis outra vida que não fosse o sacerdócio.

- Até ela aparecer. – Murieta completou.

- Eu não posso continuar vivendo assim. Ela merece alguém que possa estar com ela e dê tudo que ela precisa. Que aprecie cada instante com ela sem ter que se arrepender depois. Meu Deus, ela é a mulher que qualquer um mataria para ter ao lado e tudo que eu posso oferecer é meu arrependimento e dúvidas depois de cada beijo – se sentiu corar ao falar sobre os beijos e como de costume ajeitou os óculos e abaixou a cabeça.

- Não, você pode oferecer mais e sabe muito bem disso. A questão aqui é se você está certo sobre o que tem que fazer. 

- O senhor sabe o que me trouxe até aqui. Meu voto não é um simples voto. É a entrega da minha gratidão. É a minha promessa sendo cumprida porque sem ela eu não estaria aqui. Que espécie de homem eu seria se não fosse fiel a essa promessa e a Deus?

- Eu sei que você preza por sua palavra e é um homem integro. Tenho muito orgulho de você, Sergio. Chegou aqui tão calado, tão tímido e se tornou um padre tão amado. Sabemos o quanto as paróquias que você foi responsável se apegaram a você. Sabemos do seu caráter e não foi preciso que você questionasse abrir mão do amor por uma promessa a Deus para que eu tivesse a prova disso. Essa vida – apontou para a própria batina - não é destina a qualquer um. Requer esforço, sacrifico e renúncia, mas acima de tudo amor.    

- Eu tenho amor!

- Eu sei que tem. – Respondeu de ponto - Sem isso não se pode ser fiel, fazer sacrifícios e renuncias nem pela promessa mais forte. E é aí que eu quero chegar. Você encontrou um amor mais forte que o amor pela vida sacerdotal. Porque se não fosse assim, você não teria dúvidas sobre manter sua batina ou não.   

Sergio não aguentou controlar as lagrimas e transbordou. A verdade o assustava. Sim, ele amava Raquel mais que a batina e a ideia disso parecia tão errada para ele. Se conteve, enxugou os olhos por trás das lentes e continuou.

- A presença dela ainda está muito viva em mim. Talvez uns dias longe façam esse sentimento diminuir. Ela disse que vai se mudar depois do que aconteceu na última missa, mas eu não posso deixar que ela abra mão da estabilidade que alcançou por minha causa, então eu peço transferência.

Murieta não quis discutir e resolveu deixar que ele acreditasse em suas próprias palavras. Sergio parecia estar tentando acreditar em si mesmo. O velho padre sabia que se tratava de um sentimento real e forte. Aquela não seria a primeira nem a última vez que um padre se apaixonaria, embora não fosse algo recorrente.

- Filho, eu vejo o quanto tudo, a escolha entre dois amores, tem te consumido. Esse é um lugar abençoado. Por que você não vai caminhar um pouco e tira um tempo para você? Tenho certeza que vai te ajudar a se descobrir ou redescobrir. Podemos continuar essa conversa mais tarde, sim?!

- Tem razão. Gracias, padre.

Sergio se levantou, se retirando do refeitório, e passou a caminhar sem uma direção estabelecida. Apenas andou. Respirava fundo, olhava o tento, – talvez uma resposta divina fosse enviada – sentiu os olhos lacrimejarem algumas vezes, mas se recompôs.

Olhou alguns quadros nas paredes e se lembrou da primeira vez que os viu. Admirou por mais tempo um em especial, era o quadro a última ceia e pensou “Jesus também tinha amigos”. Se lembrou que esse havia sido o mesmo pensamento que lhe ocorreu na primeira vez. No fundo ele ainda era a mesma pessoa.  

Pensou – antes e agora – em como os relacionamentos são essenciais. Como é importante ter com quem partilhar momentos. Instantaneamente, suas memórias o levaram aos almoços que partilhou com Raquel e Paula. O que só comprovou o raciocínio. Quando nunca se experimenta algo é menos complicado viver sem, mas depois de comprovar o quanto é bom, a ausência pode ser uma tortura.  

Chegou até a praia e parou diante da imensidão azul. Ver a beleza daquela imagem que parecia ter sido tirada de um livro fez o coração de Sergio se encher de bons sentimentos. Ele sentia Deus ali e sussurrou um “obrigado”.

Se sentou na areia bem próximo de onde as ondas paravam e apenas apreciou a brisa tentando esvaziar a mente. 

Em Madri o dia já tinha começado agitado. Depois de deixar Paula na escola, Raquel precisou liderar uma operação contra uma gangue de assaltantes que roubaram uma concessionaria e usavam os carros roubados para transportar drogas. Dessa vez, ela não tinha pressa que a operação acabasse. A adrenalina e preocupação desviavam seus pensamentos de Sergio e do caos que sua vida pessoal estava.

As equipes de busca e apreensão seguiam as ordens de Raquel, mas a gangue havia conseguido despistar deixando todos em alerta.

O dia passava na expectativa de acharem o rastro dos assaltantes, porém todas as pistas eram irrelevantes.

Ao fim do dia Raquel chegou em casa exausta. O peso do trabalho e dos problemas que passou o dia tentando ignorar caíram de uma vez sobre seus ombros e foi impossível não chorar no chuveiro. Passou um tempo com Paulita e isso a ajudou um pouco. Depois de se virar por um tempo na cama, o cansaço foi mais forte e ela dormiu.

Sergio ficou na praia até o anoitecer. O som e a imagem daquele lugar tranquilizaram a mente conturbada do padre. Antes de se tomar uma decisão como a que ele precisava, era importante estar com a mente limpa. Redirecionou seus pensamentos a outros temas deixando o que realmente importava dar uma trégua.

À noite, quando chegou no quarto para dormir, padre Murieta já começava a roncar.

Se deitou, encarou o teto por alguns instantes e agora se sentindo ligeiramente mais leve conseguiu ter uma noite de sono menos agitada do que as anteriores. 

Na manhã seguinte ao deixar Paula na escola se encontrou com Frida, mas preferiu fingir que não estava vendo.

- Olá, Raquel! – Não teve jeito

- Frida.

- Contente por ter conseguido afastar o Padre Sergio da paróquia?

Raquel parecia ligar as palavras da mulher. Parou por alguns segundos, mas não fazia sentido.

- Perdona?

- Ele não está mais aqui e não sabemos quando ou se ele volta.

- Olha, eu não faço ideia do que você está falando.

- Eu imagino que você saiba onde ele está. Sendo tão próxima...   

Foi o tempo de Frida piscar e Raquel a segurar firme pelo braço

- Escuta aqui, eu estou farta de você. – A voz de Raquel era baixa, mas ameaçadora expondo toda a raiva que sentia - Eu não sei o que houve com o padre, mas tenho certeza de que, de nós duas, você é a única culpada. Você começou uma fofoca terrível e ainda não consegue ver o quão longe isso foi e eu só não acabo com sua raça aqui e agora por consideração a seus filhos, que são amigos da minha filha, e estão bem ali olhando pra gente.

Frida tinha os olhos arregalados e embora quisesse demonstrar indiferença não conseguiu dizer mais nada.

Raquel soltou o braço da mulher e entrou no carro. No caminho para o trabalho, não parava de pensar no que poderia ter acontecido e por um momento pensou ser mentira de Frida para quem sabe, tirar alguma informação. Pensava e não chegava a uma conclusão com certeza.

Chegou ao trabalho e mais uma vez o usou como escape. Pelo menos ali, ela pôde chegar a um final feliz e conseguiram, por fim, apreender os carros e capturar o grupo de assaltantes e o que transportava.   

Mais um dia no seminário e Sergio logo após o café da manhã e algumas breves palavras com os padres dali, - alguns já conhecidos que vieram o cumprimentar e outros novos a quem foi apresentado - voltou a praia. Caminhou pelas areias próximo a água. A princípio seus pensamentos eram corriqueiros, mas logo foram atraídos para Raquel. Não para a dúvida do que fazer sobre eles. Era Raquel em sua mente.

Imaginava como seria a reação dela diante daquela paisagem que lhe tirava o folego. Se perguntou se ela já havia estado ali e não deu para não se lembrar do sonho onde caminhavam juntos em uma praia.

No dia anterior, ele disse que a presença dela ainda estava muito viva nele, mas algum dia deixaria de estar?    

Não.

Há alguns quilômetros dali, Raquel já havia deixado Paula na escola, mas diferente dos outros dias, não foi trabalhar. Ligou para Alicia e pediu que a amiga fosse até sua casa.

Alguns minutos depois Alicia chegou com o que ela denominava de kit de primeiros socorros: algumas fatias de bolo de chocolate com morango e alguns pirulitos

- O que é tudo isso, Alicia? – Raquel perguntou ao abrir a porta ver o que Alicia trazia

- Pelo seu tom de voz eu soube que alguma coisa tinha acontecido e nada melhor que um doce para acalmar os ânimos.

Raquel abraçou a amiga como se ela tivesse dado a chave para a solução de seus problemas. Subiram até o quarto e se acomodaram na cama.

- Quando eu te conheci você estava passando por um divórcio e mesmo assim eu te encontrei aproveitando o sol de frente para o mar. Dale! Me conta o que aconteceu pra te deixar na cama comendo doce.

- Depois que eu e eu Sergio conversamos na sacristia, estávamos tentando achar uma saída pra nós, como eu te contei. Mas parece que ficaram sabendo e foi terrível. Todo mundo olhando para ele durante a missa, cochichando. Eu cheguei em casa decidida a ir embora e pedi transferência para não trazer mais problemas. Quando deixei Paula com você, foi para ir até lá e me despedir. Mas hoje fiquei sabendo que ele foi embora e eu não tenho ideia de para onde ele foi ou como ele está.

- Toma, come mais bolo.

Alicia empurrou mais bolo para a colher sem saber como ajudar a amiga. Era uma situação muito atípica.

- Já pensou em ligar para ele? Assim pelo menos você descarta duas dúvidas: onde e como ele está.

- Eu não posso, Alicia. Não depois de ter me despedido definitivamente dele. Não! Eu não posso simplesmente ligar querendo saber dele depois de ser o motivo de ele ter que ir embora.

- Vale. Então me dá seu celular para eu olhar o número dele e eu ligo.

- Como assim? – perguntou espantada e de boca cheia

- Eu não me despedi de ninguém... – disse pegando o próprio celular

- E o que você vai dizer?

- Que a encomenda dele está pronta

- E ele encomendou alguma coisa?

- Deus! Quanta pergunta. Não, mas eu digo que posso ter me confundido com outro Sergio 

Raquel entregou o celular já desbloqueado e com o contato de Sergio na tela.

- “Padre Sergio”? Que formal. Não salvou como “meu padre” ou “meu amor”? pelo menos só Sergio. 

Raquel lançou um olhar sério para amiga enquanto comia mais um pedaço de bolo e Alicia colocou o telefone para chamar.

- Hum... gravação dizendo que não está recebendo chamadas. Acho que seu boy está mais afetado que você.

- O que será que aconteceu?

- Raquel, provavelmente ele só está em um lugar sem cobertura. Você não disse que ele estava tentando decidir as coisas? Pode estar tirando um tempo para isso...

Um nó na garganta de Raquel se apertou, os olhos começaram a arder enquanto ela lagrimejava e Alicia afagou os cabelos da amiga sabendo tudo que a ela queria dizer, mas não conseguia. Depois um breve silêncio Raquel conseguiu dizer o que estava engasgado.  

- O amor não é pra mim, Alicia. – Balançava a cabeça negativamente enquanto buscava forças para continuar – Sabe por que meu casamento não deu certo? Ele me bateu. A pessoa que deveria estar ao meu lado e envelhecer comigo, o pai da minha filha, quem eu confiava dormir ao lado me agrediu três vezes. E agora, eu me apaixonei por um padre. E dessa vez a culpa foi toda minha. Era óbvio que não daria certo. Com meu casamento eu não tinha como saber já que ele sempre foi um perfeito cavalheiro e essa coisas não vem escritas na testa. Mas com Sergio era nítido que não teria uma saída.

- Ô, minha amiga... eu sinto muito pelo o que você passou em seu casamento e estou muito feliz por você ter conseguido sair de um relacionamento abusivo. Nem todos conseguem. – Raquel ofereceu um sorriso triste e foi a vez de Alicia puxar folego. -  Esses homens... eles estão sempre deixando a gente na mão. Meu marido também me decepcionou

 Raquel ficou surpresa e sua expressão confusa incentivou Alicia a continuar

- German, morreu pouco antes de a gente se conhecer. Éramos casados há mais de vinte anos e ele levantou a Lollipop comigo. Quando nós finalmente decidimos ter um bebê e eu fiquei grávida, ele descobriu um câncer no pâncreas já em estágio avançado. Quando completei seis meses de gravidez ele morreu. Passar por tudo aquilo foi mais forte do que eu poderia aguentar então entrei em trabalho de parto prematuro e o bebê não resistiu. – Suspendeu os ombros como quem diz “fazer o que, né?!” -  Como eu disse: homens.  

- Alicia, eu sinto muitíssimo

- Eu também! Depois que ele se foi eu precisei me afastar de tudo, especialmente da Lollipop, por isso aquela reforma precisava sair logo – sorriu - passei a fazer terapia e tudo. Viajei para muitos lugares e o último deles foi Tulum. – onde se conheceram.

As duas deram as mãos entrelaçando os dedos em um gesto de apoio mútuo.

- Raquel, a minha história não teve jeito. O que me separou de quem eu amo foi a morte. Até que vocês achem uma saída, vocês têm uma chance e se não acharem, você vai continuar viva e o amor pode te surpreender de novo.

As palavras de Alicia emocionaram Raquel de uma forma que ela não estava preparada sorriu em meio a algumas lagrimas enquanto a voz voltava.

- Só uma crise em minha história com um padre para te fazer falar sério assim, hein...

As duas riram

- E que não se repita

As duas continuaram na cama falando de tudo um pouco. Compartilhando dores e deixando que a amizade crescesse mais. Enquanto Sergio continuava sozinho perdido em seus pensamentos.

De longe, padre Murieta observava Sergio nas areias da praia. Caminhava, parava, se sentava e observava o mar e por fim tornava a caminhar. O velho padre sabia que Sergio precisava de alguém para ajudá-lo a encontrar o caminho a seguir e decidiu de aproximar. Depois de alguns minutos andando na areia, estava ao lado de Sergio que já havia voltado a caminhar novamente.

- E então, filho? O mar te ajudou em alguma coisa?

- Pois, sim. Me sinto mais calmo que quando cheguei aqui.

- Ah, isso é evidente. E mais calmo conseguiu assentar os sentimentos?

- A verdade é que não. Preciso esvaziar completamente a minha mente para por fim tomar uma decisão racional.

- A sua promessa é o que mantem a batina em você?

Timidamente, Sergio maneou a cabeça em afirmativo.

- Então, você sabe que já tem a resposta, não é?

- Eu tenho medo de pensar que sim.

- Por que?

- Como eu fico perante Deus? Eu prometi dedicar minha vida a Ele.

- Sergio! – o padre chamou segurando em seu braço e os dois pararam de caminhar – O que você entende por se dedicar a Deus?

- Amar ao próximo, ministrar as missas, gerir a paróquia

- Aí está. Se dedicar a Deus é mais que ministrar as missas e gerir uma paróquia. Amar ao próximo é se dedicar a Deus e tudo que nasce disso como ajudar aos necessitados, ouvir um aflito.... e qualquer um pode fazer isso. Padre ou não.

Sergio parecia se iluminar com aquela conclusão

- Essas foram as palavras da sua promessa? Que se dedicaria a Deus?

- Sim. – As palavras de Murieta pareciam começar a fazer sentido - Mas e se a batina for a missão de Deus para minha vida?

- Eu tenho certeza que foi. Olha só até onde ela te trouxe. Eu devo te dizer que apenas você sabe do seu coração e que não estou te induzindo a nada. Apenas que com o que eu conheço sobre você posso afirmar com certeza que você não desempenhou o sacerdócio como uma obrigação e foi feliz nele.

Sergio balançou a cabeça em afirmativo sem sinais de hesitação e Murieta continuou.

- Fez de todo o coração, dando o seu melhor. O quanto você queria viver e o quanto é grato a Deus por essa chance e entendo que o simples pensamento de não cumprir com sua palavra em uma promessa tão vital te seja pesado. Estou apenas te trazendo os fatos para que você trabalhe com eles de acordo com o que há dentro de você. Você não tem uma arma apontada para sua cabeça te obrigando a nada e muito menos te obrigando a tomar uma decisão, então não precisa se apresar. Vamos entrar e comer alguma coisa. Sei que ontem você não comeu nada e se alimentou apenas da brisa.

Padre Murieta lançou-lhe um olhar sugestivo e Sergio não só viu uma luz no fim no túnel. Ele viu o fim do túnel.

No caminho de volta, um silêncio confortável se instalou quanto Sergio era submergido por seus pensamentos até quebrar o silêncio.  

- Padre, o senhor entende que eu amo ser padre, que a patina não é um peso para mim e que eu não estou procurando formas de abandonar, certo? Eu não estou ignorando a cura recebida.

- Eu sei, filho! E Deus também sabe. Ele é o que tudo sabe e o que tudo vê. Ele te viu chorar por sua vida enquanto era um menino, viu a sinceridade do seu coração em querer se dedicar a ele e tem te visto todos esses anos exercer aquilo que confiou a você. Sergio, Ele conhece os desejos do seu coração. Mesmo aqueles que você nem sabe que carrega. Eu tenho certeza que Deus se alegrou de todos esses anos dedicados a igreja com tanta devoção e sinceridade e resolveu te agraciar com um amor. Não pense nisso como o fim, mas como a continuação dos planos Dele para você. Sua jornada te trouxe Raquel e com ela a seu lado você pode continuar se dedicando a Ele. Como eu te disse não é apenas como padre que se pode fazer isso.            

Tudo pareceu fazer sentido e Sergio se sentia reconfortado com aquelas palavras. Ser um filho ingrato que não reconhece uma benção recebia nunca faria parte de quem ele é e pensar em tudo o que padre Murieta havia dito, fez tudo fazer sentido.       

Sergio mesmo sempre disse que tudo acontece por um proposito. Ser uma criança enferma foi um proposito para que ele conhece e se interessasse por Deus. Ao seguir por esse caminhou Raquel chegou em sua vida e aquela alegria de ter uma família poderia ser sua realidade. 

Chegar a essa conclusão foi como se Sergio estivesse emanando fogos de artificio

Abraçou o senhor ao seu lado com tanto entusiasmo que tirou seus pés do chão. Seu riso contagiou Murieta que agora não se importava mais em ser esmagado e levantado da areia. Mas como um bom racional que era, Sergio parou e lançou uma pergunta

- E o que fazemos agora?

- Você precisa escrever uma carta ao vaticano solicitando sua exoneração.

- E eles podem recusar?

- Podem. Por isso é importante que em sua carta você se explique corretamente para que saibam que você não quer sair por um capricho ou qualquer motivo supérfluo. 

- Vale.

Os dois entraram e no refeitório engrenaram em uma conversa boa com os outros padres e alguns seminaristas. Sergio parecia outra pessoa. Conseguia finalmente participar da conversa sem que calafrios de ansiedade lhe causassem mal-estar.

 Mesmo não conseguindo se manter cem por cento focado no assunto por toda a alegria e entusiasmo que percorriam seu corpo como uma corrente elétrica, parecia mais vivo do que nunca e era o mais risonho daquela roda santa.   

Preferiu deixar para escrever a carta no dia seguinte, mais calmo.

A noite havia caído e com a ajuda de Alicia, Raquel pôs o jantar e depois de comerem e Paula estar devidamente confortável em sua cama, as duas beberam algumas taças de vinho. Passar aquele dia com Alicia ajudou Raquel a se manter sã, a se sentir mais leve depois de desabafar e ouvir as palavras da amiga. Conseguiu, mesmo que por alguns momentos, esquecer sua realidade.  

Antes de ir para a cama, Sergio caminhou por toda a extensão pertencente ao retiro. A noite estava estrelada e com uma lua minguante enfeitando o céu. Ele parou no meio do pátio gramado e sem ninguém, observando a beleza daquele lugar e daquela noite. Ali, ao ar livre se ajoelhou afim de falar com Deus e ter uma conversa que confirmaria tudo o que padre Murieta lhe disse.

- Em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo – sinal da cruz – amado Deus, com toda a sinceridade do meu coração venho a ti nesse momento para pedir que me ilumine no que estou prestes a fazer. Eu nunca tive a intenção de iniciar o sacerdócio para encerrá-lo sob qualquer circunstância. Sempre tive a certeza de que morreria com a batina. Eu quis ser padre e nunca menti ao dizer que as visitas que eu recebia no hospital me inspiraram. Minha vida, minha escolha até aqui não tem sido um fardo e eu não me arrependo de nada. Eu só não contava com Raquel. Eu realmente a amo, mas não quero usar as palavras do padre Murieta, sobre ela fazer parte de um plano do Senhor para mim, como desculpa para abandonar essa que tem sido a minha vida a anos. Por isso, Meu Deus, eu peço para que se o Senhor aceitar que eu dedique minha vida a Ti de outra maneira, de uma maneira em que eu possa estar com Raquel, me dê um sinal. Que a resposta do vaticano seja a tua.

Sergio encarava o céu como se esperasse que deus o respondesse naquele exato momento. Sentiu que sua prece foi ouvida. Ele sempre teve fé o suficiente para saber que sempre foi ouvido.

Aquela era a primeira noite, desde que Raquel chegou em sua vida, que ele sabia o que iria fazer.

Raquel não sabia onde ele estava, mas Alicia estava certa. Eles ainda estavam vivos. Ainda havia esperança.

“Se nada der certo eu ainda tenho a transferência”

Mesmo concordando com as palavras de Alicia, ela não queria se apegar a possibilidade de um “se”. Afinal, pelos últimos acontecimentos, acreditar que tudo pudesse dar certo era como acreditar em conto de fadas.

Sob efeito de algumas taças de vinho, esses pensamentos não tiveram força suficiente para impedi-la de dormir.

Sergio acordou bem cedo na manhã seguinte e carregando uma caneta e algumas folhas em branco deixou o padre Murieta ainda dormindo e roncando para começar a tentar escrever a carta. A pergunta era: como pedir liberação da batina ao vaticano?

“prezado vaticano, me apaixonei.”

“Caro, papa.”

“Prezado conselho papal.”

Meia hora depois com vários rascunhos amassados ao lado e o nervosismo se apoderando de sua mente, Sergio respirou fundo passando as mãos pelos cabelos, tomou mais alguns segundos e com um novo papel em branco se lembrou de como escrever ao alto poder

Vossa Santidade,

Me chamo Sergio Marquina e desempenho o papel de Padre há mais de vinte anos. Anos maravilhosos onde eu pude me encontrar, me sentir completo e útil.

Essa escolha veio quando eu era um menino enfermo em uma cama de hospital e tive meu primeiro contato com a palavra de Deus e Nele encontrei alento e prometi dedicar minha vida a Ele.

Mas algo me aconteceu, algo que eu não havia calculado. Descobri um outro tipo de amor e eu tenho certeza que esse amor vem de Deus. Eu lutei contra ele por acreditar que não era para mim e que ele não fazia parte dos planos de deus para minha vida. Mas eu percebi que esse sentimento é o plano de Deus e que posso me dedicar inteiramente a ele seguindo todos os exemplos deixados por nosso Jesus. Não preciso abrir mão desse amor inesperado assim como não vou deixar de seguir a Deus.  

Santíssimo Padre, venho por meio dessa carta pedir para renunciar a batina. Não, eu não vejo o sacerdócio como uma brincadeira ou um passa tempo. Tem sido a minha vida. Eu poderia inventar um milhão de pretextos e até dizer coisas que não aconteceram para que meu pedido fosse aceito. Mas estou aqui apenas com a verdade. Sou um padre apaixonado e o amor por ela é mais forte que pela batina. Deus não deixa de ser parte de mim e a essência dele nunca vai me deixar. Cumprirei com os ensinamentos deixados por Ele ao lado da mulher que eu amo.

Meu coração não suporta viver sem ser inteiro com a batina ou com a mulher que eu amo, por isso suplico, amado Santo Padre, que me ilumine com uma resposta.

Sinceramente,

Sergio Marquina.    

     

 

Quando finalmente terminou a carta se sentido satisfeito com suas palavras, procurou pelo padre Murieta e o encontrou finalizando uma aula em uma das salas. Esperou que todos os seminaristas saíssem e da porta, com apenas seu olhar esperançoso e ansioso chamou pelo senhor.

- Conseguiu?

- Acho que sim!

- Certo. Vamos enviar solicitando um pedido de urgência e logo depois eu vou contactar meu grande amigo cardeal. Isso vai ajudar com que sua carta seja lida mais rápido.

- Muito obrigado, padre Murieta.

- Não é nada, filho.

E assim fizeram. Agora Sergio precisava lidar com a ansiedade da resposta. Aproveitou o tempo ali para rezar. Deixando ou não a batina esse simples ato o trazia paz e conforto.

Mesmo sendo sábado, Raquel foi solicitada no trabalho e deixou Paula na casa de uma amiga. Ao fim do dia, Raquel chegou em casa do trabalho cansada e apenas querendo sua cama, mas Paula não está disposta a deixar com que esses planos fossem postos em prática

- Mama, mas nós não vamos a igreja há dias. Hoje tinha catequese eu nem pude ir. Como eu vou pode fazer a primeira comunhão assim?  

- Paula, mama não tem condições hoje.

- Mas ontem você disse que hoje me levaria. Mama, está na minha vez de liderar a brincadeira depois da missa

Raquel passou a mão pelo rosto puxando o ar em busca de paciência.

- Vale. Vamos! Mas você só vai brincar por dez minutos.

- Só dez? Você pode ficar conversando com padre Sergio enquanto eu brinco.

- Padre Sergio não está aqui, Paulita.

- Não? E onde ele foi?

- No lo sé.

- Você pode brincar com a gente se quiser...

- Gracias hija! – Raquel sorriu com a inocência da filha

Ao chegarem à igreja, Raquel percebeu o quanto era estranho estar ali e saber que Sergio não estaria. Era como ser dia, mas sem luz e só essa simples constatação poderia lhe trazer lágrimas aos olhos, mas ela não poderia demonstrar qualquer mínimo sinal de fraqueza. Não diante daquela gente. Paula logo se encontrou com seus amigos no banco destinado à sua classe e Raquel, que preferiu sentar em um dos últimos bancos viu todos os olhos se voltarem para ela no segundo em que a menina foi notada entre as outras crianças.

Riu sarcasticamente daquela situação. Não poderia ser real. Quem aquelas pessoas eram para julgá-la? Eles não sabiam de absolutamente nada do que se passava entre ela e Sergio e qualquer suposição levantada por eles não passava nem perto da realidade.

Não era um caso. Não era um escândalo.

A única coisa que desviou todos os olhos curiosos voltados para ela foi o padre Adriano subindo ao altar para começar a missa.

Ela enfrentava mais do que impedir que os olhos começassem a lacrimejar. Ela tinha vontade chorar. Olhar para aquele lugar e não ver sinal de Sergio foi como aumentar o vazio em seu coração, não saber onde ele estava ou o que estava pretendendo com aquele sumiço repentino não ajudava em nada. Todas aquelas pessoas reduzindo o sentimento tão lindo que tinham a uma simples fofoca doía mais do que ela poderia dizer.  

O padre Adriano era muito simpático e carismático. Todos prestaram atenção em suas palavras e alguns até se emocionaram. Raquel não conseguia prestar atenção em uma palavra. Seu cérebro fervilhava com a força de todas as emoções. Raiva pela hipocrisia daquelas pessoas que agiam como se não estivessem causando o inferno na vida de outras e se comportando como os mais fieis dos devotos. A raiva que já sentia de si mesma por ter deixado as coisas tomarem aquelas proporções pareceu apenas ter se agravado. E saudade dele. Só o abraço de Sergio seria capaz de lhe trazer alento, mas ele não estava ali.

Quando a missa acabou, ela só queria ir embora o mais rápido possível. Assim que Paula passou por ela, Raquel a pegou pela mão a levando até o carro sob muitos protestos.

Por mais rápido que tenha caminhado até o veículo, não fui o suficiente para impedir a ira da paróquia inteira.

- Como você tem coragem de ainda vir aqui?  

- Quer desviar a novo padre também?

- Onde está o padre Sergio

- Você não tem vergonha?  

Bastava. Movida pela ira a voz de Raquel era como um brado depois de ordenar que a filha entrasse no carro.

-Tudo o que vocês dizem é fruto de uma fofoca. Onde estão os ensinamentos que aprenderam do padre Sergio? Tenho certa que ele não ensinou a acusar ou oprimir alguém. Eu não sei onde está o padre Sergio. E por que eu deveria ter vergonha de vir aqui? Essa não é a casa de Deus? Parem de prejudicar a vida dos outros e olhem para vocês mesmo.  

A vontade que percorria suas veias era de gritar para os quatro ventos que sim, eles estavam apaixonados, mas não poderia fazer isso com Sergio sem antes saber que caminho ele havia decidido seguir. Se ele optasse pela batina, assumir o que eles viveram só mancharia ainda mais sua reputação. Apesar de que pelo visto, todos a viam como a vilã e Sergio era apenas uma vítima.

- O que foi tudo isso, mama? - Perguntou a menina assustada quando Raquel entro no carro arrancando rapidamente.

- Essas pessoas ouviram algumas coisas e estão julgando a mamãe por tirarem suas próprias conclusões

- E por que você não explica tudo a eles?

- Porque é mais difícil quando quem ouve escolhe não acreditar e te julgar.

Raquel estava no seu limite. Todas as emoções estavam a flor da pele e cada problema enfrentado parecia uma onda forte e sem que ela tivesse tempo para alcançar a superfície outra onda vinha e submergia novamente. Chorou até cair no sono        

Havia três dias que Sergio havia saído sem deixar rastros e ela ainda tinha onze dias até que sua transferência saísse. Esse era o tempo que ela esperaria por algum sinal dele.     

Os três dias seguintes foram de espera para Sergio. Se pegava observando aquele lugar, ouvindo os sermões ministrados e pensava que aquela poderia não ser mais a sua realidade. Era surreal. Havia uma chance de aquele lugar, o lugar onde ele foi acolhido e não mais visto como um menino introvertido, não fosse mais seu lugar e aqueles não seriam mais seus companheiros. Aquelas conversas e experiências trocadas pelos padres não seriam mais aplicadas ao cotidiano dele. Aquele não seria mais seu ciclo.

Por mais que ele pensasse sobre isso a ficha não parecia cair por completo. Parecia algo utópico.

Em alguns momentos sua mente ficava inquieta se perguntando se não deveria ter esperado mais para enviar a carta, se não tinha se precipitado. Mas se lembrava de que Raquel já havia decidido ir embora e que provavelmente ele estava correndo contra o tempo para entregar a ela uma resposta digna isso se ela ainda estivesse lá quando ele retornasse. Imaginar tudo o que ela poderia estar pensando sobre ele apenas o deixava mais nervoso e só conseguia pedir a Deus que ela ainda estivesse lá quando ele voltasse. Independente da resposta que tivesse, ele queria poder ser franco com ela assim como ela sempre foi.

Ir até ali, se afastar de tudo, olhar sua própria vida com outra perspectiva, era o que havia ajudado Sergio. Ele não havia tomado aquela decisão rápido demais ou sem pensar. Era em tudo que ele pensava em Madri, desde o momento em que parou de negar aquele sentimento, apenas não conseguia visualizar a situação com calma. A calma que o barulho do mar trazia e sob a ótica de um padre experiente. Não que Murieta o houvesse influenciado. Não era isso. Conversar com o senhor foi como subir no alto de uma montanha e poder vislumbrar tudo o que não é possível quando se está no olho do furacão.    

Voltava a rezar se lembrando de que tudo estava entregue nas mãos de Deus e que a resposta do papa, seria a resposta de Dele e isso ajudava a aliviar um pouco sua mente conturbada.   

Para Raquel, aqueles dias foram de questionamento e reclusão. Conversou com Paula dentro do que uma menina de oito anos poderia entender e disse que não voltariam a igreja por um tempo. Não por medo daquelas pessoas, mas porque não havia só ela envolvida na história e não poderia correr o risco de fazer qualquer outra coisa que pudesse prejudicar Sergio ainda mais.

Por muitos momentos se questionou se deveria esperara que ele voltasse, afinal, eles já haviam se despedido, ele não voltou a procura-la, a paróquia inteira falava sobre ele. Essas dúvidas passavam tanto por sua cabeça que ela passou a ter cada dia menos esperança que ele pudesse voltar. Essa ideia parecia apenas uma doce ilusão.

Sua rotina era de trabalho, muito trabalho para que assim não pensasse em todos os motivos para ir partir o quanto antes. Alicia estava sempre presente. Depois de se abrirem sobre suas perdas a amizade pareceu se fortalecer. Conversavam por mensagem e sempre que tinha um tempinho, – nem sempre acontecia já que ela estava usando trabalho como fuga da realidade - Raquel passava na Lollipop.

O comissário já havia dito que Alvamonte queria Raquel.

“Bem, Alvamonte era um bom lugar, cercado pelo mar atlântico e o melhor: fica distante de Madri” pensou.

Ela acertou a transferência da escola de Paula e conversou com Alberto sobre. Ele não ficou muito satisfeito, mas não tinha em que opinar. Seus direitos e deveres continuariam os mesmos em qualquer lugar do mundo.

Nos próximos dias, Raquel não teria mais como evitar começar a encaixotar suas coisas. Ela vinha adiando isso durante aquela longa semana tanto por sempre chegar cansada do trabalho quanto porque fazer isso tornava tudo mais real. Mas não tinha escapatória e no fim de semana – já que no próximo fim de semana ela embarcaria para Avamonte - arrumaria tudo

Três dias haviam se passado desde que a carta foi enviada, – e seis dias desde que ele chegou a Cantábria - Sergio conversava com alguns padres no pátio quando um jovem seminarista, que lembrava ele mesmo quando chegou ali a alguns anos trás, se aproximou e cochichou em seu ouvido

- Com licença, padre. Estão solicitando o senhor na sala de reuniões.

Mãos suando, frio no estomago. Seria a resposta de sua carta? Olhou para padre Murieta que também participava da conversa e viu quando a expressão de Sergio mudou. O velho padre lançou um olhar sereno acompanhado de um aceno encorajador com a cabeça.      

Sergio caminhou a passos firmes até a sala e dessa vez não se deteve em observar quadros ou qualquer outra coisa.

Quando alguém decide seguir uma carreira, é comum que haja todo um preparo. Estudos, dedicação, expectativa pelo o que está por vir, conselhos sobre os momentos difíceis. Nunca te preparam para o lidar com os sentimentos enfrentados caso você desista.

Sergio sabia os protocolos do que aconteceria caso seu pedido tenha sido aceito, mas ninguém o preparou para aquele momento onde tudo estava acontecendo na prática.

Chegou em frente à porta e soltou o ar que nem percebia que prendia. Colocou a mão na maçaneta para logo tirá-la e puxou o ar algumas vezes.

- Meu Deus, seja feita a Tua vontade!

Abriu a porta e se deparou com o padre que dirigia o seminário e dois bispos.

- Padre Sergio Marquina, esses são os bispos Armand Bonford e Alexandre Bartolli. Vieram representando o conselho papal. – Disse o diretor Pérez.

- Bispo Bonford. Bispo Bartolli – Sergio os cumprimentou devidamente e logo todos se assentaram

- Padre Sergio, sua carta foi lida com atenção e analisada pelos cardeais e pelo próprio papa. Estamos aqui para saber se o que é pedido na carta ainda é o que deseja. – disse o bispo Bonford

Durante aqueles dias depois que a carta foi enviada Sergio se fazia aquela mesma pergunta.

- Sim. – Não havia duvidas

A vida com Raquel parecia um passo mais próxima.

- Então é necessário que o senhor assine esse documento alegando que renuncia ao cargo e tudo que ele implica. – Bonford explicou

A mistura de emoções ao ouvir aquelas palavras fez com que Sergio paralisasse por alguns segundos. Era como atravessar uma ponte que separa dois países. Escrever o nome naquele documento era virar a página para uma folha em branco. Um novo começo. Uma nova vida.

Sergio leu o documento que em síntese dizia tudo que o bispo havia explicado. Não percebeu, mas algumas lágrimas insistiram em rolar quando ele estava prestes a assinar. Uma delas molhou o documento. Mas junto a lágrima, havia também um sorriso quando viu seu nome ali.

- Muito bem. – disse o bispo Bartolli – Todos de pé então – assim todos fizeram e Sergio então enxugou as lágrimas – Repita comigo, Marquina: Eu, Sergio Marquina

- “Eu, Sergio Marquina”

- Incumbido até aqui com a benção do sacerdote.

- “Incumbido até aqui com a benção do sacerdote.”

- Renuncio perante Deus e aos bispos

- “Renuncio perante Deus e aos bispos” – Sergio usava toda sua força para manter a voz firme.

- a batina conferida a mim pela santa igreja.

- “a batina conferida a mim pela santa igreja.”   

- Pelo direito conferido pelo santo padre o declaro isento de suas funções – declarou Bartolli

Sergio maneou a cabeça em afirmativo enquanto o sorriso mais largo que já teve invadiu seus lábios em meio a lágrimas que agora desciam sem pudor.

Sergio cumprimentou aos bispos e ao padre se retirando da sala logo em seguida.  

Aquela havia sido mais que a resposta do papa, era a resposta de Deus. Padre Murieta estava certo. Raquel era o plano de Deus para ele. Saiu daquela sala transbordando gratidão e não conseguia parar de repetir as palavras “obrigado, meu Deus” enquanto caminhava, quase correndo, até o dormitório.

Juntou as coisas da melhor forma que pôde, não tão organizado como costumaria ser, e colocou tudo na mala. Quando dobrava a última camisa, ele simplesmente parou e vociferou “Raquel”. Era para ela que ele estava indo.

Padre Murieta entrou no quarto a tempo de vê-lo fechando o zíper da pequena mala.

- Pelo visto seu amor comoveu ao papa.

Sergio apenas riu para o amigo.

- E agora, filho?

- Agora eu volto para Madri e rezo para que ela ainda esteja lá.

- Ela é o plano de deus para você. Ela vai estar lá.

Sergio maneou a cabeça afirmativamente guardando aquelas palavras em seu coração

- Ela deve ser uma mulher incrível.

- Ela é perfeita. – disse sobriamente – sabe, eu nunca vi alguém como ela. Ela é inspetora e é a melhor em seu ramo. Ela é engraçada e cria tão bem a filha. Mesmo passando por tudo que passou, tem aquele sorriso que ilumina a vida e é impossível não acompanhar o som daquela risada. Estar com ela é sempre uma surpresa – ele ri lembrando das pérolas que Raquel já havia soltado. – Ela tem olhos lindos e você pode enxergar a alma dela através deles.    

- Então, vá... vá encontrar seu amor.

Sergio caminhou até o padre e o abraçou, grato por todas as palavras que ouviu do velho homem.

Pegou sua mala e caminhou até a saída.      

Raquel havia passado por muito estresse durante aquela terça-feira ao ser designada para mais um caso de tráfico de drogas e como se não bastasse enfrentou o pior engarrafamento por conta de uma terrível pancada de chuva de verão e o pneu do carro furou. Conseguiu trocar no meio do trânsito já que tudo estava parado, porém, chegou em casa enxarcada.  

Saiu do banho e vestiu um blusão confortável e um short que era imperceptível pelo tamanho da blusa. Agora, mais calma e com roupas secas, foi até a cozinha preparar um chá. Paula havia ido para cama depois de Raquel medicá-la por se queixar de dores de cabeça. Antes de pisar na cozinha o som da campainha ecoou. Ela estava tão pra baixo com tudo em sua vida que o som estridente não a assustou. Estava no automático e nem mesmo a curiosidade normal de todo ser humano ao ouvir a campainha tocar a desprendeu de seu desanimo.

A passos lentos caminhou até a porta e quando abriu, lá estava ele. Todo molhado, os óculos embaçados e a respiração entrecortada saia pela boca semiaberta.   

- Raquel, precisamos conversar – ele disse antes que ela pudesse dizer qualquer coisa


Notas Finais


Será que finalmente vem ái? Não se esqueçam de deixar aquele comentário maroto que eu tanto amo ❤


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