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História Sin - A Noite


Escrita por: AmandaMill

Notas do Autor


Aupa!
Bem, eu estava muito ansiosa sobre como o capitulo anterior seria recebido e hoje só quero agradecer por todo carinho. De verdade!
Espero que gostem desse capítulo também.
Beixos e boa leitura!

Capítulo 9 - A Noite


Raquel sentia o mundo girar e só queria se deitar em sua cama. Se levantou do banco de madeira depois de alguns minutos, normalizando a respiração e a passos largos chegou até a praça onde Paula brincava. Se perguntassem, ela certamente não se lembraria de ter caminhado até chegar ali.

- Mama, eu estou no meio do pique espera só um pouquinho – ela pediu com certo desespero na voz quando viu a mãe determinada e pronta para ir embora

- Paula, cariño... mama não está muito bem, então precisamos ir agora.

- Ah, mas se você não está bem, senta um pouco enquanto eu termino de brincar. – ela pedia já voltando para a brincadeira ignorando o pedido da mãe

- Paula, – ela falou mais alto – agora!

A contra gosto a menina se despediu de seus amigos e caminhou emburrada com a mãe até o carro.

O silêncio reinava no veículo. Nem mesmo uma música tocava.

Paula com raiva por querer brincar e Raquel sem saber o que fazer ou pensar, dirigia no automático o caminho decorado até em casa.

Depois de ajudar a filha com o banho e direcioná-la até a cama, Raquel se enfiou debaixo do chuveiro por inteiro, onde as lágrimas se misturavam com a água. Era um choro silencioso, de quem acabava de perceber a quão ferrada estava.

Aquele sentimento não era só amizade, gratidão, ou curiosidade pelo desconhecido, como ela já havia suposto, e muito menos uma mera atração passageira.

Ainda conseguia ouvir a música tocar e a cintura onde a mão dele pousou formigar. Sentia a ausência do corpo dele junto ao dela a seus lábios ainda carregavam o gosto dos lábios de Sergio. Sorriu junto as lágrimas quando foi atingida pela doce sensação do beijo novamente.

Sentou na cama e tentou organizar os pensamentos.

“Ele não é pra você, Raquel. Não importa o quanto você queira beijá-lo novamente, o quanto o clima, a música e o céu digam quem sim. – e como um explosão inesperada ela se dá conta - Meu Deus, eu beijei um padre! Ele deve estar se sentindo péssimo por minha causa.”

Tentou usar toda a ciência da psicologia consigo mesma.

“Vale! Eu não posso mais negar meus sentimentos, mesmo que eu não saiba definir em palavras que sentimento é esse. É algo tão novo. Eu não quero perdê-lo. Mesmo que eu não possa viver o que eu sinto, seria horrível que ele precisasse ir embora por minha causa. Só a companhia dele surte um efeito tão positivo no meu dia... Eu preciso deixar que esse sentimento volte a ser apenas gratidão”. Ela assente como se tivesse chegado à resolução do problema.

 

“Mas ele me beijou de volta.” Volta a sorrir fechando os olhos com a lembrança “e se ele se sente da mesma forma?” sacode a cabeça negativamente “Raquel, não seja louca. Ele é padre. Padre!”

Se deitou, mas aquela seria uma longa noite. Viu as horas virarem enquanto ela trocava incansavelmente de posição, mas nada. Foi até a cozinha na esperança de que um chá fosse o segredo para conseguir dormir, mais uma vez sem sucesso.

Nem quando decidiu se separar de Alberto, a primeira noite que ela dormiu sozinha em anos, ela se sentiu tão sozinha como essa noite.

Pensou em ligar para Alicia, mas reconsiderou. Não era o melhor a se fazer. Se queria ignorar e superar o que aconteceu, passar a informação a diante só tornaria tudo mais real.

Ela deveria encarar tudo sozinha.

 

 

 

 

Chegando na casa paroquial, Sérgio fechou a porta atrás de si, ficou parado por um momento encarando o nada e soltou a respiração que não percebeu que prendia. Seu peito subia e descia em uma respiração descompassada.

O padre levou os dedos até os lábios e fechou os olhos ainda com a sensação latente dos lábios dela sobre os seus. Em seus ombros, ele ainda podia sentir a mão dela vagar, enquanto no rosto era como se a mão de Raquel ainda estivesse o tocando. No peito, a sensação dos seios dela subindo e descendo ainda queimava.

Se soubesse que aquele momento se dissolveria tão fácil como poeira teria a abraçado com mais força para que não escapasse.

Abaixou a cabeça sendo inundado por toda aquela mistura de emoções.

Caminhou até seu quarto e lá tudo que conseguiu fazer foi andar de um lado para o outro.

Ele havia fechado todas as portas e janelas. Se sentia exposto da pior maneira possível. Como ele pôde deixar isso acontecer? Um grito estava reprimido em sua garganta enquanto as lágrimas rolavam descontroladamente por seu rosto e a respiração era acelerada.

Relembrou como se sentiu ao tê-la em seus braços e pôde ouvir o suspiro de contentamento que Raquel deixou escapar durante o beijo.

Ainda chorando, parou de caminhar quando sentiu que não tinha mais forças e sua visão estava embaçada demais.

Caiu de joelhos no meio do quarto e sem se importar com mais nada liberou o grito preso no fundo de sua alma.

O que mais lhe doía era que tudo o que ele verdadeiramente queria era se perder nela novamente. De novo e de novo.

Com os joelhos dobrados, abriu os braços sob o chão e chamou desesperadamente por Deus

- Eu pecador me penitencio. Eu pecador peço perdão a Deus todo poderoso, a virgem santíssima sempre, a todos os santos. Peço perdão por todos os meus pecados – as mãos dele se fecham com tanta força apertando a palma que certamente teria dor nós dos dedos - Por minha culpa, minha máxima culpa.

E como um mantra, ele não parava de repetir essa sequência de palavras.

O padre sentia como se um trator o tivesse atropelado. Quando seu corpo estava exaurido e as palavras já saiam desconexas, ele voltou a erguer o corpo, ainda de joelhos, e olhou para cima.

- Meu Deus, – ele não sabia como continuar ou o que dizer – eu quero honrar o voto que fiz. Eu não me esqueci da minha promessa. Eu errei ao ignorar esse sentimento ao subestimá-lo, quando na verdade deveria tê-lo encarado e o superado. Me perdoe, – respirou fundo e disse com toda a sua força – me perdoe por amar Raquel. - sorriu ao declarar seu amor em voz alta pela primeira vez.

- Me perdoe por tê-la desejado como mulher, me perdoe por ter sido feliz naquele curto momento em que ela foi minha. Me ajude a não amá-la. Não dessa forma. Tenha misericórdia da minha alma. Peço também, que ajude Raquel. Ela já sofreu demais. Não acho que o sentimento seja reciproco, - ele não se achava digno do amor dela. “olha para ela” ele pensava “olha para mim”. Achava também que ela apenas estivesse confusa sobre seus próprios sentimentos e que na verdade era apenas gratidão - mas ela merece alguém que possa amá-la. Ela merece se sentir amada.

Após desabafar com Deus, conseguiu se acalmar um pouco e ouvindo algumas batidas na porta tentou se recompor para atender. Achou os óculos jogados em algum lugar do quarto e finalmente foi até a porta, viu que era Carlota dizendo que já havia feito a contagem das doações.

Lhe entregou a urna, o envelope com as doações e um caderninho com todas as anotações. Percebendo que o padre não se encontrava bem, a mulher perguntou se ele precisava de algo, mas ele disse que estava bem e que ela não deveria se preocupar.

Ao ficar sozinho novamente se sentou na cadeira da pequena cozinha suspirando alto e passando as mãos pelos cabelos.

Depois de falar tão sinceramente e confessar com palavras seu amor por Raquel, se sentia menos pesado, mas ainda precisava ouvir uma voz amiga. Pegou seu celular e ligou para sua única família.

- Andres?

Em menos de vinte quatro horas Andrés pousou em Madri e logo estava com seu irmão na casa paroquial.

- Hermanito, vim o mais rápido que pude! Sua voz me preocupou demais – essa foi uma das poucas vezes que Andrés falou sério. Acreditou que o irmão não estivesse bem, dado o histórico de alguém que foi uma criança doente. – Que passou?

Entrou na casa paroquial encontrando um Sergio abatido e que certamente não havia dormido. O padre apenas tinha tomado um banho na tentativa frustrada de aliviar um pouco o peso em si.

Se levantou do pequeno sofá na sala de entrada e abraçou forte o irmão. Não queria preocupá-lo mais, então uniu o que lhe restava de forças para não chorar.

- Sente-se – os dois se acomodaram no sofá e Sergio respirou fundo pensando por onde começar enquanto Andrés morria de ansiedade – quer um copo d´água?

- Que inferno, Sergio! Fala logo!

- Vale... por onde eu começo...?

- Que tal do começo? – fez um gesto com as mãos para que o irmão desenvolvesse.

- Lembra a última vez que você esteve aqui e encontramos... – ele limpa a garganta – uma mulher na feira?

- Sim, sim e vocês tiveram um momento pegando as frutas no chão. – ele sorri zombeteiro com a lembrança – Não me diga que ela... – ele leva a mão a boca em choque – Não me diga que ela morreu?!

- Não, Andrés! Misericórdia. – Sérgio faz o sinal da cruz.

- Ufa! O que foi então?

- Bem, ela teve problemas no casamento e me procurou para conversar e...

- As vantagens de ser padre, não? Você fica sabendo dos segredos de todo mundo. – ele interrompe Sérgio.

- Ai, Andres acho que ter te chamado aqui não foi um boa ideia, afinal.

- Ei ei. Perdona. Você está claramente mal. – ele leva os dedos indicadores a em forma de x até a boca como em juramento – Vou me comportar!

Sérgio o encara sério, respira fundo e continua.

- Bem, ela me procurou para conversar e como eu era novo na paroquia, acabamos e nos aproximando... – Andrés agora realmente ouvia tudo com atenção, mas sem entender onde seu irmão queria chegar.

– Eu sempre achei que o que ela sentia era gratidão por eu ter ajudado durante um período difícil, e bem, eu também me senti grato porque ela não me olhava me comparando com o padre Jacobina ou apenas curiosa sobre o novo padre. Mas então...

Ele pausa voltando ao momento que acabara de se recordar, seus olhos se desviam dos de Andres focando no vazio

- Nós... ela pediu pra que eu tocasse uma música no piano da igreja e quando a música acabou ela me olhou como nunca me olhou. Andres, naquela hora eu juro, não sabia quem eu era. Eu me esqueci meu nome... – ele sente os olhos embaçarem pelas lágrimas e continua.

- Nós ficamos muito próximos e se eu não tivesse esbarrado nas teclas nós teríamos...

- Se beijado. – Andrés completou ainda sério para surpresa de Sergio.

- Isso.

Andrés sabia que era um assunto sério e estava prestes a consolar o irmão dizendo que ele não deveria se torturar tanto já que eles não haviam realmente se beijado, mas Sergio dá prosseguimento.

- Eu fiquei com tanto medo de que se uma situação dessa acontecesse de novo eu não resistiria e pedi tanto a Deus que ela se afastasse. Ontem nós tivemos uma quermesse e ela veio e não nos falamos a noite inteira. Eu sentia que algo sempre me fazia ir em direção a ela, mas alguma coisa sempre acontecia e não conseguíamos nos aproximar. - Andres acenou com a cabeça.

- Até que eu a vi passar tão distraída para o jardim direito e fui ver se estava tudo bem. As coisas com ela parecem sempre tão naturais e leves...

- Hemanito, hermanito... – Andres sentiu o tom de voz de Sérgio mudar e sabia que aquela forma de falar era reservada aos homens apaixonados.

- Ela me convidou para dançar e tudo pareceu parar enquanto ela estava tão perto de mim, – uma lágrima caiu pela falta de espaço nos olhos carregados do padre – eu não sei que tipo de poder ela exerce sobre em mim, mas nos beijamos.

Andrés voltou a levar a mão cobrindo a boca e arregalando os olhos em completo choque.

- Ave Maria Puríssima – sussurrou perplexo e Sergio apenas continuou.

- Por um tempo nossos lábios só se encostaram e eu poderia ter caído em mim e parado, mas não. – ele sacudiu a cabeça sentindo todo o desespero da noite anterior invadi-lo novamente e voltou a falar.

– Eu a puxei para mim de novo e eu não queria que aquele momento acabasse nunca. Eu só percebi o que acontecia quando me chamaram para o leilão.

Andrés ficou em silêncio por um tempo – que para Sergio parecia uma eternidade

- Meu irmãozinho perdeu o BV!

- Perdi o que?

- BV. Boca virgem, Sergio!

- Andrés, pelo amor de Deus.

- Sérgio, você é um ser humano. Ok, é um padre, mas antes disso, ser humano. E somos passivos de erros. Não que se apaixonar seja um erro. – Andrés ofereceu um sorriso cheio de compaixão - Amor é o mais nobre dos sentimentos como você sabe. Está na nossa essência a paixão, o desejo. – ele diz com toda a sinceridade enquanto articula com as mãos.

Sergio balança a cabeça negativamente se recusando a usar aquelas palavras como desculpas pelos próprios erros.

- Não! Não, Andres. Eu fiz um voto. Eu sabia da vida que escolhi quando fiz a promessa.

- Você era uma criança, Sergio. Todos têm direito de mudar de ideia, especialmente quando se é uma criança, doente, fazendo uma promessa tão permanente como essa!

- Não! – ele parecia irredutível e Andrés sabia que não adiantaria argumentar.  

- Vale! E o que você pretende fazer?

- Acabar com esse sentimento. – ele diz determinado enxugando o resto das lágrimas – Primeiro preciso me confessar com o bispo.

- Meu Deus, mas precisa ir ao vaticano por um beijinho?

- O bispo fica na igreja Central de Madri, Andres.

- Ahm... certo. Quer que eu vá com você?

- Por favor. Já liguei para a comissão de padres e enviarão o Padre Adriano Ventura para liderar as missas de hoje a manhã, assim me recupero de... tudo

Enquanto Sérgio tinha esse momento com o irmão, Raquel que também não havia passado muito bem a noite, apenas cochilando entre um sonho agitado e outro acorda naquele sábado com Paula se aconchegando em baixo de suas cobertas

- Ei, Corazón.

- Ei – a menina diz se aninhando a mãe e as duas se olharam com cumplicidade.

- A mamãe te tirou da sua brincadeira ontem, né filha?

- Tudo bem, mama. Você disse que não estava muito bem. Se sente melhor?

Raquel sentiu seu amor trasbordar por aquele ser humaninho. Ela afirma com a cabeça se sentindo emocionada pelo cuidado da filha. Estava tão vulnerável...   

- Desculpa ter feito pirraça.

- Tudo bem, meu amor. Você queria brincar e passou a semana animada pra isso.

- Nós podemos ir à igreja outro dia aí eu volto a brincar com meus amigos.

Raquel não sabia o que dizer. A mera possibilidade de encarar Sérgio lhe causava frio na barriga e ela apenas sorriu para a filha.

As duas fazem algumas atividades em casa durante o dia, como cuidar do jardim. Algo que Raquel sempre gostou e que a ajuda a se acalmar. Como um raio que corta o céu rapidamente, a lembrança dela e de Sergio se encontrando na floricultura Loreak lhe veio à mente e ela deixou que passasse.

As duas concordaram em comer lasanha no almoço, então cozinharam juntas.

À tarde, tentaram ver um filme, mas pela noite mal dormida, Raquel acabou dormindo durante a sessão de Cinderela, o que pareceu não aborrecer Paula com a “ausência da mãe”, cuidando para que o volume da tv não a acordasse.

Quando enfim anoiteceu, elas jantaram e ao colocar a menina na cama Paula pergunta.

- Mama, amanhã é domingo. Nós vamos a igreja?

Raquel ponderou um pouco, sabia que precisava saber como Sérgio estava, precisava sentir que aquele assunto estava resolvido e devia a filha mais um momento de brincadeiras com seus amigos.

- Você quer ir?

A menina assentiu já cheia de sono.

-Vale. Então amanhã nós vamos.

Raquel ajeitou o cobertor da filha, deixou um beijo em sua testa e após desejar boa noite caminhou em direção a sua cama.

A noite havia sido menos agitada que a anterior. Agora com os pensamentos começando a se ajeitarem, ela só precisava lidar com a lembrança presente daquele beijo sempre que fechava os olhos.

Ao passo que Raquel passou o sábado em casa lidando com tudo em clima tranquilo, Sergio precisou ir até a Arquidiocese - sede da igreja católica em Madri - se confessar com o bispo. – cargo a cima do seu.

Chegou acompanhado do irmão que preferiu o esperar do lado de fora da igreja.

Sergio estava nervoso. Ansioso e um frio na espinha o atravessou. Ele temia que por se confessar com um bispo conhecido pudesse ser excomungado.  Ele poderia escolher se queria a tela do confessionário os dividindo ou cara a cara. Escolheu cara a cara. Achava que merecia e precisava se sentir exposto até como uma forma de libertação completa.

Respirou fundo na porta da igreja ciente de que aquela era a decisão correta.  Se confessar, assim o pecado seria perdoado e esquecido, e ele poderia seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Caminhou a passos firmes até o confessionário e deu graças a Deus quando viu que não se tratava de um bispo conhecido.

- Sua benção, bispo.

- Deus te abençoe, filho. O que o traz aqui? – Sérgio faz o sinal da cruz e começa sua confissão.

- Bispo, peço perdão porque pequei desde a minha última confissão. Pequei ao não perceber a natureza de meus sentimentos por uma mulher. Mas eu não quero esse sentimento. – Ele sentiu uma pontada em todo seu interior ao se ouvir dizer tais palavras - Quero manter minha promessa e meu voto. E não vou me deixar levar novamente pelo coração que, como a bíblia diz, é enganoso.

- E o que seu coração enganoso sente por essa mulher?

- Ternura, cuidado. Amor. – certamente o coração de Sergio não estava enganado.

- E o que você quis dizer com “não se deixar novamente”?

- Eu a beijei.

O bipo ficou em silêncio

- Bispo? – nada – Bispo?

- Sim. – ele respondeu após limpar a garganta. – Você fez isso contra a vontade dela?

- Não! Eu nunca faria nada contra ela. – Ele se apressou em responder.

Sérgio não tinha considerado a possibilidade de ela ter desejado aquele momento tanto quanto ele e até aquele instante achava impossível que isso acontecesse.

- Então é um sentimento multo. – Foi impossível não se lembrar dela reagindo ao beijo, de como ela o abraça e o tocava. O corpo de Sérgio se arrepiou com a memória - Como sabe que não vai se repetir?

- Porque eu não vou deixar. Eu reconheço meu pecado e quero recomeçar. Livre do que passou. - O padre conseguiu convencer a si mesmo tamanha convicção em sua voz e ele não estava mentindo. Realmente desejava vencer o sentimento por Raquel e ser o padre que prometeu ser.

- Filho, é normal nós criarmos vínculos e termos mais afeiçoes e afinidades com determinadas pessoas mais que com outras. – O bispo falava calmamente e Sérgio não se sentia mais julgado.

Esse era o momento durante a confissão onde se é aconselhado e tudo que Sérgio fazia era ouvir e absorver cada palavra.

- É normal nos sentirmos atraídos pelo o que está a nossa volta e Deus nos deixou o livre-arbítrio. Se a sua escolha essa é, continuar com a vocação de padre, então esvazie a mente e separe os sentimentos. Peça a Deus força porque a natureza humana é de conquistar coisas e até pessoas. Peça para que você não tenha a vaidade de querer conquista-la.

Ao ouvir aquelas palavras, era como se Sérgio estivesse se esvaziando de Raquel e a vendo sair de tudo em que antes ela havia se apossado. De seus pensamentos, de suas lembranças. De seu corpo. Ele quis chorar, mas continuou ouvindo atentamente.

- Você precisa aprender a lidar com seus sentimentos, para que, se voltarem a se encontrar você a trate da mesma forma de sempre, não projetando nela a sua falha. Você é padre e deve saber ouvir, aconselhar e sobre tudo amar a todos.

Padre Sergio assentiu e acatou aqueles conselhos que de repente pareceu tão fácil. Ele se sentiu cheio de esperanças de que tudo voltaria ao normal e de que voltaria ver Raquel como via a todos na paróquia e que o amor Eros que havia despertado nele voltaria a ser um amor Ágape.

- Amém! – Sergio diz.

O bispo dá continuidade com o ato da contrição onde ele diz algumas palavras e Sergio repete.

- Meu Deus, eu me arrependo de todo coração dos meus pecados, porque pecando vos ofendi, a Vós que devo amar sobre todas as coisas. Com vossa ajuda, prometo ser penitente, esforçar-me para não pecar e evitar as tentações. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nós, meu Deus, tende piedade.

Depois que Sérgio repetiu as palavras o bispo continuou dizendo qual seria penitencia.

- Reze seis Ave Maria pela manhã, cinco pais nossos a tarde e o terço da libertação a noite. A absolvição é a remoção dos pecados ao passo que a penitencia é a expressão de arrependimento do fiel, que deve mostrar a Deus que sente muito pelo que fez e que deseja muito ser perdoado. Vá em paz e que o senhor lhe acompanhe.

- Amém. – Sergio fez o sinal da cruz, agradeceu e se levantou.

Aproveitou que já estava na igreja, se ajoelhou em uma as fileiras de bancos ao fundo e começou a rezar, dando início a penitência indicada pelo bispo.

Saiu da igreja se sentindo mais leve e pronto para recomeçar. Sabia que ainda precisava de um tempo para separar os sentimentos dentro de si. Passou o dia com o irmão. Almoçaram juntos visitaram bibliotecas e pontos turísticos de Madri e o padre e resolveu não arriscar encontrar Raquel.

Não ainda.

Então decidiu pedir para que o padre Adriano também cuidasse das missas de domingo. Ele realmente precisava de um tempo e dessa vez ele pretendia respeitar seus limites e ouvir a voz da razão.  

 

Raquel acordou com o despertador do celular e logo já sentiu um frio na barriga ao lembrar o motivo pelo qual levantou cedo no domingo.

Finalmente iria encarar Sérgio depois de tudo. Ela só esperava que ele não a evitasse e a desculpasse. Tinha esperanças de que tudo isso seria superado e eles poderiam voltar a manter uma boa amizade.

Só não queria que ele fora de sua vida.

Ela e Paula chegaram à igreja e logo a menina se enturmou com seus amigos na parte da frente do templo.

A mão de Raquel suava frio pela ansiedade. A missa não havia começado e na verdade faltavam uns bons minutos para o início. Ela viu a movimentação dos coroinhas, mas nada do padre Sérgio.

Frida se sentou ao lado dela perguntando sobre o que havia acontecido na noite de sexta já que Raquel foi embora de repente. Ela disse que havia trabalhado o dia todo e ficou com dor de cabeça por isso foi embora.

Quando a missa começou, Raquel não poderia estar mais confusa.

“Mas que...Onde ele está?”

Um padre diferente subiu ao altar e assumiu a frente da celebração. Raquel passou todo o período apática com mil e um pensamentos

“Meu Deus, ele foi embora”, “será que eu fiz um padre perder a batina?”

Frida tinha o mesmo olhar confuso quando viu um homem desconhecido ali na frente, então nem adiantaria perguntar.

Depois que a missa acabou, como prometido, Raquel deixou que Paula brincasse um pouco e ficou sentada onde já estava. De lá observou toda a movimentação do padre que durante a missa se apresentou como padre Adriano e foi cercado pelas senhorinhas da paróquia que usavam de sua avançada idade para perguntarem tudo que precisavam sem cerimônias.

Ouviu o homem responder que o padre Sergio havia ido resolver algumas questões da paroquia, mas logo estaria de volta. Ela agradeceu internamente por ele não ter ido embora definitivamente.

Enquanto deixava que a menina se divertisse mais um pouco pensou que aquela era uma oportunidade de deixar as coisas como estavam. Claro que ela queria saber como ele estava, mas obviamente ele precisava de um tempo e provavelmente seria bom para ele não ter que olhar para ela agora. Ela com certeza remeteria a ele um terrível erro. 

 

 

Os dias seguintes foram de muito trabalho. Raquel se afundou em todos os casos possíveis, dos mais simples aos mais complexos para tentar não pensar em Sérgio e esquecer todo sentimento por ele.

Seus horários eram todos preenchidos por vários compromissos. Casa, filha, e principalmente trabalho.

Durante o dia essa tática funcionava bem. As vezes era surpreendida por seus pensamentos que a levavam direto até ele. Fosse por uma palavra que lembrava a ele, um gesto, ou pura e simplesmente a saudade e vontade estar com ele novamente.

Mas a noite ela não tinha como fugir à lembrança dele. Lutava contra a imagem do sorriso, dos olhos, do contorno dos ombros que insistiam em surgir quando ela menos esperava ou quando tinha um minuto para respirar.

Insistia na ideia de não contar o ocorrido para ninguém, nem mesmo para Alicia. As duas não voltaram a se encontrar, em parte porque sabia que a amiga falaria sobre o assunto que ela mais queria evitar e que se Alicia insistisse no assunto ela poderia acabar falando. Talvez um dia ela contasse, mas não agora.

Mesmo não tendo se visto, as duas estavam cada vez mais próximas sempre trocando mensagens, o que ajudava Raquel a desanuviar um pouco. 

Duas semanas se passaram, Sergio cumpriu sua penitencia rigorosamente. Voltou a rotina normal sempre afastando qualquer memória que surgisse de Raquel. Os primeiros dias foram mais difíceis e chorar durante a penitencia era impossível. Era sempre o rosto dela que ele via o fechar os olhos. Como o bispo ensinou, ele tentava não deixar de gostar dela, apenas amá-la como a amava a todos os fieis

Mas conforme o tempo ia passando ele ia se sentido mais forte para vencer aquele sentimento. Agradecia a deus por ela não estar indo à igreja – mesmo que isso fosse politicamente errado – ele precisava daquele tempo. Seus olhos passaram a não pairar com frequência pelo lugar de costume de Raquel e isso contribuía para que ele acreditasse que a cada superava mais e mais aquele amor. Mais alguns dias e ela sentada ali era apenas uma lembrança.

Ele estava quase certo de que se a visse novamente, poderia vê-la apenas como mais uma mulher.

Ao passo que Raquel já não aguentava mais não saber como ele estava. Precisava de notícias. Se aquele beijo teve um impacto tão forte nela, como ele teria reagido e lidado com tudo?

Ela precisava ouvir dele, que sempre entendeu o próximo, que sempre a aconselhava com tanto cuidado que tudo ficaria bem.


Notas Finais


Já sabe, né?! Deixe aquele comentário maroto que sempre me anima e inspira.


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