É estranho retornar para a realidade depois de alguns dias vivendo em uma utopia inalcançável.
Se algum dia alguém me dissesse que eu encontraria o mínimo de conforto em me vender para um homem desconhecido, que iria me sentir nas nuvens ao me debruçar em sua cama macia e me envolver em seus lençóis de seda, certamente diria que essa pessoa está sendo insensata e ridícula. Em minha mente, seria impossível me acostumar com pequenas regalias em meio a uma enxurrada de decisões, atitudes e situações tão erradas.
Mas mais ridículo do que isso é a tentativa de me enroscar ainda mais em minhas cobertas quando escuto algumas batidas vinda da porta. Pela tonalidade do som, certamente não é Rivaille – a não ser que ele esteja em um atípico dia de bom humor. Então... quem poderia ser? Até cogito a possibilidade de voltar a dormir, mas e se realmente for ele vindo buscar sua parcela do dinheiro? Há três dias que não apareço nas ruas e mesmo assim ainda tenho uma boa quantia a lhe oferecer. É bem óbvio que ele vai achar estranho, mesmo que eu tente inventar alguma desculpa esfarrapada para justificar tal fato. Então, para evitar mais problemas, decido que o melhor a se fazer é esclarecer tudo de uma vez, antes que ele acabe descobrindo por conta própria e da pior forma possível.
Mesmo a contragosto, me levanto e arrasto meus passos até a porta. No curto caminho, confiro as horas no velho relógio de parede e noto que não consegui dormir nem mesmo uma hora desde que cheguei. Um suspiro irritadiço deixa meus lábios, conforme a vontade de xingar quem quer que seja a pessoa que está do outro lado cresce de maneira considerável.
Só que, ao abrir a porta, todo o meu sono e irritação parecem evaporar assim que a surpresa me atinge. Meus olhos se arregalam de imediato.
— O que você está fazendo aqui? — sem lhe dar chances de respostas, agarro seu braço e o puxo bruscamente para dentro, antes que alguém indesejado apareça.
Fecho a porta em seguida, reparando no olhar confuso que recai sobre mim. Marco parece ignorar completamente o tom nada satisfeito que uso para lhe abordar, pois logo um sorriso surge em seus lábios e ele se aproxima para bagunçar ainda mais meus cabelos. Faz tanto tempo que não o vejo que até tinha esquecido da sensação boa que ele me traz.
— Vim ver como você está, Armin. Tento te ligar, mas você não me atende. Sequer responde minhas mensagens. — um fio de mágoa sobrecarrega sua voz — Fiquei preocupado...
Sinto os ombros pesarem no mesmo instante, a culpa me atingindo como um tiro de pistola em meu peito.
— Me desculpe... — murmuro, abaixando o olhar — Não ando com muito tempo ultimamente.
É apenas mais uma das minhas mentiras que surgem através do meu próprio instinto de escapismo e Marco sabe disso, portanto está bem claro que ele não acredita cegamente.
Apesar de gostar muito dele, acharia melhor que mantivéssemos a distância e sem nenhum tipo de contato. Marco é filho do marido da minha tia, a mulher que me criou dos sete aos quinze anos. Do meu passado tão conturbado, ele é a minha única lembrança boa e válida, por isso nunca quis envolvê-lo no meu mundo problemático, muito menos deixá-lo preocupado. No entanto, vejo que tentar mantê-lo afastado não passa de uma perca de tempo, visto que ele sempre arruma alguma maneira de se aproximar e tentar me convencer a voltar para casa.
Passo por ele, sentindo o estômago pesar, e me sento no tapete, dobrando os joelhos.
Apesar do clima estranho que nos envolve, ele não parece nem um pouco intimidado com a frieza como o trato. Marco sabe que tudo não passa de mais uma das minhas falhas tentativas de tentar mantê-lo distante. Sendo assim, ele apenas dá de ombros e se senta em minha frente, me lançando um olhar tão analítico que me deixa desconfortável.
— Por que insiste em continuar com isso, Armin? — indaga, inconformado. Apenas reviro os olhos, exausto demais para rebater suas perguntas — Olha, eu sei que as coisas lá em casa nunca foram fáceis, mas não acho que viver aqui seja melhor.
— Não vou voltar para um lugar onde não sou bem aceito, Marco. Já te falei isso milhões de vezes. — resmungo, desviando o olhar e fitando o teto, conforme abraço meus próprios joelho.
Marco deixa um suspiro quase inaudível escapar. Ele, melhor do que ninguém, sabe que precisa ser calmo e cauteloso quando toca nesse assunto. Dependendo da forma como falar ou se acabar me pressionando, sabe que irei sumir sem deixar rastros mais uma vez. Porém, embora saiba disso, está estampado em sua cara que ele não concorda com absolutamente nada do que faço. Tenho certeza que, na sua cabeça, ele está recitando que sou apenas um garoto e que não é justo, muito menos certo, que continue vivendo desse jeito.
Só de imaginar seus pensamentos, acabo revirando os olhos outra vez e o gesto não passa despercebido, então ele continua.
— Você poderia voltar pelo menos para terminar os estudos... Depois, eu daria um jeito. – ele apoia as mãos na mesinha que nos separa, gesticulando de um modo que dá para perceber que está tentando afastar o nervosismo — Eu arrumei um emprego num restaurante. Por enquanto, não estou ganhando muito, mas acho que depois as coisas devem melhorar. Vai ser o suficiente para nós dois...
Apesar de me sentir cansado com esse tipo de diálogo, a verdade é que sinto aquele leve quentinho no peito quando Marco fala desse jeito. E é justamente por isso que não posso me tornar um fardo para ele.
Sem que perceba, um sorriso singelo toma conta de meus lábios quando o encaro outra vez.
— Eu já disse que não precisa se preocupar comigo. Estou bem aqui... de verdade.
— Bem?! Armin, você passa a madrugada nas ruas e sai com caras que você não faz a menor ideia do que podem fazer com você. Me desculpa, mas isso não me convence de que você está bem. — ele não faz questão de conter sua indignação.
Entretanto, apesar de estar totalmente transtornado, Marco não precisa de muito mais do que um olhar pesaroso para que eu saiba que, acima de tudo, ele se sente culpado por tudo isso. Ele já me disse diversas vezes que poderia ter feito mais, assim eu não teria escolhido fugir de casa. E também, por várias vezes eu já lhe disse que ele não seria capaz de mudar nada em minhas decisões.
Ele não consegue entender absolutamente nada. Sequer compreende o motivo que me faz aceitar esse tipo de vida. Se bem que... não existe um motivo de fato. E mesmo que existisse, ele não entenderia de qualquer jeito. Sendo assim, apenas permaneço indiferente diante de si.
— Não se preocupe e nem se sinta culpado, seu cabeça de vento. — murmuro, já sabendo o que passa em sua cabeça — Tudo não passa de uma escolha minha. Eu escolhi sair de casa, eu escolhi simplesmente não enfrentar nada daquilo.
— Mas, Armin...
— Eu sei que poderia voltar, pelo menos até conseguir me manter sozinho e sem problema algum, mas você também sabe que é insuportável viver com aqueles dois... — o interrompo, antes que ele volte a recitar seu monólogo cheio de moralismo — Sozinho, eu consigo me virar bem. Eu tenho minha liberdade, Marco. Eu não dou trabalho a ninguém e não preciso depender de ninguém.
— É, mas o preço que você paga por essa liberdade é alto demais. — seu tom permanece firme, bem como seu olhar analítico que continua intacto. Acabo desviando o olhar novamente, me sentindo ainda mais desconfortável — Não vai ter jeito mesmo, não é?
Ele apenas suspira, assim que maneio a cabeça em negação. Não importa o que ele fale, não vai conseguir me arrastar para aquela casa de novo. Nunca.
Marco sabe que consigo ser a pessoa mais teimosa do mundo quando coloco algo na cabeça, então só lhe resta a opção de desistir por hora. Sorrateiramente, ele se aproxima e sinto quando afaga meus cabelos carinhosamente.
— Então... — ele volta a falar. O encaro no mesmo instante, abrindo a boca para contrariar sem pensar duas vezes, mas ele não me dá tempo — Só me diga que vai me manter informado sobre o que acontece contigo. E que vai atender minhas ligações e responder minhas mensagens.
Mas é claro que ele também não é a pessoa mais fácil de lidar do mundo. Então, acabo rindo ante sua insistência.
— Claro, mas só se você não ficar me enchendo o saco com esse mesmo assunto todos os dias.
— Eu vou tentar. — responde, fazendo uma careta meio engraçada.
Se aproveitando do clima que parece ter ficado um pouco mais leve, Marco se afasta minimamente e leva uma das mãos ao bolso, de onde tira uma quantia de dinheiro indefinida. Ele sorri com ternura e ergue as notas, enquanto examina minha expressão que mescla confusão e incredulidade.
— Não é muito, mas acho dá pra você ficar pelo menos uma das noites sem... — ele não consegue continuar, desconsertado e sem saber o que falar para concluir a frase.
Acabo rindo ao notar isso. Ele age como se eu estivesse matando ou roubando como se não houvesse amanhã. Mesmo assim, apenas maneio a cabeça em negação.
— Não precisa... — me calo assim que me recordo de algo. Levanto rapidamente e vou até o velho armário, procurando pela caixa que guardo aos fundos das minhas poucas roupas, onde escondo todas as minhas economias. Pego algumas notas e volto a parar em sua frente, estendendo-as para ele — Na verdade, eu é que quero que você leve um pouco de dinheiro.
Marco pisca algumas vezes, um tanto desacreditado. Mas logo nega.
— Onde você conseguiu isso tudo? Foi em uma única noite? — me limito apenas a assentir ante suas perguntas, o que o deixa ainda mais incrédulo — Como você...? Não me diga que você está fazendo algo errado, Armin. Quer dizer, mais errado... Não está, sei lá, vendendo drogas, não é?
Acabo rindo baixo, admitindo para mim mesmo o quanto esse tipo de comportamento é típico dele. Até me surpreenderia se ele reagisse de outra forma. Entretanto, logo a seriedade volta a emoldurar meu rosto.
— Tem um cara aí... É mais um daqueles riquinhos mimados que não tem a menor noção de quanto vale o próprio dinheiro, então ele me paga bem mais do que o necessário. — dou de ombros em seguida, sem de fato querer passar mais detalhes sobre o tal cliente. Porém, é só notar a expressão que surge no rosto de Marco que minha vontade de revirar os olhos retorna. Ele é tão expressivo que não consegue disfarçar o que pensa, e isso me irrita um pouco — Olha, não me venha com aquele papo de novo. Acredite em mim pelo menos uma vez, droga. Além do mais, não é tão ruim quanto parece e eu já estou acostumado.
Marco chega a abrir a boca para retrucar, mas sua fala se perde antes mesmo de ser vocalizada. Ao invés disso, ele apenas sorri e recusa outra vez o dinheiro que lhe ofereci.
— Fique com isso, Armin. Tenho certeza que vai servir muito mais pra você do que pra mim. — ele bagunça meus cabelos mais uma vez e acabo resmungando, mas não insisto mais — Quando eu sair de casa, você vai morar comigo, então não vai precisar de mais nada disso.
Ele afirma, já totalmente certo de que irei aceitar uma loucura dessas. Que engraçado, até parece que não me conhece.
— Bom, agora eu preciso ir. — ele se espreguiça, antes de levantar — Tenho que chegar cedo ao trabalho.
O acompanho e vejo que ele observa o local e sorri, provavelmente por achar tudo bem organizado, apesar de simples. Ao abrir a porta, ele se despede com um abraço carinhoso, o qual correspondo sem pensar duas vezes.
— Não hesite em me ligar se precisar de alguma coisa. Qualquer coisa. — ele sussurra ao pé da minha orelha. Instintivamente, acabo apertando um pouco mais os braços em volta de seus ombros.
Querendo ou não, não posso negar que ele me passa um pouco de segurança. E mesmo que tenha feito de tudo para dispensá-lo e mantê-lo longe, a verdade é que, de maneira muito irônica, não quero que ele vá agora. Marco me passa o conforto de um familiar que nunca recebi – embora sequer seja um parente de fato. Contudo, sei que não posso deixar minhas fraquezas em evidência. Seria um problema gigantesco me tornar vulnerável agora.
Quando nos afastamos, ele bagunça meus cabelos pela última vez e me esboça um enorme sorriso que salta suas bochechas sardentas de forma adorável.
— Até logo.
Por um ínfimo instante, enquanto o vejo seguir em direção às escadas, penso em aceitar sua proposta. Talvez voltar para casa não seja tão terrível assim, mas perco completamente a coragem quando o vejo sumir do meu campo de visão. Já reconstruí toda a minha vida e jogar tudo pelos ares em troca de alguns momentos de segurança e conforto que apenas Marco pode me proporcionar não faz o menor sentido agora.
Um sorriso involuntário me surge nos lábios e balanço a cabeça para me desprender desses pensamentos. Como já me disse inúmeras vezes, sequer faz sentido pensar nisso. É apenas loucura.
Me apronto para fechar a porta e fingir que nada disso aconteceu, quando Rivaille aparece com uma assombração pelos degraus. Ele sustenta um sorriso cheio de malícia ao perceber de qual apartamento o garoto alto, moreno e sardento acabou de sair.
É claro que reviro os olhos e penso em xingá-lo até a décima quinta geração, mas tudo o que faço é abrir um pouco mais de espaço e deixar que ele adentre o local, enquanto o acompanho logo atrás.
Como de costume, pego o dinheiro que já havia separado para ele e o entrego, não querendo prolongar mais sua estadia em minha casa. Porém, é quando me lembro que preciso contar a ele sobre Eren, assim evitaria mais problemas.
— Não sabia que você tava trazendo esses caras para o seu apartamento. — ele murmura, sugestivo, mas não tira os olhos do dinheiro que insiste em contar nota por nota. Então, caminha até porta e se recosta no batente — Se estiver fazendo programa na minha propriedade, já sabe que vai ter que pagar uma taxa.
Tento não resmungar ao ouvir isso. Esse filho da mãe sempre arruma algum meio de conseguir lucrar ainda mais em cima de mim. Mas, mesmo assim, acho que o melhor a se fazer é ignorar e deixar que ele pense que Marco é apenas mais um cliente.
— Aliás, como conseguiu tanto dinheiro? — ele volta a se pronunciar, enfim guardando o dinheiro no bolso e cruzando os braços — Os outros moleques me disseram que você não anda aparecendo lá no ponto. E esse sujeito que acabou de sair daqui não me parece ter tanta grana assim.
— E não foi ele. Estou saindo com um cara há uns três dias e ele me pediu para que fosse sempre assim a partir de hoje. — explico com calma, omitindo algumas partes e mentindo a respeito do tempo em que me encontro com Eren. São detalhes que ele realmente não precisa saber.
Rivaille me lança um olhar desconfiado.
— Tá me dizendo que esse cara quer exclusividade?
Embora odeie esses termos superficiais e pejorativos, acabo apenas assentindo diante de sua pergunta. Surpreso com a resposta, ele deixa escapar uma risadinha debochada.
— Ele quer você só para ele? — ele indaga, como se não acreditasse.
— Ele vai me pagar um pouco mais, então é bem óbvio que você também vai lucrar com isso. — dou de ombros, ignorando a ênfase totalmente desdenhosa que ele deu anteriormente.
— Deve ser um cara bem rico... — ele profere como um devaneio. Quase consigo ver a saliva escorrendo pelo canto de sua boca.
Mais uma vez, escolho mentir sem hesitar.
— Que nada... Deve ser só mais um daqueles caras que acham que podem acabar com a carência jogando dinheiro fora. Quando ficar sem grana, você também sabe que ele vai me dar um pé na bunda.
Rivaille concorda, mesmo que continue claramente desconfiado.
Tanto ele, quanto eu, já vimos isso acontecer várias vezes com outros garotos, mas nunca comigo. Eu sempre estou indiferente, praticamente me escondendo. Ele sabe que não sou dos mais populares, portanto deve ser difícil engolir a sentença de que algum cara rico se interessou justamente por mim. Sobretudo porque ele também sabe que sou do tipo que não permanece com o mesmo cara por mais de duas noites, pois sempre acabo sendo descartado nesse meio tempo. Afinal, não sou dos mais entusiasmados no serviço. Ou pelo menos não era...
É por isso que está bem claro que ele percebe que algo não faz sentido em minha fala, o que me deixa nervoso. Minhas mãos tremem levemente, mas mantenho a postura inabalável.
— E aquele cara que saiu daqui? — pergunta, ressaltando sua desconfiança.
— Estava me livrando dele. — dou de ombros.
Rivaille ri daquele jeito insuportável outra vez.
— Não precisa dispensar ninguém, pirralho. Não tem como o tal cara rico saber que você tá ficando com outras pessoas... Mas faça como quiser. — e então, ele também dá de ombros. Para minha surpresa, ele demonstra estar aceitando tudo que acabei de impor, o que não me deixa mais aliviado. Sei que ele está apenas fingindo — Só não se esqueça da minha grana.
Ao finalizar com um lembrete que mais parece uma ameaça, ele pisa para fora do apartamento e fecha a porta.
Enfim sinto o alívio inundar meu corpo quando me vejo sozinho novamente. Apesar dos pesares, não foi tão difícil omitir alguns fatos de Rivaille. E embora ele tenha ficado com uma pulga atrás da orelha, não acho que irá fazer algo a respeito. Afinal, não tem como ele saber nada sobre Eren. Nem eu mesmo sei muitos detalhes sobre ele, além de seu primeiro nome e endereço. Fora que tenho certeza que ele realmente irá perder o interesse em breve, então acho que não estou me arriscando tanto.
Ainda assim, a sensação incômoda deixada por Rivaille não me deixa em paz, mesmo depois de minutos após sua retirada. É nesses momentos que me sinto totalmente sufocado, como se estivesse fadado a um destino cruel. Até penso em desistir mais uma vez... Porque, como Marco disse, o preço que tenho que pagar é alto demais.
• • •
Ainda meio sonolento, entreabro os olhos ao sentir um movimento suave no colchão. Encontro Eren se levantando e vestindo uma boxer preta. Em seguida, afaga as próprias mechas castanhas enquanto procura pelo maço de cigarros. Ao encontrar, ele caminha calmamente até o estofado próximo da janela e acende um, levando-o aos lábios por conseguinte.
Eren tem uma maneira charmosa de fumar em qualquer ocasião. Sei que o hábito é algo preocupante, visto que o excesso de nicotina não faz bem – fumar em si não faz bem, convenhamos –, mas é impossível negar que ele se torna ainda mais sedutor quando tem o cigarro entre os dedos longos e ergue o perfil perfeito para expelir a fumaça, enquanto seus cabelos castanhos estão presos, permitindo que apenas alguns fios mais rebeldes moldem seu rosto tão bonito que parece que foi esculpido pelos deuses.
Diante dos meus pensamentos, acabo sorrindo. Ainda que ache Eren um cara arrogante, enigmático e distante demais em alguns momentos, além de me sentir um tanto incomodado com o fato dele conseguir interferir diretamente no meu modo de agir, não posso negar que esse cara tem lá seus encantos. Na verdade, parando para analisar, minha situação agora nem me parece mais tão ruim.
Eren me disse que não me procuraria sempre, por decorrência do seu trabalho exaustivo numa empresa – a qual ele não me dá muitos detalhes sobre –, então acaba que tenho muitas noites livres. Fora que as poucas horas que passamos juntos não são tão terríveis assim, tenho que admitir. Na real... confesso que às vezes até me pego desejando secretamente prolongar um pouco mais esses momentos, sempre usando a mesma desculpa de que apenas quero aproveitar um pouco mais a maciez dos lençóis de seda.
Espreguiço-me na cama, sentindo a textura quase aveludada me envolver como se fosse a pétala de uma rosa. Então, me sento em seguida, coçando um dos olhos para tentar afastar a sonolência.
Ao perceber que já estou acordado, Eren amassa o cigarro inacabado no cinzeiro e se aproxima. Ele se senta novamente na beira da cama e fica em silêncio, apenas me observando.
Seu olhar tão fixo me deixa um tanto embaraçado, mas quando o arrepio me atinge, acabo deixando o constrangimento de lado. Seus lábios tocam meu peito e acabo me deitando novamente quando ele se prostra sobre mim. Seus beijos vão percorrendo toda a extensão da minha barriga e, quando ele toca em um ponto logo abaixo do meu umbigo, sinto que abafa uma risadinha na minha pele. Fico confuso, mas antes que consiga lhe questionar sobre algo, ele ergue o rosto e me esboça o sorriso mais lindo que já vi em toda minha vida.
— Você ronronou. — ele afirma em um tom divertido.
Abro a boca para lhe dizer algo, mas as palavras morrem antes mesmo de deixar meus lábios. Mas o que é isso agora? Apesar de confuso, não deixo de fechar a cara para ele.
— Isso deve ser só coisa da sua cabeça. — rebato, mal humorado.
Eren ri baixo e ergue um pouco mais o corpo, aproximando os lábios dos meus, mas não permite que eles se encontrem. Ao contrário disso, sinto quando suas mãos deslizam pelo meu pescoço, dedilhando as marcas que ele mesmo deixou recentemente. A forma como ele me olha é tão intensa que sinto como se ele pudesse levar tudo de mim, até mesmo minha própria alma, se assim ele quisesse. Os pelos de minha nuca se eriçam com o contato morno e meus olhos se fecham, traindo completamente minha confiança, enquanto um suspiro escapa dos meus lábios.
— Quer apostar que eu consigo te fazer ronronar de novo?
Meus olhos se entreabrem ante o questionamento atípico do rapaz, mas, dessa vez, apenas me permito sorrir no instante em que sinto seus lábios tocarem em um ponto bem específico atrás de minha orelha, fazendo um pouco de cócegas.
— E-Eren, seu idiota...
Espalmo minhas mãos em seu peito e tento afastá-lo sem muita força, mas acabo desistindo quando seus lábios pressionam os meus daquele jeito avassalador e que me faz tremer dos pés à cabeça. Em um gesto quase involuntário, meus braços circulam seu tronco e tateio suas costas com sutileza, numa tentativa quase desesperada de mantê-lo por perto.
Apesar do toque ser conhecido, há algo diferente nesse beijo. Ele parece mais carregado, mais rico de uma intensidade que desconheço vindo dele. Mas é tão bom. Me causa uma sensação de aquecimento no peito que nunca senti antes.
Acho melhor não lhe questionar sobre esse novo comportamento. Também prefiro me manter o mais apático possível ante a sensação agradável que isso me provoca. Apenas quero continuar imune a seja lá o que for isso, até porque sei que esse modo de agir de Eren não vai durar muito. Ele é inconstante. Às vezes tem um rompante em que acaba se mostrando um cara carinhoso, mas na maioria das vezes ele é indecifrável, indefinido... inalcançável. Ele parece até mesmo frio e sem vida.
Não sei muitas coisas sobre ele, mas de uma coisa tenho certeza: ele é mais vazio e perdido nesse mundo do que eu mesmo. E toda a sua necessidade de querer se manter no controle de tudo é apenas um artifício que ele mesmo escolheu para maquiar a casca oca que ele realmente é.
Uma de minhas mãos busca sua nuca, afagando lentamente os fios presos ali. No entanto, é com surpresa e uma enorme confusão que sinto Eren quebrar o contato abruptamente e me lançar um olhar indagador.
— O que foi? — pergunto, sem entender absolutamente nada.
Ele apenas nega e se solta de maneira quase hostil dos meus braços, voltando a se sentar na cama.
— Acho melhor você ir agora. Tenho uma reunião importante amanhã cedo. — ele diz sem me olhar.
Confesso que demoro uns bons segundos até entender exatamente o que se passa. Eren acabou de me expulsar da sua própria casa. Do nada.
Sou obrigado a recorrer a toda a paciência que ainda me resta para controlar a vontade de xingá-lo. Mas sabe o que é pior? O que me deixa mais enraivecido nem é a expulsão em si, mas sim o que o leva a tomar uma atitude dessas. Me pergunto o porquê dele sempre agir com tamanha estupidez quando compartilhamos de momentos mais carinhosos e não tão sexuais. Porém, a resposta surge em meu consciente de imediato, me levando a concluir que deve ser apenas mais uma das suas patéticas tentativas de se manter no controle.
Ele é realmente um cara bem estúpido.
Levanto da cama, recolhendo minhas roupas espalhadas no chão de forma brusca e sem fazer a mínima questão de esconder o meu descontentamento. Afinal, foi ele quem começou com essa droga de fazer ronronar e tudo mais. Pra que ele faz essas coisas, se no fim vai apenas me descartar como uma simples mercadoria? E pensar que eu ainda estava cogitando me deixar levar...
Visto minha calça e, antes que termine de vestir a camisa, tenho um dos pulsos envolto pelos dedos compridos de Eren. O encaro seriamente, já pensando de antemão que ele irá desistir da sua ideia maluca e voltar atrás.
— Não precisa ir tão rápido assim, Armin. Você pode tomar um banho antes.
Como é? Ele é inacreditável. Não pode ser possível.
Respiro fundo, fazendo mais um grande esforço para me conter. Honestamente, apenas não consigo acreditar nisso. Não foram poucas as vezes que tive vontade de pegar o dinheiro que esse imbecil me dá e jogar tudo na sua cara. Mas nada supera o que sinto agora.
Me desvencilho de seu enlace de forma ríspida e ele apenas permanece apático.
— Não, obrigado. — murmuro, tentando manter meu tom o mais neutro possível, ainda que minha expressão já me condene sozinha.
Rapidamente termino de me vestir, e não sou mais interrompido por Eren, que apenas pega o quase inseparável maço de Marlboro e acende mais um cigarro. Ele se joga na própria cama e traga despreocupadamente, fitando o teto como se eu sequer existisse. Vê-lo dessa forma só contribui para que minha raiva aumente ainda mais.
Lanço um último olhar para ele e pego meu casaco, ainda o xingando até a décima segunda geração em minha mente. Então, apenas deixo o quarto, seguido do apartamento e praticamente corro em passos firmes até o elevador. Quando me vejo sozinho, minhas costas se acomodam na parede de metal e deixo escapar um longo suspiro sentenciado.
O que mais me chateia nem é a reação de Eren, mas a minha própria.
Não entendo o porquê de me sentir tão irritado com algo assim. Vindo dele, eu já deveria esperar tudo, mas... por que não consigo me manter firme? E por que me magoa tanto vê-lo agir dessa forma? Deveria achar esse tipo de comportamento completamente normal vindo de qualquer pessoa, na verdade. Mas é impossível dizer para mim mesmo que não detesto essas mudanças de humor de Eren. É com ele que está o problema. É no fato de ser ele o problema.
Em contrapartida, isso só me deixa com mais vontade de tentar alcançá-lo de alguma forma. Se ele se comporta assim, é porque é tão vazio que, de um modo bem distorcido, chego a pensar que podemos nos completar. Mas abandono mais que depressa esse pensamento, desejando que Eren, na realidade, nunca seja alcançável. Afinal, ainda quero manter um pouco de liberdade que ainda me resta. Isso é algo que não estou disposto a vender.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.