Um resmungo meio irritado escapa dos meus lábios assim que a brisa gélida me atinge e me causa arrepios por baixo das roupas, enquanto Eren caminha ao meu lado, aparentemente bastante sonolento ainda, já que algumas vezes é obrigado a levar uma das mãos à boca para conter o bocejo.
Até penso em lhe questionar sobre o fato de nada disso fazer sentido, mas prefiro deixar de lado. Quando se trata de nós dois, acho que não adianta ficar procurando por coerência. Até porque quando acordei pela manhã com Eren adormecido em meu peito, ressonando baixinho, enquanto o quarto era envolto pela penumbra gerada pelas pesadas cortinas, não nego que pensei que não veria momento mais atípico do que aquele. Mas agora, enquanto estamos caminhando lado a lado para algum lugar até então desconhecido por mim, isso me parece apenas um mero detalhe insignificante.
Eren simplesmente acordou alegando que estava com fome e não demorou a se praguejar, justamente porque não tinha se lembrado de fazer compras durante a semana, por isso não havia muito o que comer em sua casa. Honestamente, acho até engraçado pensar nisso. Eren tem um apartamento exageradamente luxuoso, mas não tem comida nele. Que irônico.
Mesmo assim, ainda tentei me esquivar do seu convite para sair, porque, para mim, o fato de termos acordado juntos já era estranho demais. Só que antes mesmo de conseguir analisar tudo o que estava acontecendo, Eren praticamente me arrastou porta a fora enquanto resmungava sobre ser um cabeça de vento que nunca lembra de deixar a geladeira abastecida.
Só que a verdade é que tenho muito receio de estar sendo seguido de novo.
— Eren? — o chamo, ainda achando tudo isso uma grande loucura. Ele só me olha de relance, indicando que está me ouvindo — Você não acha que é melhor eu ir embora agora? — volto a falar, numa nova tentativa de trazer lucidez à sua mente, antes que ele me surpreenda com mais alguma ideia mirabolante — A estação de metrô fica logo...
— Chegamos. — ele me interrompe, tomando uma das minhas mãos com sutileza e me puxando para dentro do estabelecimento assim que a porta se abre e os guizos sobre a mesma anunciam nossa chegada.
Quando ele me solta dentro do local, a primeira coisa que noto é o quanto esse lugar é mais quente e aconchegante, além do cheiro de café e canela tão agradável que parece um presente para as minhas narinas. Em seguida, meus olhos se prendem na imensa variedade de cafés da manhã que surge no menu do estabelecimento. Tem tanta coisa que fico meio bobo. Há até a opção de cafés orientais com arroz e peixe.
Outra coisa que me chama a atenção é a extensa vitrine de vibro cheia de bolos, pães, rosquinhas... tudo colorido, de um jeito bem extravagante e que é capaz de fazer qualquer um esfomeado salivar feito um cachorro louco e qualquer estômago protestar.
Estou tão distraído com a quantidade de opções tão diferentes de tudo que sou acostumado a comer pela manhã, que nem percebo quando Eren se afasta e se senta em uma das mesas mais afastadas e próximas da lareira. Só me dou conta disso quando me viro para lhe perguntar sobre algo e não o encontro, o que me faz rir da minha própria tolice. Entretanto, ainda que esteja meio relutante e querendo ir embora para não acumular mais problemas, não posso negar que estou começando a me render ao aroma tão agradável impregnado dentro do ambiente. Então, não hesito em caminhar até ele e me sentar em sua frente, logo após me livrar do casaco e deixá-lo sobre minhas pernas.
Eren me lança um olhar terno e sorri de leve. De repente, me surge um certo constrangimento. Será que ele percebeu meu vislumbre anterior? E se percebeu, provavelmente deve estar achando que sou apenas um pobretão que nunca viu nada disso. Bem... não é como se fosse uma verdade total, mas não posso deixar de sentir minhas bochechas esquentarem apenas por imaginar isso.
— O que foi? — sua voz suave se esvai calmamente, conforme o fato de eu ter acabado de me remexer meio sem jeito na cadeira acolchoada não passa despercebido por seus olhos atentos.
— Não é nada. — tento deixar de lado meu incômodo, dando de ombros em seguida.
Apesar de manter a calmaria em seu tom de voz, ele não parece totalmente acordado. Foram poucas as palavras coerentes que ele resmungou desde que acordou, e agora ele continua fazendo a mesma coisa. Acabo revirando os olhos quando noto isso, meio inconformado. Mas, ao contrário do que imagino em relação ao seu estado de sobriedade sonífera, ele ergue um pouco mais o olhar e me fita outra vez.
— Não gostou daqui? — ele pergunta, dessa vez sustentando a troca de olhares.
Um tanto incomodado com seus olhos verdes tão fixos nos meus, quebro o contato, vendo o cenário através da janela como um certo refúgio. Ele ainda me deixa sem saber o que fazer ou como reagir, é estranho. Mesmo assim, não deixo de voltar uma parte de minha atenção para Eren quando o ouço rir daquela maneira contida e divertida que me deixa ainda mais nervoso.
Ele se ajeita na poltrona e se espreguiça discretamente, alongando o pescoço em seguida.
— E então, já decidiu o que vai querer? — pergunta outra vez, folheando o cardápio sobre a mesa.
Meio sem saber se posso ou não pedir algo, apenas lanço um olhar tímido para o balcão, mirando discretamente no bolo de chocolate que praticamente reluz debaixo da pequena fita de led. Felizmente, o gesto não passa despercebido por Eren, que não demora a decidir o que vamos comer em nosso café da manhã.
— Olha, eu não sou o maior fã de doces, mas tenho que admitir que esse bolo é bem gostoso. — ele comenta, após dar uma garfada na guloseima em seu prato.
Para ser sincero, acabo nem respondendo por estar ocupado demais tentando me decidir se como o tal bolo ou se experimento os docinhos ou as rosquinhas primeiro. Quando ele disse que iria pedir uma refeição bem recheada, não imaginei que fosse ser tanto assim. A variedade de doces que esse homem me comprou me deixa hiperativo antes mesmo de colocar um mísero fragmento de açúcar na boca.
Tenho certeza que meu olhar deslumbrado e quase infantil perante tantas opções não passa batido por ele, principalmente porque sei que ele continua com seu olhar fixo sobre mim, mesmo enquanto beberica seu café amargo. Aliás, não sei em que mundo café amargo e bolo de chocolate fazem uma boa dupla, mas vindo de Eren, nada me surpreende mais.
Ainda demoro alguns minutos para me decidir, mas quando finalmente o faço, resolvo começar pelas rosquinhas coloridas. São uma delícia e derretem na boca. A cobertura de um sabor diferente e bem mais presente acentua no paladar e dá um constraste agradável.
— E então... está gostoso? — a voz de Eren volta a ecoar em meus ouvidos, mas apenas maneio a cabeça em um gesto positivo, pois estou com a boca cheia demais para lhe responder com palavras.
Ele acaba rindo de novo, provando que está se divertindo com todas as minhas reações meio desengonçadas. Em circunstâncias normais, poderia apenas repreendê-lo como sempre fiz, mas não é como se me importasse mais com o seu jeito observador quase petulante. Não me incomodo mais. Na realidade, até passei a gostar desse seu hábito em específico.
Entretanto, quando Eren quase se engasga com seu próprio café ao desviar os olhos para a entrada do estabelecimento, algo me deixa intrigado.
Paro de comer na mesma hora e me viro discretamente, erguendo os olhos na mesma direção. Encontro uma mulher alta, com cabelos curtos e aparentemente asiática. Além dela, também há um rapaz que provavelmente deve ter quase dois metros de altura. Ambos estão trajando roupas sociais e lançando um olhar certeiro e incisivo em direção a Eren.
Me viro para ele outra vez, ajeitando minha postura sobre o assento.
— São seus amigos? — pergunto, já imaginando quem são apenas pelo modo como se vestem e como sorriem para Eren.
Então, é a vez dele apenas assentir enquanto volta a tomar seu café, ao mesmo tempo que os dois recém chegados alcançam a nossa mesa.
— O que vocês estão fazendo aqui? — Eren pergunta sem fazer a menor questão de esconder sua insatisfação.
Diante de sua pergunta, noto que a mulher apenas arqueia uma das sobrancelhas com a falta de educação, mas não diz uma palavra sequer. Diferente do outro rapaz que fecha o semblante automaticamente e deixa escapar um resmungo indignado.
— Não fale como se não soubesse que nós sempre tomamos café aqui, quando estamos fora da empresa. — ele rebate no mesmo tom ríspido.
Eren revira os olhos e enfim os encara.
— Eu quis dizer juntos. O que fazem aqui juntos? — ele explica, ao mesmo passo que se defende.
— Aconteceu de nos encontrarmos na entrada. — a mulher responde, mas Eren apenas dá de ombros. Ele está claramente fingindo que acredita nessa conveniência ridícula.
— Sei... — ele suspira, então aponta para os dois assentos livres na mesa — Já que estão aqui, sentem-se.
Enquanto eles se aprontam para se sentar, percebo que a mulher não tira os olhos de mim. Mesmo que permaneça com os olhos baixos e sem me envolver nesse clima estranho que apareceu junto com a chegada desses dois, não posso deixar de sentir que ela me analisa como se estivesse intrigada com a minha presença.
Tento me manter apático nesse encontro estranho, mas percebo que quando o sujeito irritado se acomoda ao meu lado e, em seguida, lança um olhar questionador para Eren, não há mais como eu tentar ser apenas uma mera parte da decoração do local.
— Esse é o Armin. — Eren responde, já sabendo o que se passa na cabeça do outro rapaz. Sua voz exala uma naturalidade quase atípica, enquanto ele volta a tomar seu café, sem de fato dar importância para os olhares simultâneos e analíticos que recaem sobre mim.
— Oi... — minha voz soa como um simples murmúrio, assim que estico uma das mãos para pegar mais um bolinho, na infantil tentativa de me dispersar dessa situação desconfortável.
— Não sabia que agora você passava seu tempo livre sequestrando crianças da escola, Eren. — o homem alfineta, mas vejo que se arrepende assim que nota o sorriso travesso que se molda nos lábios do outro.
— Digo o mesmo para esse seu novo hábito de sair com a camisa suja de batom, Jean. — seu tom é sarcástico, conforme seu olhar se volta para a outra pessoa na mesa — Posso estar enganado, mas parece o mesmo batom vermelho que a Mikasa costuma usar, não é?
Diante da resposta malcriada de Eren, a tal Mikasa se remexe na cadeira e enfim desvia o olhar que ainda permanecia fixo em mim. E quanto ao tal Jean, ele apenas cala a boca, sem mais argumentos.
Ignorando completamente esses dois, Eren abranda novamente sua voz e estica uma das mãos até a bandeja de bolinhos, me dedicando um sorriso singelo, porém cheio de ternura.
— Você vai comer todos? Deixe alguns para mim, poxa. — ri brevemente.
Sei que essa é apenas uma tentativa de me tranquilizar, pois é mais do que evidente que a presença desses dois me deixa um tanto desconcertado. Sendo assim, apenas lhe faço um sinal de que pode se servir e retribuo seu sorriso timidamente.
O resto da refeição segue relativamente normal, com Eren trocando poucas palavras comigo e com o outro sujeito alto. Enquanto isso, Mikasa não pronuncia nem mais uma palavra, ocupando todo o seu tempo apenas para me observar. Confesso que sinto como se estivesse nu diante de sua análise tão minuciosa. Mas, mesmo notando os olhares nada discretos da mulher, tento disfarçar. Seja lá o que for que se passa em sua cabeça, não é problema meu, afinal.
• • •
— Eren... — a voz suave me tira do transe por um instante.
— Hum? O que foi?
Ajeito a postura em meio às almofadas, mantendo o notebook apoiado em minhas pernas dobradas, e acomodo as costas na cabeceira da cama. Armin está vestido apenas com uma das minhas camisetas de botões, o comprimento cobrindo a metade de suas coxas. Ele sustenta um olhar levemente apreensivo, enquanto se acomoda na beira da cama e a uma curta distância.
— Você ficou incomodado mais cedo? — ele mantém os olhos baixos, visivelmente constrangido — Você sabe... os seus amigos me viram com você...
— Ah? — acabo arqueando uma das sobrancelhas — Por que eu ficaria incomodado com isso?
Armin revira os olhos em um gesto natural e quase automático dele, mas logo assume sua postura defensiva. Ele segura a barra da camiseta, condenando que está nervoso.
— Sei lá... qualquer um ficaria incomodado. — e então, ele respira fundo, provavelmente reunindo as palavras corretas para complementar seu argumento que logo continua: — Talvez o seu amigo não tenha percebido nada mesmo, mas não sinto que posso dizer o mesmo da outra...
— Mikasa? — indago e ele assente.
Talvez estivesse mais preocupado em me esquivar das insinuações sem fundamento de Jean, então acabei não dando muita atenção para esse detalhe em específico. Armin é do tipo que não se importa tanto com olhares e opiniões alheias, então, se ele se sente preocupado com algo que Mikasa possa ter feito ou dito, isso quer dizer que ele tem motivos muito plausíveis.
Conhecendo como a conheço, é bem provável que ela tenha percebido algo sim. Mikasa é observadora, cautelosa, e poucas coisas passam despercebido por ela. Então, não é de tirar a razão do garoto por estar intrigado. Só que, ao mesmo tempo que entendo o motivo de sua apreensão, não acho que isso seja um problema realmente.
É só a Mikasa com mais uma de suas paranóias. Nenhuma novidade. Sabendo disso, inclino levemente o corpo para a sua direção e lhe esboço um novo sorriso, tentando trazer o mínimo de tranquilidade para ele.
— Por que você está tão preocupado com isso? — pergunto.
Armin se remexe levemente e enfim me lança um olhar direto.
— Sinceramente, eu não estou preocupado. — ele responde sem esconder o ar petulante — Mas, vindo de alguém próximo, acho que você deveria se preocupar.
Entendo o ponto onde ele quer chegar ao me alertar, mas não é como se Mikasa fosse tramar algo contra ele ou contra mim. Além do mais, ela não sabe quem Armin é ou sua procedência. Ela não sabe absolutamente nada sobre que tipo de relação nós dois temos. E desde que nada disso caia em seu conhecimento, não vejo motivos para alarde.
— Estou tranquilo. Até porque sei que isso não vai dar em nada. — e por fim, dou de ombros.
Vejo um lampejo de irritação surgir em seu rosto assim que concluo minha frase. Sei que meu jeito despreocupado às vezes pode deixá-lo inconformado, sobretudo porque é uma nova realidade para ele. Armin nunca teve contato com nenhum detalhe sobre mim – seja familiar ou no meu círculo de amigos. Então, não o julgo por ver perigo em absolutamente qualquer possibilidade de terceiros se envolverem em nossa relação tão turbulenta e tão sólida quanto um cubo de gelo derretido.
É tudo incerto demais para nós dois. Talvez ele espere mais cautela da minha parte ou, no mínimo, uma forma mais precavida de agir. Afinal, o fato de eu estar agindo com tamanha naturalidade após nossa última conversa pode tê-lo assustado um pouco. Sem contar que não é normal de nós dois sairmos juntos para tomar café e, no caso, também não é normal que ele passe o fim de semana inteiro no meu apartamento usando minhas roupas emprestadas.
Entretanto, é quando vejo a insegurança surgir novamente em suas feições que esqueço de qualquer brecha para falhas na nossa relação. Não é justo que ninguém interfira no que temos, principalmente agora que as coisas estão começando a se desenrolar.
— Não fica assim. — digo, já antevendo o bico quase infantil que irá surgir em seus lábios, enquanto suas bochechas ficariam coradas – não de vergonha, mas de chateação — Vem cá.
Dito e feito.
A princípio, ele revira os olhos – como um hábito vicioso. Depois disso, ele retorce os lábios em um biquinho adorável e não hesita em se aproximar, sentando-se ao meu lado e apoiando as costas na cabeceira da cama. Ao perceber a consequência do gesto, ele puxa novamente a barra da camisa, na intenção de cobrir um pouco mais as coxas que ficaram expostas demais.
Acho uma graça esse seu modo de ficar nu em minha frente, mas se sentir envergonhado se sua roupa acaba expondo um pouco mais do que o desejado. É adorável.
Fecho o notebook e o deixo de lado, pondo-o sobre o móvel ao lado da cama. Meu olhar recai sobre ele novamente, com seriedade dessa vez. Poderia começar a recitar um monólogo inteiro para tranquiliza-lo, mas ignorar tudo isso e lhe passar segurança com gestos me parece muito mais efetivo agora. Então, deixando totalmente de lado as dúvidas que podem ter surgido na sua cabecinha perturbada, aproximo nossos rostos.
Meus lábios roçam suavemente no canto de sua boca e nossas respirações se misturam no gesto. Meus olhos se prendem em suas reações e quase deixo escapar uma risada quando vejo que ele fecha os olhos no mesmo instante. Suas bochechas parecem assumir um tom ainda mais intenso de rubro, enquanto seus lábios se entreabrem em um convite mudo.
Armin anda se entregando por tão pouco, o que me leva a crer que ele simplesmente parou de querer assumir o papel do personagem que somente reluta. Não preciso de muito para saber que, na realidade, ele não passa de um garoto sensível e que deve colecionar várias sequelas. O fato dele se tornar arisco com pessoas desconhecidas só prova que ele tem medo de se machucar – se machucar mais, provavelmente. Entretanto, quando alguém lhe passa confiança, ele se deixa levar como um veículo desgovernado. E, de certa forma, isso é algo que enche meu peito de uma nova sensação calorosa. É como se estivesse destruindo em poucos meses todas as muralhas que ele levantou em volta de si mesmo.
Armin não é só uma casca oca, ele é muito mais do que isso. Na real, diria que ele é uma caixa de Pandora que guarda muitas verdades e sentimentos preciosos. E a cada dia que passa, me sinto mais motivado a descobrir mais detalhes sobre ele.
Então, acatando suas vontades, tomo os seus lábios sem mais delongas. Um beijo sôfrego se inicia, sendo correspondido prontamente. Minhas mãos vão para a barra de sua camisa, mas não param por ali. Meus dedos deslizam por sua pele macia e delgada, antes que espalme sua coxa e o puxe para meu colo.
Armin se acomoda sobre mim meio desajeitado – provavelmente por conta da intensidade do beijo que o deixa desnorteado. E é ele quem quebra o contato quando o ar se torna escasso, mas mantém a proximidade de nossas bocas.
— Você já quer fazer de novo? — ele pergunta, ofegante.
Uma risada baixa deixa meus lábios e noto quando um pequeno sorriso molda seus semelhantes levemente inchados. Por algum motivo, acho que ele gosta de me fazer rir, só não admite.
— E você não? — é a minha vez de perguntar.
Como resposta, Armin apenas se ajeita melhor sobre meu colo, remexendo-se de leve como uma clara provocação. Enquanto isso, suas mãos pequenas e ligeiras partem para minha camisa, começando a desabotoá-la.
Um suspiro extasiado deixa seus lábios assim que os meus cobrem seu pescoço, presenteando a pele macia com beijos, mordidas e leves marcas novas. Mas me afasto subitamente em seguida, assustado ao ouvir o toque da campainha que preenche todo o apartamento.
— Mas que merda é essa? — deixo escapar, indignado com seja lá quem for que tenha atrapalhado o momento.
Armin, no entanto, apenas suspira também resignado e sai do meu colo, largando-se em em meio aos lençóis em seguida.
Mas que inferno.
Deixo a cama cuspindo marimbondos e sem me importar com a camiseta que permanece aberta enquanto sigo até a porta em passos firmes. Quase nunca recebo visitas, então me pergunto quem é o idiota que teve a brilhante ideia de aparecer na minha casa em plena noite de domingo. E pior, como essa criatura conseguiu passar pela portaria sem a minha permissão?
E é com um misto de surpresa e indignação que encontro a figura tão conhecida, assim que abro a porta.
— Mikasa? O que diabos você tá fazendo aqui a essa hora?
Mikasa mantém o rosto impassível e a postura inabalável, mesmo que perceba o tom irritadiço que sequer faço esforço para esconder. Percebo que seu olhar se prende em minha camisa desabotoada e, em seguida, nos meus cabelos desarrumados. Então, a sobrancelha se ergue.
— Te acordei? — pergunta, presunçosa, esperando que lhe dê passagem para entrar.
Ainda claramente chateado e indignado com sua presença indesejada, abro um pouco mais a porta e dou espaço para ela passar.
— O que você acha? — pergunto, ácido. Mesmo que seja mentira, tenho certeza que ela entende como uma afirmação positiva — O que você veio fazer aqui? Espero que não seja mais coisa do trabalho...
— Vim falar sobre o que aconteceu mais cedo. — ela me interrompe, cruzando os braços ao me fitar seriamente.
— Mais cedo? — sustento o mesmo tipo de olhar, ainda que saiba que, mudamente, ela apenas me acusa. E quando me dou conta de onde ela quer chegar, assumo a posição defensiva — Ah... Olha, Mikasa, isso não é da sua conta.
— Eren, quem é aquele garoto? — pergunta, repentinamente.
— Eu já disse que não é da sua conta. — reforço com rispidez.
— Se você está se metendo em alguma encrenca, então sim, é da minha conta. — ela continua séria, dando dois passos em minha direção. Ela para em minha frente e estreita os olhos — Você tá saindo com ele?
Quase deixo escapar uma risada ao perceber o eufemismo forçado em sua frase, mas não consigo conter a língua na hora de lhe responder, logo após tomar distância novamente.
— O que estou fazendo com ele não é bem sair, para ser sincero. E não me olha desse jeito, você não tem motivos para ficar fazendo tanta tempestade em copo d’água.
— Então eu posso concluir que o que vocês têm é algo sério? Também é certo afirmar que os familiares dele estão cientes do que está acontecendo?
Dessa vez, não consigo segurar a risada.
— Do que você tá falando? — pergunto.
— Você acabou de dizer que... — a frase morre no ar, assim que ela toma uma expressão confusa.
— Mikasa, eu não faço a mínima ideia de quem são os familiares do Armin. Aliás, eu não sei muito mais do que o primeiro nome dele.
Os olhos naturalmente pequenos de Mikasa se arregalam com a declaração repentina. Sei que talvez esteja fazendo uma bela besteira em lhe contar tantos detalhes – ou a falta deles, nesse caso –, mas ao mesmo tempo sinto a necessidade de conversar com alguém sobre o que está acontecendo. Não é como se estivesse esperando o apoio total e cego em primeiro plano, mas talvez Mikasa consiga clarear um pouco mais minha mente tão enuviada. Como a pessoa mais próxima de mim e que está sempre disposta a me dar conselhos e me ajudar, chego a pensar que ela poderia ser prestativa mais uma vez. Mas só percebo o quão errônea e problemática é essa ideia, quando vejo seu olhar acusador me fuzilar novamente.
Ela não precisa dizer uma palavra sequer para que eu saiba que ela já assimilou toda a situação em sua mente. Em parte, porque ela certamente percebeu alguma coisa assim que seus olhos bateram em Armin na cafeteria, e também porque agora mesmo deve estar estampado na minha testa o verdadeiro significado por trás de tudo isso.
— Espera... você tá me dizendo que está saindo com um garoto de programa? — a incredulidade surge em sua voz — É isso mesmo?
Ante seu questionamento que mais soa como uma afirmação que não quer ser aceita, apenas franzo as sobrancelhas, sentindo algo incômodo e gelado surgir em meu estômago no mesmo instante. Atordoado, passo as mãos pelos fios rebeldes que caem em meu rosto e o gesto não passa despercebido por Mikasa, que já não precisa mais de nenhuma resposta para sua constatação tão certeira.
— Meu Deus, Eren! Você enlouqueceu?! — o tom totalmente repreensível e ao mesmo tempo incrédulo e exacerbado faz com que meus ombros se encolham automaticamente.
— Você quer fazer o favor de falar mais baixo? — reclamo, inconscientemente lançando um olhar para a escadaria que dá acesso ao quarto.
Mikasa demora um pouco para processar o que acabei de dizer, pois ela simplesmente não quer acreditar. Porém, quando a incredulidade retorna para seu rosto, sendo representada por um riso claramente nervoso que deixa seus lábios, sua destra trêmula se ergue na direção do meu olhar e ela aponta para a escada.
— Não me diga que ele está aqui... no seu apartamento. — sem a necessidade de uma resposta, ela se aproxima e repousa suas mãos em meus ombros, os sacudindo na clara intenção de colocar um pouco de sanidade na minha cabeça — E se alguém descobre?! Você por acaso pensou nisso, Eren?
— Ninguém vai descobrir, Mikasa. — respondo, erguendo o queixo e a encarando como se a desafiasse.
Ela revira os olhos e se afasta, sorrindo com escárnio.
— Você jura que não? Então como você explica o fato de que eu descobri?. — me refuta, cruzando os braços novamente — E como você pode ter tanta certeza disso, sendo que nem faz questão de escondê-lo?
Mikasa me acusa sem rodeios, deixando claro que ela não consegue acreditar no tamanho da minha imprudência. Qualquer pessoa em sã consciência tomaria mais cuidado com pequenas atitudes, não importa quais fossem.
— Eu... — tento procurar por alguma resposta, mas a verdade é que não tenho mais argumento.
Ela está certa.
— Hoje mesmo você levou ele para tomar café na cafeteria do centro. Mais da metade dos executivos da sua empresa frequentam aquele lugar, Eren. Quanto tempo você acha que vai levar para essa história chegar aos ouvidos da sua família?
— Você tá só exagerando de novo, Mikasa...
Ela revira os olhos mais uma vez e, cansada de tudo isso, apenas caminha em direção a porta. A acompanho somente com o olhar.
— Mande esse garoto ir embora e ponha um ponto final nessa loucura, antes que não tenha mais volta. Pela primeira vez em vinte e dois anos, aja independente e tome a atitude de um adulto responsável. — abre a porta e sei que ela torce para que suas palavras surtam o efeito desejado em mim e me retornem ao bom senso.
Um suspiro resignado deixa meus lábios assim que a vejo ir embora. Mas que merda... O que há de tão errado nisso? Repito para mim mesmo que Mikasa só está se deixando levar por mais um de seus exageros desnecessários. Mas, quando retorno ao quarto e encontro Armin já devidamente trajado com suas roupas e sentado no assento próximo à janela, observando o movimento abaixo do décimo terceiro andar, um aperto involuntário surge em meu peito.
— É claro que você ouviu tudo. — digo mais para mim mesmo do que para ele.
Armin apenas acena em uma confirmação e salta do móvel, caminhando em minha direção.
— E você nem precisa me mandar embora, porque eu já estou indo. — ele me esboça um sorriso discreto, tentando me convencer de que não se importa com isso.
Confesso que até penso que essa é a melhor e mais sensata alternativa. Afinal, não posso negar que tenho um certo medo do julgamento e das acusações de terceiros, principalmente se forem de pessoas com quem tenho algum vínculo empresarial... ou até mesmo a mídia. Então, deixar Armin ir e acatar tudo o que foi dito por Mikasa talvez seja o melhor a se fazer realmente. Já está mais do que na hora e as desculpas para continuar mantendo esse garoto por perto nem existem mais.
Suspiro cansado.
Enfim tomando minha decisão, levo minhas mãos para a cintura de Armin e o puxo para mais perto, mesmo ante seu curto protesto vindo através de um resmungo.
— O que você está fazendo? — ele pergunta sem entender nada.
— Quem disse que vou te mandar embora? — o respondo com mais um questionamento e ele me lança um olhar ainda mais confuso — Tire suas roupas.
— O quê?!
— Tire as roupas. — repito, o soltando e lhe entregando minha camisa que ele usava anteriormente.
Mesmo sem entender absolutamente nada e estar meio relutante, Armin acata minha sútil ordem sem protestar mais. Quando se aproxima novamente, o puxo até a cama e ele se senta na beirada, ainda deixando toda a sua confusão evidente.
Me jogo em meio aos lençóis e mantenho o olhar preso ao seu. É incrível como Armin às vezes procura sentido em tudo – até onde não tem. É uma das características dele que mais me deixam encantado, não posso negar. Mas agora não quero que ele procure coerência em nada, só quero que ele se deixe levar como das outras vezes.
— Esquece isso, Armin. — seguro sua mão com gentileza e ele deixa escapar um resmungo em desagrado — É sério, vamos dormir. Amanhã eu tenho que acordar cedo para trabalhar.
— O quê?! Você é maluco, sabia? Eu tenho que voltar para minha casa! — ele torna a reclamar, ainda sem entender a situação e sem acreditar na minha reação tão despreocupada após uma conversa tão turbulenta.
Ergo o olhar, vendo-o como uma obra inabalável sentado na cama. Outra característica de Armin que me chama atenção é sua teimosia. Quando o garoto coloca algo na cabeça, é difícil convencê-lo do contrário. Então, suspiro novamente, contrariado com o tamanho desnecessário de sua relutância. Sendo assim, apenas levo uma das mãos até sua bochecha, acariciando-a de leve.
— É sério... só vamos dormir. — repito, em um tom exausto.
Estou cansado de tudo isso. Parece que a minha felicidade não independe de problemas e, quando finalmente consigo encontrar algum propósito que faça eu me sentir vivo, todos me condenam.
O que há de tão errado em tudo isso?
Vejo Armin suavizar sua expressão ao levar suas orbes azuladas para as minhas, conforme sinto que ele relaxa, satisfeito com a carícia. Entretanto, ele ainda se presta ao papel de negar, enquanto morde o lábio inferior em um gesto que condena que, na real, ele quer mesmo ficar.
Então, com um suspiro, ele enfim se deita ao meu lado.
Meus braços se envolvem ao redor de seu corpo e ele aconchega suas costas em meu peito. Ele se encolhe e suas mãos pousam sobre as minhas, os dedos diminutos deslizando sobre os meus. Aproveito a proximidade para inalar o aroma adocicado e viciante que provém de suas mechas loiras, apreciando o contato tão agradável, conforme o sono vem nos pegando de jeito em questão de minutos.
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