Chegaram em casa e Sakura correu para o andar de cima vestir mais um casaco. Sasuke parecia tímido e retraído, tinha os olhos longe enquanto bebia uma xícara de chocolate quente sentado atrás do balcão de mármore.
— Quer me contar o que aconteceu? — Ela o fitou por sobre a própria xícara, os olhos espremidos em um sorriso tranquilo.
— Só se você limpar esse bigode de chocolate — Sasuke gargalhou quando o rosto de Sakura ficou vermelho feito um tomate — Ainda tá sujo.
Sakura revirou os olhos e limpou o chocolate dos lábios, ainda encarando-o. Sasuke estava nitidamente abalado e triste; nada como o garoto animado e de sorriso fácil que tinha conhecido semanas antes.
— Você tem me ajudado demais — Ela confessou em um fio de voz — Me deixa fazer o mesmo por você.
— Tudo bem — Ele pousou a xícara sobre a mesa e a encarou — Promete que não vai chamar a polícia ou sair gritando feito doida quando eu contar o que meu irmão fez?
— Ele matou alguém? — Sakura arregalou os olhos e levou as mãos aos lábios — Meu deus.
— Não — Sasuke revirou os olhos — Tá vendendo drogas.
— Como assim? — Sakura estava de pé agora — Ele vai ser preso!
— E você acha que eu não sei? — Ele deu de ombros e se levantou — Por isso discutimos.
— Eu sinto muito — Sakura recolheu as duas xícaras e as colocou sobre a pia — Não sabia que vocês estavam com... Dificuldades.
— Nem pense nisso — Ele apoiou a cabeça nas mãos.
— No que? — Sakura se fez de desentendida.
— Você sabe.
— Eu posso arrumar um emprego melhor pra você — Sakura comentou — Ou posso até te emprestar algum dinheiro até...
— Não — Sasuke rebateu — Por favor, só... Não, ok? — Ela concordou com a cabeça —Preciso aprender a resolver minhas merdas sozinho.
— Boca suja — Sakura murmurou e ele ergueu uma sobrancelha — O que? É feio!
— É libertador.
— Eu sei — Ela estava sorrindo agora — Hoje eu mandei o Sasori se foder.
Sasuke parou no meio do caminho.
— Sasori?
— É — Sakura ajeitou melhor o casaco sobre o ombro e continuou caminhando — Fui em um jantar hoje com minha amiga e o babaca estava lá, acredita?
— Não acredito — Sasuke estava interessado agora — Me conta. Tudo.
— Você parece uma velha fofoqueira — Sakura gargalhou — Tá, mas escuta só.
Depois de contar toda a história ela até se sentia um pouco melhor. O moreno era um bom ouvinte pois passou a maior parte do relato apenas concordando e fazendo comentários a esmo e quando ela terminou, finalmente ele disse;
— Esse cara é inacreditável — Balançou a cabeça — Um imbecil, já disse isso?
— Umas cinco vezes — Sakura sorriu — Mas concordo com você.
— Mas então como anda o projeto de descobrir um novo talento? — O moreno mudou totalmente o foco do assunto — Conseguiu pensar em algo?
— Eu sempre quis tocar violino — Sakura tinha o olhar longe — Acho lindo.
— Balé, violino... — Ele deu um sorriso de canto — Você nunca quis sei lá, correr pelada e bêbada pela rua ou passar a noite em uma praia?
— Ei — Sakura deu um empurrão de leve nos ombros fortes de Sasuke — Eu já me diverti muito, sabia?
— Hum — Ele deu uma risadinha debochada — Tipo?
— Uma vez eu e a Ino ficamos a noite toda passando trotes — Ela disse e Sasuke gargalhou — Ah e uma vez eu perdi o cartão Black da minha mãe depois de beber a noite toda. Levei uma surra.
— Não acredito — Ele balançou a cabeça — Esse é seu conceito de diversão?
Sakura inflou as bochechas e ergueu uma sobrancelha em tom desafiador.
— E o que é diversão pra você? — Sasuke mostrou a língua quando ela pôs as mãos na cintura.
— Um dia eu te mostro — Ele sorriu de canto.
— Você já quer ir dormir? — Sakura perguntou de repente — Posso arrumar o quarto de hóspedes pra você.
— O que aconteceu com o sofá?
— Eu estava brincando né — Sakura meneou a cabeça — Essa casa tem mais de cinco quartos. Pode escolher qualquer um.
Sasuke riu baixinho e imaginou qual seria a reação dela se soubesse que o quarto em que ele mais queria estar era o dela. Balançou a cabeça, ainda sorrindo, e forçou uma expressão neutra ao encontrar os olhos esmeraldinos de Sakura observando-o.
— Que foi?
— Você ficou quieto de repente — Sakura deu de ombros.
— Não tô com sono.
— Vamos ver um filme? — A rosada se levantou, animada.
— Terror? — Sasuke revirou os olhos — Vai me abraçar nas partes assustadoras?
— Não — Ela praticamente gritou, colocando as mãos em frente a boca como se tivesse percebido o deslize — Odeio terror.
— Comédia?
— Romântica? — Sakura devolveu a pergunta.
— Previsível — Sasuke se acomodou melhor no sofá — Mas eu quero pipoca.
— Folgado.
* * *
O filme acabou e a madrugada ainda ia longe. Depois de se entupirem de pipoca e brigadeiro – Esse último sendo apenas Sakura quem comeu – os dois engataram uma conversa animada sobre literatura.
Sasuke gostava de ler clássicos e ela séries mais atuais e rolou até uma discussão entre eles para saber quem venceria em um embate regado a sarcasmo: Rhysand ou Sr Darcy.
— Certeza que o Darcy — Sasuke comentou enquanto mastigava — Ele era um ogro, praticamente.
— Estamos falando de sarcasmo — Pontuou Sakura — Não de grosseria.
— Diz isso só porque o Rhys é mais bonito — Sasuke provocou.
— E daí se for?
— Meninas como você sempre preferem os morenos sarcásticos — Sasuke abriu um sorriso provocante e a fitou diretamente nos olhos — Concorda?
— Não sou uma menina — Sakura comentou ao desviar o olhar.
— Sério que foi a única coisa que você ouviu? — Ele gargalhou — Então tá senhora Sakura.
— Senhora não — Ela cruzou os braços — Prefiro ainda “madame”
— Então tá bom, madame — Sasuke se aproximou — Como quiser.
Repentinamente Sakura se sentiu com calor. Sasuke ainda a encarava quando ela se levantou e retirou o casaco, o rosto ardendo em brasas.
— Vamos jogar alguma coisa?
— Tipo o que?
— Uno! — Ela respondeu animada — Eu sou muito boa no Uno.
— Não melhor que eu — Sasuke rebateu.
— Dúvida?
— Duvido.
* * *
Agora estavam os dois sentados no chão da sala enquanto Sakura franzia as sobrancelhas, completamente concentrada nas cartas em sua mão. Os cabelos cor-de-rosa estavam presos em um rabo de cavalo bagunçado e o biquinho que ela fazia enquanto pensava a tornava ainda mais adorável.
— Se eu perder tomo uma dose — Ela disse confiante e jogou a sua carta — Se você perder você bebe duas — Seu sorriso se alongou — Uno.
— Está aprendendo a se divertir — Provocou ao jogar um 4 sobre a carta dela — Pena que não está aprendendo a jogar.
— Maldito — Sakura murmurou.
— E Touche — Ele se livrou da última carta e sorriu vitorioso — Pode beber.
Desanimada Sakura se levantou e foi até a cozinha. Encontrou uma garrafa de vodca que devia estar ali a mais de um ano e franziu o cenho para o líquido transparente dentro da garrafa de vidro. Teria que servir.
Bebeu a dose enquanto fazia caretas e Sasuke gargalhava. Duas rodadas depois Sasuke já tinha bebido quatro doses, visto que a dele eram dobradas.
Não tinham percebido em que momento o jogo deixou de ser uma distração e agora estavam os dois jogados no tapete macio da sala enquanto gargalharam e contavam histórias.
— Então ele disse “Nunca mais mexa com o meu irmão ou eu arrebento o seu nariz” — Sasuke gargalhou — E o cara nunca mais me incomodou.
— Seu irmão parece ser incrível — Sakura sorriu, os olhos fechados — Eu sinto falta do meu.
— Como ele é? — Os olhos do moreno estavam fixos no teto a cima de suas cabeças — Seu irmão.
— Ele ainda é uma criança — Sakura sorriu nostálgica — Tem sete anos e é um amor, mas eu quase nunca o vejo.
— Por que? — Ele se deitou de lado e encarou o perfil da rosada.
— Ele mora com a minha mãe — Sakura apertou os pelinhos do tapete, pra se distrair, enquanto conversavam — E eu não gosto muito de ir lá. Me sinto vulnerável na presença dela.
— Você não precisa se sentir assim — Sasuke se deitou de novo com a barriga para cima — Você é uma mulher incrível.
Sakura sentiu seu coração bater mais rápido ao ouvir as palavras do moreno. Retorceu as mãos de forma nervosa e desviou o olhar, focando nas paredes pintadas de branco.
— Ei — Sasuke segurou suavemente seu rosto e a fez olhar em sua direção — Eu não estou mentindo, Sakura.
Sakura concordou com a cabeça e fitou os olhos escuros de Sasuke tão próximos do seu. Seus dedos frios estavam contra a pele quente de seu queixo e por um mísero segundo seus olhos escorregaram e foram parar nos lábios rosados do moreno.
— Obrigada — Conseguiu murmurar — Por tudo.
Ficaram em silêncio por alguns segundos e aos poucos Sakura sentiu seu coração se acalmar e a respiração voltar ao normal. Sasuke agora estava novamente fitando o teto, completamente em silêncio.
Sasuke se permitiu encara-la novamente com o canto dos olhos e a imagem que viu o fez se sentir confortável; o nariz empinado e as maçãs do rosto proeminentes, os olhos verdes e o cabelo rosado espalhado pelo chão. Ela era simplesmente perfeita.
Relutante ele escorregou os dedos para próximos dos dela e sorriu verdadeiramente quando Sakura abriu a mão, recebendo a dele. Ficaram de mãos dadas, em silêncio, por tanto tempo que Sasuke nem percebeu os próprios olhos cederem ao cansaço.
* * *
Sakura inspirou o cheiro de menta gostoso que vinha debaixo dela e abriu os olhos.
— Ahhhh — Gritou ao encontrar Sasuke encarando-a — Meu deus — Ela se levantou e se recostou no sofá, a mão direita firmemente pressionada contra o coração — Que susto.
— Você baba — Ele acusou assim que ela o encarou — Mas até que fica bonitinha dormindo.
— Seu idiota — Sakura murmurou e se espreguiçou — Meu corpo todo tá doendo... Não acredito que dormimos no chão!
— Eu já dormi em lugar pior — Ele deu de ombros e começou a se levantar.
— Que horas são? — Sakura franziu o cenho para claridade que entrava pelas cortinas — Você não precisa trabalhar?
— Droga — Sasuke se levantou em um salto — São seis e doze. Preciso voar até em casa.
— Eu te levo.
— Dessa vez vou precisar aceitar.
* * *
Quando voltou para casa Sakura ficou alguns minutos apenas encarando o chão onde tinham passado a noite enquanto sentia seu coração bater tão forte no peito que temeu que fosse ter um colapso.
Mebuki tinha ligado duas vezes e ela decidiu ignorar as ligações; não queria estragar o seu dia com as lamúrias da mãe. Se sentou na cama e pensou em ligar para Hinata, mas sabia que a amiga estaria se arrumando para o trabalho e não queria incomodar.
Abriu uma página em branco do word e começou a escrever. Sakura nunca tinha se aventurado pelas palavras e nem percebeu que mais de meia hora tinha se avançado e que ela ainda estava escrevendo.
De repente todos os seus sentimentos estavam ali; a forma como se sentia quando estava em cima de um palco até a profunda solidão que tinham se tornado seus dias antes de Sasuke.
Sasuke.
Também escreveu sobre ele; apesar de omitir alguns detalhes que somente seu coração conhecia. Estava começando a achar aquela aproximação perigosa e balançou a cabeça com força ao constatar que estava parada na mesma linha já faziam alguns minutos.
Terminou o texto e salvou o arquivo. Depois de tomar um banho e escolher um vestido qualquer para passar a tarde Sakura se viu profundamente entediada. Pegou as chaves do carro e dirigiu até o restaurante em que a amiga trabalhava.
A hostess a acompanhou até a mesa e Sakura logo tratou de pedir seu prato favorito. Não demorou mais de vinte minutos até que a comida deliciosa que Hinata preparava estivesse em sua frente.
Devorou tudo com afinco e depois de agradecer o garçom pediu para que chamasse o chef.
— Que bons ventos lhe trazem? — Hinata apareceu usando uma roupa de chef e Sakura gargalhou — Ah, isso — Ela olhou as próprias roupas e também riu — Faz parte.
— Estava morrendo de saudades — Confidenciou — Preciso urgente de uma noite das meninas.
— Eu também — Hinata se espreguiçou e olhou em direção a cozinha — Uma pena que não posso ficar mais tempo aqui.
— O dever chama — Sakura sorriu — Pode ir. A gente combina alguma coisa.
— Te amo — Hinata soprou um beijinho na palma da mão — Até depois.
* * *
Sakura tinha ido a fisioterapia depois de almoçar no restaurante da amiga e os exercícios que tinha feito a fizeram sentir dor no calcanhar pelo restante da tarde.
Estava voltando para casa quando seu celular tocou.
— Alo? — Disse tentando equilibrar o aparelho entre suas pernas enquanto dirigia.
— Sou eu — Sasuke disse do outro lado da linha — Pode falar agora?
— Estou dirigindo.
— Uau — Ele gargalhou — Isso sim é ser uma fora da lei. Parabéns.
Sakura revirou os olhos.
— Diga — Ela sorriu ao imagina-lo, os olhos espremidos enquanto ele ria da sua maneira atrapalhada.
— Vamos ter aula de violino hoje — Sasuke declarou — Já achei o professor.
— Perfeito — Sakura sorriu — Na minha casa?
— Uhum.
— Obrigada.
— Antes das oito eu chego lá.
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