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História Sindromya Poesia Desestruturada - Eu sinto muito!


Escrita por: Suellen_Dias

Capítulo 4 - Eu sinto muito!


 

Sindromya

 

Meu interior está uma bagunça. Estou me sentindo nervosa, ansiosa, com medo. Nossa, estou com tanto medo! Estou há horas olhando para a tela do notebook e pensando que eu deveria escrever algo. Que eu deveria colocar para fora toda essa turbulência de sentimentos. Sim, eu pensei que me ajudaria. Escrever Sindromya sempre foi minha válvula de escape. – suponho que todo ser humano possua uma – Mas eu fiquei aqui um bom tempo olhando para tela e não a via. Eu não via a tela do meu computador! Na verdade, diversas cenas desenrolavam a minha frente. Era como se eu fosse uma espectadora assistindo a um espetáculo distante.

Ficar muito ansiosa me deixa com medo. E sabem que isso me preocupa? Começo a pensar que se eu ficar muito ansiosa, terei uma crise. Esta é justamente a parte patética! Eu fico ansiosa e temo uma crise. Então me recordo das outras que tive e fico com ainda mais medo. É como um torturante círculo vicioso, no qual eu mesma me causo mal pelo simples fato de lembrar ou temer minhas crises de ansiedade. É confuso isso, eu acho. Ter medo de crises me faz ter crise.

M. prescreveu medicamentos para mim. Bem, eu já tomava algumas coisas. Minhas drogas necessárias, todas lícitas e recomendadas por psiquiatras, obviamente. Mas M. regularizou as coisas que eu mesma andava desregulando. Eu confesso que já tomei além do que deveria em noites que foram mais escuras que o usual. Noites em que os pesadelos pareciam apenas repetição de uma cena. Como estas cenas que não dão certo e são regravadas várias vezes. Reais como a dor que eu sentia de revivê-las...

Alprazolam.

Alprazolam é o remédio que estou tomando para meu TAG, ele me ajuda a lidar com a ansiedade e as crises decorrentes dela. M. prescreveu o Alprazolam aliado à psicoterapia. Desde que retornei a Cassiana tenho feito psicoterapia com ela. Tem sido muito bom, diferente de como era em Campos Claros. Conversar com ela me ajuda de verdade. Não que os terapeutas de lá fossem ruins, apenas porque com ela eu me sinto disposta a me abrir verdadeiramente. M. se dedica muito a minha situação, eu posso sentir isso, eu confio nela. Não sei se é antiético ela se importar tanto comigo e ser minha terapeuta. O que sei é que significa muito tê-la em minha vida. Psicólogos e psiquiatras existem aos montes, mas ter alguém que vai além dessa relação seca – bloco de notas e paciente – é especial.

M. se importa também com A., tem cuidado dela durante um bom tempo, e isso é bom. Foi dessa forma que continuei tendo uma ou outra notícia dela quando nossas cartas foram interrompidas. Gostaria de ainda tê-las, mas provavelmente é impossível, meu avô deve ter dado fim em todas. Ele fez isso para que eu não tivesse contato com A., para quebrar qualquer laço, qualquer elo ainda existente. E existia. Éramos muito ligadas. Como aquela expressão: unha e carne.

Éramos tão unidas que mesmo quando tudo estava obscuro, estar com ela me deixava melhor. Criamos laços verdadeiramente profundos durante os dois anos que vivemos juntas naquela casa. Foi uma amizade verdadeira, eu sei que foi. E então, mesmo que não tenhamos crescido juntas como outros irmãos, a intensidade do que passamos juntas foi suficiente para A. se tornar tão importante em minha vida.

De tudo que vivemos é muito triste que as memórias ruins sejam as que tenham sido mais marcantes em meu ser. Não que eu tenha esquecido a parte boa, mas sei que não lembro de tudo. Sei que se alguém me perguntasse: “quais eventos mais marcaram sua infância?” A resposta seria: todas as vezes que meu pai me sufocou com seu “amor” doentio e seus atos insanos, e todas as vezes que ele batia nela. Ele nos marcou de maneiras diferentes...

Eu acho que isso acontece porque essas experiências nos deixam rasgadas de dentro para fora, é como uma ferida na alma, sabe? Uma ferida aberta que causa uma dor pungente que, vez ou outra, sangra... Eu não sei, assim são os traumas. Algumas pessoas bloqueiam e conseguem esquecer. É como se o cérebro quisesse evitar reviver aquilo, mas nem todas conseguem. Eu tento não lembrar as coisas que me machucaram, mas às vezes essas memórias vêm em meus sonhos como monstros escondidos nas sombras, só esperando eu fechar meus olhos. Seria perfeito se houvesse uma forma de esquecer tudo, uma maneira de curar as feridas e lembrar só a parte boa do passado, mas isso não existe...

Só que eu acreditar sobre a força das memórias, não significa que minhas lembranças boas não possuam força. Eu não recordo tudo de bom que vivi, mas tenho guardadas algumas extremamente especiais. A. me ensinou muitas coisas. Ela me ensinou algumas piadas, puxa, como ela me fazia rir! Rir livremente, sem preocupações ou anseios. Do jeito que deveria ser para uma criança de dez anos de idade. Ela me ensinou a subir na grande árvore que tínhamos no quintal de casa. Me ensinou alguns jogos em que inventávamos muitas histórias fantasiosas, nosso “pai” detestava, mas brincávamos escondidas.

Ela sempre me contava tudo de seu colégio. Eu não frequentava com ela, pois ele não permitia que eu estudasse fora. Tinha aulas em casa mesmo. Mas A. me contava dos amigos que fazia e o quanto era divertido. Eu tinha um pouco de inveja, não de querer estar em seu lugar, mas de não poder estar junto.

Fazíamos planos de viajar, porque ela me contou sobre vários lugares diferentes e sempre assistíamos a muitos filmes. Era legal poder imaginar que éramos as personagens. Ela infelizmente não conseguiu me ensinar a andar de bicicleta. Quando ela foi morar em casa, já sabia, mas nosso “pai” não nos deixou ter uma. E agora, eu tenho vinte e um anos e ainda não sei.

Ela foi tudo isso em minha vida. Foi minha irmã, melhor amiga, companheira de aventuras e também de sofrimento, e... Ela foi a primeira pessoa que beijei nos lábios. Eu sempre amei muito ler livros, leitura é um tipo de refúgio para alma e cabeça. Então, julgando o que já li, acho que A. foi meu primeiro amor. Não que eu tenha algum outro parâmetro para comparar, mas ela me despertou traços semelhantes aos descritos em alguns dos livros que li.

Quando estávamos fazendo a comemoração de nossos doze anos, uma coisa só nossa, onde podíamos brincar e correr livremente. Eu fiquei curiosa sobre como seria lhe beijar os lábios, não aqueles beijos tórridos de amantes, éramos tão jovens, eu queria lhe dar um selinho... Nosso “pai” sempre me beijava... Mas não, eu não vou permitir que ele arruíne mais uma lembrança que já é manchada. Pode soar um pouco estranho, mas era para esse beijo ter sido meu presente para ela, eu achei que seria especial. Como quando brincávamos de imitar histórias de contos de fadas. Apenas que em nossos contos não havia príncipes, não era necessário. E nem tampouco éramos princesas. Éramos guerreiras! A. sempre dizia isso, e me empolgava.

Independente de sermos irmãs de sangue ou não, eu a amava como a ninguém mais. Lembro-me claramente quando meu avô disse que eu nunca mais a veria, pois ela não passava de uma bastarda. Que meu “pai” era louco e eu era sua única filha legítima. Eu não sei sobre isso, o que sei é que nunca ninguém reclamou reconhecimento de paternidade. Mas o que realmente importa é que não mudou o que eu sentia por ela. Compartilhando o mesmo sangue ou não, ela era a melhor pessoa que eu tinha. E eu a amei de verdade. Depois talvez eu tenha amado um pouco além, me aventurando nessa vibe de primeiro amor, acabei permitindo que minha visão infantil e sonhadora sobre amor quase a matasse. As consequências do beijo foram desastrosas...

Agora eu não sei mais o que somos uma para a outra. Sei que disse a M. que a amo, mas talvez o que eu realmente ame sejam as memórias das coisas que vivi com ela. A parte que tem luz e cores variadas. Agora sobre o hoje, sobre o presente... Como posso amar uma mulher que nem ao menos conheço? Chegou a hora de rever A., e por isso estou tão ansiosa.

E como eu amo músicas e sempre indico alguma para vocês ouvirem comigo, tem essa canção do Coldplay, The Scientist. Ela é linda e parece tão a ver com esse lance de... Isso de ficar ao lado de alguém que é importante...

Aisling

 

Jessie parou de digitar e encarou a tela com o cenho franzido.

— Não posso postar isso em “Sindromya” ... — sussurrou para o silêncio que a cercava — O que estou fazendo?

Num movimento sutil, fechou a tela do notebook e ficou de pé. Seus olhos percorreram em volta do quarto enquanto andava lentamente pelo cômodo. Com sua mão direita ela acariciava as cortinas escorregando os dedos até a pequena escrivaninha. Seus olhos pararam ali, vidrados e perdidos, carregados de memorias embaralhadas, doloridas e misturando-se em uma mancha confusa, ela os fechou com força e suspirou. Deslizou a mão fora da escrivaninha e olhou para a muda de roupas em cima da cama. Ela ainda precisava encontrar Meltzer para uma última conversa antes da terapia em grupo. O local e situação que a deixaria perto de Anna.

 

Santa Maria Cassiana estava diferente de como Jessie se lembrava. Já tinha por volta de um mês que havia retornado e ela ainda não se sentia familiarizada com o local. A verdade é que Jessie pouco conhecia de sua própria cidade nativa. Quando criança, as poucas vezes que fez passeios pela cidade foram aquelas em companhia de seu pai, sua madrasta e Anna, mas eram sempre passeios estressantes para ela. Seu pai parecia uma sombra sufocante. Já os passeios anteriores a esta época, Jessie lembrava apenas fragmentos.

Ela olhava pela janela fechada do carro e fotografava mentalmente cada pedaço que cruzava. Em seu íntimo ela cogitava planos de conhecer a cidade de Cassiana. Conhecer cada parte a sua maneira e não somente os pontos turísticos.

Não muito tempo depois de ter saído do hotel, ela reconheceu a área da clínica de Meltzer. Conforme o carro reduzia a velocidade, ela sentia seus batimentos ficarem erráticos. Um desconforto preencheu a boca de seu estômago e sua cabeça parecia pesar. Jessie ficou alarmada, seu maior temor retornara. Ela sempre associava situações novas e desconhecidas a seu problema com ansiedade e seu medo de ter uma crise. Jessie engoliu algumas vezes e inspirou o ar lentamente.

Alprazolam. Alprazolam. Ela repetiu mentalmente. Eu já tomei o remédio. É apenas a Meltzer que está aqui. Ela respirou profundamente.

O veículo estacionou e o motorista falou.

— Chegamos, Srta. Galvão.

— Um momento.

Jessie contou algumas respirações e passou as mãos na calça jeans repetidas vezes.

— Eu o avisarei quando acabar.

— Eu abrirei para a senhorita.

— Não é necessário.

— Certo. Me avise quando precisar então.

Jessie saiu do carro e sentiu a mudança de temperatura contra sua face. O calor ameno do ambiente externo parecia estar lhe dando boas-vindas. Foi agradável para ela. Jessie olhou para o alto e o céu estava limpo, poucas nuvens transitavam. Apreciou o céu azul e suavemente ensolarado, com um meio sorriso de admiração.

Ela colocou fones de ouvido sem tirar os olhos do alto, isolando os ruídos externos. Elephant Gun ela pensou. Era a canção da vez em sua playlist. Não era o que planejava escutar no momento, mas ela amava. Era uma de suas favoritas, então permitiu que a canção desenhasse suas suaves e profundas notas para o interior de sua audição e sua alma.

Era geralmente assim que Jessie preferia. Sempre que podia, ouvia músicas. E quando era uma situação como esta, na qual ela tinha que seguir entre as outras pessoas longe das paredes de seu quarto, nesses momentos que ela se sentia exposta e vulnerável, escutar suas canções favoritas era como uma barreira de proteção. Ajudava a seguir em frente sem tanto medo. Nessas horas ela não se sentia tão sozinha.

E foi ao som de Elephant Gun que Jessie seguiu para o interior na clínica de Meltzer. A estrutura do local, assim como seu interior, lhe era estranhamente acolhedora. Jessie já havia ido algumas vezes desde que chegara. Entretanto, seria a primeira vez que participaria da psicoterapia em grupo. Todas as outras vezes fora para sessões de terapia individual.

Assim que adentrou no local, Jessie foi recebida por Meltzer, que a levou até sua sala individual.

— Estou muito feliz que você tenha vindo, Jessie! Como se sente?

Jessie sorriu.

— Eu andei até aqui sem a sensação de que algo ruim aconteceria. Eu... Eu estou bem! Meu coração não se acalmou desde que... Eu não sei desde quando, só que ele está irregular. Estou nervosa, mas não sinto medo de ter uma crise agora.

Meltzer sorriu orgulhosa.

— Isto é ótimo, Jessie! Você é capaz de muito mais.

Jessie deu uma risada baixa.

— Acho que você deveria elogiar o Alprazolam. — debochou

— Senso de humor também é algo excelente, Jessie. — respondeu a terapeuta — Estou orgulhosa de você.

Jessie suspirou profundamente.

— Eu não sei se estou pronta pra isso, Meltzer. Talvez... — Ela encarou a terapeuta. — Talvez fosse melhor fazermos apenas a terapia individual.

Meltzer sentou-se em sua cadeira e a observou.

— Você tem certeza? — indagou — Não está pronta para ver Anna?

Jessie mastigou o interior da bochecha e imaginou como seria a situação. Seu corpo respondeu imediatamente as suas imaginações. De repente o sutil traço de segurança dera lugar a tensão e ansiedade. Seus braços se contraíram e ela abraçou seu abdômen.

— Eu não sei... E se eu tivesse uma crise na presença dela? Seria terrível!

Meltzer percebeu Jessie adotando sua postura defensiva. Uma atitude comum quando ela se sentia tensa, com medo e sem saber o que fazer. Ela retirou os óculos de grau e pousou acima de uma pilha de papel em sua mesa.

— Que tal se nós conversássemos um pouco, Jessie? Venha até aqui e sente-se. — chamou enquanto a observava

Jessie olhou para a cadeira, olhar impaciente, braços tensos em volta do corpo. Ela então fechou os olhos e soltou uma longa e profunda respiração, deixando aos poucos seu corpo livre. Ao abrir os olhos, foi em direção da cadeira, mas ainda de pé disse:

— Eu quero. Só estou com medo, Meltzer. E, honestamente? Acho que ainda não pirei por causa do remédio. Eu sinto a ansiedade, mas não é com tanto peso, entende?

— É para isso que ele serve. Para somar com a psicoterapia e auxiliar você a aprender a lidar com sua ansiedade. — esclareceu a terapeuta — Agora sente-se. Não sou mais tão jovem para ficar com a cabeça inclinada te olhando aí de pé.

Um sorriso se formou nos lábios de Jessie e ela sentou.

— Você tem tomado corretamente?

— Sim, eu tenho. Pouco antes de vir tomei a segunda dose diária. — Ela encarou Meltzer e percebeu que estava sendo analisada. — Não se preocupe. Não estou tomando além do prescrito.

— Eu sei, Jessie. Eu confio em você.

Jessie encarou a mesa e então voltou-se para a Meltzer.

— Eu quero ficar melhor. Eu preciso disso para conseguir lidar com a história do hotel.

— Você vai. Como tem dormido?

— Razoavelmente bem, na verdade. Acredita que tem alguns dias que não tenho pesadelos?

— É mesmo?

— Sim! Acordada eu penso em algumas coisas, mas ao menos dormindo tenho tido paz nessa última semana. Não consigo dormir uma noite inteirinha ainda, mas a razão pela qual acordo não é pesadelo.

Meltzer sorriu genuinamente feliz e pressionou carinhosamente a mão de Jessie, que também sorriu.

— Você ainda terá muito mais do que se orgulhar. Colherá ainda mais resultados positivos.

Um silêncio confortável preencheu o ambiente por algum momento até que Jessie se manifestou.

— Será que... Será que ela virá hoje?

— Com certeza. Ela sempre vem, ainda mais após a conversa que tivemos. Anna ficou muito abalada. Imagino o quão empolgada ela deve estar para te encontrar.

— É tão estranho. — desabafou Jessie — Ela não sabe nada de mim. Como pode estar empolgada?

— Ela sabe.

— Me refiro ao presente. Ainda que você tenha sido meio fofoqueira, ela não sabe realmente nada sobre meu eu atual.

Meltzer arqueou as sobrancelhas e deu uma risada.

— Mas ela quer saber. Dê a ela essa chance.

— Quanto maior a expectativa, maior a decepção, Dra. Essa moça deveria saber disso.

— Jessie.

— Eu quero fazer isso, mas não posso prometer nada. Tem uma tempestade dentro de mim, Meltzer. Nesse exato momento há um apocalipse ocorrendo em meu peito, então eu não sei como me sentirei ao vê-la. — Ela franziu o cenho e então apertou as pálpebras, impedindo qualquer lágrima de cair. — Mas eu vou tentar.

 

 

Jessie se recostou à parede lateral da sala de terapia em grupo. Ela foi a primeira a chegar e permaneceu entretida com suas músicas. Não notou uma pessoa sentando-se bem próxima a ela. Também não percebeu que essa pessoa lhe dizia algo. Fones de ouvido somados a música em volume alto, um caminho para uma audição problemática e para a perda de interação social. Mas o ser humano tem dessas sensações, é como se algo em seu corpo avisasse quando há alguém requerendo sua atenção. Algumas vezes funciona, principalmente se a pessoa for insistente.

Jessie notou a garota que a encarava como se esperasse uma resposta.

— Sim? — perguntou retirando os fones. — Você falou comigo? — sua voz saiu incerta

— Sim. Tem algum tempo que estou esperando cê me responder se é nova aqui. — respondeu ela — Mas percebi que você estava focada em sua música.

Um rubor sutil percorreu a face de Jessie.

— Me desculpa — Não escutei...

A jovem sorriu e balançou a cabeça.

— Não se desculpe. Na verdade, eu que deveria te pedir desculpas, afinal, você estava ouvindo música e eu atrapalhei.

Sim, você atrapalhou, pensou Jessie, então olhou para o celular e pressionou o botão que desligava a reprodução musical, guardou o aparelho e tentava não demonstrar seu nervosismo.

— Eu não queria te incomodar.

— Não... — Jessie balançou a cabeça. — Não é incômodo. Sou nova aqui sim, estou começando hoje.

— Então, bem-vinda! — sorriu a garota estendendo uma mão — Meu nome é Victoria. Qual o seu?

— Obrigada. Meu nome é Jessie. — cumprimentou com um aperto de mão.

— Prazer, Jessie! Também sou meio nova aqui. Frequento tem um mês mais ou menos. Você é daqui de Cassiana mesmo?

Essa era uma das dificuldades de Jessie. Interagir com outras pessoas. Principalmente este tipo de interação informal, que envolvia ser casual e falar de si mesma. Jessie nunca frequentou colégios comuns, desde pequena sempre estudou em casa com tutores particulares. Quando criança seu pai não permitira ter uma educação comum, pois assim ela estaria longe de sua supervisão. A situação não mudou muito quando passou a morar com seu avô. Os motivos eram diferentes, ele não queria que sua neta recebesse qualquer influência e agisse como os outros jovens de sua idade, isso era o que ela costumava ouvir de um funcionário ou outro.

Portanto, Jessie cresceu sem vivenciar a maioria das experiências que adolescentes vivem. Após ir embora de Cassiana, seu contato humano mais próximo, além de Meltzer, fora com babás, empregados e tutores, e mais tarde com alguns funcionários da empresa quando começara a acompanhar o avô em algumas reuniões. No entanto, nada disso chegou nem perto da ligação que desenvolveu com Anna.

Provavelmente Meltzer e Anna foram as únicas pessoas com quem Jessie conseguiu criar fortes vínculos, mas ela ainda sentia que lhe faltava desenvoltura com pessoas de sua idade.

— Sim, sou daqui mesmo. — respondeu

Victoria parecia prestes a dizer outra coisa, mas uma movimentação chamou a atenção das duas. Um grupo falante de jovens entrara na sala cumprimentando Meltzer. Novidade geralmente chama a atenção das pessoas, ainda mais quando a novidade é alguém novo. Os recém-chegados se aproximaram de Jessie e Victoria, sentaram-se as almofadas no chão e iniciaram uma conversa casual.

Embora descontraídos e simpáticos, Jessie se sentia pouco à vontade, não era por mal, apenas falta de habilidade social mesmo. Mas ela já tinha criado uma técnica para não surtar quando estava com outras pessoas: a máscara de emoção. Era uma armadura que lhe servia de proteção.

Entre o “oi” e o “qual seu nome?”, mais duas garotas entraram na sala. Aparentemente era quem faltava, pois Meltzer iniciou a sessão e após algumas palavras perguntou se Jessie gostaria de se apresentar.

Se Jessie já se sentia nervosa antes, agora sua tensão aumentara. Não passou despercebido por ela que uma das jovens que acabara de entrar era Anna. Embora estivessem afastadas por tanto tempo, Meltzer lhe enviara uma foto há alguns anos. E a comparar pela foto, Anna não estava muito mudada, talvez o cabelo. Mas ela teve certeza e nem conseguiu olhá-la por tanto tempo.

Jessie tentou falar, mas sua tensão a fez falhar. A terapeuta foi a seu socorro e não pressionou. Em vez disso, sugeriu que os outros se apresentassem. E, assim, alguns se apresentaram dizendo algumas palavras. Estavam sendo gentis, o que fez Jessie sentir vontade de dizer algo, mas o nervosismo a impedia.

Uma piada com Anna fez com que Jessie a olhasse. Ela já tinha sentido seu olhar, porém agora ao encará-la pela primeira vez desde sua entrada, Jessie sentiu o peso de seu olhar. Era tão intenso e cheio de sentimentos profundos e misturados. A jovem sentia como se seu interior desabasse e seu corpo afundasse num incontrolável mar de sensações diversas. Seus olhos começaram a arder e ela não estava aguentando tal pressão.

Desviou o olhar, ela precisava desviar. Mas ao fazer isso uma estranha sensação de perda invadiu seu ser. Depois de tanto tempo longe de Anna, tantas lágrimas derramadas por não poder reencontrá-la, por que era tão difícil olhá-la nos olhos agora que estavam tão perto? Muita coisa passava pela cabeça de Jessie. Será que ela sabe que sou eu?

Ela fitou em seus olhos novamente e recebeu a resposta para sua pergunta mental.

— Jessie... — sussurrou Anna

Foi tão baixo que Jessie só soube que Anna dissera seu nome, pois viu ele ser desenhado em seus lábios. Um calor sufocante se espalhava por seu peito. Ela olhou para o chão e então para Anna e viu reconhecimento em seus olhos.

Você se lembra... Jessie sentia seus batimentos intensamente desordenados, seu estômago parecia revirar e ela já não podia suportar o desconfortável nó em sua garganta que parecia querer impedi-la de respirar adequadamente. Um velho temor lhe cutucou o peito. Eu não posso ter uma crise agora... Não agora, por favor! implorou para si mesma já sentindo o salgado sabor do choro em sua boca.

— Eu sinto muito! — murmurou fracamente seguindo rapidamente para a saída da sala.

Anna levantou-se abruptamente e correu ao seu alcance.

 



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