Consultório da Maya
MAYA
Depois daquela situação desagradável, para dizer o mínimo, ir para casa e dormir estava fora de cogitação.
A raiva que eu estava sentindo daquele imbecil, me fazia desejar destruir alguma coisa, gritar ... chorar.
Há muito ninguém mais tinha conseguido me fazer sentir assim, diminuída. E mesmo sabendo que ele era um babaca, com essa atitude irracional e racista, me sinto ferida.
Cheguei em casa, depois de remoer durante todo o trajeto a atitude do idiota e decidi extravasar minha ira na academia. Me troquei rapidamente e tomei um copo de leite, a única coisa que havia na minha geladeira, já que esqueci de parar para comprar algo para comer.
Culpa daquele energúmeno !!!
A academia estava cheia para um sábado ensolarado, as salas com as mais diversas modalidades de aulas. Me dirigi para a minha aula preferida: capoeira.
Me aproximei da roda, cumprimentei o Mestre e meus irmãos. E ao toque do berimbau, me deixei levar pelo gingado e logo estava livre e entregue ao prazer que a mistura de luta e dança era capaz de proporcionar.
Com a mente, espírito e corpo aliviados, voltei para casa e depois de um bom banho, pedi um refeição completa em um dos meus restaurantes preferidos, me empanturrei e dormi até o dia seguinte.
Acordei com o celular tocando, sem a menor vontade de atender, porém ...
- Alô.
- Maya, é a Car. Preciso conversar.
- Ok. Vem pra cá. – respondi me sentando na cama e despertando.
Algo sério devia ter acontecido, já que ela e Will, não estavam muito bem.
- Certo. Estou subindo, trouxe o café da manhã.
Ela desligou e eu ri.
Carina era demais !!!
Já estava no meu prédio e veio preparada.
O porteiro interfonou, liberei a entrada dela e fui fazer minha higiene, deixando a porta destrancada para que ela pudesse entrar.
Quando saí depois de um banho rápido, a mesa já estava posta e ela me esperava com uma xícara de café em mãos.
- Bom dia, Car. O que aconteceu dessa vez ? – fui direta, me sentando.
- Bom dia. – ela sorriu ironicamente – Para variar, Will e eu brigamos. E eu não resisti, dormi com Doug ...
- Carina !!! Você prometeu que ia parar !!! – disse frustrada – Que ia tentar se controlar, por você, pelo Will ...
- Eu sei !!! Mas foi mais forte do que eu, Maya !!! – falou passando as mãos pelos cabelos em desespero – Quando eu dei por mim, já estava em frente ao prédio dele e ...
- E fez merda de novo !!! Ao menos foi bom ? – perguntei sorrindo.
- Bom ?! Foi ma-ra-vi-lho-so !!! -disse sorrindo – O problema é o depois ... Me sinto mal por fazer isso com o Willian.
- Carina, seja sincera e me responda: você ama o Willian?
Ela abaixou a cabeça e pareceu em dúvida, confusa sobre o que dizer.
- Eu não sei ... Mas não me vejo longe dele, May.
- Mas será que isso é amor ou costume ? – insisti.
Inquieta, ela se levantou e foi até a janela, ficou observando a paisagem por alguns minutos em silêncio.
- Sinceramente, não sei como responder à essa pergunta. – os olhos dela estavam marejados – Estou me sentindo perdida ...
Nesse momento, meu celular voltou a tocar. Era Chloe.
- Oi, Izzy.
- Oi, está ocupada?
- Não. Está tudo bem ?! – perguntei preocupada com seu tom aflito.
- Tudo ... quer dizer, preciso conversar !!! Posso ir até aí ?
- Claro, pode subir.
- Eu ... Hum... ok. – senti o tom de riso em sua voz e desliguei rindo.
Carina me olhava interrogativamente.
- Era a Izzy , ela está subindo. Também precisa conversar.
- Entendo. Melhor eu ir embora ...
- Claro que não !!! – disse indo atender o interfone – Domingo é o dia perfeito para reunir o clube da Luluzinha.
Izzy chegou trazendo duas sacolas repletas de comidinhas e ao ver Carina pareceu constrangida por um instante.
- Sabe meninas, adoro quando vocês transformam minha casa em consultório sentimental num mix de restaurante. Tenho certeza que vamos nos divertir muito hoje.
- Oi Carina, não sabia que estava aqui. Espero não estar atrapalhando... – Izzy disse sem jeito.
- Oi Izzy . Na verdade, eu já estava de saída e ...
- Ei vocês duas, vamos parar com isso !!! – interrompi impaciente – Ninguém está de saída e muito menos atrapalhando !!! Vamos esclarecer as coisas aqui de uma vez por todas : Izzy a Carina nunca teve nada com o Prescott e nem tem nenhum interesse nele, ok ? E também não te julga ou condena por isso.
- Izzy !!! Você achou que eu já tinha tido um caso com o Ryan ?! – Carina perguntou entre chocada e divertida.
- Eu ... hum ... Sim, achei.- Izzy respondeu direta, porém vermelha como um pimentão – Vocês dois tem um jeito tão íntimo de se tratar ...
- Mas eu te garanto que nunca tivemos nada além de uma relação profissional e de amizade. E eu adoraria se você desse um jeito naquele teimoso.
Izzy a olhou surpresa e se derramou de vez.
Voltamos a nos sentar ao redor da mesa e entre a comilança, ela nos colocou a par do que aconteceu entre ela e Prescott no escritório.
- Izzy, só me diga uma coisa, essa foi a primeira vez que vocês se pegaram dessa maneira ? Porque se eu não tivesse entrado, provavelmente, teriam consumado o ato.- disse com um sorriso malicioso- E me sinto muito culpada por ter estragado o momento.
- Maya, deixa de ser boba !!!- Izzy respondeu rindo para disfarçar o embaraço – E sim, foi a primeira vez que ele se deixou levar. Eu acho que ele quer me enlouquecer ...
- Por que você diz isso? – Carina perguntou atenta.
- Porque na maior parte do tempo, ele me trata polidamente, como um profissional. Ok. – fez uma pausa e suspirou triste – Mas já o flagrei me devorando com o olhar e, quando recebi uma ligação de um amigo, ele foi tão ríspido. Parecia que eu tinha cometido o pior crime do mundo !!! Eu não consigo entender esse comportamento dele.
- Ah, Izzy é muito simples !!! Ele está lutando contra o desejo que sente por você. – Carina foi taxativa.
- Desejo ?! Boa parte do tempo é como se eu nem existisse, Carina !!! Izzy argumentou – E quando me nota, é para me maltratar ou tratar com indiferença.
- Meu anjo, Ryan está louco por você !!! E nós vamos fazê – lo se declarar !!! – Carina disse batendo palmas de entusiasmo.
Eu que tinha ficado em silêncio, observando tudo, decidi me manifestar :
- E como você pretende fazer isso, sabichona ? Sabe como o Prescott é duro na queda.
- Muito simples, minhas queridas : provocando ciúme !!! – Carina sorria diabolicamente – E precisamos começar logo.
- Olha eu não sei se isso vai dar certo ...- Izzy falou hesitante.
- Você o quer , Izzy ?! -Carina perguntou a encarando.
- Quero e muito !!! – respondeu firme.
- Então não há como dar errado. – sorriu e segurou a mão dela– Ryan Prescott será seu.
- Deus que o ajude !!! – disse e todas rimos.
Carina virou -se para mim com aquele ar sapeca que lhe é característico e me vi no centro da berlinda, quando ela perguntou :
- E você, dona Maya ? Não tem nada para nos contar ?
Por um momento, me lembrei do dia anterior e do estranho, mas logo afastei essa lembrança. Desviando o olhar, respondi o mais inocente possível :
- Eu ?! Pobre de mim, não tenho nenhuma história emocionante como a de vocês.
- Porque não quer !!! – Izzy disse rindo – Fiquei sabendo que tem um agente lindo de viver, apaixonado pela senhorita e que é esnobado. Ah, se eu não fosse apaixonada pelo Prescott ...
- Apaixonada pelo Prescott ?! – tentei desviar o assunto, mas sem sucesso.
- Maya isso está mais do que óbvio. Não venha querer mudar de assunto. – Carina não deixou que eu me safasse – E você deveria dar uma chance ao Colin. Ele é tão bacana, sem dizer que é gostoso pra caramba !!!
- Eu não estou procurando um relacionamento agora e ...
- Quem disse que você precisa namorar, casar ?! Maya !!! - Carina indignada me interrompeu – Mantenha uma amizade colorida, oras !!!
Izzy e ela riam a valer, enquanto eu negava com a cabeça silenciosamente.
- Pense, aí poderemos sair de casalzinhos !!! -Car continuou debochada.
- Sério? – falei a encarando – Você sabe muito bem que não estou pronta para isso.
- Mas você não se sente nem um pouco atraída por ele, May ?- Izzy perguntou docemente.
Fiquei em silêncio, relembrando alguns dos momentos que já tínhamos passados juntos no trabalho. Situações em que ele se mostrou um cavalheiro.
- Sim, eu sinto certa atração por ele. Não sou cega !!! – disse sorrindo – Mas ...
- Izzy com ela sempre tem um “ mas “.
- Eu não sei ... as coisas tem que acontecer naturalmente. – continuei, ignorando a interrupção – E se tiver que ser, será.
- Lá vem ela, com a filosofia espiritualista de que tudo tem um porquê e um momento certo para acontecer.
- E tem mesmo Carina. Nunca me decepcionei por pensar e agir assim. – fiz uma pausa e as encarei seriamente – Tudo está onde e como tem que estar. A mim cabe, fazer as melhores escolhas de acordo com a minha consciência. E no momento, sinto que não tenho o que Colin precisa. Talvez isso mude, não sei ...
- Desculpe – me se eu estiver sendo invasiva, mas qual a sua religião ?- Izzy pergunta meio sem jeito.
- Eu acredito em Deus, Izzy . E sigo a filosofia espírita. – sorri para deixá – La à vontade – Acredito no amor, no respeito ao próximo e na caridade. E me recuso a seguir dogmas.
- Dogmas ?!
- Regras impostas por qualquer religião.- expliquei paciente – Por exemplo, não poder cortar o cabelo ou usar calça. Trabalhar no sábado ou ainda não poder comer determinado alimento.
- Entendi. E você frequenta algum lugar específico?
- Sim e se um dia quiser conhecer, será muito bem – vinda.
- Eles fazem um trabalho lindo de acolhimento, distribuição de alimentos. Caridade mesmo.– Carina disse empolgada – Eu já cheguei a contribuir.
- Nossa fiquei curiosa, May. Por favor, na próxima vez, que for posso ir com você? – ela pediu ansiosa.
- Claro. Mas quero deixar claro, que é uma casa simples e lá não acontece nada de excepcional. Apenas estudos, atendimentos e muito trabalho.
- Tudo bem. Mas mesmo assim, quero muito conhecer.
- E eu irei com vocês, estou precisando da paz que encontrei por lá. – Carina completou.
- Fechado. Então quarta -feira, às 19h iremos direto da agência, ok ?
- Ok !!! – responderam em uníssono.
Mal sabíamos nós que mais um elo da vida estava prestes a se completar, só estava faltando mais um membro.
Depois disso a conversa se generalizou e passamos o restante do domingo juntas, estreitando ainda mais os laços.
Quando elas foram embora, passava das 20h.
Tomei um banho e cansada, fui direto para a cama. E novamente a imagem daquele homem invadiu minha mente. Aqueles olhos azuis me assombravam.
Me esforcei para evitar de sentir qualquer coisa por ele, principalmente, raiva. Mas foi inevitável e lágrimas vieram aos meus olhos.
Por fim, me permiti chorar e fiz uma oração, sentindo um alívio imediato.
O sono me envolveu, porém antes de adormecer completamente, ouvi nitidamente :
“ Maya, nem tudo é o que parece.”
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