1. Spirit Fanfics >
  2. Sobre Alice >
  3. Capítulo Único

História Sobre Alice - Capítulo Único


Escrita por: seandwarf

Notas do Autor


Escrevi há algum tempo e por incentivo de amigas, resolvi compartilhar. É apenas outra história, como muitas por aí, sobre um amor que não vingou e fecha portas: não deixa uma nova pessoa entrar e não deixa aquela que se foi sair.
Essa oneshot já foi postada no Nyah! há algum tempo e depois de lê-la pela centésima vez, eu simplesmente cheguei a conclusão que deveria postar aqui também.
Aproveitem e boa leitura!

Capítulo 1 - Capítulo Único


 

‒ Laura! ‒ Ouvi ela chamar meu nome, despertando-me do meu devaneio, obrigando-me a focar o olhar em seu rosto, nas sardas sobre o nariz e na parte superior das bochechas que ela tentava disfarçar com corretivo, por mais que eu a dissesse que suas sardas eram adoráveis.

‒ O quê? ‒ Perguntei, e ela revirou os olhos cor de chocolate. Ergui as sobrancelhas, esperando que ela dissesse alguma coisa, mas antes disso, ela sorriu pra mim, com a língua entre o pequeno espaço dos dentes da frente.

‒ Você tá muito distraída. Você ouviu o quê eu disse? ‒ Seu tom paciente usual, seus olhos gentis e como sempre, não me esperou responder, sabia que quando meu olhar perdia o foco, meus pensamentos ficavam altos demais pra me deixar ouvir qualquer som vindo de fora. ‒ Eu pensei em comprar aqueles ingressos para o show, o que você acha?

Eu não achava nada.

‒ Você quem sabe. ‒ Respondi com meu melhor sorriso e depositei um beijo na bochecha dela, que se virou em tempo dos meus lábios encontrarem o canto dos seus. Ela sorriu com o contato inesperado e quase tímido, mas havia tristeza em seu olhar.

‒ Não é “você quem sabe”. Você costumava ser mais presente nas nossas escolhas. ‒ Ela enfatizou o pronome, e eu me mexi desconfortável no sofá, ela pareceu não perceber, ou fingiu muito bem, sentou-se no meu colo e envolveu os braços em meu pescoço.

O que eu poderia dizer? Que já fazia algum tempo e ela só notara agora? Que já começamos daquela maneira mas agora ela queria mais do que eu poderia oferecer? Eu gostava de Natália, todo tempo que passava com ela me trazia felicidade, mas não a amava.

Eu falava a verdade quando dizia que amava suas sardas, o espaço entre seus dentes, seus olhos escuros e seu cabelo de cor indefinida que parecia castanho mas à luz do sol era dourado. Eu amava todos esses pequenos detalhes nela, até a pinta que ela tinha do lado esquerdo do pescoço e aquela manchinha na clavícula. Mas eu não a amava, embora ela fosse adorável, carinhosa, caridosa, gentil e vegetariana.

E ela sabia disso. Ela sabia que eu não a amava porque ela não era Alice, muito embora Natália não merecesse ser comparada com Alice. Natália podia me levar ao céu se assim desejasse, mas Alice era meu inferno e eu passei a vida inteira acreditando que todas as escolhas que fiz me levariam para lá.

‒ Nós podemos ir. Você quem sabe, porque você não curte muito bandas brasileiras, você sempre foi do pop internacional. Não quero te submeter aos meus gostos. ‒ Retruquei, dando de ombros, tentando parecer o mais despreocupada possível.

‒ Mas você não submete. Eu quero ir.

‒ Então é você quem sabe. ‒ Não resisti sorrir. Ela sempre fazia esses pequenos sacrifícios, ela lia os livros que eu lia, mesmo que os temas não a interessassem por conta própria, via as séries que eu via só para que eu tivesse com quem comentar, embora eu soubesse que ela achava os efeitos especiais antiquados e ruins. Natália até pegava os meus álbuns, os ouvia, tratava como filhos e quando íamos à algum lugar com o rádio ligado, ela cantava junto comigo sorrindo, e aquele nem era o estilo dela.

Natália se preocupava em me dar boas lembranças.

E este show era uma delas. Ela queria que eu tivesse uma boa recordação dele.

‒ Então amanhã eu vou pegar os ingressos, antes que esgotem. ‒ Seus lábios tocaram os meus com tanta rapidez que não pude retribuir e ela se levantou, acariciou o meu rosto, encarou-me sorrindo e se afastou, para algum lugar além de onde meus olhos podiam ver atrás da cortina que dividia o cômodo na pequena sala onde estava e o quarto onde ela havia ido.

E eu não sentia falta de Natália quando ela sumia de minha vista, como quando Alice desaparecia atrás da mesma cortina. Eu não me levantei para ultrapassar o limite entre quarto/sala, jogar Natália na cama e amá-la desesperadamente, como normalmente eu teria feito com Alice anos atrás.

Com Natália não era preciso urgência, ela não fugiria a qualquer momento de mim, ela não me rejeitaria de uma hora para outra. Natália era constante e talvez eu não a valorizasse porque era habituada com o imprevisto. E até pouco tempo atrás, nenhuma de nós tinha se queixado. Nenhuma de nós desejava mais do que ser uma companhia agradável para a outra.

Eu, nem tão agradável assim.

Porque era claro que Natália sabia, que vez ou outra, era com Alice que eu queria estar. Não importava se eu havia sido chutada, se Alice não valorizasse nenhum puto do amor que nutri por ela desde que, acidentalmente, há quatro anos atrás, nossos dedos tenham se esbarrado ao puxar o último exemplar de um livro velho e talvez até raro, num sebo no centro do Rio, eu com 20 e ela 22.

Ela queria o livro e eu quis ela. Ela queria negociar o livro comigo, eu só quis ficar mais alguns minutos olhando para aqueles olhos cor de mel e misteriosos, sem brilho algum, infelizes e dissimulados. Seu nariz era meio empinado, seus lábios tão finos e eu quis beijá-los ainda que não tivessem aparência apetitosa. Estavam limpos de qualquer pintura, ressecados e rachados. Mas me atraíram como nenhum outro.

Depois de alguma conversa afiada, ela colocou atrás da orelha direita uma mecha de seus cabelos finos, volumosos e cacheados cujas pontas de aparência muito macia roçavam seus ombros.

‒ Eu não tenho nenhum problema em emprestá-lo pra você. Só preciso saber onde te encontrar... Ou como. ‒ Ela sorriu um sorriso comum, soube depois de algum tempo, ela tinha sorrisos muito mais lindos do que aquele, que nem era o seu melhor e me tirou o ar.

‒ Eu posso te passar meu número. Mas por segurança, eu venho aqui toda sexta, a partir das 16h. ‒ Eu não ia. Mas eu passaria a ir se houvesse alguma garantia que ela aparecia por lá. E se aparecesse, eu saberia se ela me queria também.

E ela pareceu, na sexta seguinte e depois em todas as outras sextas, por dois meses quando ela finalmente levou o livro que nunca li, nem nunca devolvi, como desculpa pra ela nunca sumir. E ela não sumiu e quando vi, tanto apreço se tornou uma paixão que mal cabia em mim.

Mas Alice era um cubo mágico que eu não conseguia resolver e durante os três anos seguintes eu tentei entender como tudo poderia parecer tão incrivelmente no lugar mas sempre encontrar uma única peça fora de sua cor. Alice me confundia, me enganava, me iludia e me fazia amá-la de uma maneira que eu nunca entendi. E nunca foi gentil sobre isso e eu a odiava toda vez que me dava conta de seus erros. Até que ela me tocava e nada mais importava que a sintonia improvisada de dois corpos que se encontravam eternamente em descoberta.

Mas as descobertas acabaram, seus olhos perderam o interesse em mim, ficaram desanimados, infelizes e dissimulados como no dia que a conheci. E eu nunca achei possível amar alguém ainda mais depois de ter o coração partido. Não da maneira que a amei quando aquele olhar do fim me levou direto ao início. Aquela falsa vulnerabilidade em contrapartida, provocando, o meu extinto de cuidar que no final, foi o que me levou à ela.

Eu nunca resisti as pessoas infelizes.

Agora eu era uma. Agora eu tinha o mesmo olhar, os lábios similarmente rachados. Era o mesmo ser de complexa compreensão. Eu era a ruína atingida pelo ruir de Alice. Que a propósito, não me amava. E se algum dia havia feito, deixou em segredo.

 


Notas Finais


E então, o que vocês acharam? Me contem suas experiências com suas "Alices" e "Natálias"!


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...