História Somos instantes. - Jantar

Ontem, antes de dormir no meu quarto, fiquei repensando o que aconteceu na cozinha.

David pegou algo estranho no ar. Ele não parecia chateado, mas o riso que ele não conseguia segurar minutos antes havia sumido do rosto dele quando percebeu que eu e o James estávamos quietos olhando de frente um para o outro.

Oscar não se intrometeu.

Eu estava olhando para o James com o pensamento em outro lugar. Tipo quando você congela os olhos e voa de tanto pensar. Eu não estava trocando olhares com ele, mas ninguém acreditaria nisso. Nem o James, já que mesmo estando com os pensamentos nas nuvens, meus olhos estavam perdidos em algum lugar no rosto dele.

David entrou fazendo aquela pergunta, me deixando um pouco assustada.

Não. – Eu coloquei meu cabelo atrás da orelha. – Nada. James e eu estávamos conversando.

Não pareciam estar conversando. – David me olhou com a sobrancelha franzida. – Pelo menos não com a boca. – Ele chegou bem perto de nós. – Pareciam estar se falando pelos olhos.

Não, não foi nada disso que você está pensando, David. – Disso o James. – Eu que fiquei encarando a Lauren enquanto conversávamos.

... Sobre Londres. – Respondi para complementar.

Sobre Londres. – Ele assentiu com a cabeça. Não estava acreditando nem um pouco.

Eu ri com a cara fechada do David para tentar descontrair o clima pesado.

- Vai me dizer que você não sabe que eu gosto de avaliar comportamentos?

Ele me olhou sem sorriso nenhum nos lábios, depois olhou para o James. 

- Por que estaria avaliando ele?  

Finalmente comecei uma gargalhada. Ele estava com ciúmes.

David. Com ciúmes.

Ele não riu nem um pouco.

Ai, David. Eu sou assim, tá? Ou você acha que no dia em que eu conheci você no restaurante, fiquei de olhando só porque tinha achado você bonito? Vai muito além disso. Eu gosto de olhar nos olhos das pessoas quando eu converso. Gosto de ver suas expressões. Eu sou psicóloga.  – Ele começou a dizer alguma coisa, mas eu interrompi. – E você não tem nada que dizer isso e ficar...agindo desse jeito. Você está interpretando o nosso silencio de maneira errada. – Abaixei o tom de voz. – Não há nenhuma necessidade disso. É ridículo.  

Não precisa falar desse jeito. – Ele falou muito mais baixo que eu. Calmo.

Eu fiquei analisando o James porque eu já disse, eu faço isso com todo mundo. – Eu disse mais calma.

Sabia que a verdade não era essa. Eu estava pensando com os olhos no James. Só isso.

Desculpem. Eu devo estar com sono e cansado. – Ele encarou o James. – Só estranhei por vocês estarem em silencio...

Nós estávamos em silencio porque ficamos perdidos em pensamentos imaginando as coisas boas de Londres. Lauren estava me contando que gostou bastante daqui. – Ele começou a gesticular as mãos. Péssima atitude. Ele estava nervoso.

Eu já sabia lidar com isso então não foi um problema. Oscar voltou para a cozinha e chamou James. Eu dei um abraço neles. Oscar olhou para mim normalmente, James parecia suplicar desculpas pelo olhar.

Eles se despediram e foram em direção a porta, David foi atrás para fechar. Eu parei uns metros atrás dele.

Ele trancou a porta e colocou uma das mãos sobre, apoiando seu peso nela. Ele respirou fundo e soltou o ar rapidamente, ainda de costas para mim.

Eu engoli em seco.

Quando voltou a olhar para mim, seus olhos pareciam cansados.

- Aquilo foi estranho.

Virei os olhos.

Não foi nada.– Andei até ele. – Você está com ciúmes? – Passei minha mão pelos ombros dele.

Não estou com ciúmes. – Ele falou sem retribuir carinho e sem olhar para mim. – Estou desconfiado.

Eu me afastei do corpo dele como se tivesse levado um choque. Mas antes que eu pudesse falar alguma coisa ele me interrompeu.

Não estou desconfiado de você, Lauren. – Ele deu um passo em minha direção, passando sua mão pela minha cintura. – Estou desconfiado dele. Só eu sei o quanto você é bonita. O Neymar falou na mesa do restaurante, o Thiago. Eles ficaram me dizendo para ir falar com você, para chamar você. Disseram que você ficou olhando para mim enquanto eu ria. Fiquei contente que era para mim que você estava olhando. Fingi que falava no celular só para ir mais perto de você. – Ele respirou fundo e abaixou seu rosto na direção do meu. – Eu sei o quanto você é bonita por dentro e por fora, sei o quanto você atrai olhares por onde você passa. E confesso que não gostei do jeito em que ele agiu. Eu sei que você não faria isso, eu acredito em você. Mas sei como o James é, ainda mais agora que está solteiro. Vou ter que tomar cuidado com ele, antes que ele tente me apunhalar pelas costas.

- Eu não faria iss...

Mas eu tenho certeza que ele tentaria algo com você. – Ele respondeu sem me dar a chance de tentar terminar de falar.

Senti um pouco de raiva de mim por ter sentindo pena da cara de dó do James. Minha analise de comportamento falhou.

Dei um longo selinho no David.

É muito bom saber que você confia em mim. – Eu disse enquanto o abraçava. – Jamais faria isso com você. Eu sou louca por você, pelo seu jeito. Eu não faria isso. – Nos olhamos. – Vamos subir, estou exausta. Preciso dormir.

Subimos para o meu quarto. Ele parou na porta, me encostou nela e me beijou de novo.

Vai para o seu quarto. – Eu falei ainda agarrada com ele.

Eu estou indo. – Ele nem se mexeu.

Eu o abracei.

– Você precisa dormir.

Assim que ele foi para o quarto dele e eu entrei em baixo das cobertas, comecei a pensar em tudo o que o David disse sobre o James. Eu nem precisava analisar o comportamento do David para saber que ele não estava mentindo. Mas, James, esse sim eu precisaria ter cuidado porque enquanto, que com o David minha analise era perfeita e harmônica, com o James ela simplesmente não funcionava. Era como se eu pudesse cair nas palavras dele rapidinho. Como se ele fosse bom o suficiente para me enganar e persuadir.

Depois de três filmes consecutivos durante a tarde inteira do Domingo, nós resolvemos parar. Eu já não aguentava mais ver filmes e minha cabeça parecia querer explodir.

Resolvi subir para tomar um banho, David já havia tomado então ele ligou pedindo algo para que nós pudéssemos comer.

Desci e percebi que ele tinha pedido comida japonesa. Fiz uma careta, ele percebeu.

Não me diga que você não gosta. – Ele falou sentando-se na mesa. Eu caminhei até ela e percebi que havia três lugares.

Não é que eu não... – Comecei a falar, mas fui interrompida pela campainha. Lembrei da conversa que ele estava tendo no telefone ontem. A pessoa viria hoje á noite.

Espera aí. Vou atender a porta. – Ele se levantou e foi até a porta. Notei que havia uma mulher baixa, magra e ligeiramente bronzeada. Eles se cumprimentaram com beijos no rosto. Enquanto ela falava com ele, percebi que seu português era originalmente de Portugal.

Lauren. – David veio com a moça ao lado dele em minha direção. – Essa é a Sara, minha amiga e... ex namorada.

Espero que não se importe. – Disse ela me estendendo uma de suas mãos. – Prazer, Lauren.

Prazer. – Respondi. – Claro que não.

Eu estava um pouco confusa. Não pelo fato de ser ex namorada dele, eu também tinha meus exs namoradinhos e tudo mais. Mas, porque eu gostaria que ele tivesse me falado antes.

Sentamos juntos na mesa.

Enquanto comíamos a conversa fluía. Confesso que ela era muito simpática e muito bonita. Ela parecia ser calma e bastante delicada. Eu nem de longe seria parecida com ela. Se o David queria diversidade da sua ex namorada, conseguiu. Sou completamente diferente dela.

Até que ela nos contou algo que me fez acha-la ainda mais simpática.

Estou noiva! Lembra-se do Fabio, David? – Ela falava enquanto arrumava o cabelo. – Nós namorávamos á um tempo e decidimos ficar noivos.

Eu quase tive a impressão que ela veio visita-lo só para dizer isso. Mas como tento não julgar as pessoas, calei meus pensamentos.

Como vai a Maria e a Vivi? – Perguntou ela. – Falei com a Clarisse ontem. Nós não conseguimos nos desgrudar mais desde que vim para cá com o Fabio. Ela me disse sobre você. – Sara apontou para mim.

Imagino o que ela pode ter dito sobre mim, pensei.

- O que ela disse?

Nada. Ela disse que você é a psicóloga. – Sara era simpática demais para falar.

Depois que ela se foi, eu levantei da mesa e lavei a louça mesmo que o David tivesse me dito para deixar lá. Depois organizei algumas coisas na cozinha. David ficou encostado na parede o tempo todo, me encarando.

Você ficou brava? – Ele perguntou, com os braços cruzados.

Não. – Fui sincera. – Só um pouco surpresa. Você podia ter me adiantado.

- Queria ver como seria sua reação. Ela é minha amiga agora. Ela esta noiva. Você viu como ela está feliz?

Virei e me encostei na pia da cozinha.

Vi. – Respondi sorrindo. – Ela é simpática. Por que queria ver minha reação? Achou que eu ia ficar com ciúmes? – Eu ri, meio irônica, confesso.

Ele se desencostou e veio em minha direção. Me beijou. 

Não. Você sabe que não tem que ter ciúmes dela. Queria ver se você reagiria normalmente com ela. – Ele beijou minha testa.

Claro que sim. – Eu sorri me desencostando do corpo dele. – Não me importo. – Fui sincera.

Nos deitamos para ver algo aleatório na TV, mas antes de eu dormir, David já tinha caído no sono. Nossos celulares estavam em cima do braço do sofá, do meu lado. O do David vibrou. Uma mensagem.

Droga.

Eu odeio isso. Odeio querer ler e não poder. Odeio meu dedo involuntário que não deu a mínima para os meus pensamentos e apertou para desbloquear. A mensagem foi aberta rapidamente. Sara.

Ela é tão bonita e tão natural quanto você disse. Espero que vocês possam ser felizes. Ela parece gostar muito de você. Que você á trate tão bem quanto você me tratou.

Adorei a forma em como ela agiu no jantar, mas adorei ainda mais a surpresa que você fez para mim: Pedir meu prato favorito.

Pelo visto, você não esqueceu que adoro comida japonesa.

Obrigada, David.