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História Soneto Proibido - II - Ele é um menino.


Escrita por: larihexney

Notas do Autor


Olá, galerinha! Segue o segundo capítulo finalmente dando início ao enredo.
Boa leitura!

Capítulo 2 - II - Ele é um menino.


Assim que o duque César de Medeiros saiu da minha propriedade naquela noite de terça-feira, após saborear duas vezes o ensopado de frango da minha criada, dar palpite na sobremesa, degustá-la por mais de uma vez e ficar por mais de duas horas só bebendo vinho até decidir ir, eu me senti surpreendentemente esperançoso. E não, esta esperança não se devia apenas ao fato de me livrar da presença de César. 

Ainda que o jantar com a figura daquele homem tenha sido enfadonho, constrangedor, cômico e tedioso, o objetivo principal foi cumprido. Falamos de negócios e confesso que sua proposta me agradou de maneira grandiosa. 

Havíamos, então, firmado um acordo. Ele tinha uma pequena fazenda em Prados, repleta de camponeses que estavam trabalhando em uma plantação de batata. Entretanto, já estavam no fim da colheita e o duque venderia a fazenda em pouco tempo, para um marquês da capital. Segundo César, a venda da fazenda em nada tinha a ver com problemas financeiros, ele apenas pensava ser um grande feito fechar negócio com alguém de nome influente na capital. Portanto, eu teria camponeses e, em troca, ele gostaria de terrenos próximos ao Bosque Mãe D'Água. Terrenos estes que eu era proprietário e sabia que poderiam gerar muito lucro, mas nada que me interessasse mais que minha plantação cafeeira. 

Demos nossas palavras de honra e ficou combinado que, em uma semana, eu viajaria até Prados, para ver a quantidade de camponeses e oficializar nosso contrato. Felizmente, o tempo passou rápido o suficiente para não me deixar sucumbir a ansiedade e lento o bastante para que tudo fosse devidamente organizado e deixado sob controle antes da minha partida. Não haveria pendência alguma em Tiradentes enquanto eu estivesse fora. 

Dei um suspiro breve, observando as paisagens repletas de árvores verdes através da janela do trem. Já estava chegando e eu estava verdadeiramente empolgado. Comecei a ajeitar as minhas duas malas nas mãos por longos minutos antes de o trem fazer a parada. Não conseguia conter a vontade esmagadora que tinha de estar mais próximo da realização do meu projeto. Qualquer passo que eu desse era grandioso. 

Quando enfim o trem parou, fui um dos primeiros a descer e logo avistei o duque. Economizei nos cumprimentos e com rapidez já estava em seu automóvel, rumando até a sua fazenda. Infelizmente, ele não colaborou para o silêncio agradável que havia no ambiente e desatou a fazer perguntas sobre a pequena viagem de uma hora e meia que eu tinha acabado de fazer. 

— Que bom que a viagem foi satisfatória, barão Lucca, mas convenhamos que isso se deve ao fato de viajar de primeira classe. Imagino que ficar no meio do povo pobre e suado não seja agradável para nenhum de nós. – Ele disse, achando divertido o comentário. Me segurei para não revirar os olhos e apenas soltei um risinho, extremamente forçado. 

O duque começou a me mostrar os lugares por onde passávamos, os solos férteis no caminho até a fazenda e não demorou até que começasse a se gabar de suas propriedades. Foi um caminho longo e tenho que admitir que ele havia conseguido drenar a minha animação. Era espantoso como aquele homem me deixava cansado só de ouvi-lo por 20 minutos.  

Quando eu já começava a almejar o hotel no qual eu ficaria durante as próximas duas semanas, a visão de um grupo grande de pessoas trabalhando me chamou atenção. Gradativamente, o motor foi perdendo velocidade e não demorei a deduzir que, aquele terreno muito bem cuidado era pertencente a famosa fazenda do sr. Medeiros e aquelas pessoas seriam os meus futuros camponeses. 

Sorri. 

— Chegamos. – Ele informou, após concluir um longo tagarelar que não prestei a menor atenção. 

Desci do carro logo que ele terminou de falar e o duque veio em seguida, rindo vitorioso com o meu – agora – nítido entusiasmo. Caminhamos na direção onde os trabalhadores se encontravam, mas paramos quando um homem esguio, moreno e de feições duras apareceu. Sua expressão, naquele momento, era impossível de ser lida. 

— Barão Lucca Bellini Vasconcellos, este é o senhor João Macedo, um dos melhores lavradores que possuo e fiscalizador do trabalho dos demais camponeses. Sr. Macedo, este é o Barão Lucca Bellini Vasconcellos, de Tiradentes. – A voz irritante do homem de igual adjetivo me apresentou ao senhor até então desconhecido. 

— Prazer, Barão. – O sr. Macedo me cumprimentou com um breve aperto de mão e logo notei um sotaque forte de sua parte.  

— Pode me chamar de sr. Vasconcellos. O prazer é mútuo. – Falei sorridente, recebendo em troca um manear de cabeça tímido do velho homem e uma cara de espanto do duque. Quis rir, mas não o fiz. César era muito patético por achar que eu fazia questão daqueles títulos. — Bom, podemos conhecer a fazenda? – Indaguei, desfazendo o repentino silêncio. 

O homem moreno se pôs a frente, enquanto o duque disse um "claro" veemente. Primeiro fomos até a colheita de batata, onde havia poucos homens trabalhando na terra. Em seguida, o sr. Macedo fez questão de me mostrar as pequenas plantações de outros alimentos e ali tinha uma grande quantidade de pessoas. O duque não havia mencionado que haviam outras plantações, por isso me surpreendi, porém, este foi mais rápido em me tranquilizar com a explicação de aqueles pequenos cultivos eram para a alimentação dos próprios camponeses. 

Andamos por mais 15 minutos até voltar ao local que tínhamos começado a exploração. O duque se apressou em me oferecer um chá quando viu que o sol já estava começando a se pôr. 

— Será aceito de bom grado. – Respondi. — Entretanto, se não se importa, gostaria de dar mais uma volta.  

— Oh, tudo bem. – César disse, surpreso. — Creio que o sr. Macedo não verá problema em lhe acompanhar enquanto peço a minha criada para que prepare nosso chá. 

— Não há problema algum, duque. – João disse, prestativo. 

— Agradeço, mas não é necessário. Será uma volta rápida, sem risco de me perder por aqui. – Assegurei e, mesmo que com feições relutantes, ambos cederam. 

Comecei a andar e a brisa fria do fim de tarde roçou na minha pele de modo que inspirei aquele cheiro de terra que eu tanto gostava. Avistei, não muito longe, um estábulo que não havia sido apresentado. Estava havendo descarga de palha na frente do local e hesitei em me aproximar, mas na incerteza, o fiz. Cheguei perto o suficiente para ver a agilidade do trabalho dos camponeses e suas faces cansadas àquela hora do dia. Devia ser uma rotina muito pesada e, infelizmente, eu não garantiria que aquilo mudasse de imediato logo que eles fossem trabalhar para mim. Teríamos compromisso com horários e claro que eles teriam um satisfatório tempo de descanso, mas o serviço também seria pesado. 

— THOMAS! Será que dá procê trazer a última palha invês de ficar alimentando esses cavalos? Que diacho, sua mula! – Um homem rechonchudo e careca gritou, realmente bravo. 

Não demorou muito e um grande fardo de palha apareceu no meu campo de visão, mas não vi nem um sinal de quem carregava. Apenas quando passou por mim, notei que era um garoto que a carregava. Bom, não necessariamente um garoto. Parecia um adolescente. 

Bem, definitivamente um adolescente observando o seu rosto que agora olhava para mim curioso. Ele era branco, estatura média, cabelos negros lisos com as pontas devidamente encaracoladas, olhos verdes como um lago e feições extremamente pueris.

Mas logo percebi que a audácia não era de uma criança. 

— O senhor é o barão, não é? – Perguntou, colocando as mãos nos bolsos de sua calça marrom. 

— Perdão, fomos apresentados? – Respondi na defensiva, esperando uma postura mais educada de sua parte. No entanto, em seguida, me repreendi. Eu não era de me importar com essas formalidades, todavia, ele havia me deixado surpreso com sua abordagem rápida. 

— Não fomos não. – Ele respondeu, completamente inabalado pela minha fala anterior. Arqueei uma sobrancelha automaticamente. — Eu sou o Thomas, trabalho aqui e acho que futuramente trabalharei para o senhor. 

— Quem lhe informou? – Perguntei, defensivamente de novo. Que diabos estava acontecendo?! 

— THOMAS! PRECISAMOS DE VOCÊ AQUI, SEU TOLO! 

— POR QUE PRECISAM DE UM TOLO? – Ele gritou de volta, recebendo xingamentos e rindo em seguida. Inconscientemente, eu dei um passo para trás. Aquele sorriso tão singelo me causou uma sensação estranha. Era uma risada pura que eu não ouvia há muito tempo. Desde a minha adolescência. — Bom, senhor barão, não posso lhe contar meus métodos de informação, já que não te conheço e o dever me chama. – Ele colocou uma feição de cansaço no rosto e riu. De novo eu recuei, assustado. Que coisa mais estranha. — Tchau. – Disse ele, acenando e sorrindo genuinamente depois de se afastar. 

Um garoto. Ele era um garoto. Eu estava agindo defensivamente com um garoto tão inocente que nem se importou com o fato de eu ser um barão. Provavelmente ele nem sabia o que significava.  

Encarei ele trabalhando por mais uns minutos, antes de me afastar. Segui até a casa com iluminação amarelada e fui recebido por uma criada, que tomou meu chapéu e me indicou onde o duque estava. O encontrei na varanda que tinha vista para um pequeno vilarejo ao longe, na companhia de um homem de sua idade, mas certamente mais simpático. Anunciei minha presença ao dar-lhe boa tarde. 

O duque me apresentou ao homem e disse que ele era o responsável pela fazenda em sua ausência, no entanto, não era da alta sociedade, o que me surpreendeu. O duque não aparentava ser o tipo de homem que deixava sua propriedade nas mãos de alguém que não tem um título de nobreza.  

A conversa se alternou diversas vezes entre plantações, negócios e política. Este último assunto iniciado pelo duque, numa instintiva vontade de reafirmar sua suposta superioridade diante do humilde homem, que não entendia nada do assunto. Isto era nítido porque suas citações políticas eram sem retóricas, logo eu não participava, já que não tinha apreço pelo assunto, e só ele falava, humilhando o pobre homem que não compreendia nada. Decidi, frente a isso, me desligar da conversa e observar a paisagem enquanto bebericava o delicioso chá de hortelã. 

O único momento em que me voltei para os dois homens ao meu lado antes de dizer que iria para o hotel, foi quando ouvi um nome recém conhecido. 

— Como anda seu menino, Eliseu? Thomas o nome dele, não é? – Perguntou o duque. 

— Thomas continua competente, ainda que eu precise puxar as rédeas com ele às vezes, patrão. Ele é muito levado. – O homem disse, parecendo pela primeira vez descontente de fato com a conversa. 

— Ele é um menino e já ajuda muito para alguém de sua idade. Será um ótimo camponês nas terras do barão Lucca. – O duque disse e se virou para mim, dando um sorriso torto de pura satisfação pelo negócio.

Sorri por educação. Não quis contar que eu já conhecia esse tal de Thomas, principalmente porque o modo como falavam dele não condizia com uma fala adequada para se referir a um menino. Eu sabia que, para quem era do campo, o trabalho começava cedo. Ainda assim, um menino era apenas um menino e não deveria ser avaliado apenas pela sua potencialidade no trabalho. Isso me incomodava. O mundo dos negócios, por vezes, me fadigava. 

Me levantei e disse que já estava de partida para o hotel, já que no outro dia eu precisaria resolver outros negócios na cidade. O duque me convidou para jantar com ele no dia seguinte e eu aceitei, visto que ainda precisávamos falar do contrato e de outras questões relacionadas aos camponeses.  

Enquanto o sr. Medeiros foi pedir a criada que buscasse um motorista para me levar até o hotel, me despedi do homem mais velho e caminhei novamente de volta ao estábulo, disposto a ver e falar de maneira correta com o menino que tinha visto mais cedo. Não o avistei na entrada e resolvi entrar no estábulo, mas ele não se encontrava por ali. 

Vi que estava sozinho e dei uma espiada para ver se já havia alguém com o automóvel me esperando lá fora, mas não tinha. Aproveitei para chegar mais perto dos cavalos, que eram esplendorosamente belos e bem cuidados. Em cada cela, havia um de raça diferente das demais. Porém, um no final do estábulo que me chamou mais a atenção. Ele tinha um grande porte, era branco como diziam que a neve era e aparentava ser manso o suficiente para ser tocado. Ergui a mão para alisar seu dorso, mas fui interrompido por uma voz.  

— Está prestes a cometer um grande erro, senhor barão. 

Recuei assustado e olhei para lateral, encontrando quem eu incialmente procurava sentado no meio das palhas com umas escritas na mão. Estava pronto para esbravejar por conta do susto que havia tomado, mas ele se ergueu do chão, vindo em minha direção com aquela aura jovial que me desarmou sem motivo aparente.  

— O Paduco só parece ser manso, senhor. Ele não é. Nem mesmo me deixa tocá-lo e sou eu que ponho comida. Não é, sua besta?! – Ele disse, levantando a mão sem tocar no cavalo, que trotou para trás apenas com o gesto do menor. 

Cansado de ser mero observador daquela cena extremamente infantil e com uma irritação súbita, eu direcionei minha palavra àquela criança: 

— O que fazia aqui?  

— Só estava passando o tempo. – Disse, me olhando de relance. — E o senhor? 

— Não... 

— Não é de minha conta, eu sei. Os senhores, nobres, não inovam em suas respostas? Sempre tão rudes. – Ele revirou os olhos e se voltou ao cavalo. Meu sangue ferveu. 

— Quem você pensa que é, garoto? Sabe quem eu sou? – Indaguei, furioso. 

— Sei, barão Lucca Bellini Vasconcellos. – Ele virou-se e disse meu nome pausadamente com uma diversão imensa na face. Ergueu sua mão para me cumprimentar, mas eu estava tão nervoso e irritado que apenas recuei, me desconhecendo. Ele franziu o cenho, pela primeira vez exibindo incompreensão. Me distanciei de vez quando vi que ele fez menção de abrir a boca para falar. Algo dentro de mim se retorceu. 

— Perdão, Thomas. – Consegui dizer, antes de sair apressadamente do estábulo. — Eu preciso ir. 

Andei depressa até o automóvel que já me esperava e em todo o caminho até o hotel eu me martirizei por esse imenso descontrole. Eu não era assim. Não era defensivo, hostil, tampouco era mal-educado. Muito menos com um garoto e por suas brincadeiras de menino! 

Por Deus, algo muito grave tinha acontecido comigo e aquilo não podia acontecer novamente. 

Poderia ser o cansaço. 

É, com certeza deveria ser o cansaço. 

 


Notas Finais


Vou adorar interagir com vocês! Até a próxima!


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