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História Soneto Proibido - LIX - A verdade.


Escrita por: larihexney

Notas do Autor


Olá, galerinha! Meu Deus, quantas saudades!
Em primeiro lugar, como vocês estão? Todos vivos e saudáveis? Eu espero muito que sim.
Quero pedir mil e uma desculpas pelo tempo que passei sumida. De início, eu pensei em fazer um aviso, explicando que a quarentena estava (e ainda está) afetando meu processo criativo. Escrever, que era uma tarefa tão prazerosa e fácil pra mim, passou a ser um desafio. Isso somado a outras áreas da minha vida que passaram a ficar movimentadas, acabou me fazendo realmente deixar a escrita de lado por um tempo.
Mas nunca, em hipótese alguma, eu pensei em abandonar Soneto Proibido. Só não queria aparecer aqui, dada a demora, sem um capítulo novinho em folha, por isso nem respondi (ainda) os comentários do último capítulo, porque meu pedido de desculpas é o capítulo 59. Inclusive, lembrei de vocês, meus leitores, durante diversas vezes. Quero muito que vocês estejam aí, firmes e fortes, realmente livres dessa doença.
A quem não me abandonou, desejo uma ótima leitura! Hahaha
Nos vemos nas notas finais!

Capítulo 60 - LIX - A verdade.


Sentado perante a mesa do escritório, eu não vi o tempo passar enquanto sustentava o meu rosto com uma das mãos em uma posição fixa. Meus olhos estavam direcionados para um ponto qualquer do recinto, mas minha cabeça estava a léguas de distância dali. 

Eu não escutava ou falava nada certamente há algumas horas. Havia silêncio absoluto naquela casa, algo inédito para uma noite de sábado. Em contrapartida, nos meus pensamentos havia um barulho e uma diversidade de imagens correndo livremente a ponto de me fazerem ter a sensação de estar no centro de uma feira, muito prestes a ser engolido por uma multidão. O pavor, ainda muito aparente nos meu semblante, se revezava vez ou outra com uma inflamação que não parava de ser atiçada a cada maldito instante em que a figura de tio Martim era visualizada na minha mente.  

Suas palavras ainda faziam um eco muito ruidoso. 

Toda a sua frieza, seu escárnio, desprezo e cinismo me provocavam uma dor latente, ainda que não fosse só decepção o motivo desta. Era uma dor provocada pelo ódio também. Uma revolta que estava surgindo no meu âmago e que tinha, a priori, me paralisado. Mas agora, sentindo-me menos propenso a agir com eloquência, ela estava me sendo útil para analisar criteriosamente cada palavra saída da boca do outro. 

E, sem sombra de dúvidas, a parte em seu discurso sujo que mais estava demandando esforço do meu já fadigado raciocínio era a que dizia respeito ao atual sócio do mais velho. Eu não fazia ideia de quem poderia ser, visto que tio Martim vivia forjando alianças às escondidas. A certeza que eu tinha era de que ao descobrir a identidade do sujeito eu poderia trabalhar mais seguramente em um plano, e foi tendo isso em vista que levei longos minutos tentando pensar em pessoas com índoles duvidosas o suficiente a ponto de serem capazes de estabelecer parceria com meu tio objetivando impedir meu acordo com o marquês. Eram tantas que eu suspeitava estar esquecendo nomes, mas fiz um esforço para lembrar o máximo que pude. 

Embora, infelizmente, meu máximo naquele momento não fosse muito. 

Por mais que eu tentasse – E Deus sabia como eu estava tentando – ser forte, parte da revolta acesa em mim não estava servindo apenas para me impulsionar. Ela estava me corroendo lentamente, alimentando meu próprio repúdio por ser tão suscetível, tão passível de ser enganado e manipulado por meu tio por tanto tempo. Eu sentia raiva de mim por não ter sido mais fiel às minhas concepções e por não ter autonomia para direcionar meus próprios caminhos sem a interferência do outro. 

Talvez, se eu fosse mais perspicaz, mais autêntico e menos preso a convenções, eu não tivesse que estar atormentado imaginando o estado de Ana Clara no andar de cima. Talvez, se eu fosse mais implacável e menos fragilizado, eu não tivesse que olhar para o relógio, constatar a demora de Gregório, e então, não parar de me perguntar o que estava acontecendo com Thomas.  

Mas esse não era eu. Eu era a pessoa que teve durante toda a vida uma educação projetada para me tornar um homem sóbrio, equilibrado, poderoso e sensato, mas que agora estava se vendo distante da idealização feita para mim e da própria essência que eu julgava ter. Assim, a única verdade que tinha restado dizia que eu não era nada além de um rascunho cheio de rabiscos tortos e mal feitos de uma obra perfeita que nunca me contemplou. E a sensação de ser isso... Era... Deus, era vazia. Oca. Essencialmente ruim. Eu me sentia traído pelo destino, pelos céus e pelo que sentia. Não conseguia me conformar com o fato de que o amor pudesse causar tanta dor e ódio. Não era racional, não me convencia e me cansava não conseguir entender. 

Novamente em agonia, senti meu peito apertar com todas essas angústias e com o incômodo desnorteamento oriundo delas. Ocorreu-me, no momento em que ingeri duas taças de conhaque na tentativa falha de me acalmar, que eu nunca tinha estado tão aflito. Não sabia se ia atrás de Ana Clara, se procurava notícias de Thomas ou se averiguava se Antônio ainda permanecia na casa.  

Com todo aquele desastre, eu pouco podia fazer e me perguntava o que ele estaria pensando a meu respeito. Antes convicto de que eu impediria que meu tio agisse de maneira injusta e arbitrária, possivelmente agora ele mesmo quisesse partir, certo de que eu era um covarde não só por não ter mais controle a respeito de quem vivia ou não debaixo do meu teto, mas também por conta da maneira como me portei com Ana Clara durante todo o tempo em que estive com Thomas. Eu sabia que ele a amava e certamente estava me desprezando. 

Como todos naquela casa, concluí. Como todos que eu tinha como família. 

Subitamente sufocado demais para continuar naquele escritório, eu levantei determinado a agir. Se eu quisesse ter a mínima chance de ser visto com dignidade, eu não poderia cair em um poço de autopiedade. Isso porque, em primeiro lugar, se render não combinava comigo. Em segundo, porque não fazia sentido esperar as coisas se resolverem. O tempo agora era meu inimigo e eu teria que colocá-lo a meu favor. Se a busca pelo sócio de meu tio não estava gerando resultados, não cabia a mim ficar parado. Eu iria para o próximo problema. Um problema que por muito tempo negligenciei, minimizei, destratei e que, agora, estava me levando ao limite. 

Se eu tivesse que começar a pôr a minha vida em ordem, que fosse me retratando com a pessoa mais atingida pelas minhas atitudes, pela minha recusa de diálogo e pelas minhas ações irresponsáveis. Por mais odiado que eu pudesse estar sendo por ela, eu precisava tentar. Eu não poderia sobreviver mais um minuto se não tentasse. 

Então, decidido, saí do escritório, atravessei o corredor e subi as escadas rapidamente. Não pensei durante todo o percurso a fim de que meus ânimos não aflorassem ainda mais. Apenas quando fiquei diante do quarto que compartilhei por mais de um ano com a mulher que levava meu sobrenome que me dei conta do que estava na iminência de fazer. 

E instantaneamente vacilei.  

Respirei fundo, hesitante. Olhei para os lados e não vi ninguém. Tudo continuava muito silencioso, sem sinal de movimento. Não pude evitar que a curiosidade aguçada me indagasse o que estava acontecendo. 

Não estaria meu tio em casa? Para onde o velho teria ido?  

Pensei em olhar se o veículo estava estacionado na frente de casa, mas me censurei de imediato quando notei o que estava fazendo. Eu não podia fugir. Não de novo. Eu lidaria com meu tio depois, porque eu estava ciente do motivo que tinha me levado até ali e estava empenhado em fazer o certo. E, indiscutivelmente, deixar Ana Clara para depois seria uma falha grave que eu não mais estava disposto a cometer. Na verdade, eu não mais podia. Errar já não era uma opção, portanto eu não recuaria. 

Assim, repetindo isso como uma espécie de mantra, eu reuni alguma fagulha de coragem, inalei fundo, ergui a mão direita em punho e, enfim, bati levemente na porta à minha frente. 

Nos segundos seguintes, enquanto mantinha os olhos fechados diante do retumbar ansioso no meu peito, eu tentei sustentar a postura. Cada fração de tempo era como estar prestes a enfrentar o meu pior pesadelo em vida. A sensação que eu tinha era de que, no momento em que voltasse a abrir os olhos, o chão se abriria e faria com que eu me desintegrasse junto a ele. 

Mas não é real, Lucca. Simplesmente não é, eu sussurrei. Eu não estava prestes a enfrentar o meu pior pesadelo em vida, mesmo porque ele já tinha acontecido horas atrás. Quando eu abrisse os olhos, o chão não se abriria nem me puxaria para o abismo porque o que quer que acontecesse quando Ana Clara abrisse aquela porta, não seria pior do que a tormenta visível no seu olhar mais cedo. Essa não seria uma batalha em busca da minha redenção. Eu queria sim o perdão da baronesa, mas acima de tudo queria ter a chance de ser honesto para amenizar a sua dor. Eu estava ali porque ela precisava ouvir o que eu nunca tinha tido a coragem de dizer. E, definitivamente, porque tinha passado da hora de eu falar tudo o que ela merecia escutar.  

Então, convicto, eu voltei a erguer a mão direita em punho para bater mais uma vez na porta, já que minha primeira tentativa não tinha surtido efeito. Esperei mais dez, vinte, trinta segundos e não houve nada além do mais absoluto silêncio. Já começando a ficar incomodado, me preparei para bater pela terceira vez quando a porta foi finalmente aberta e Ana Clara apareceu no meu campo de visão, surpreendendo-me. 

— Se veio apanhar suas vestes, não se preocupe. Eu já separei tudo. Pedirei para D. Eugênia ou algum menino que perambula por essa casa descer com as malas amanhã. Como imagina, eu não quero mais dividir os meus aposentos com você. – Ela disse tão somente, sua voz gélida, assemelhando-se muito com a de sua mãe. 

Prontamente, um arrepio se espalhou pela minha nuca. Tudo que eu menos queria era torná-la infeliz como Rita. Só a ideia de possivelmente a ter condenado à amargura e à inconformidade me adoecia em algum nível. Ela não merecia ter seu futuro desgraçado por minha causa e eu estava motivado a fazer o que fosse necessário para garantir que isso não acontecesse.  

Querendo que ela soubesse disso, eu não me demorei mais ali parado e, ignorando tudo que ela tinha dito sobre meus pertences naquele quarto, perguntei-lhe, em um fio de voz: 

— Eu posso entrar?  

Sem responder, ela relutantemente abriu espaço para a minha passagem. Fiquei espantado, pois não esperava que sua permissão viesse facilmente, mas ao mesmo tempo fiquei tão grato que não ousei titubear. Em menos de dois segundos, eu estava dentro do amplo espaço, mirando fixamente para o chão enquanto ela seguia no mesmo lugar, muda e de costas para mim. Presumindo que estivesse tomando tempo para tão logo conseguir conversar comigo, eu esperei por dois minutos completos até que ela se manifestou: 

— Basta pegar suas malas. Estão no canto, se ainda não as viu. – Disse entredentes, sua voz ligeiramente descontrolada. — Por favor, não leve mais do que um minuto nisso. Eu não suporto ter conhecimento da sua presença. – Declarou, dilacerando-me. 

— Ana Clara... Por favor, converse comigo. – Pedi, humilhado. 

— Nós não temos o que conversar. – Retrucou, cortante.  

— Sim, nós temos. Se não quiser falar, eu vou respeitar a sua vontade, mas peço que ao menos escute o que tenho a dizer. Quero pedir o seu perdão. – Falei, esperando alguma reação sua. Ela continuou imóvel, ainda ao lado da porta, de modo que me induziu a dizer a última coisa capaz de convencê-la. –  Prometo que faço o que você quiser depois que tudo for dito entre nós, nem que isso signifique a minha saída desta casa. 

Vagarosamente, sua cabeça se moveu para a lateral e ela me fitou por cima dos ombros, certamente considerando a minha oferta. Seus olhos, por mais rancor que carregassem em suas órbitas, não escondiam a vermelhidão do choro de dor, o que fez com que meu coração se retorcesse. Vê-la ali, tentando ser forte quando inegavelmente estava despedaçada, só intensificou a culpa no meu interior. Fez-me querer acudi-la, querer voltar no tempo para poupá-la, querer ser mais coraj... 

— Eu só abri a porta porque supus que você precisasse de algo. – Ela disse, atropelando meus pensamentos.  

— E eu preciso. – Afirmei, seguro. — Preciso que me escute. Eu não me estenderei porque sei pelo que está passando, sei que está me odiando, sei que não quer me ver, tampouco me ouvir... Mas eu preciso, Ana Clara... Verdadeiramente preciso que me deixe falar. – Supliquei, fazendo um esforço extraordinário para que minha voz não falhasse e trouxesse à tona toda a emoção que havia na borda. 

Ela ficou quieta por alguns segundos que mais me pareceram minutos. Estar ali estava demandando tudo que eu não tinha, mas ainda assim me obriguei a continuar, afinal, era justo. Ela tinha esperado por muito tempo até saber de toda a verdade, logo, qualquer que fosse sua decisão seria uma decisão justa. Cabia a mim apenas aguentar um pouco mais. 

— Está bem. – Sua voz quebrou o silêncio, causando-me um estalo. Cheguei a temer não ter escutado direito. — Minha única condição é que responda a todas as minhas perguntas. – Declarou, dando seu preço e mais uma vez me deixando perplexo com o que eu ouvia. 

— Juro responder a todas. – Assegurei no mesmo instante, sem pestanejar. Apenas saber que eu teria a chance de conversar com ela já me bastava, não importava o que custasse. 

Tendo então sua condição aceita, com um movimento bem calculado, ela volveu seu olhar para a porta e delicadamente a fechou. Não sei se o ar instantaneamente se tornou mais pesado ou se foi a minha respiração que se tornou mais densa, mas sei que precisei me apoiar na superfície mais próxima quando a vi dando seus primeiros passos em minha direção. À medida que se aproximava com seus olhos perdidos, ela parecia a mesma de horas atrás: usava o mesmo vestido, seu cabelo prosseguia arrumado e sua postura ainda parecia deprimida, como se estivesse submissa a alguém. Porém, havia algo de diferente na sua feição. Pelo pouco que ela deixava à mostra, parecia pior, mais consternada, deixando-me com a forte impressão de que ela poderia ser qualquer pessoa, exceto a Ana Clara que eu conhecia. 

Senti vontade de perguntar se ela se sentia bem fisicamente, mas, antes que eu conseguisse abrir a boca, a baronesa parou a uma distância segura de mim e levantou o rosto. Encarou-me por no máximo três segundos e então fixou bruscamente seu olhar em um ponto qualquer ao meu lado, não deixando dúvida de que a ação de me olhar era como uma tortura. Sabia Deus que eu a entendia, mas constatar isso ainda assim me magoou.  

E, sobretudo, me deu certeza de que a conversa que teríamos não seria fácil de nenhuma maneira. 

— O que está esperando? – Ela pressionou, sua voz agitada. — Eu tenho muitas dúvidas e quero saná-las, mas só depois que você começar a falar. – Foi categórica.  

Fisicamente exausto, eu me sentei sobre a cama minuciosamente forrada e alinhada. Fechei os olhos por um breve instante, pedindo um pouco de coragem a quem quer que pudesse me ouvir. Eu precisava encontrar as palavras certas, precisava conseguir contar o que por muito tempo guardei e queria saber dizer tudo do melhor jeito possível. Que eu fosse sábio e não a magoasse mais, era o que eu suplicava ao divino. 

Assim, terminada a prece, eu abri os olhos e encontrei Ana Clara me fitando enquanto abraçava a si mesma como forma de se estabilizar. Agora, ela não mostrava indícios de que fosse desfazer o contato e eu entendi isso como um recado. Ela estava pronta. 

Indeciso de por onde começar diante da prontidão de escuta da mulher magoada diante de mim, eu optei pelo início.  

— Tudo começou em Prados, quando viajei para fazer negócios com o duque de Medeiros... – Iniciei, sentindo meu estômago dar um nó. Trazer à tona aquela memória era como desbravar os locais mais profundos em mim. — Lá, eu conheci Thomas e ele me ensinou a montar cavalo a pedido do duque. Em um primeiro momento, não nos simpatizamos. Ele era muito audacioso e isso me incomodava de maneira desproporcional. E eu não entendia. No início, eu simplesmente não entendia o motivo de ele me perturbar tanto, não me parecia racional, ele era só um menino... 

— Ele ainda é. – Ela me interrompeu secamente. Eu apenas assenti, pressionando meus lábios um contra o outro, ciente do que aquilo significava para ela. 

— Ele me provocou durante dias... 

— Como? – Ela quis saber. 

Eu suspirei, inquieto. 

— Ana Clara, eu não... 

— Você jurou responder a todas as minhas perguntas. – Ela relembrou em um tom austero. 

Senti as gotículas de suor se formarem no meu rosto quando notei seus olhos aflitos esperando pela minha resposta. Eu não sabia onde ela queria chegar com tudo que queria arrancar de mim, mas sabia que não a faria bem algum saber de detalhes da minha intimidade com Thomas. Por isso, tentando um meio termo, eu respondi: 

— Sua forma de me provocar era através de palavras soltas que ganhavam significados próprios a depender da interpretação. 

— Você está me dizendo que ele flertava com você? – Perguntou objetivamente. Eu apenas assenti, confirmando com certo constrangimento. — Deus, que pecaminoso! – Exclamou com um misto de horror e dor, balançando-se de um lado para o outro sem sair do meu campo de visão.  

— Ana Clara, eu preciso que saiba que não planejei absolutamente nada. Eu nunca... – Engoli em seco, nervoso com o que diria. — Eu nunca me envolvi com outro homem antes de Thomas. Ele foi o meu primeiro. 

Uma risada curta e forçada ecoou no recinto. 

— Oh, você acha que isso me consola?! – Riu mais uma vez, sem humor algum. — Com certeza saber que você desonrou nosso casamento com um menino uma década mais novo que você me consola, Lucca! Pelo menos não foi uma criança, sim? – Debochou. 

— Pelo amor de Deus, eu não sou um pederasta! – Saí em minha própria defesa, ofendido.  

— Será mesmo? – Ela sorriu, seus olhos brilhando com perversidade. — Porque você já é sodomita, tem preferência por jovens... Quem pode garantir que não guarda outra anomalia como um segredo sujo que exerce em sua vida privada? Ora, não seria estranho. Você já é um completo enfermo. – Concluiu, fazendo-me levantar.  

— Eu não sou um enfermo. – Eu disse entredentes, sentindo meus olhos arderem.  

Ela me lançou um sorriso torto e então reajustou a postura, confrontando-me. Contudo, estar de pé me ajudou a enxergar com mais precisão suas expressões, de modo tal que eu notei que seus cílios não paravam de tremer e isso fez com que eu me acalmasse em vez de aceitar o seu jogo. Não demorei a compreender que sua reação era resultado do seu nervosismo e sofrimento, o que indicava que tanto suas palavras quanto a perversidade que eu tinha enxergado nos seus olhos segundos atrás nada mais eram do que uma tentativa de defesa. Ela estava conseguindo identificar o que me machucava e queria se vingar, o que era perfeitamente normal depois de tudo. Restava a mim somente manter o controle. 

— Que homem se deita com outro homem senão um doente? Que homem aceita a condenação ao inferno por conta de outro homem senão um defeituoso? – Indagou progressivamente aumentando o seu tom, cuspindo veneno a cada palavra dita.  

— Ana Clara, eu entendo a sua raiva... 

— Você entende a minha raiva? – Vociferou, mudando sua expressão de imediato ao franzir o cenho. — O que você entende a respeito da minha raiva, barão? Por acaso foi você o traído? Por acaso foi você o desonrado, humilhado e descuidado? Por acaso te condenaram à desgraça em vida? – Perguntou, aproximando-se de mim. 

Estávamos a um passo de distância quando ela ergueu a mão entre os nossos rostos e deixou a aliança no seu dedo ser vislumbrada. Eu encarei o anel quieto e emudecido, sendo abatido pela culpa e engolido pelo olhar mais que ferido com o qual ela observava o objeto.  

— Quando eu me casei com você, eu pensei que poderíamos ser felizes, tentar o caminho para o amor. Eu realmente acreditei que seria a mais felizarda das mulheres, afinal, estava me casando com um homem de respeito, de valores, íntegro, gentil. – Sua voz falhou e, como se estivesse cansada, ela soltou um suspiro que veio acompanhado de uma lágrima que ela não fez questão alguma de limpar. — Sempre te achei um homem sensível, preocupado e comedido. Quando ficamos por tanto tempo sem ter relações, eu me culpei. Pensei que havia algo de errado em mim ou que faltava algo. Talvez eu não fosse tão desejável... 

— Por Deus, não! – Eu interrompi, desesperado para eximi-la daquela culpa. — Não havia nada de errado com você. Muito pelo contrário, Ana Clara! Você é uma mulher ímpar, amável, bonita, atraente... Você é simplesmente perfeita. Não há nada sobre você que precise ser modificado. – Falei, minha voz embargando enquanto me dava conta da dor tamanha que havia lhe causado. — Eu sinto muito por ter feito você se sentir tão insegura. Por favor, peço que me perdoe. – Supliquei, odiando-me quando ouvi seu choro doído e vi seu rosto ser coberto por lágrimas. 

Tentei me aproximar para ampará-la, mas, logo que percebeu que eu estava na iminência de a tocar, ela se afastou bruscamente, limpando a face com as mãos e usando uma força maior do que era necessária no ato, como se quisesse se punir por se demonstrar vulnerável diante de mim. Acostumado com a dor àquela altura, eu assenti, respeitando seu espaço, certo de que era o mais adequado a se fazer. 

Ficamos em silêncio por um longo tempo em seguida, deixando ressoar no espaço somente o som das suas fungadas e respiração irregular. Eu estava amortecido, não conseguia me mover, nem mesmo sabia o que pensar. Não sentia que que tinha dito tudo o que precisava dizer e, por isso, quando identifiquei que ela estava mais estável, decidi que era hora de acabar logo com aquilo. 

— Ana Clara, não sei se um dia você será capaz de me perdoar. Eu entendo que fui injusto com você e me arrependo amargamente por todo sofrimento que estou te causando e que já te causei. – Falei baixinho, olhando para os meus pés, sentindo-me à deriva, totalmente à mercê dos rumos do destino. — Eu nunca tive a intenção de te magoar. Eu posso não ter demonstrado antes, mas realmente a estimo. Você é muito querida por mim. –  Fui sincero, buscando seus olhos que tinham voltado a não me fitar. — Eu sei que o meu querer não lhe tem serventia alguma numa hora como essa, mas... Eu ainda sou o seu marido e não pretendo me desfazer do compromisso. 

Um silêncio se estendeu até que sua voz rouca me questionou, pela primeira vez na última hora, sem o intuito de me constranger ou ferir: 

— Se acha digno de me reconquistar? 

Eu não precisei pensar para respondê-la. 

— Não.  

— E então o que quer dizer com “não se desfazer do compromisso”?  

— Quero dizer que não vou te dar o desquite porque sei que isso seria uma mancha na sua reputação. Não quero que você seja mal falada ou motivo de risos dos outros por minha causa. No entanto, também não quero que a minha presença seja motivo de infortúnio para você e é por isso que eu me ponho à sua disposição. Eu farei o que você me pedir. Inclusive... – Pigarreei antes de continuar. — Inclusive permitir que você viva com o homem que te ama. – Propus, finalmente ofertando-lhe o que era justo. 

Ana Clara me olhou confusa de onde estava, certamente não esperando que eu soubesse da paixão de Antônio por ela. Respirando fundo, eu esbocei um sorriso e completei: 

— Eu sei que você e Antônio estão apaixonados. 

— Do que está falando? – Ela gritou em um sussurro.  

— Estou falando do sentimento que é perceptível no olhar de vocês. Não precisa esconder, eu não vou te censurar... 

— É evidente que não! – Ela gritou, de repente ofendida. — Não vai me censurar, em primeiro lugar, porque não tem respaldo para isso. Em segundo lugar, porque não existe paixão alguma. Eu fui e sou absolutamente fiel a você! – Esbravejou. 

— Está bem, está bem. Calma! – Eu pedi, levantando as mãos em sinal de paz. — Eu não estou duvidando da sua fidelidade. Apenas quero que saiba não há nada te prendendo se você quiser se entregar a uma paixão, com Antônio ou quem quer que seja... 

— SEU MALDITO! – Ela berrou, cruzando a distância entre nós e surpreendendo-me com um tapa no rosto. 

Meus olhos saltaram. Fiquei incrédulo, sem reação a ponto de nem mesmo colocar a mão para aliviar a ardência no lugar atingido pela mulher à minha frente. Não entendia o que eu havia dito de absurdo, não entendia o que tinha levado ela até aquele extremo, mas dada a raiva reascendida em seu semblante, tive certeza de que não ficaria muito tempo sem uma resposta.  

— Como você tem coragem de me convidar a ser adúltera? – Indagou, abismada. —Possivelmente o tempo que você passou com aquele verme sodomita corrompeu a sua sensatez, mas eu sigo sendo a mesma Ana Clara de sempre. – Disse, sua voz trêmula com o vigor das suas palavras. — Sigo íntegra e com minha retidão intacta, Lucca, muito diferente de você! – Bradou, acertando o meu ombro vezes seguidas.  

Desvencilhando-me dos seus golpes ainda chocado, eu me vi obrigado a segurar seus braços, perplexo com o seu descontrole.  

— Pelo amor de Deus, Ana Clara, eu não quis te ofender. Perdoe-me se o fiz, desconsidere a minha proposta se ela fere a sua honra. – Implorei em agonia. — Não quero te causar mais mal, eu só quero mostrar que farei o que for preciso para que você seja feliz. – Expliquei-me, tendo dificuldades para impedi-la de escapar do meu aperto frente a sua agitação. 

— E como eu poderia, Lucca? –  Perguntou, deixando uma lágrima grossa rolar por sua bochecha. — Como eu poderia ser feliz se nem sequer por um momento o homem que eu amo cogitou se redimir e reconstruir nosso casamento? – Inquiriu, vasculhando o meu rosto com desespero para tão logo deixar seus soluços escaparem. 

Como se tivesse levado um soco no estômago, eu a soltei lentamente, pasmo com o que tinha ouvido. Livre das minhas mãos, seu corpo pendeu para frente e ela vacilou, o que fez com que eu tivesse que usar o meu corpo para impedir sua queda. Assim, sem mais nenhuma resistência, Ana Clara desabou no meu ombro, chorando copiosamente. 

Não conseguia descrever o sentimento que me acometeu enquanto eu a consolava ali, no quarto que deveria ser nosso lugar naquela casa para sermos sinceros um com outro, despido de todo pudor e dotados de intimidade. Culpa não contemplava a sensação de impotência, a tristeza comigo mesmo, a dor pela baronesa... Saber que ela queria que eu lutasse pelo nosso matrimônio, mesmo depois de tudo, inegavelmente me abalou. Fez-me ter noção de que eu não sabia mesmo o quanto ela me amava.  

Fez-me ver tudo que eu perdi. 

— Por quê, barão? – Ela se afastou para olhar nos meus olhos. — Por que você não fala em salvar nossa união? Você também acredita que está doente, não é verdade? É por isso, não é? – Perguntou em tormenta, claramente ansiando pela minha resposta. 

Eu pensei em dizer que apenas não tinha cogitado a possibilidade de ela querer me aceitar de volta, mas essa seria apenas uma meia verdade. No fundo, eu sabia, acima de tudo, o porquê de não poder voltar a agir como o marido de Ana Clara. 

— Admita que está doente! Por favor, admita! Se você admitir, nós podemos procurar ajuda. Deus pode te perdoar, barão. E se Deus pode te perdoar, quem sou eu para não o fazer... Basta que você admita. – Apelou, trêmula. 

— Não, Ana Clara. Eu não estou doente e esse não é o motivo de não querer reaver a nossa relação. – Fui firme, passando a mão pelos meus cabelos em sinal de puro cansaço.  

Cansaço por aquele dia, cansaço pelas coisas horríveis que tinham acontecido, cansaço pelos dilemas que eu ainda teria que enfrentar... 

— Não? – Ela franziu o cenho, desapontada e subitamente perdida. — Se não é este o motivo, então qual é? 

... cansaço pelas minhas falhas, cansaço pelas mentiras contadas e, sobretudo, cansaço por não poder ser eu.  

Prontamente, lembrei que havia entrado naquele quarto com a missão de ser honesto. Lembrei que queria poder ter o perdão da baronesa, mas sem que isso custasse a minha dignidade que, apesar de fragilizada, ainda existia. Eu não queria mais mentir. Eu não podia mais ser injusto com ela. Eu precisava dar fim àquele ciclo e isso só poderia ser feito com a verdade. 

E só havia uma verdade àquela altura. Só havia restado uma única certeza na minha vida.  

— Thomas não é apenas um amante. – Eu disse, medindo as palavras, mas ciente de que não tinha mais o que esconder. — Ele é o amor da minha vida e é esse o motivo de eu não poder me reconciliar com você.


Notas Finais


Esse capítulo foi mega importante. Finalmente Lucca assumindo as responsabilidades pelas atitudes dele, Brasiiiil!
E aí, o que vocês acharam? Não deixem de me contar, por favorzinho. Saibam que os comentários de vocês que me fizeram não desistir. Eu sou extremamente grata pela nossa troca.
Um beijão e até a próxima, gente! Se cuidem e cuidem dos seus!


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