Capítulo 2 – Toda vez que o sol nasce
Tudo começou há oito verões.... Eu tinha 17 anos. Estava na festa a fantasia dos irmãos Boyd. E...
“Te senti em minhas pernas antes mesmo de te conhecer
E quando estive ao seu lado, pela primeira vez,
Eu te disse
Te sinto no meu coração, e nem mesmo te conheço”.
- Identidades por favor? – Um cara loiro, gigante, com roupas de neve barrou a entrada. Segundos depois, ele desfez os braços cruzados, assim como sua feição séria. – Estou brincando, qual é, não tem essa na festa do... Kristoff-Bjorgman! – Gritou seu nome como se fosse algo inteiramente importante e acenou para que seu amigo a frente pudesse abrir a trava magnética.
- Pode entrar meninas. – Philip Boyd, o organizador da “festa a fantasia aleatórias na piscina” falou fazendo uma reverência e também jus a sua fantasia de príncipe.
- Fala-Sério! – De longe, precisamente, da outra ponta da piscina, Alice revirava os olhos tomando um coquetel de frutas. Entediada na borda, sugava o canudinho, suspendendo a barra de seu vestido vermelho. Habituada a ver líderes de torcida caracterizadas de princesa, acabou se surpreendendo ao ver uma fantasia incomum surgir entre elas.
Alice engoliu em seco, sentindo arrepios percorrerem sua espinha.
A garota que -parecia estranhamente deslocada das outras-, trajava roupas medievais por baixo de uma capa marrom de couro sintético, tinha cabelo trançado até a ponta e arcos flechas pendurados nas costas.
Se aquelas águas fossem cristalinas quem sabe Alice pudesse ver no reflexo, suas pupilas dilatadas.
Depois de um tempo a encarando de longe, começou a tocar uma música eletrônica chamada “Clarity”, Alice então, resolveu criar coragem de ir até lá. Porém quando tirou os pés da piscina, alguém foi mais rápido.
- Oi. – Philip apareceu com duas bebidas em mãos.
- Oi. – A garota responde sem muito entusiasmo.
- Aceita uma margarita?
- Porque não? – Aceita a bebida, sem dar muita atenção a Philip. Parecia procurar algo em meio à multidão.
- Está gostando da festa?
- É isso aí.
- O quê?
- Eu não sei. A música está um pouco alta, então eu não pude ouvi-lo.
- Então você apenas riu e disse “é isso aí”?
A garota bebericou a margarita e ainda sem olhá-lo repetiu.
- É isso aí.
- Acho que nunca te vi. – Ele continua, desta vez encurtando a distância. – Aonde estava escondida todo esse tempo?
- Turma C. – ela limita-se a dizer, dando dois passos para trás, Philip tinha cheiro de cigarros, coisa que odiara.
- Você parece um anjo – Galanteou, mordendo seu lábio inferior. – Só que sem asas. – Soltou uma piscadela.
“É sério? Não dava para ser mais original? ” – Alice se perguntava mentalmente.
- Ou seja... uma pessoa normal? – Rebateu sem ânimo na voz.
Ele para por alguns instantes analisando toda sua seriedade e logo após solta uma gargalhada forçada.
- Descontraída, gostei. – Ele força outra risada. – O que acha de mudarmos isso? Podemos ir lá para cima e nos conhecer melhor.
Ela suspirou, claramente desconfortável.
- Quem sabe outra hora? Acho que vi uns rostos conhecidos. – Responde tentando se esquivar. Mas quando se move para ir, Philip prende o seu pulso.
- A festa começou agora. Seus amiguinhos podem esperar. – Antes que pudesse se aproximar mais, foi impedindo por um balde de nuggets mirados e acertados prontamente em sua nuca. – Que porra foi essa?! – Vira-se procurando na multidão o culpado.
O grito chama atenção de todos na festa, o dj para o som e Philip estreita os olhos para uma pessoa meio à multidão de adolescentes.
- Culpada. – Alice percebe o foco e levanta seus braços.
- Qual o seu problema? A gente estava se divertindo.
- Bem, esta é uma frase bem enganadora. Eu nunca soube que fazer mulheres de objeto era divertido. – Debochou.
Os dois fecharam os punhos em sincronia e se encaram com raiva.
- Ashley. – Philip apelou pela irmã.
Logo, uma loira fantasiada de cinderela vem desfilando.
- Ora, sua petulante. – Esbraveja tomando as dores. Mas antes que possa chegar até Alice, é empurrada na piscina. – Meu coque sofisticado! – Choramingou levando as mãos à cabeça ensopada. – Vai ficar aí parado Philip? – Rosnou para o irmão. – Me ajuda aqui.
Alice aproveitou a ocasião para fugir, haviam brinquedos de ar comprimido espalhados pelo jardim e foi uma das torres de um castelo inflável que escalou.
- Não pode ficar aí para sempre, Tilly Jones. – Gritou submersa – Eu vou pegar você – disse para a garota que Philip deu em cima. – E sua amiguinha insolente.
- Amiga é uma palavra forte.
(...)
Alice desceu pelos galhos de arvores e optou por dar a volta no quarteirão, assim, não corria o risco de passar frente a mansão dos irmãos Boyd. Chegando no prédio abandonado, o qual havia passado o dia, atravessou a janela do primeiro andar e entrou.
- Lar doce lar.
Em meio as suas coisas espalhadas, apanhou uma luneta e começou a admirar a lua. Estava distraída demais para notar que havia mais alguém ali.
- Parada, espiã. – Assustou-se com a voz atrás de si, virando-se abruptamente. – Quem é você? Quem te mandou?
- O quê? Ninguém me mandou. – Respondeu. Tinha uma besta apontada para sua testa. – Isso é de verdade? – Com os braços arqueados, ela tocou na pontinha da flecha.
- São de prata. – Disse rapidamente. – Porque estava me vigiando garota da torre? Pensa que eu não vi você me encarando lá na festa.
- Garota da torre?
- Você ganhou esse apelido quando fugiu pela torre de ar. Sabe como são adolescente... – explicou antes de voltar com a posição de ataque. – Então?
- Primeiro lugar, eu não estava te vigiando. Eu só.... – Tomou folego sentindo seu rosto queimar. “Nossa, ficou tão na cara assim? ” Pensava. – Te achei bonita, só isso.
- Ah – desviou o olhar com timidez. – E o que faz no meu lugar de esconderijo?
- Seu lugar? Veja. – Apontou para as coisas no chão. – Eu cheguei primeiro. Nem sequer te conheço.
- Então porque me defendeu?
- Nossa, você faz perguntas à beça. – Alice revirou os olhos, notando que ela não mudou a posição em nenhum momento. – Dá para baixar isso? Sei que não vai me atacar. Segundo, ele estava sendo um babaca. – Disse como se fosse óbvio. A garota ponderou, abriu a boca, mas nada saiu. – Sua vez. – Arqueou uma sobrancelha. – Porque empurrou a Ashley na piscina?
- Ela estava sendo uma babaca. – Rebateu no mesmo tom. Elas se olharam profundamente e sorriram. – Alice.
- Qual sua fantasia? – Alice perguntou a analisando dos pés à cabeça. – Digo, exatamente.
- Estou de Robin Hood. E sim eu sou uma garota.
Alice abriu um sorriso sugestivo.
- Nobin.
- O quê?
- Nova Robin Hood, Nobin.
- É, não me chame disso.
- Porque? É legal.
- Não é legal, okay? É diferente. Se a nova garota ouvir você me chamar disso, vou ser zoada por toda escola.
- Que nova garota?
- A que chegou há três dias. Quanto tempo está aqui?
- Alguns dias.
- Vai dormir aí? Sabe que não é uma torre, que pode descer a qualquer momento, não sabe? – Brincou. Alice nada respondeu, então ela girou seus tornozelos em direção a saída. – Eu tenho que ir.... Vai amanhecer logo, minha mãe deve estar louca!
- Espera.... – Alice parou na sua frente. – Fica para ver o nascer do sol. – pediu. Robin suspirou, ainda relutante. – Qual é?! Não vai querer acordá-la uma hora dessas, não é? – Robin sentiu uma mão quente tocar levemente no seu pulso esquerdo. – Por favor, Nobin.
A forma como Alice proferiu as palavras, juntamente com o contato inesperado fez a pele de Robin ruborizar. Ela sentiu seu coração acelerar e um formigamento surgir no seu ventre. Estavam atraídas uma pela outra e sabiam disso.
- Okay. – Disse ela, dando um passo para trás. Tentava se recompor. – Mas só se parar de me chamar assim.
Alice fez um sinal de boca fechada e afastou as cortinas envelhecidas.
- A vista é melhor desse lado. – Sentou-se num sofá improvisado. – Vem.
Robin obedeceu seu chamado e acomodou-se meio sem jeito.
O canto dos pássaros veio junto dos primeiros raios solares que invadiram a janela quebrada. E quando isto aconteceu, já se encontravam dispersas pelo estofado. Alice acabou confessando que fugiu para não ter que ir para outra escola. Como era último ano, sua mãe queria colocá-la num colégio interno. Obviamente não queria se mudar.
- O que pretende dizer para seus pais? – Robin pergunta. – Não pode ficar aqui para sempre. Sabe, uma hora vão interditar esse prédio.
- Eu não sei.... Que fugir, faltei a escola, aluguel um vestido de espatilho europeu, fui a uma festa a fantasia, agredi um garoto, me escondi numa torre, ganhei um apelido por isso e passei a noite com uma garota fantasiada de Robin Hood. – Alice responde fitando o amanhecer. – Mas quer saber, não importa o que eu diga ou faça. Toda vez que o sol nasce, eu estou em apuros.
Robin silenciou sem saber o que dizer, ela deitou a cabeça na almofada e de repente enxergou um lápis colorido.
- Anda, estica seu braço. – Disse de momentâneo.
- O quê? – Tilly ergue seu corpo.
- Me dá sua mão. – Alice não entendeu muito mas esticou o braço nas pernas de Robin. Ela escreveu uma sequência de números.
- O que é isso?
- Meu telefone. Pode me ligar, vai precisar de alguém para confirmar sua história ou... – Aproximou seu rosto. Seus lábios estavam apenas alguns centímetros de distância, suas respirações agora falhas, já se cruzavam. Alice fechou os olhos, soltando um suspiro involuntário e então Robin a beijou. Um beijo apenas para sentir os lábios de Alice, como um primeiro toque. – Apenas.... – Ela afastou se levantando. – Pode me ligar.
- Talvez eu ligue.
Robin levantou o vidro da janela e antes de sair disse:
- Eu espero que sim.
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