Daichi levantou de supetão da cama, antes mesmo que o despertador tocasse a sua música favorita. Bem que ele deveria ter ouvido Azumane quando ele lhe disse que colocar sua música favorita no despertador é um passo sem volta para perder o amor pela canção - e às vezes pela vida -. Sentado na cama, o rapaz pegou o celular e, tirando-o da tomada, passou a dar uma olhada em algumas notificações. Eram sempre quase as mesmas, conversas aleatórias, no grupo do time, entre Tanaka e Nishinoya durante a madrugada, já que aparentemente bastava duas horas de sono para que esses dois voltassem a ter a bateria completa. Tinham também notificações do treinador Ukai sobre a agenda de treinamento nova, notificações de Shimizu, já que a garota havia ficado com a chave da quadra na noite anterior e, em um chat um pouquinho abaixo, perdido entre mensagens mais recentes, estava o contato de Sugawara, cuja a única mensagem exibia o caricato sinal de que se tratava de uma fotografia. Sorriu para si mesmo, provavelmente seria um meme, já que aparentemente ambos dividiam do mesmo gosto ruim para piadas. Ao clicar no chat seu coração errou uma batida, tão grande era a euforia. Não, não era uma daquelas imagens que adolescentes cheios de hormônios dividem com outros adolescentes cheios de hormônios. Na realidade, se tratava apenas de Koshi enrolado em cobertas grossas, rosto amassado de sono e a presença de uma pequena gatinha branca em cima de sua cabeça. Era uma foto boba com uma legenda igualmente boba, mas mesmo assim disparou o coração apaixonado do capitão do time.
Por vezes distraído, por vezes bobo. Estava vivendo com esse sentimento desde que chegou a Karasuno. Um clichê, claro. Koshi estava para si tal qual o sol estava para a Terra. Providencial. Mas recentemente, ao debater internamente seus sentimentos, chegou a conclusão de que seu amor estava se tornando insustentável e logo ele precisaria tomar uma decisão. Que era binária e se dividia bem entre os dois pontos. Ou ele se declarava para pedir uma chance ao acinzentado, ou ele se declarava para acabar com a amizade de ambos. E sim, não existia uma opção onde ele não se declarasse.
Até porque se tratava de Daichi, o capitão do time. Independentemente do quão vulnerável e distraído seu amor o fizesse, ele ainda tinha a postura de um líder e líderes são honestos consigo mesmos, ainda que suas questões levem tempo para serem devidamente debatidas. Ainda que suas decisões não sejam fáceis de se aceitar. Porém, para o bem da narrativa talvez seja importante dizer que seus planos estavam focados na primeira opção, se declarar e chamar Sugawara a um encontro. Sair com ele, diferente de "sair com ele", já que por vezes Sawamura levava o vice-capitão para os mais distintos programas de Miyagi. Como o aquário municipal, como aquele restaurante de okonomiyaki que era um pouquinho caro, mas ficava em Natori, então valia a pena pela curta viagem de trem, ou quando foram juntos no festival de outono do ano passado, onde Daichi batalhou com uma criança para ganhar um uma pelúcia de sapo para Koshi.
Parando para pensar, eles faziam muitas coisas ditas como de casais apaixonados e essa era a primeira vez que Sawamura parava para refletir sobre isso de forma mais lúcida. O fazia enquanto descia as escadas para a cozinha, após um bom banho e já vestido com o uniforme escolar.
— Oh, Daichi, já de pé tão cedo, meu filho? — A mulher o abordou, abraçando o filho com zelo. — Vai tomar café da manhã dessa vez?
— Ah, perdão por ontem, mãe! Eu estava com as chaves da quadra e precisava chegar mais cedo para o treino matinal. — Daichi coçou a nuca, se sentando na cadeira.
— Não se preocupe, só coma, okay? Estou preparando seu almoço, fazia tempo que não me dedicava aos bentos assim! — A mulher disse com uma empolgação saudosista e o rapaz riu, pegando uma boa quantidade de arroz e legumes, não demorando no desjejum, já que, embora não estivesse com as chaves da quadra, ainda pensava em chegar cedo.
— Hm, mãe, tenho que ir. — Anunciou, assim que terminou de comer, olhando a tela do celular. — Quero chegar um pouquinho mais cedo. — Informou, assistindo a genitora se virar segurando duas marmitas. — Olha mãe, acho que é um exagero comer dois almoços eu… — Foi interrompido pela risada da mulher.
— Não são os dois pra você, bobo! O outro é pro seu namoradinho. — A mulher disse sorrindo.
— Namoradinho… — O Sawamura filho parecia não entender.
— Koshi! Ora não pense que eu não reparo em vocês dois, até quando iria me esconder? — A mulher cruzou os braços.
— Esconder… Mas somos só amigos. — O rapaz falou sincero.
— Oh… Bom, então você está perdendo tempo, filho! Tenho certeza que esse menino gosta de você, e bom, nem preciso dizer que sei que você gosta dele.
— E está tudo bem pra senhora? — Daichi perguntou inseguro.
— Claro, não vejo porquê não! Ele é inteligente, bonito, prestativo, qualquer mãe o adoraria ter como genro. — A mulher deu de ombros.
— Mas somos dois rapazes…
— Ainda que fossem dois sapos, ou dois cabritos! Não há importância se são duas moças ou dois rapazes, desde que se amem. — A morena disse consciente e Daichi riu, correndo para lhe dar um abraço apertado.
Sawamura deixou sua residência mais determinado, agradecia mentalmente por não ter ficado a sós com Koshi no dia anterior, já que a conversa com sua mãe foi o último empurrão necessário para ter total certeza de que o quê estava pensando em fazer era o certo.
Caminhou rapidamente rompendo as ruas, que já eram mais movimentadas pelo horário de pico, desviando-se das crianças menores para correr até a escola. E nessa ansiedade gostosa acabou fazendo o trajeto que normalmente dura vinte e cinco minutos em apenas quinze, parando um tanto sem fôlego em frente a porta do ginásio, levantando a mão para o rapaz que sentava nas escadas e lia um mangá.
— Oh.. Daichi? — Sugawara fechou a revistinha, preocupado com a condição do amigo.
— Preciso… — Resfolegou. — Preciso falar com você. — Disse rápido, assim que reteve o ar.
— Aconteceu alguma coisa? Você está me assustando. — Os olhos amendoados brilharam suplicantes e Daichi se permitiu sorrir, ele de fato estava complicando as coisas.
— Minha mãe acha que a gente está namorando. — Daichi se sentou ao lado do rapaz na escada, esperando por uma reação do acinzentado.
— E… ela ficou brava ou coisa do tipo? Ela me conhece há muito tempo, sabe que somos amigos… — O rapaz pareceu pensar no que ia falar, abrindo e fechando a boca por algumas vezes, sem completar a frase que dizia.
— Eu disse que somos só amigos e ela concordou. — Daichi disse e o assistiu Koshi abaixar a cabeça e suspirar.
— Que bom, Daichi! Não queria te arrumar problemas, posso aliviar pra você e me manter fora de vista por enquanto, assim a sua mãe não fica pensando nisso. — Sugawara propôs, sorrindo amarelo, não era aquele sorriso que Daichi queria ver.
— Acontece que ela queria que você fosse. — Daichi sorriu, coçando a nuca. — Ela disse que você é bonito, inteligente e prestativo. Literalmente o genro que toda mãe pediu a Deus. — Comentou ainda com um sorriso, ganhando a atenção total de Sugawara. — E sabe, Koshi, eu concordo plenamente com ela. Eu te acho bonito, inteligente e prestativo… não me importo de acharem que a gente namora, porque sinceramente, eu queria mesmo que a gente namorasse.
E as palavras pareceram fugir do vocabulário de Sugawara, que sentia a pele crepitar. Odiava sentir-se envergonhado e sabia que agora sua vergonha estava em níveis alarmantes. E ele próprio não sabia o que dizer. Havia esperado esse momento há tanto tempo, desde que começaram a fazer o ensino médio juntos e passaram a andar grudados pelo colégio, jogar juntos, estudar juntos, passear juntos. Quantos bons momentos já havia compartilhado com aquele garoto? E céus. Por que não tinha uma reação?
— Ela me acha mesmo inteligente? — Ele comentou um pouquinho depois, saindo de seu estado contemplativo, subindo os olhos, podendo visualizar o sorriso calmo do capitão. Era suave, mostrava os dentes brancos com uma ou outra imperfeição, fazia seus olhos ficarem menores em uma expressão adorável e divertida demais para um rapaz daquele tamanho e presença. Era lindo. Droga, estava mesmo acontecendo?
Sugawara rompeu a distância entre os dois, abraçando-o de forma apertada, sentido os braços fortes, fruto do treino pesado que faziam, lhe rodearem na altura do peito, juntando os corpos num calor agradável. Calmo quanto aquele sorriso do capitão.
— Ela acha. — Daichi cochichou, causando cócegas no acinzentado. — E eu também. — Afrouxou o abraço para segurar o rosto do rapaz. O deu um selar breve e singelo em seus lábios. Sem segundas intenções, apenas um símbolo de apreço e amor. Sugawara sorriu, a sensação era incrível. — Você quer sair comigo?
— Tipo um encontro? — Perguntou e o moreno confirmou com a cabeça. — Aquário da cidade? — Sugawara estreitou os olhos, fazendo o rapaz rir.
— Se quiser ir de novo, pode escolher o que quiser. — Daichi relaxou os ombros, trazendo o rapaz para um abraço de lado, enquanto esperavam por Shimizu.
— A gente já visitou todos os lugares de encontro daqui. — Sugawara reclamou, pensando que talvez já fossem um casal há mais tempo do que imaginavam.
— A gente pode refazer tudo, só que namorando dessa vez. — Daichi propôs depois de um minuto de silêncio, tentando disfarçar o tom de voz vacilando e o rosto em combustão.
— Tudo bem, eu aceito. — Koshi disse sorrindo. — Não quero decepcionar sua mãe. — Ele brincou.
— Não decepciona, inclusive ela mandou almoço pra você. — O moreno disse rindo.
— Pera, fala sério? Sua mãe realmente gosta de mim? — Sugawara se soltou do abraço, rindo. — Céus, Daichi, eu achei que era uma cantada barata tipo "minha mãe mandou eu seguir os meus sonhos".
E então ambos caíram na risada, com a naturalidade daquilo. Não era o típico para adolescentes cheios de hormônios. Era meio tímido, calmo e bastante divertido. Como o andar lento de formiguinhas por sua barriga.
·
Hinata saltou de sua bicicleta assim que avistou a loira.
— Ya-chan! — Gritou a cumprimentando, assistindo a moça parar de andar para lhe aguardar.
— Bom dia, Hinata! — Disse igualmente animada. — Como estão as coisas, já se sente melhor? — Indagou preocupada, vendo o ruivo abaixar a cabeça, um tanto quanto pensativo.
— Ainda não sei. — A sinceridade daquela frase era tangível, a loira queria poder abraçá-la e dizer que estava tudo bem. — Mas estou começando a pensar melhor sobre isso.
— Eu imagino que as coisas devem estar sendo confusas pra você, mas você poderia se permitir um pouquinho. — A moçoila disse lúcida e Hinata balançou a cabeça.
— É que isso parece… — Shoyo suspirou, não vendo necessidade de terminar a frase, sabendo que ela era muito bem subentendida.
Apenas ele, Yachi, Sugawara e Kenma sabiam o quanto Kageyama era uma incógnita para si e seu cérebro. O rapaz, ao mesmo tempo em que era insano e maluco, conseguia ser completamente gentil e preocupado e isso deixava uma enorme interrogação na cabeça de Hinata, como se a todo momento ele deixasse alguma coisa passar.
Isso até a confissão, no final das férias. Foi a primeira vez que ouviu palavras daquele tipo, antes de Kageyama ele simplesmente não pensava em muita coisa. Sua cabeça era quase que completamente ocupada por vôlei, mas desde aquele jogo no seu último ano do fundamental, sua cabeça vinha sendo preenchida de vôlei e Kageyama, e mesmo que o vôlei acabasse ganhando, sua sede por vitórias estava sempre ameaçada pelo prazer pessoal que era treinar, jogar e conviver com o rapaz.
De rival a melhor amigo numa velocidade surpreendente, Kageyama tomou espaço em seu coração muito rápido, ele não teve tempo de processar qual nome deveria dar a esse sentimento que o consumia. Então, quando ouviu Kageyama dizer seus próprios sentimentos com tanta clareza, o ruivo simplesmente entrou em pânico, pedindo um tempo para pensar.
— Parece maluquice mesmo, mas vocês têm uma ligação muito grande e visível dentro e fora da quadra. — Yachi comentou, inclinando a cabeça para o lado a fim de pescar as reações do amigo. — Veja, sempre que você fala do Tobio, parece que você está falando de alguém muito importante pra você.
— Ele é importante, é meu levantador. — Hinata murmurou.
— Sugawara-san também é seu levantador. — Yachi alfinetou e Shoyo encolheu os ombros.
— Mas é diferente. — Hinata insistiu e a loira apenas sorriu.
— É diferente porque você gosta do Kageyama, e ele gosta de você, então acho que você deveria aproveitar. — Hitoka incentivou.
— Mas e se a gente começar a namorar, acabarmos brigando e isso de alguma forma afetar o time? Eu não quero ser um estorvo e nem atrapalhar nossos amigos. — Hinata murmurou a última parte.
— Vocês já brigam normalmente. Brigaram no começo das férias, brigaram no meio do acampamento. Vocês estão sempre discutindo, mas sempre acabam voltando a conversar, fazem as pazes com facilidade depois de um tempo em silêncio. Vocês respeitam isso. Namorando ou não, vocês vão continuar brigando, porque vocês são rivais. Se amam, claramente se amam, então não tem problema em ser rival e namorado. — Yachi riu ao final, até porque essa era a relação dos dois garotos, sempre "competindo" e buscando melhorar.
Depois disso, o ruivo preferiu manter-se calado pelo resto da caminho, queria poder dar uma resposta para Kageyama, mas infelizmente aquilo não era tão fácil quanto ele gostaria que fosse. Odiava estar confuso e odiava deixar o rapaz esperando.
— Você pulava antes do Kageyama jogar a bola, Hinata. — Yachi voltou a falar, despertando o ruivo de seus pensamentos. — Você pulava de olhos fechados e esperava que ele jogasse a bola na sua mão. Só… tente pular de olhos fechados outra vez, confie que o levantamento do Kageyama vai estar lá pra você cortar.
·
Tsukishima e Yamaguchi se encontraram no mesmo cruzamento de sempre. Dessa vez não estavam atrasados ou algo do tipo, então poderiam caminhar juntos sem problemas.
— Ei, Yamaguchi. — Kei chamou atenção do amigo.
— Sim, Tsukki? — O esverdeado se virou, inclinando a cabeça para observar o rosto do rapaz.
— Hoje vai ter um jantar lá em casa, acho que vai ser meio chato… você quer dormir lá? A gente pode assistir alguma coisa, quero realmente fugir de qualquer assunto chato de adulto. — Tsukishima perguntou com a mesma expressão limpa de sempre.
— Claro, podemos passar na minha casa depois do treino e vamos pra sua, vou deixar meus pais cientes. — Yamaguchi disse com um sorriso largo.
Pelo resto do percurso acabaram apenas falando sobre o tal jantar e as motivações por trás dele. Indo religiosamente à quadra, para fazerem o treino matinal, encontrando boa parte dos jogadores já lá.
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