História Sua Voz - Boa Sorte

Os murmúrios eram tantos que aos poucos superavam o alto som da máquina metálica usada por Moon Byul-Yi. Certamente, as falas destinavam-se a jovem que ouvia atentamente as palavras de sua professora, buscando gravá-las no papel. O aparelho que usava assemelhava-se há uma máquina de escrever, porém com limitados botões. Botões estes suficientes para formar frases em braile possibilitando a leitura de sua dona. 

Moonbyul sabia que era o motivo dos murmúrios, porém ignorou tais comentários e focou na doce melodia gerada pela voz daquela que proferia, ou melhor, recitava o conteúdo. A jovem aprendeu a usar sua audição da melhor maneira possível e apesar do tom ríspido usado pela professora, podia sentir a paixão que sua voz emanava ao completar uma nova leitura. 

Poucos eram os motivos que a faziam permanecer na universidade, sua vontade de aprender e superar os próprios limites a fizeram aturar cada comentário maldoso que ouvira, ou as brincadeiras de mal gosto. Em um mês vivenciou experiências completamente novas e para sua infelicidade desagradáveis. 

Sentiu a aproximação de uma familiar voz. 

"Moon Byul-Yi" movimentou a cabeça mostrando-se atenta "precisamos conversar". 

O último período deu-se por encerrado e a jovem, que aguardava ansiosa o encontro proposto por sua mentora, direcionou-se a sala da mesma, utilizando como referência as poucas indicações em braile do local e, como sempre, pedindo auxílio há alguns alunos que passavam perto de si. Localizar-se dentro do grande prédio seria impossível caso não houvesse visitado o local diversas vezes antes do início de suas aulas, além disso, frequentava salas próximas, o que facilitava sua locomoção dentro daquele gigantesco espaço. 

Identificou a sala pertencente a Kim e adentrou-a pouco depois de bater três vezes, em sequência, na grande porta de madeira há sua frente.  

"Com licença" exclamou, um tanto envergonhada. 

"Senhorita Moon, por favor, sente-se" Yongsun direciona uma cadeira para jovem, que com auxílio de sua guia, encontra facilmente o objeto há sua frente.  

Sem mais enrolações, prosseguiu: 

"Deve estar se perguntando do porque a chamei aqui. Na verdade, apenas quero saber o motivo por estar frequentando minhas aulas, já que dificilmente terá a oportunidade de trabalhar como professora ou qualquer outra profissão que seja". 

Moonbyul estremeceu. Como uma professora seria capaz de proferir tais palavras? Os minutos pararam, sua respiração acelerou e as mãos, de maneira ansiosa, começaram a se remexer. 

"Bem.... na verdade, eu apenas não quis permanecer em casa na mesma rotina de sempre, sabe?" A voz falha indicou seu nervosismo já bem aparente. 

"Não se importa com o que dizem ao seu respeito? Os demais alunos a consideram um fardo para a turma. Está ciente disso? 

Apenas remexeu a cabeça, respondendo positivamente à pergunta da professora. 

Por mais indelicada que pudesse parecer, Yongsun compadeceu-se da situação. Sim, as palavras anteriores foram difíceis de ser ditas por ela que apenas testava o quão resistente a jovem seria as suas provocações.  

A Kim convenceria a garota a abandonar o curso, como sempre fazia com os "fracos de espírito", porém, antes que pudesse continuar, foi interrompida pela mulher há sua frente. 

"Eu sei que sempre irei depender de alguém. Nunca tive a oportunidade de realizar nada por minha vontade própria, pois sempre havia alguém no meu encalço dizendo para que lado ir ou que decisão tomar" respira fundo e agora em tom mais sério prossegue "pela primeira vez estou fazendo algo por mim mesma, algo que eu mesma escolhi e com minhas próprias motivações. Muitos já quiseram que eu desistisse dessa ideia antes mesmo sequer de ter pensado nela e não será agora que irei desistir. Sinto muito." 

Levantando da cadeira, Moonbyul agora direcionava-se para fora da sala. Um leve sorriso apareceu em seus lábios pouco antes de sair do local. 

"Boa sorte" disse Yongsun, baixo. Um som inaudível para alguém comum, porém não para Moonbyul. 

Já fora da sala, Byul buscou seu celular no interior da mochila e selecionou o único número que sabia estar presente nele. Aguardou o carro que a levaria para casa sentada próxima ao estacionamento da universidade. 

Yongsun, após finalizar as poucas tarefas que tinha, rumava em direção ao seu carro, buscando as chaves na sacola. Pouco antes de adentrar no veículo observou, ao longe, a jovem responsável por suas dores de cabeça nestes últimos dias. 

Sentou-se no banco do motorista e, por alguma razão que nem mesmo ela soube explicar, aguardou. Atentou-se a cada movimento da jovem, que agora, aparentava ouvir músicas em seu celular. Inerte em pensamentos, a Kim mal percebeu a aproximação de uma mulher baixinha, com os cabelos igualmente curtos.  

Moonbyul teve seu braço tocado e retirou os fones, sorrindo ao ouvir a voz tão familiar, pertencente a única pessoa em quem realmente confiava. Wheein, amiga de Byul há mais de 15 anos, responsabilizou-se por levar e buscar Moon da universidade. 

Yongsun, ao ver ambas partirem, girou as chaves ligando o motor e partindo em direção ao seu apartamento, local este habitado não somente por ela, mas também por seu noivo, Eric Nam. 

"Lar" refere-se ao lugar capaz de deixar-nos confortáveis e é onde nossa verdadeira imagem ganha forma, entretanto a professora, por mais que tentasse, não encontrara nenhum lugar com tais atributos. Mentiria para si mesma caso dissesse que o relacionamento que mantinha com Nam significasse algo para ela. Nada sentia por ele e nem nunca sentiria. 

Repousou a mão sobre a maçaneta e, antes de virá-la, estampou em seu rosto a melhor máscara que possuía, capaz de fazê-la acreditar em sua própria atuação. Eric, entretanto, não estava em casa.  

O relógio marcava 00:30. Yongsun e Moonbyl repousavam lentamente suas cabeças sobre o macio travesseiro que habitava suas respectivas camas.  

Yongsun ocupava toda e qualquer atenção pertencente a Moonbyul neste momento. A jovem tentava idealizar sua aparência com as poucas informações que tinha, entretanto, como a dona de uma voz tão doce e gentil teria uma personalidade como aquela?  

Moonbyul por sua vez, criava dúvidas em Yongsun, tirando qualquer resquício de sono que outrora mostrou-se presente. A mais velha sentiu-se desafiada com o comentário de sua aluna, porém surpreendeu-se com a coragem demonstrada pela mesma.

Pela primeira vez em muitos anos, Yongsun adormeceu com alguém em seus pensamentos.