História Submissa - Capítulo 14

Sobre a grama do parque pequenas poças de água se formaram durante a noite. O cheiro de grama molhada parecia impregnado no ambiente, mas não de uma forma que incomodasse. National City, com certeza, lembraria a chuva da noite passada. Não importava se haviam poucas pessoas pelo parque, ou ainda caíssem do céu curtas gotas de água, isso parecia não servir de desculpa para faltar a uma boa corrida, e se alguém olhasse naquela direção, veria um ponto escuro dado à neblina e se forçasse a vista o suficiente veria Lena atravessar a grama sentindo os pés afundarem na lama, correr ainda era uma das poucas coisas que a fazia pensar com clareza, trazia uma sensação de liberdade como se tudo estivesse ficando para trás na medida em que ganhava velocidade, quase como se nada conseguisse alcança-la.

Mas no momento, não eram as lembranças terríveis que tanto a assombrava que lhe faziam companhia nessa manhã fria da cidade. Kara aceitou fazer uma espécie de teste na noite passada, a mesma noite em que discutiram o contrato, nesse final de semana, ela ficaria na casa da Luthor. O que sua irmã não aceitou a princípio, mas o que ela poderia fazer para impedir quando Kara parecia tão certa da sua decisão? Hoje, seria a primeira noite dela na sua casa e o quanto antes ela conseguisse agilizar as coisas melhor seria, e foi por isso que em plena sexta-feira, e de surpresa Lena apareceu no apartamento de Kara pronta para leva-la, mas a pequena Danvers ainda tinha trabalho para fazer na CatCo, ainda assim, conseguiram entrar em um acordo. Depois do trabalho Kara iria direto para cobertura da Luthor. E ver a mala dela no quarto a deixou, cheia de expectativa para os próximos dias, sua mente traiçoeira já começava a trabalhar dobrado em questão de planejamento.

Estranhamente, estava se sentindo feliz, de uma forma que ainda não tinha certeza... então correr pareceu ser o melhor jeito de entender o que sentia, o problema era que seu companheiro que chegou recentemente na cidade e sem ser convidado queria se instalar em sua casa, mas assim como Lena, ele não tinha uma boa fama e por sorte, mesmo que fosse capaz de negar alguma coisa a ele, acabou que ele conheceu alguém na cidade, Lena ainda não tinha certeza se seria apenas uma mulher ou várias, o que realmente importava era que Bruce Wayne ia ficar em um hotel por questões de privacidade... o que ela entendia perfeitamente. Lena parou de forma abrupta, olhou para trás, e reconheceu a forma de Wayne caminhando enquanto descia a pequena escada, estava olhando distraído para o celular.

-Achei que tivesse dito que corria – comentou Lena com uma provocação clara em sua voz.

-E corro, todos os dias religiosamente, mas recebi uma ligação então... você teve sorte – Bruce guardou o celular no bolso de seu moletom preto, olhou a volta, seu cabelo negro estava colado na testa e ele tentou enganar a Luthor com sua respiração pesada.

-Bem, vamos pegar leve no caminho, sei o quanto você quer ir devagar.

Bruce sorriu e balançou a cabeça em uma negativa. Os dois atravessaram a rua caminhando lado a lado.

-Estava falando serio sobre a ligação – repetiu Bruce e Lena assentiu com a cabeça –Vai a nova inauguração da filial da Wayne Tec?

Lena ainda se lembrava do momento em que conheceu o playboy milionário, ou melhor, ultimamente, Bruce não gostava mais de ser chamado assim.

-Milionários estão ultrapassados Lena - era o que ele sempre a dizia.

Era verdade que a riqueza de Wayne crescia exponencialmente a cada ano, ele parecia dono de Gotham City, não havia um ponto da cidade em que não se via um W de Wayne. Se conheceram em uma festa de caridade onde Wayne tentou seduzir a Luthor, foi engraçado e ao mesmo tempo o ponto de partida para uma nova amizade/rivalidade, já que se tratando de negócios –eles poderiam serem os melhores amigos para toda a mídia-, mas se um acordo estivesse entre os dois, lutariam como leões. E talvez por ter essa verdade tão clara para ambos, que a amizade se tornara tão sólida com o decorrer dos anos. O tipo de amizade que Lena gostava de cultivar.

-Por que eu iria para a festa de um concorrente?

-Porque precisa manter as aparências de uma competidora, ninguém, além de mim precisa saber que você é uma má perdedora...

-Ah, com licença, mas quem estava correndo ofegante atrás de mim agora pouco?

Bruce sorriu e acenou para um táxi. Eles pararam no sinal, uma mulher parou ao lado de Bruce e sorriu timidamente para ele.

-Eu estava sendo gentil porra, você é uma mulher, preciso ser um cavalheiro – caçoo Bruce e sorriu ao ver Lena revirar os olhos em resposta.

-Talvez eu vá nessa sua festinha – ele notou o deboche explicito usado por ela -E talvez, leve alguém comigo.

O táxi parou, Bruce abriu a porta, porém sabia que Lena voltaria a pé para casa.

-Eu a conheço?

-Não, e nem pretendo apresentar.

Bruce levou a mão ao peito como se estivesse ofendido, olhou para mulher parada, aguardando se ele iria ou não pegar o táxi.

-Vai para o centro? – perguntou e a mulher assentiu –Vamos dividir o táxi? – ela concordou, porque estava atrasada, Bruce saiu do caminho da porta, sorriu cheio de carisma para mulher e piscou para Lena antes de entrar no táxi.

Bruce não costumava perder tempo, tudo que precisava fazer era olhar para uma mulher se ela fosse bonita o suficiente dentro de seus padrões, ele não a deixaria sair de sua vista. E por falar em tempo, era uma coisa que Lena Luthor definitivamente não tinha para perder, antes de ir para L-Corp, precisava arrumar as coisas para estadia de Kara que, no que dependesse dela, não voltaria mais para seu apartamento.

                               * * *

-Sério que vão ficar apenas na cobertura? – perguntou Winn enquanto Kara tentava acertas os últimos detalhes de sua matéria –Nossa, achei que sei lá, iam para algum lugar...

Kara sabia que não importava qual lugar estivessem, contanto, que estivesse com ela. Seria uma decisão que talvez se arrependesse no futuro, mas como costumava tentar manter sua cabeça no agora, acreditou que essa seria a melhor decisão a se fazer, e de qualquer forma, era apenas um teste, nada oficial.

-Então, como vai ficar a noite de jogos? – Winn brincava com as canetas da amiga, estava sentado na mesa –Você não vai poder fazer na sua casa, já que está de mudança... vocês são muito rápidas – Kara sentiu seu corpo afundar na cadeira, tinha esquecido completamente, eram os únicos momentos em que conseguia reunir seus amigos, o único momento em que todos estavam integralmente presentes sem qualquer preocupação de trabalho era quase como um ritual para todos –Se conheceram a o que? Ontem, e hoje, estão planejando morar juntas....

-Nós não estamos planejando morar juntas – replicou Kara e empurrou a cadeira para trás –E não nos conhecemos ontem, já faz dois meses.

-E como você chama isso? “Vamos apenas passar um final de semana juntas numa puta casa da área residencial”... começa assim, um final de semana, um mês e depois você está morando com ela, você me disse que não estavam namorando...

-Eu também disse que era complicado – pontuou Kara e chegou a impressora quando os papéis haviam sido imprimidos, elas os recolheu e organizou.

-Bem, o que importa é que você está bem e feliz... eu acho, você está?

Kara olhou para Winn, ela não estava soltando fogos de artificio, porém não estava infeliz. Então apenas confirmou com a cabeça.

-Eu vou dar um jeito hoje à noite... vou ligar para ela e dizer que só posso ir no sábado.

                               * * *

Em nenhum momento desde quando veio viver ali, a arrumação de sua casa a preocupou, uma senhora sempre limpava todos os dias, preparava o café da manhã para Luthor e quando Lena descia pronta para o trabalho, parecia que um fantasma preparou tudo e não uma pessoa, ela entrava; arruma, deixava a mesa pronta, e saia. Rápido e simples como gostava que fossem as coisas. Mas hoje, alguma coisa ali a incomodava e não entendia o que poderia ser. Lena encontrou a senhora Lopez na cozinha, pareceu surpresa por ver Lena ali, geralmente, eram pouquíssimas às vezes em que se encontravam por acaso, é claro, Lena nunca fora rude ou disse que desejavam que as coisas fossem assim, mas ela supôs que fosse sua vontade, apesar de nunca ter deixado explícito, na sua imaginação fermentada pelo que ouvia das outras pessoas quando teve a oportunidade de trabalhar para Lena, a única coisa que queria era manter o emprego que pagava muito bem, então evitava entrar no caminho dela na esperança de mantê-lo.

-Bom dia – desejou Lena e a senhora sorriu de forma amável.

-Bom dia senhorita Luthor.

Foi estranho reparar que eram poucas as palavras que já falou com ela, mas como poderia falar com alguém que a evitava?

-Vou receber alguém hoje... ela vai ficar durante o final de semana e talvez fique aqui por um tempo – com esse tempo ela se pegou imaginando um longo período de tempo, mas era uma coisa que jamais diria, principalmente para sua empregada –Eu quero que ela se sinta em casa, confortável, quero que tenha o que pedir.

-Sim senhora, algum pedido especial para hoje à noite.

Lena estava a ponto de dizer que sim, mas seu celular a interrompeu. Ela se encaminhou para varanda da cobertura, sentiu o vento forte e frio em seu rosto enquanto fechava a porta.

-Kara.

-Lena, eu sinto muito, mas não vou poder ir...

Ela tentou não demonstrar a frustração.

-Por que senhorita Danvers?

-Hoje tenho um compromisso, já estava marcado.

-Com o Mike? – perguntou Lena, foi pior ouvir o riso divertido do outro lado da linha, isso a irritou. Kara não diria que notou o sarcasmo e leve raiva quando Lena pronunciou o nome dele.

-Não, eu não o vejo mais, é com os meus amigos... não posso faltar...

-Então porque não os convida para virem aqui?

-O que?! De jeito nenhum, o que eu digo a eles?

-Que está comigo e vai ficar aqui por um tempo, é tudo o que eles precisam saber.

-Eu não sei se isso é uma boa ideia...

-Está decidido, você tem esse encontro com seus amigos aqui, posso até ficar fora do caminho de vocês, mas você vai vir hoje Kara, de um jeito ou de outro.

                               * * *

-E então?

-Acho que vocês vão conhecer a cobertura dela – disse Kara um tanto nervosa.

Não fazia ideia de que tipo de reação eles teriam, como seria a sua noite, a única coisa que tinha certeza era da pressa de Lena Luthor, e tinha medo de que fosse ser sempre assim. Na verdade, ela sabia que sempre seria assim, caso esse teste passasse, e ela ainda não tivesse mudado de ideia. Talvez houvesse se iludido demais por imaginar que poderia fazê-la mudar de ideia, que poderia fazê-la se apaixonar por ela nesse período de tempo. Alex tinha razão, e as vezes, Kara costumava ser muito fantasiosa.

                               * * *

-Você deve estar achando que sou uma idiota, não é?

-Não, o que eu acho Kara, você está cedendo a todos os caprichos dela.

-Então você não vai vir? – a insegurança dançava na voz de Kara.

Ela viu o movimento dos ombros de sua irmã cedendo, como se dissesse que tudo bem.

-Mas, não vou ficar por muito tempo.

Kara abraçou a irmã e encontrou o motorista da Luthor parado no meio de seu apartamento, ainda aguardando pacientemente, ele não perguntou se ela precisava de ajuda com sua última mala, simplesmente a pegou das mãos de Kara e arrastou para fora, a sensação que Alex tinha era de que sua irmã estava se mudando e não indo ficar apenas um final de semana.

-Por que está levando tanta coisa? – perguntou Alex –Achei que fosse ficar apenas um final de semana.

-Ela me convidou para uma festa, a inauguração da nova filial da Wayne tec. Sabe como sou indecisa...

-Está bem, está bem... mas se estiver de mudança eu gostaria de ser informada.

-Eu não vou me mudar Alex.

E Kara se pegou sorrindo, um sorriso nervoso, tinha medo de que quando o final de semana passasse e ela mantivesse sua decisão, como as coisas seriam quando ela contasse para irmã que iria morar com a Luthor? Bem, aparentemente isso já estava sendo esperado.

Elas se despediram no corredor pela segunda vez, então Alex finalmente viu sua irmã entrar no elevador, a sensação era de que Kara estava partindo para sempre e não um único final de semana.

Kara estava se aproximando do carro quando sentiu o toque em seu ombro.

-Kara...

-Mike! - ela chegou a ficar assustada, foi inevitável não pensar em Lena, parecia que ela pode prever que ele a procuraria, e afinal, notou mesmo certo ciúmes em sua voz ou seria apenas parte fantasiosa sua a estimulando a seguir em frente?

Ele mudou o peso de seu corpo e sorriu, estava com a testa suada.

-O que está...

-Me mudei para a outra rua – ele apontou para curva da esquerda e sorriu gentil –Foi bom encontrar você, precisava dizer algo... uma coisa muito estranha aconteceu comigo...

-Mike... eu sinto muito, mas não posso ficar muito tempo, tenho alguém me esperando...

-Lena Luthor, é estou sabendo...

Kara sentiu seu sangue gelar nas veias, tentou não parecer ansiosa, mas isso era uma tarefa de extrema dificuldade.

-O-o que... como você...

-Essa foi à coisa estranha que me aconteceu outro dia. Eu realmente preciso conversar com você.

                               * * *

Era estranho sentir-se ansiosa, pela primeira vez, desde a última submissa que tivera, ela nunca ficou nervosa, exceto, a primeira vez de fato em que conseguiu a primeira submissa, mas no fundo, ela sabia que era um tipo diferente de nervosismo. Do tipo novo.

-Encontrei – disse Bruce, e Lena retirou sua atenção do celular para olhar o playboy sentar numa das poltronas da sala, ela não queria ficar sozinha com os amigos de Kara, então o convidou. Sabia muito bem que a irmã dela a detestava, e provavelmente, seus amigos também, então preferiu ter alguém com quem conversar. Afinal, a noite não poderia render tanto, e logo, quando todos fossem embora, ela poderia ter finalmente a pequena Danvers apenas para si –Precisa melhorar a sua adega Lena.

Ele colocou a garrafa de vinho sobre a mesa e serviu duas taças.

-Então, quando essa festa vai começar...

-Não é uma festa, é uma noite de jogos pelo que ela me falou...

-Não fazia ideia que você estava namorando de novo, quando foi à última vez? Já faz quase quatro anos...

-Cinco – corrigiu Lena.

-Nossa – Bruce colocou sua perna sobre a outra e bebeu um gole do vinho, o saboreando –Podem ser poucos, mas o que importa é a qualidade – ele ergueu a taça e sorriu cheio de cinismo, Lena apenas balançou a cabeça em resposta.

A campainha da cobertura soo, Lena levantou-se, o que poderia passar despercebido por ela, mas não para o Wayne era o quanto ela ficou agitada.

-Boa noite senhora Luthor, senhor Wayne – Bruce o cumprimentou, mas a única coisa que Lena queria ver era Kara.

-Onde ela está?

-Ela disse que pegaria um taxi senhora –ele empurrou a mala da Danvers para o centro da sala –Posso levar isso para cima?

Mas que porra Kara, onde você se meteu?

-Por que ela quis vir de táxi?

-Ela encontrou um amigo, senhora. Ele queria conversar, os vi entrarem em uma cafeteria.

-Você ouviu o nome dele?

O motorista pareceu realmente fazer um bom esforço até que finalmente.

-Marlon ou Mike algo parecido, sinto muito, não consegui prestar atenção...

Bruce esperou até o sujeito subisse as escadas com a mala para fazer seu comentário infeliz.

-Parece que sua namoradinha já tem um namoradinho para se preocupar.

Sua intenção era apenas provocar a Luthor, como sempre fizeram, não esperava que ela fosse ficar tão irritada. O que de fato era engraçado, pois Bruce em todos esses anos de amizade, nunca havia visto Lena demonstrar qualquer tipo de ciúmes com nada.