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História Superboy - Sair do armário não é tão fácil assim


Escrita por: SeokFox

Notas do Autor


Sobre o título:
Uma coisa que eu tenho percebido em várias fanfictions, e até na ficção ''oficial'' (como algumas séries teen da Netflix) é que ser LGBT sempre é muito colorido, fácil e todas as pessoas são bem resolvidas quanto isso, mesmo na adolescência.

Spoiler: nem todas elas são. A maioria, inclusive, se sente envergonhada ou desconfortável ou culpada até que consiga ''desconstruir'' esse preconceito com si próprias. Pra alguns, leva meses. Pra outros, levam anos. E alguns não conseguem pelo resto da vida.

É isso que eu quero retratar. Ser LGBT não é fácil. Nunca é. Espero que consigam entender o que eu quis passar nesse capítulo. =)

Agora, sobre as notas reais:
Arg, eu odeio dar spoilers, mas eu sei que vocês estão super-ultra-hiper-mega ansiosos pra um momento JonDami mais intenso, não tão água-com-açúcar igual no capítulo anterior. O próximo capítulo será focado totalmente nos dois. Eu precisei inverter a ordem dos capítulos (esse aqui era pra ser o próximo, e o próximo ser esse aqui), mas meio que por ''senso'' eu achei que seria mais coerente lançar esse aqui primeiro.

Prometo, prometo: o próximo capítulo será inteiramente JonDami, mas espero que gostem desse aqui também x) Desenvolvimento de personagens é importante!

E, como sempre: muito obrigado por estarem sempre comentando e me incentivando tanto. Só falta 1 fav pra alcançarmos 120!!!!! Do último capítulo pra esse, ganhamos 20 favs, pessoal! Isso é muuuuita coisa =oo

Obrigado, e tenham uma boa leitura! <3

Capítulo 13 - Sair do armário não é tão fácil assim


 

Acabou que a mensagem que eu recebi no celular não era do Damian. Era do Theo.

Ou seja, as coisas estavam prestes a ficar muito, muito complicados.

Ele simplesmente disse: ‘’onde você está?’’ 

Só. Mais nada. Nenhum emote. O que significa que o caldo iria engrossar, de um jeito bem feio.

Eu não contei para os meus pais. Seria estranho se eu simplesmente os largasse depois do nosso momento tão sincero e amoroso. Kara foi embora bem tarde, cerca de duas da manhã, quando todos nós fomos dormir. Passamos uma boa parte depois do jantar jogando adedanha e comendo bolo de sorvete; não deveria, e não faz o menor sentido, mas bolo de sorvete é realmente muito bom e não existe um ser na Terra, e além, que possa me provar o contrário. A parte boa é que a minha prima não precisava se preocupar em ir embora às duas da madrugada e muito menos em demorar pra sair do Kansas até National City. Afinal, ela é a Supergirl, e uma das qualidades dela é ser bem mais rápida que o meu pai. Apostamos que ela não conseguiria chegar em casa em dez minutos. Eu apostei contra, e ela apostou a favor.

No fim, ela chegou em cinco minutos e ainda me mandou uma selfie preparando capuccino antes de ir dormir, com direito à legenda ‘’noob’’. Agora, estou devendo uma noite comendo pizza, guioza e mais um monte de coisas. Eu gosto da pizza, mas guioza e as outras comidas japonesas não me agradam nem um pouco. Kara adora. Ah, e eu também estou devendo uma Noite de Jogos. Em outras palavras, eu assinei minha sentença de morte inconscientemente. Não pela pizza, óbvio. Mas Kara é praticamente invencível numa Noite de Jogos. Ela não nasceu na Terra e cresceu em Krypton, ou seja, pelas histórias que me contaram, uma calculadora de Krypton é umas mil vezes mais potente e avançada do que o melhor computador que a NASA poderia oferecer à Terra. O que resulta em: Kara Danvers tem a inteligência de Albert Einstein e Stephen Hawking. Juntos. E ainda assim não chega na metade.

O que eu estou querendo dizer é: não há como vencê-la numa Noite de Jogos.

E eu sou mais competitivo do que pareço. É sério.

A parte boa é que, ao chegar em casa pelo final da manhã, os vidros estavam completamente consertados, a porta de entrada também e não haviam vestígios de que houve um sequestro alienígena três noites antes.

Meus ouvidos acabaram por captar um som próximo. Minúsculo, quase imperceptível — mesmo para mim. E ao direcionar minha atenção para uma árvore na vizinhança, percebi um pequeno animal, um morcego, dormindo de cabeça para baixo na árvore. Óbvio que, na hora, eu soube que não era um animal, porque animais não fazem barulhos mecânicos e, ao estreitar os olhos, enxerguei uma câmera em seu interior.

Uma vigia. E a julgar pela extremamente clichê aparência de morcego — que eu achei bem pertinente —, era do Batman.

Tudo bem, até que faz sentido. Minha casa foi atacada e eu posso escutar o som da minha tia no interior do nosso lar. Não me surpreende que Batman tenha instalado uma vigia. E eu não ficaria surpreso se a câmera captasse tudo que acontece no quarteirão ou tivesse um detector de qualquer-ameaça-alienígena. O resto eu posso lidar. Acaba que o Batman é um cara legal. Só é incompreendido. Ele é como Hades na mitologia grega.

Abri a porta e tia Lucy veio ao meu encontro com tanta velocidade que pensei que fosse o Flash. Me abraçou e colocou as duas mãos no meu rosto, com um ar bem feliz.

— Ah, Jon, eu estava tão preocupada com você!

— Também estava, tia — eu respondi, sorridente. — Os vidros já estão consertados, é? Como nós pagamos por isso?

— Nós não pagamos. Bruce Wayne pagou.

Isso era meio óbvio.

— Ah.

— Bem, Jon, eu meio que recebi uma ligação da minha irmã e nós conversamos sobre… Você.

— Sobre mim? O que vocês falaram? O sequestro relâmpago do alienígena louco?

Tia Lucy pareceu ficar um pouco desconfortável, sem saber se deveria dizer algo. Não demorou muito para que eu percebesse do que se tratava.

— Ah.

— Jon, você não ia me contar?

— Provavelmente eu ia acabar contando, sim. Pra todo mundo. Mas um cara super inteligente vindo do outro lado da galáxia decidiu contribuir pra me tirar do armário.

Ela segurou uma risadinha contida, bondosa e doce. Como se não quisesse diminuir o momento ou me constranger de alguma forma. Então, minha tia disse:

— Não gosta muito de mudanças, não é?

— Não gosto. E a experiência de ‘’sair do armário’’ é legal, mas um pouco estranha. Não sei o porquê, mas acho que é mais interessante quanto as pessoas acham que você é hétero.

Eu não deveria ter dito algo assim, mas era verdade.

— Meu Deus, Jon, por que você acha isso?

— Já experimentou passar um dia na minha escola? As pessoas são horríveis. O Theo é zoado o tempo todo por não ser masculino o suficiente, e olha que ele nem é gay. Perguntaram em público se eu e ele… Ah, você sabe.

Minha tia desnivelou as sobrancelhas, mas não disse nada.

— Não é como se eu tivesse vergonha de ser ou algo assim. Digo, não tenho mais. Antes eu tinha. O problema é que acaba sendo mais fácil assim. Teve uma vez que um cara disse para o Superboy: ‘’você é homem, é branco’’ e ficou subentendido a palavra ‘’hétero’’, e depois falou que eu não deveria ajudar uma pessoa que não era.

Não estou mentindo nem nada assim. Eu não tenho mais vergonha de ser gay. Mas acaba que eu estou sendo forçado a sair do armário para todo mundo e isso me deixa um pouco desconfortável. Eu quero contar para as pessoas que eu quiser, quando eu quiser, e quando eu me sentir bem. Não é porque um sabe que todo mundo precisa saber.

Não estou bravo com a minha mãe, também. Sei que ela fez na inocência, como se fosse algo novo, inédito, superlegal. Ela é repórter das boas, e a tia Lucy é como uma mãe para mim. Eu eventualmente contaria para ela, mas queria ter tido essa chance por mim mesmo. Num momento especial.

— Eu acho que você não deveria se sentir intimidado por essas coisas, Jon — explicou ela. — Não é por ser gay que você precisa ser feminino. Não é porque seu amigo, o Theo, é hétero que ele precisa ser masculino. As pessoas são diferentes. Eu já vi muito, muito preconceito enquanto estava ativa no exército.

— E como o preconceito no exército me ajudaria?

Tia Lucy, de novo, segurou uma risadinha.

— Acabou que metade dos que forçavam preconceito o tempo inteiro, estavam ficando com outros caras por aí na surdina. É mais normal do que parecesse. Essas pessoas que precisam ser inseguras, não você. Claro que existe aqueles que realmente são pobres de espírito, mas também existem os que estão reprimindo o que sentem.

Não é uma história tão difícil de acreditar. Já ouvi dizer que as pessoas que mais se explicam, são as que mais estão erradas. Existem caras que são seguros quanto a heterossexualidade deles e tá tudo bem. Na minha cabeça, não faz o menor sentido reduzir uma pessoa por uma característica dela ou coisa assim. Tudo bem, o amiguinho é gay. Mas ele gosta de pizza, e aí? E você gosta de salada. Ele não é melhor porque gosta de pizza — embora todos saibam que pizza é superior — e nem você é superior porque gosta de meninas.

Eu queria poder tatuar isso na minha testa e sair voando por aí.

— Desculpa por não ter contado.

— Não tem que se desculpar. Jon, eu não sou sua mãe, eu sei disso. Eu te dou todo o espaço que você precisa. Quero que se sinta em casa. E quero que sinta confortável, sempre. Moramos juntos há cinco anos, mas eu ainda consigo perceber que você é mais na sua.

Isso não é uma mentira completa. Eu amo a tia Lucy, de coração. Mas, sei lá. E eu também confio nela, muito. Mas não temos muito em comum. Ela cresceu como uma militar, foi major e tudo mais. Acaba que não temos muito em comum para conversar. Não é como se eu me sentisse desconfortável. Só não temos assunto. Mas tia Lucy é tão importante para mim quanto a minha mãe. Ela cuida de mim e se importa comigo. Me repreende quando eu erro, e sempre me recompensa quando eu acerto, seja com carinho ou com comida.

A questão é que eu me sinto em casa com ela, e eu deveria demonstrar mais. Acho que tenho estado tão preocupado em descobrir quem eu sou, e quem o Superboy é, o que nós sentimos e tudo mais, que eu acabei me tornando distante.

Nas últimas semanas, sei que até do Theo eu estou distante.

Nossa, o Theo. Ele deve estar… Não sei. Não dá para prever.

— Tia — chamei. — Eu não posso distinguir entre você e a minha mãe. Você é tão importante pra mim quanto ela, eu juro. Sei que eu sou um pouco distante às vezes, e não conto tudo sobre mim. Mas não é por falta de confiança. Eu prometo.

Ela pareceu se emocionar e deu um sorriso fraco, acariciando meu rosto novamente.

— Quanto temos nossas noites de cinema, a sexta-feira da pizza, a noite do boliche… Eu te disse uma vez, e fui sincera: eu não poderia amar mais um filho nem se Deus tivesse me dado o meu próprio.

— Me sinto do mesmo jeito. Mesmo que você cometa a heresia de pedir pizza vegana.

— Como é que é?

— Preciso falar com o Theo! — E antes que eu pudesse terminar a frase, meu corpo moveu-se como um borrão até o sótão, meu quarto. — É importante! — Minha voz morreu em um grito.

E fechei a porta.

Deitei na cama, peguei o celular e tateei as mensagens para Theo.

‘’Oi?

Cadê?

Estava muito ocupado, me desculpa!!

Tô indo aí!’’

Troquei de roupa e saí.

 

Bati na porta duas vezes e a mãe do meu amigo, que eu carinhosamente apelidei de tia Ellie, abriu a porta.

— Jon, que surpresa! — Ela sorriu. — Entre, entre. Theo está lá em cima.

— Obrigado, tia — agradeci, entrando pela porta. Olhei para a mãe de Theo e disse: — Ele está… está bem?

Ela pareceu ficar um pouco preocupada, um ar meio triste. Respondeu, então:

— Eu não sei. Ele não quer sair do quarto. Tentei levar comida, mas ele também não quis. Que bom que você veio, Jon.

Eu assenti com a cabeça e subi pelas escadas até o quarto do meu amigo. Bati na porta uma vez.

— Theo? É o Jon.

Captei uma frequência sonora um tanto baixa, abafada. No caso, seria baixa para outras pessoas, mas eu conseguia escutá-la perfeitamente. Fones de ouvido. Strawberries and Cigarettes, do Troye Sivan?

Comprimi minhas pálpebras para enxergar através da porta. Theo estava deitado em sua cama, no escuro, as janelas fechadas sequer permitiam a entrada de qualquer raio de sol. O rosto estava abatido, a cama bagunçada. Sozinho com exceção da música triste que ouvia. Próximo, uma pequena lâmina de barbear, caída ao pé da cama com uma mancha vermelha e seca.

Theo não tem barba.

— Theo! — chamei mais alto. — Abre a porta! Se você não abrir, eu vou entrar!

Nenhuma resposta.

— Amigo! — Eu estava quase implorando. — Por favor! Por favor! Eu preciso te ver.

Silêncio.

Theo não estava com risco de vida, é verdade. Mas seu rosto… parecia tão mórbido e abatido. Triste. Deprimido. Eu não o culpava. Tenho sido um péssimo amigo nos últimos tempos. Estava tão ocupado sendo Superboy, e correndo atrás de alguém que… Esqueci de quem sempre esteve lá por mim.

Ele, o Theo, sempre foi especial; sempre se sentiu abandonado com muita facilidade por todo mundo, e eu sempre fui a única pessoa que nunca o abandonara. A única pessoa para quem ele contava todas as coisas. E eu não tenho sido honesto.

Não quero que ele e nem ninguém me entenda errado. Eu não digo isso sempre, mas eu amo o Theo. Eu o amo de verdade. Não tenho irmãos, mas sei que ele é como se fosse um para mim. Quando está triste, sozinho, deprimido, basta um abraço meu pra fazer aquele sorriso tímido e aliviado dele surgir. Basta jogarmos uma partida de qualquer jogo, ou até mesmo apanhar para ele em Player versus Player.

Não vou mais deixar que ele se sinta assim.

Transitei o olhar pelo corredor até encontrar a janela.

Soube o que precisava fazer.

Respirei fundo, e junto com o ar fresco, a coragem também preencheu meus pulmões e o meu corpo. Retirei os óculos. Abri o casaco. O S surgiu.

Voei para fora da casa e entrei pela janela do quarto de Theodore, junto com a luz diurna do sol. Trajado com o meu uniforme; a capa vermelha e o S evidentes. Como Jonathan Kent e, ao mesmo tempo, como Superboy.

Theo se assustou e sentou na cama, puxando os fones de ouvido com velocidade. Os olhos dele quase brilharam ao me ver. É impressionante como as pessoas não conseguem ver através dos óculos especiais utilizados por meu pai e eu. Revestidos com material kryptoniano, refletem uma imagem distinta à nossa, impedindo que as pessoas criem uma linha entre Jonathan e Clark Kent e Superboy e Superman.

— Superboy? — murmurou Theodore, a confusão evidente em seu rosto. — Como… O que está fazendo aqui? Eu fiz alguma coisa errada?

Repuxei um sorriso de canto.

— Não Superboy — corrigi. — Sou seu amigo.

— O quê… O que quer dizer? Tipo, sei que os heróis são amigos de todo mundo e coisa e tal… Mas eu não esperava que um deles aparecesse no meu quarto.

Apertei os olhos com força, controlei minha respiração. Pelo bem ou pelo mal, estava nervoso. A sensação foi a mesma de me assumir outra vez. Revelar Superboy seria, automaticamente, revelar Superman. Theo saberia de tudo e talvez as coisas fossem mudar entre nós. E, pior de tudo: ele poderia estar em perigo.

Pensei em desistir.

Mas não posso. Não é justo. Theodore é o meu melhor amigo, e eu posso protegê-lo. Eu não posso salvar o mundo se não consigo nem garantir a proteção das pessoas com quem eu me importo.

— Não. — Eu me aproximei e sentei na cama, junto com Theo. — Sou eu, Theo. O Jon. Seu melhor amigo. Eu… Eu sou o Superboy.

Num primeiro momento, Theodore ficou mais confuso do que eu possa descrever. Juntou as sobrancelhas, aparentemente pensando. Depois, pareceu um tanto atordoado.

— Poucas pessoas sabem a minha verdadeira identidade. Não é seguro pra elas, entende? Mas eu acho que você precisa saber, Theo. Você é meu melhor amigo. Eu posso proteger você.

Theo não falou nada por alguns segundos. O silêncio dele estava sendo um tanto agoniante.

— Sei. Entendo. Isso explica algumas coisas…

Ele não estava com a cara muito boa. Deduzi que algo o incomodava. Pensei, pensei e pensei. Imaginei algo que pudesse dizer para quebrar o gelo ou tornar a situação menos estranha.

— Não me parece que está tudo bem.

— Eu não disse que está. Disse que entendo.

Ah, ótimo.

— Você está bolado.

— É, eu estou um pouco, sim, Jon. Eu achei que eu e você sempre contássemos tudo um pro outro. Pelo visto, era unilateral.

O tom na voz de Theo estava, simultaneamente, triste e chateado. Não estava olhando diretamente para mim, como se preferisse evitar. Escondia seus pulsos com sua coberta e a abraçava. Ele só usa coisas — cobertas, casacos, afins — para se esconder. Eu sabia disso. E só faz isso quando se sente muito, muito mal. Theo estava mal.

— Eu queria ter te contado — confessei. — Várias, várias vezes. Mas não era seguro. Todo mundo ao meu redor estava em perigo, até eu. Minha casa foi invadida, eu fui sequestrado.. Tantas coisas, Theo. Eu não podia arriscar que você acabasse no meio de tudo isso.

— E sobre você ser gay? — perguntou. — Me colocaria em perigo, também?

Engoli em seco e me remexi, desconfortável. A resposta era óbvia, e ainda assim um pouco constrangedora de dar. Ele tinha certa razão.

— Não…

— Então por quê? Por que escondeu tudo isso de mim por cinco anos? Não significou nada pra você? ‘’Melhores Amigos’’ tem algum significado?

De novo, aquela sensação maldita de que o meu estômago está congelado, e o frio consome o meu corpo de dentro para fora — como se congelasse meu peito, minhas pernas e minhas mãos, ainda que não estivesse frio do lado de fora. Estava com frio, mesmo sentindo o calor do sol e a brisa morna que invadia pelas janelas abertas do quarto.

— Eu estava com medo. De tudo. Eu sei, eu sei que eu deveria ter contado, Theo, mas por favor… Não foi de propósito.

— Você estava com medo de quê? — ele perguntou, e seu olhar se manteve fixo em outras regiões que não o meu rosto. — O que eu poderia fazer? Te bater? Você sabe melhor do que ninguém que eu sempre sofri preconceito na escola por não ser ‘’machão’’. Por que eu faria o mesmo com você?

— Não. — Fechei a mão e coloquei perto da boca, lutando para conseguir dizer o que sentia. O que precisava ser dito naquele momento. Parte do meu orgulho estava gritando, berrando, para que eu não falasse. — Estava com medo de você me achar fraco. Ou frágil. Todas as vezes que você precisou de ajuda, eu estava lá. E se eu não fosse ‘’o homem’’ que você esperava? Como eu ia te deixar na mão? E, pior ainda, e se você não me reconhecesse mais como o Jon?

Soltei as palavras tão rápido que não tenho certeza se saíram ordenadamente ou sequer com coerência. Nervoso e agitado, olhei para Theo e vi que sua expressão estava mais tranquila. Menos chateado, aparentemente.

— Olha, — continuei. — Eu sei que eu pisei na bola. É só que… Eu não sei o que eu faria se meu melhor amigo não me visse mais da mesma forma. Se você não me reconhecesse, acho que nem eu iria me reconhecer. Ser gay, não ser gay… As pessoas colocam muita pressão nisso. Eu achei que seria… Que seria ‘’inferior’’ se eu me assumisse ou até admitisse pra mim mesmo. Eu não me sinto mais assim, graças às pessoas que me ajudaram a lidar com isso.

Theo livrou-se  do cobertor que estava abraçado, parou por alguns segundos e se sentou ao meu lado. Escondia os pulsos com a manga da roupa, algo inútil, visto que eu já sabia o que ele fizera anteriormente.

— É engraçado. — Theo pareceu ficar mais suave, e notei um meio-sorriso. — Quando se olha um super-herói voando por aí e ajudando as pessoas, você pensa que eles são indestrutíveis. O Homem de Aço, por exemplo. Acabamos achando que eles são assim não só por fora, mas por dentro também.

— Acredite, eu não estou nem perto de ser ‘’de aço’’ por dentro.

— Eu sei bem. E consigo ver isso bem melhor agora. Você sempre foi ‘’O Garoto de Aço’’, bem antes desse S aí. Puxou a responsabilidade toda pra você, mesmo se tratando de mim. E não quis parecer fraco porque eu não teria com quem contar…  Eu sempre te achei forte, Jon, não tô brincando.

Ele uniu os seus dedos entre si e relaxou os ombros, prosseguindo:

— Sempre me perguntei o porquê de você não ligar quando zoavam a gente, e o porquê de você nunca se abalar. Acho que foi por isso que quando eu te vi apaixonadinho um tempo atrás, fiquei surpreso. Meio que ‘cê sempre foi meu modelo de herói, antes mesmo me contar que você… É que você tem um S no peito e voa por aí, né.

Acabei dando uma risada contida. Theo acabou acompanhando. O frio que eu antes sentia dentro de mim foi substituído por uma vibração apaziguadora e confortável, tamborilando no peito e iluminando meus olhos — que, até então, estavam enevoados pelo medo e a tensão. A luz responsável por iluminá-los novamente não foi a do sol, como se pode pensar: foi a de ser atingido por palavras sinceras, poesias sutis, pelo meu melhor amigo; e ainda vê-lo sorrir, quando momentos antes estava no silêncio adormecido e pairando na escuridão de seu quarto.

— É por isso que agora eu consigo ver — explicou Theodore. — Não sei muito sobre o ‘’boy’’, mas com certeza você é ‘’Super’’.

Ele piscou. Percebi que se tratava de um comentário irônico a respeito das minhas inseguranças sobre sexualidade. Soprei no rosto dele com uma força mínima, com um ar brincalhão, e foi o suficiente para que os cabelos dele se levantassem por completo.

— Ei! — protestou ele.

— Você quem pediu — defendi.

Theodore arrumou seus cabelos com as mãos e olhou pela janela, por onde concedia uma visão ampla da vizinhança, do céu azul-alaranjado e do sol, que pintava sombras dentro do quarto.

— Estamos bem, então? — eu perguntei.

Theo virou-se para mim e ofereceu a palma da mão. Animado, eu sorri, de um jeito sincero e satisfeito. Nossas mãos bateram uma na outra, e meu amigo completou:

— Estamos bem. Antes de mais nada, eu tenho uma pergunta…

— É só dizer.

— Esse S tem algum significado? — indagou ele. — Quero dizer, além de ‘’esperança’’?

— É o símbolo da minha família, em Krypton — expliquei.

— Seu pai é o Clark Kent.

— Ele é.

— Mas esse é o símbolo da sua família.

— É, sim…

— Superman também usa esse S.

— Bem observado.

— Clark Kent é o…

— Com certeza.

 



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