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História Superior (Cherik) - Prólogo


Escrita por: Koukousei

Notas do Autor


Então... história nova saindo do forno. Erik e Charles protagonizaram umas das primeiras fanfics que eu lí que quebrou meu coração, era uma fanfic longa... ainda inacabada (e provavelmente vai contiuar assim), onde o relacionamento entre os dois era mais destrutivo que qualquer outra coisa.

Quando eu começei a ler uma segunda fanfic sobre o casal eu logo percebi o padrão. Em algumas eu até preferia que eles ficassem separados... mas o que posso dizer? Eu sou meio apegado a sofrência.

Essa fanfic não vai ter um teor leve em nenhum sentido. Nem emocional e nem na violênica apresentada nela. Estejam avisados

Fora isso, boa leitura e espero que gostem.

Capítulo 1 - Prólogo


Seattle, estado de Washington; 1970.

Charles Xavier tinha apenas 13 anos quando sua vida dera uma volta de ponta a cabeça pela segunda vez.

Ele saíra da biblioteca municipal de Seattle exatamente às seis da tarde. Sentindo-se excitado com as milhões de perguntas que surgiam na sua mente e para as quais ele ainda não tinha respostas. Sua mais recente pesquisa não era exatamente algo que o deixava feliz, mas sim algo que o intrigava de uma forma bem pessoal. Charles adorava a biblioteca, a sensação de estar rodeado de livros, de conhecimentos ainda inexplorados sempre faziam seu coração palpitar ansioso pelo saber. Alimentar sua curiosidade e fome pelo conhecimento era uma das poucas coisas que o fazia feliz no triste panorama que sua vida se tornara.

Charles não podia dizer o mesmo da escola. Claro, ele não tinha dificuldade com as matérias e estava começando a apresentar uma notável inclinação para a ciência. Charles gostava disso, gostava de ouvir isso. Porque na maioria das vezes essas palavras vinham acompanhadas de “assim como seu pai”. Fora isso, sua vida de estudante do ensino fundamental não tinha tanto brilho assim. Charles quando ainda pequeno fora adiantado de série devido a sua “capacidade de aprendizado” que, de acordo com sua mãe, era acima da maioria. Ele era pequeno e franzino até mesmo para sua idade. Com isso, ele acabava sempre em uma turma com pessoas mais velhas que das três uma: Ou considerava Charles uma criança, e em seu magnifico esplendor de um ano mais velho recusava-se a se relacionar com ele; ou tinha inveja das “suas conquistas” (mesmo que Charles não tivesse sido perguntado em momento nenhum se ele queria ou não pular uma série ou ter uma “capacidade de aprendizado” maior que o normal); ou simplesmente não iam com sua cara.

Resumindo, Charles era ignorado por uns e abusado por outros.

Pelo menos eles não eram tão violentos quanto Kurt, pensa Charles amargamente.

Ser visto como uma criança tinha suas vantagens. Mao o fato dos valentões pegarem “leve” com ele, era outro fator que dificultava de Charles se relacionar com os outros párias do seu colégio, já que os mesmos não conseguiam entender porque o abuso que sofriam era irrestrito enquanto o de Charles era só verbal.

O único laço que Charles tivera mais próximo de amizade fora com Carter Ryking durante sua infância. Porém, ele perdera o contato com o outro garoto quando se mudara de Princeton para Seattle graças ao novo casamento da sua mãe.

Sua amizade com Carter, e sua antiga casa não foram as únicas coisas que Charles perdera quando sua mãe decidira casar com Kurt Marko, seu atual padrasto. Na verdade, de longe ele colocaria os dois no fim da sua lista. No topo, estriam coisas como: paz e liberdade. 

Seu pai, Brian Xavier, fora um renomado cientista com um futuro brilhante pela frente. Mas que não vivera muito para alcançar esse tal “futuro”. Brian Xavier morrera aos trinta anos em um acidente de trabalho em Alamogordo, no ano em que Charles completara seis anos de idade. Charles ainda guardava alguns jornais que publicaram artigos decorrentes das pesquisas do seu pai, uns ele conseguira recuperar na biblioteca municipal de Seattle um par de anos atrás, e outros sua mãe que lhe dera. Charles não conseguia evitar a pontada de orgulho que sentia quando via as imagens do seu pai naqueles velhos jornais, sorridente e esperançoso, com brilho nos olhos que eram capturados até pelas câmeras. Charles ainda lembra da expressão amorosa no rosto do seu pai por experiência própria, mas essas lembranças eram raras (sua mãe sempre dissera que ele trabalhava demais) e Charles sempre se apavorava com a ideia de que um dia ele pudesse esquece-las. Por isso, ele sempre ficava horas olhando aquelas imagens impressas em um pedaço de papel imaginando que aquela expressão lhe era direcionada. Que ele era motivo de orgulho para seu pai.

Até parece, pensa Charles, se ele soubesse que eu não conseguira proteger a mamãe, que eu não conseguia proteger nem a mim mesmo... onde quer que o papai estivesse, ele provavelmente não sentia nada mais que vergonha por seu filho não passar de um grande covarde.

Depois da morte do seu pai, sua mãe, Sharon Xavier, levara apenas nove meses para se casar novamente. Sharon era uma mulher que fora criada para ser a exemplar dona de casa da sua época: católica, recatada e submissa. Só a ideia de ter de criar um filho sozinha já a assustava mais que a de se comprometer com um homem que ela mal conhecia. Para ela fora quase uma escolha automática, Kurt se aproximara com compaixão, cautela e carinho após a perda do seu marido, e considerando que ele e Brian trabalhavam juntos, ela não duvidara por um momento sequer da índole daquele moço. Nos poucos momentos em que Brian estava com sua esposa, ele dificilmente falava sobre seu trabalho. Talvez uma explicação rápida ali sobre o que ele estava fazendo no momento, ou uma comemoração acolá quando ele conseguia atingir resultados que seriam publicados. Mas nada mais que isso, nada sobre como era seu relacionamento com seus companheiros de trabalho, ou quem estava financiando suas pesquisas. Com isso, Sharon nunca desconfiara do relacionamento de Brian e Kurt.

E com o casamento, Charles se viu obrigado a aceitar a presença de mais dois integrantes na família, os quais ele mal conhecia. Kurt e, seu filho, Cain Marko. Com a perda do seu pai, e a sua nova estrutura familiar, a vida de Charles dera sua primeira volta de 180° graus.

Não demorara muito para Kurt mostrar quem ele realmente era, e para Charles intender como funcionava sua nova dinâmica parental.

Para Charles, sua mãe fora enganada e forçada ao casamento de alguma forma, apesar de ele não saber qual. Claro, esse era um tópico que ele evitava conversar com ela (ou com qualquer outra pessoa). Ele tinha certeza que sua mãe iria tentar convence-lo do contrário, simplesmente para protege-lo. Deus sabe o que Kurt faria se ele descobrisse que Charles desconfiava de todo o processo. Mas ele tinha certeza que sua mãe não tinha feito aquela escolha por livre e espontânea vontade, ela não se submeteria a violência de Kurt, submeteria Charles as garras daquele monstro, sem uma boa razão. Charles tinha certeza disso.

Porém, independente dos riscos, talvez Charles estivesse chegando perto de... algo.

Tudo começara a dois dias atrás.

Normalmente, Charles saía da escola perto das 17 da tarde. Aproximadamente às 18:40 Kurt chegava do trabalho e sua família jantava. Kurt gostava de todos na mesa brincando de família feliz. Charles tentava, como um pequeno ato de rebelião, adiar sua chegada o máximo possível. Com isso, ele saía da escola, atravessava dois quarteirões a pé e ia para a biblioteca. Saindo da mesma exatamente às 18 horas, o que garantiria que ele chegasse ao menos cinco minutos antes do seu padrasto.

Era uma rotina simples que Charles levara apenas alguns dias para desenvolver e acomodar-se. Agora ele a fazia a quase quatro anos. Uma hora na biblioteca não era muito, porém Charles estava disposto a agarrar o mínimo que fosse longe daquela casa. No início, sua mãe ficara um pouco preocupada, mas ela não o proibira. Apenas dissera “tome cuidado”.

E Charles tomara, ele sempre olhava para os dois lados da rua, ignorava estranhos e em ruas vazias sempre conferia para ver se estava sendo seguido. Ele também fazia questão de manter toda a rotina escondida de Kurt, e Charles tinha certeza que seu padrasto não sabia, mas Cain já era outra história. Cain saía mais tarde da escola, ainda assim, ele supostamente era para dirigir Charles de volta com ele para casa. Nos primeiros dias ele mentira para Cain dizendo que tinha de fazer um trabalho na biblioteca e implorara para que ele não contasse ao seu pai, justificando que se ele chegasse antes das 18:40, Kurt nem sequer saberia. Cain apenas dera de ombros e concordara sem dificuldades. Depois de três dias, Charles parara de esperar o irmão mais velho sair da aula para se justificar, seguindo para a biblioteca assim que estava livre.

Cain nunca comentara no assunto.

Não tinha muito que Charles pudesse dizer sobre seu meio irmão, além de que ele era alto, grande e forte; características que garantiam sua popularidade e uma vaga no time de futebol americano. Charles não sentia necessariamente medo do outro, até porque Cain nunca lhe levantara a mão, diferente do pai. Mas tinha algo no jovem de dezessete anos que fazia Charles receoso a qualquer tipo de aproximação (não que Cain tivesse tentado). Por isso, a única relação que os dois tinham era a de que viviam na mesma casa, e isso parecia ser o suficiente para ambos.

Talvez seu receio surgisse do fato de que Cain parecia completamente obtuso em relação ao abuso sofrido por Charles e sua mãe. Um poderia até dizer que ele não sabia. Mas Charles não era ingênuo. Ele sabia que Cain escolhera o silencio e a omissão, o que no fundo fazia Charles sentir um tanto quanto raiva do seu meio irmão. Porque ele podia fazer algo. Cain mesmo com apenas dezessete anos já era maior, mais largo e provavelmente mais forte que seu pai. Charles suspeitava que essa era a razão para Kurt nunca ter feito nada com o outro garoto. Porque arriscar com Cain se ele tinha Charles ali do lado? Pequeno, indefeso e...

Filho do seu Nêmeses.

Esta era uma descoberta um tanto quanto recente. Charles sempre soubera que Kurt e seu pai trabalharam juntos em muitos projetos. Porém, depois de um tempo ficou óbvio o desgosto e desprezo que Kurt sentia pelo seu falecido companheiro cientista. O que explicava seu comportamento violento com Sharon e Charles, como sendo algum tipo de vingança.

Kurt tinha inveja.

Saber disso era quase libertador para Charles. O fazia se sentir como se ele descobrisse o segredo do seu padrasto, como se ele pudesse ler o homem mais velho como um livro aberto. O fazia se sentir superior.

Mas as coisas não paravam por aí.

Há dois dias,  Charles estava fuçando os jornais de 1963 a procura do que seria o último projeto do seu pai, pela milionésima vez. Ele tentara perguntar a sua mãe a alguns anos atrás, quando a dúvida surgira pela primeira vez, mas ela respondera que pouco sabia sobre o trabalho do seu falecido esposo. Anos depois, a uma semana atrás, ele ouvira sem querer uma conversa de Kurt ao telefone em seu escritório. Charles acordara para ir beber água em uma noite e percebera a luz do escritório de Kurt acesa, ele nem pensara duas vezes antes de se aproximar silenciosamente da porta entreaberta. Na conversa, Kurt falava sobre um projeto financiado pelo governo que estava em andamento desde a década de 60. Não dera para Charles entender muito mais que isso, mas aquilo fora o suficiente para reviver o interesse de Charles. Ele passara três dias sem conseguir parar de pensar no assunto, e perguntas um tanto quanto intrigantes começaram a lhe surgir. Se Kurt e seu pai trabalhavam juntos... seria esse o trabalho que seu pai estava desenvolvendo quando morrera? Estariam Kurt e Brian trabalhando juntos em um projeto do governo?

Algo na história fazia o estomago de Charles revirar com um mal pressentimento. Apesar da pouca idade Charles lera quadrinhos o suficiente para saber como o governo lhe dava com seus projetos secretos.

No quarto dia de indagações, ele resolvera fazer algo sobre o assunto.

Anteontem fora seu primeiro dia de pesquisa e ele tivera zero avanço. Ontem também não fora nada produtivo, mas hoje. Hoje fora diferente. Hoje, frustrado com suas tentativas falhas nos dias anteriores, ele fuçava os jornais recentes em busca de algo para distraí-lo quando se deparara com uma matéria chamada “Câncer pode estar com seus dias contados”. Começando a ler, Charles dá de cara com um artigo que tinha como principal enfoque uma pesquisa encabeçada pela Doutora Amanda Mueller e o Doutor Nathan Milbury. Charles não entendera a pesquisa per se, algo a ver com genética e como o controle de genes poderia revolucionar a vida das pessoas, e curar doenças terminais como o câncer. Mas duas coisas fizeram um alarme soar em sua cabeça. Primeiro, que a pesquisa era financiada pelo governo e estava na ativa desde 1960. Segundo, que entre os nomes citados como sendo os maiores colaboradores estavam: Dr. Alexander Ryking, Dr. Kurt Marko e o falecido Dr. Brian Xavier, que de acordo com o artigo “fora de vital importância para o resultado alcançado no momento”.

Isso respondia uma das perguntas de Charles. Kurt e seu pai estavam mesmo trabalhando em algum projeto juntos pouco antes da morte de Brian.

O jornal também se referia aos cientistas citados como sendo as maiores mentes dos estados unidos. E mesmo assim... mesmo assim, Charles não conseguia encontrar nada sobre a morte do seu pai além de “um acidente de trabalho”.

Charles ainda estava confuso, tentando ligar os pontos que aparentemente não se conectavam. Porém, ao mesmo tempo ele sentia em seus ossos que esse projeto, a morte do seu pai, a inveja de Kurt e o casamento da sua mãe; tudo isso, estava de alguma forma entrelaçado, e não se tratavam apenas de eventos esporádicos.

Voltando ao mundo real, Charles engole seco e arregala os olhos ao se aproximar da casa, percebendo o carro de Kurt parado em frente. Droga andei muito lento, pensa ele praguejando por ter ficado tão perdido em pensamentos. Ele estava atrasado e isso significava no mínimo que ele dormiria com as palmas das mãos queimando. Charles apressa o passo e dá um longo suspiro quando chega em frente à casa, reunindo coragem para mais um jantar teatral seguido por uma surra, ou seria na ordem inversa?

Era uma casa grande, com quatro quartos, três banheiros e uma garagem. Três quartos no andar de cima, um deles sendo uma suíte, juntamente com o banheiro que Charles dividia com Cain. Enquanto que o quarto de visitas, também se tratando de uma suíte, ficava no térreo, junto com a cozinha, a sala de estar e o escritório de Kurt. O imóvel se localizava em meio a um bairro de subúrbio que estava começando a crescer. A casa era cercada nos dois lados e atrás por terrenos vazios, esperando por um comprador. O vizinho mais próximo era, a senhora Y, da casa em frente que apesar dos seis anos morando ali, Charles ainda não conhecera. Ele via luzes acenderem e apagarem-se na casa, a velha que aparentava ter em torno de 60 anos nunca saía, e ele resolvera nomeá-la como “senhora Y” simplesmente por não ter outro nome. O máximo de movimento que acontecia na casa eram de visitas, que Charles supunha ser de algum membro da família.

Charles passa pela pequena estrada pavimentada, que cortava o jardim em frente à sua casa, se segurando para não correr para longe e sentindo o frio no estômago aumentar cada vez mais. Chegando na porta ele cogita vagamente sair correndo de volta para biblioteca e se esconder lá pelo resto da vida vivendo apenas do que os estranhos estariam dispostos a dar para uma criança pedinte. Mas até para sua mente de treze anos a ideia soava idiota.

Ele abre a porta devagar. Não era como se ele conseguisse evitar ser castigado simplesmente fazendo silencio, mas Charles não conseguia evitar de tentar não chamar a atenção para si. Assim que ele entra na casa ele sente que algo estava errado. Ele podia ouvir alguém na cozinha, mas o cheiro que vinha da mesma se misturava com algo metálico, algo que Charles conhecia, mas não conseguia nomear. Fechando a porta atrás de si ele segue para a escada, mas acaba parando na bifurcação poucos metros da porta, à direita estava a sala de estar, à esquerda a cozinha, e a frente a escada e um pequeno corredor ao lado com o quarto de visitas e o escritório.

Ele sentia o cheiro de comida vindo pela esquerda e o estranho cheiro metálico vindo da escada e da sala, os dois odores misturando-se exatamente no ponto em que Charles parara. Olhando para sala ele estranha ao ver a TV desligada, apesar de conseguir ver que Kurt estava sentado na poltrona. A poltrona ficava de costas para Charles, mas ele ainda conseguia distinguir os braços de Kurt descansando nos do cômodo móvel. Porém, Charles não tem muito tempo para pensar no assunto.

— Charles — Fala uma voz vindo da sua esquerda, fazendo Charles quase saltar de susto. Ao virar-se ele se surpreende em ver Cain de frente à cozinha, usando um dos aventais da sua mãe que dizia: Não atrapalhe a cozinheira — Você chegou — Afirma ele abrindo um largo sorriso exibindo seus dentes, o que faz os pelos na nunca de Charles se eriçarem.

Ele nunca vira aquele sorriso no rosto do outro. Na verdade, ele nunca vira Cain sorrir.

Algo está errado.

— Cain? — Fala Charles segurando as alças da sua mochila inseguro e resistindo à tentadora vontade de dar um passo para trás. Não que a pessoa em suas costas fosse de alguma ajuda. Falando nisso, Kurt ainda não se pronunciara.

— Você chegou na hora certa — Continua Cain ainda sorrindo e se aproximando mais e mais de Charles. Ele coloca uma mão em seu ombro dizendo — Vamos, o jantar já está pronto.

Charles tenta não mostrar sua ansiedade para o outro e permite que Cain retire sua mochila, em seguida jogando-a no chão da sala. Charles olha para o outro confuso enquanto Cain o empurra em direção à cozinha, sua grande palma quase cobrindo toda a largura das costas de Charles.

— Onde está a mamãe? — Pergunta Charles enquanto Cain o apressava para sentar-se na mesa.

— Está lá em cima. Mas eu não acho que ela iria querer que você a visse — Responde Cain, deixando Charles mais confuso ainda.

— O que você quer dizer? — Pergunta Charles observando Cain ir em direção ao fogão e retirar algum tipo de carne assada em rodelas com um osso no meio. Ele coloca a bandeja de vidro em cima da mesa usando uma luva e depois volta para pegar uma salada na geladeira e um uma travessa contendo arroz da pia. Depois de arrumar tudo na frente de Charles ele finalmente para, ainda sem responder à pergunta.

— Vamos, pode se servir — Diz ele tirando o avental e sentando-se em frente à Charles. Um lugar diferente do qual ele se sentava todas as noites. Kurt sentava-se na cabeceira da mesa, como o patriarca que era, Sharon em seu lado esquerdo com Charles ao lado da mãe, e Cain em seu lado direito. Essa era a rotina.

— Você não vai espera-los? — Pergunta Charles assistindo Cain se servindo.

— Oh, não se preocupe. Eles não vão vir. — Responde Cain casualmente. Terminando de se servir ele corta a carne e pega um pouco de salada para uma primeira garfada, parecendo tão ansioso para comer quanto excitado — Hummmm — murmura ele mastigando com os olhos fechados.

Charles assiste a cena olhando para os lados esperando que a qualquer momento Kurt viesse da sala ou sua mãe descesse as escadas. Mas fora Cain comendo e gemendo em sua frente, a casa estava em completo silêncio. Charles também repara que Cain vestia roupas casuais, uma calça Jeans escuro, e um moletom azul claro, com seus cabelos ainda molhados. Como se ele tivesse acabado de tomar banho.

— Está uma delícia — Fala Cain reganhando a atenção de Charles — Tem certeza que você não vai querer? Garanto que nunca mais vai provar algo assim na sua vida.

Talvez fosse o clima estranho ou o sorriso no rosto de Cain, mas apesar do cheiro de carne assada Charles sente seu estomago revirar com a ideia de comer. Não que ele tivesse opção, assim que Kurt entrasse na cozinha ele teria que comer de qualquer forma.

— Nós devíamos esperar o senhor Marko e a mamãe — Responde Charles.

— Eu já disse para não se preocupar com isso. — Por algum motivo a frase estava tendo exatamente o efeito oposto. Por um breve momento Charles se pega percebendo que essa fora a conversa mais longa que ele já tivera com Cain.

— Eu cheguei atrasado, se começar a comer antes do senhor Marko chegar ele va-

— Charles! — interrompe Cain, não é alto o suficiente para ser um grito, mas carregava a mesma carga, e é o suficiente para fazer Charles parar com as justificativas e encarar Cain com os olhos arregalados. Finalmente o sorriso tinha desaparecido, ainda que Charles não tivesse certeza se isso era uma coisa boa ou não — Você não vai precisar mais se preocupar com isso também. Confie no seu irmão mais velho. Agora, você vai comer ou não?

Apesar de ser formulada como uma pergunta Charles sente o tom autoritário de uma afirmação como ele sentiria a correnteza de um rio, forte e impiedosa. Mas só a ideia de comer, com o seu estomago embrulhando cada vez mais... Charles queria sua mãe.

— Desculpe, eu não estou me sentindo bem. — Fala Charles abaixando o olhar para suas pernas e cerrando os punhos em suas coxas. Encolhido assim Charles se sentia pequeno e fraco sobre o olhar excruciante de Cain. Sua voz saíra baixa e quebrada como se ele estivesse quase chorando, seu rosto queimava de vergonha. Ele sabia que esse pequeno momento de rebeldia iria ter consequências, e Cain ainda lhe era uma incógnita. Charles nunca tinha apanhado dele antes, não sabia onde ele gostava de bater, muito menos quanta força gostava de usar.

— Tudo bem Charles, eu não vou te machucar. Olhe para mim — Charles demora um pouco para processar as palavras do outro, e só então ele levanta seu olhar para Cain. Grandes olhos azuis denunciando surpresa e descrença. Cain volta a sorrir ao ver a expressão do irmão mais novo — Você não precisa comer se não quiser, ainda que seja uma pena, já que eu preparei isso tudo para você como um pedido de desculpas.

Desculpas?

— Não entendi — Responde Charles. Cain apenas balança a cabeça ainda sorrindo, como se Charles tivesse dito algo engraçado, e volta a comer. Charles não interrompe novamente. Algumas coisas que Cain dissera ainda lhe soavam sem sentido, mas ele sentia que algo estava se desenvolvendo nesse momento. Algo que talvez pudesse ajuda-lo com Kurt. Ajudar sua mãe. E falando nela.

— Você disse que minha mãe está lá em cima... alguma coisa aconteceu? — Pergunta Charles pensando na possibilidade pela primeira vez. Se sua mãe tivesse doente ou muito cansada talvez ela tivesse ido dormir mais cedo. Também não era raro para Kurt cochilar na poltrona. Mesmo que usualmente ele o fazia depois do jantar e com a tv ligada. O fato de Charles não tê-lo ouvido roncar não significava muita coisa. Talvez ele não ouvira por causa do pânico de ser castigado.

Cain gesticula para Charles esperar ele terminar de mastigar —Sim, aconteceu sim Charles — Responde Cain limpando a boca com um guardanapo e empurrando o prato para longe. Charles espera a continuação sentindo-se um pouco mais leve. Claro, ele ainda estava preocupado com sua mãe, mas Charles tinha certeza que a explicação de Cain não divergia muito de sua ideia original.

— Não tem muito como eu suavizar o que eu vou dizer Charles — Continua Cain olhando Charles com a sobrancelhas franzidas em preocupação. Charles volta a ficar tenso na mesma hora. E se sua teoria estivesse certa, porem a enfermidade da sua mãe fosse grave? E se Kurt tivesse ido longe demais?

— A mamãe está bem? — Pergunta Charles se inclinando para a frente ansioso pela resposta ao mesmo tempo que a temia.

Cain dá um longo suspiro antes de continuar.

— Não, Charles. A senhoria Sharon não está bem. Na verdade, ela não pode "estar" muita coisa no momento — Cain para por alguns segundos, estudando Charles com seus olhos castanhos, que rapidamente adquirem um ar frio e sério — Eles estão mortos, Charles. Eu matei os dois.

O que?

— O que?

— Eu sei que a senhorita Sharon não merecia, mas a vida raramente é justa Charles. É bom que você aprenda isso enquanto ainda é jovem — Cain continuava falando, palavras e mais palavras sobre aprendizado que para Charles não eram nada mais que um plano de fundo, enquanto sua mente pintava um quadro macabro e aterrorizante com a sentença proferida momentos antes.

Não, não pode ser. O que Cain está falando?

— É realmente muito triste que você se encontre no meio de tudo isso Charles. Principalmente considerando o quanto você já sofreu e vai sofrer. Não faça essa cara... Eu percebo o jeito que você me olha quando me vê sem camisa, você tem apenas treze anos, mas seus instintos estão começando a se mostrarem, o que é natural. Eu sei que gosta do que vê. As pessoas vão te dizer que é errado, mas não acredite nelas Charles — Agora Cain estava de pé, pegando seu prato e levando-o para a pia. Enquanto Charles olhava-o paralisado, com os olhos esbugalhados e lagrimas correndo em suas bochechas, seus olhos ardiam por Charles não pisca-los — Eles não entendem que nós estamos sendo apenas nós mesmos — Ele volta a se virar para Charles e começa a voltar para a mesa, se aproximando de Charles com cada passo.

— Não chore Charles. O que aconteceu aqui não foi sua culpa e eu disse que não iria te machucar. Tudo isso é parte de algo maior, Charles, e eu te poupei por uma razão. Não me decepcione — Charles sente a mão de Cain descansar em cima da sua cabeça por alguns segundos. Os olhos de Charles ainda vidrados em algum ponto da pia em frente à mesa e Cain não mais em seu campo de visão. Seu cérebro entrando em um curto circuito do qual ele não parecia ser capaz de sair.

Tudo que passava pela sua cabeça eram palavras desconexas: Mortos? Cain? Mãe? Mortos? Mãe?

Palavras que ecoavam juntamente com uma única certeza. Uma certeza que fazia seus ouvidos zumbirem e seu sangue congelar em suas veias. Uma certeza que lhe era tão clara quanto a noção de que o céu era azul.

Charles tinha certeza de que ele iria morrer.

Cain vai em direção à porta da cozinha e continua — Ah sim, e... eu não subiria se fosse você — Depois de alguns segundos ele volta a ouvir a voz de Cain, dessa vez mais longe — Seja um bom garoto Charles, e chame a polícia. — Depois disso Charles escuta a porta da casa abrindo e fechando-se enquanto Cain saía da casa como se estivesse indo comprar algo na mercearia, calmo e decidido.

Charles demoraria muito tempo para lembrar o que acontecera depois disso. Mas de duas coisas ele sempre teria certeza: primeiro, ele nunca ligara para a polícia, e segundo, Charles devia ter ouvido o conselho do seu irmão mais velho, e não ter subido as escadas.


Notas Finais


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