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História Take me to Church KatsuDeku - 13. Eu sou fraco. Estou cada vez mais fraco...


Escrita por: Marta_Tata

Notas do Autor


eU VOU MORRER E SER MORTA A TIROS

Capítulo 15 - 13. Eu sou fraco. Estou cada vez mais fraco...


Fanfic / Fanfiction Take me to Church KatsuDeku - 13. Eu sou fraco. Estou cada vez mais fraco...

" - Oe, Deku!". - Gritou com força o de cabelos loiros, espreitando sobre a porta da casa de banho alheia ao seu lado esquerdo, dando para o restante da casa. Apoiado com apenas o pé desse lado e o restante do corpo meio levantado, esperava por alguma atitude por parte do outro. Como resposta, o rapaz virou-se para ele, a meio do corretor confortável com o chão em madeira e a casa quente, graças ao aquecedor, com um olhar curioso. - "Onde está a minha escova de dentes que uso, quando durmo aqui?".

Midoriya sorriu-lhe de forma gentil e apontou como indicador para a porta onde o rapaz se encontrava, como se isso lhe fosse ajudar a encontrar.

" - No armário pequenino atrás do espelho, na prateleira da direita e o mais ao canto possível". - Respondeu-lhe com a descrição, recebendo um acenar de cabeça, mostrando que havia entendido os passos, e vendo a cabeça do amigo voltar a entrar na divisória, ainda de porta aberta. Ouviu-se alguns barulhinhos, como o abrir do armário e algumas coisas a serem remexidas para procurar, até ouvir uma exclamação miúda.

" - Encontrei. A verde, certo?".

" - Exatamente". - Sorriu mais uma vez, caminhando calmamente para a direção oposta e pelo corredor extenso da sua casa, de pés descalços contra o chão. Esse ato transmitia um som abafado de passos, já que a coisa que mais repugnava Midoriya era andar calçado. Trajava uma tshirt entre o cinzento e azul simples, com um dizer simples em japonês à frente, a letras pretas, sobre uma linha branca gordinha, a palavra 'Hero', referência a um dos seus mangás ou algo assim. Para acompanhar, vestia uns boxers bastante largos e antigos que ainda só os tinha por conforto, já que estavam enormes com o enorme uso que tinha. - "Vou buscar as pipocas e chocolates à cozinha. Depois, arranja os lençóis e mantas quentes, liga a televisão e escolhe uma série para maratonarmos do zero".

" - Okay". - A voz saiu abafada dos lábios de Bakugou, já que estavam preenchidos com água e pasta de dentes.. - "Espera lá...". - Parou rapidamente o corpo, voltando a espreitar tal e qual na mesma posição, mas com a escova pregada entre os lábios, desta vez. Retornou a receber outro olhar curioso, enquanto Izuku parava de andar e voltava a encarar o que estava atrás de si. - "Eu vou escovar os dentes e depois comer?!".

" - ...Sim". - Fechou os olhos, num riso irónico e a encolher os ombros. - "A menos que o senhor mania das limpezas acorde a meio da noite para os ir escova--".

Ouviu-se a notificação de um novo alarme colocado no telemóvel de Katsuki, fazendo o outro gritar de frustração demasiado alto e receber uma risada muda do loiro, voltando aos movimentos da escova, enquanto falava com ele.

" - Porra, essa tua mania da higiene é tão...!".

" - ...irritante como tu". - Ergueu o seu esbelto dedo do meio da mão direita, esfregando agora os dentes com a esquerda e a voz abafada, recebendo um de volta e trocando alguns sorrisos de escárnio com o melhor amigo. - "Cala a boca e vai buscar a tua parte, escravo".

" - Mas eu agora sou teu subordinado ou quê, e desde quando?".

" - Desde que eu quis. Agora cala a boca e vai!". - Retirou bruscamente a escova de dentes da boca, apontando para a frente, mais especificamente, na curva do corredor, já que este desaguaria na sala de estar, ligada à cozinha. O de cabelos verdes rolou os olhos, colocando as mãos nos bolsos, com um sorriso irónico.

" - Estás a imitar-me?".

" - E se estiver?".

" - Significa que eu também posso".

" - Vai te fuder, babaca de merda e vai buscar as porras todas de uma vez, antes que te enfie esta merda no teu cu!". - Gritou-lhe com força, apontando com o indicador para a escova, voltando a enfiá-la na boca e resguardando-se na casa de banho, fitando com raiva para o seu próprio reflexo. Midoriya suspirou, enquanto encolhia os ombros, fechava a vista e sorria de maneira paciente, tentando aguentar um pequeno ataque de risos, ao ouvi-lo gritar com os germes. 

Quem é que lhe mandou ter um amigo tão explosivo?

...

" - ...American Horror Story?". - Murmurou o mais novo, inclinando-se lentamente para a frente, como se isso lhe fosse ajudar a ler melhor as letrinhas do computador à sua frente. Então, desviou os olhos contra os vermelhos de Bakugou, arqueando uma sobrancelha, sem mover a posição. - "Um, odeio terror. Dois, nem penses que eu vou ver isso, sendo quase uma hora da manhã".

A comida encontrava-se presente à volta dos seus corpos, desde pacotes grandes embalados a pratos com bolachas caseiras da mãe do dono da casa. Sentados no meio de dezenas de almofadas atrás deles e à sua volta, lado a lado e contra a cabeceira da cama - e mais especificamente, Izuku do esquerdo da cama e o melhor amigo à direita - e tapados até à exaustão na mesma cama, com cobertas e lençóis para uma noite quentes, já que chovia lá fora. O computador de Katsuki, que ele trouxera da sua casa, já tinha a Netflix aberta, porque pediram a conta emprestada ao Kaminari, como sempre, quando iam dormir a casa um do outro. O aparelho eletrónico estava pousado no meio deles, mais precisamente sobre as suas pernas, metade num, metade noutro. A luz estava apagada e só os iluminava a luz fraca de cabeceira ao lado da cama, juntamente com o computador.

" - Ah, Deku, para de ser tão medroso! Essa merda nem tem nada demais e eu até acho que vais gostar". - Reclamou, enquanto apontava com a mão direita para o notebook. - "Eu já vi a primeira temporada, não é a minha série favorita de terror, mas é um leve início para tu começares".

" - ...Kacchan".

" - Uhm?".

" - Sabes que eu nunca vou gostar de terror, correto?". - Suspirou, derrotado, enquanto fechava os olhos. Depois, começou a contar com os dedos o que mencionava, sem se interessar minimamente em erguer o rosto para o encarar, ainda com uma face desinteressada e vista cerrada. - "Eu prefiro ver uma boa história de ação ou aventura ou mistérios, ou até mesmo coisas sobrenaturais de aventura, mas não terror. Isso só serve para as pessoas todas se borrarem de medo, a meio da noite".

" - Então, eu também gosto dessas coisas todas e tu sabes como eu adoro!... A diferença é que eu gosto de tudo um pouco e tu és apenas viciado numa coisa. Olha, tu sabes que eu antes de dormir e enquanto falo contigo, gosto de procurar factos verídicos de terror na internet. E eu durmo bem! Qual é o stress?".

" - O stress...". - Murmurou Midoriya pausadamente, achando que teria de esmurrar o amigo não tarda para entender, sentindo um pequeno músculo a falhar-lhe na sobrancelha, mexendo-a ligeiramente, com um sorriso deveras forçado. Teve de se obrigar a cruzar os braços para não o esganar acidentalmente. - "...É que eu tenho pesadelos. Tu não. E não me apetece dormir mal!!".

" - Então, vamos fazer um acordo". - Suspirou, inclinando a cabeça para trás e subindo-a até ao teto, ainda com as mãos nos bolsos. - "Se eu vir que estás mal a meio da noite, eu acordo-te e ajudo-te a voltar a dormir. Assim, vemos a série. Pode ser?".

Izuku ia abrir a boca para responder, mas ponderou, engolindo lentamente em seco e refletindo. 

" - ...Mete play nessa porra de uma vez". - Resmungou, cruzando os braços e recebendo um sorriso de orelha a orelha e instintivo do loiro, que murmurava um 'yes!' entre dentes, a erguer o punho direito para cima. Deslizou a mão diretamente até ao computador, retirando-a do bolso e colocando no começo e esperando um pouco para carregar.

" - Estás confortável assim?". - Perguntou o loiro, já que odiava trocar de posição a meio da sua sessão de séries, porque quando Katsuki se fixava num ponto de bem estar, ele odiava trocá-lo, porque nunca ficava tão bem como da primeira vez.

" - Yap...". - Murmurou Midoriya, ajeitando um pouco mais o corpo, afim de apoiar a cabeça no peito do mais velho, como sempre, mais concentrado do que devia, na barrinha giratória do carregamento da série. Adorava aquela posição e há muito tempo que marcara território assim, encolhendo lentamente as pernas e enrolando-as na direita do mais velho, sem nem o olhar.

Bakugou parou um pouco, mordendo discretamente o lábio e arrancando uma pequena pele do mesmo. Nunca tinha achado estranho aquela proximidade e, de facto, não era... Mas sentia o coração mais rápido que antes e todos os factos anteriores não ajudavam. Os pensamentos que andava a ter dele, desde os mais gentis aos vocês sabem, a maneira como andava com ciúmes excessivos do Todoroki ou qualquer um que se aproximasse e, para completar a cereja no topo do bolo da desgraça, aquela noite de beijos no aniversário do Izuku não ajudara. Em nada.

Respirou fundo, sentindo o corpo relaxar. De facto, estava completamente confortável ali, no seu canto, no seu carinho mais confortável, sentindo-se seguro, quente e feliz; feliz ao ponto do seu peito se encher de animação e parecia estar a brotar alguma coisa lá dentro, igualmente como no estômago. O de sardas encolheu-se mais contra ele e aninhou-se no seu peito, abrindo os olhinhos redondos e concentrados contra o computador, assim que a tela de abertura começou.

Engoliu em seco, sentindo uns nervos que nunca tinha sentido antes... Não eram aqueles nervos de desconforto constante, eram diferentes. Muito diferentes. Eram como se sentisse as mãos transpirar e tivesse voltado à fase de garotinha adolescente, quase que uma fangirl, que gritava por tudo e por nada que envolvesse algum rapaz que estivesse caidínha, chegando ao ponto de guardar religiosamente e de maneira discreta o perfume dele que tinha lá deixado em casa, no outro dia.

Claro. Porque ele nunca tinha feito isso. Nunca.

Mas para quê tanto stress?! Katsuki era hétero!! Estava tudo bem. Hétero.

Estava tudo bem.

Hétero, respirou fundo, fechando lentamente a vista avermelhada. Tu és hétero, lembra-te sempre disso. Heterossexual. O Izuku é homossexual. Gosta do Shoto. Do Shoto. Tu és o Bakugou. Relaxa, porra.

Claro, ele nem sequer ponderava estar apaixonado, que coisa ridícula! Apaixonar-se pelo melhor amigo. Como se isto fosse uma história clichê a esse ponto; fora que se tratava de um rapaz. Nope, nem num milhão de anos, ele estaria apaixonado pelo melhor amigo de infância, Midoriya Izuku. Nunca. Jamais. Preferia se atirar da janela imediatamente, que isso acontecer.

O pensamento fê-lo ficar aliviado, dando um sorriso involuntário. Confusão. Era só isso que ele tinha na cabeça... Claro, o beijo não ajudou, mas não foi nada demais; afinal, não significava nada para si. Nadinha. Tinham combinado isso, só porque o mais baixo não queria dar o primeiro beijo em alguém, sem saber o que estava a fazer. Obviamente, a função de um melhor amigo é rir-se do outro quando caí na rua e depois ir ajudar. E foi isso exatamente que Katsuki fez.

Instintivamente, esticou o braço direito e apoiou-o nos ombros de Deku, enrolando-o no seu corpo e encostando a mão nas suas costas. Pode jurar ter sentido o seu corpo se arrepiar levemente e esconder ainda mais a cara no seu peito, lançando-lhe um olhar lentamente confuso e, talvez, de animação e ligeira esperança.

" - Eu arrepio-te, Deku...?".

" - N-Não é isso, idiota!... Essa porra de introdução é assustadora e faz-me assustar facilmente!! Tu tens a certeza que isto é leve?!". - Choramingou baixinho, numa maneira forçada a convencer o loiro a mudar de ideias.

O outro revirou os olhos, libertando uma risada anasalada. Sentia o quente do computador metade na sua perna esquerda, metade na outra de Midoriya, que tentava esconder-se o máximo possível da tela do computador num ato de se proteger e, ao mesmo tempo, ver com apenas o olho esquerdo, já que o restante do rosto estava inundado na tshirt preta sem mangas de Katsuki e a curiosidade não permitia ficar de fora.

" - Nerd medroso". - Sussurrou num respirar fundo bastante lento, recebendo um encolher de ombros e sorriso envergonhado de volta, mesmo que não conseguisse ver. Instintivamente, Bakugou levou lentamente a mão esquerda à nuca do melhor amigo, voltando a focar-se na maneira engraçada como os cabelos se formavam ali. Em movimentos lentos e circulares, ficou a brincar com as pontas dos dedos de maneira ligeira pela área, provocando risadas mudas e arrepios ligeiros no rapaz, enquanto se contorcia e tentava desfazer a postura, a todo o custo, mas sem sucesso.

" - Kacchan... Isso faz cócegas!". - Censurou-o o outro, num sorriso. No entanto, em vez de erguer o rosto para se ajeitar no seu ombro, apertou mais a sua roupa superior por entre os dedos das duas mãos, tentando colar-se completamente ao seu tronco, com as bochechas ligeiramente quentes e um rasgar de lábios cada vez mais infantil e idiota.

" - Como se eu quisesse saber". - Sussurrou-lhe lentamente contra o topo da cabeça de Midoriya, por entre os seus cabelos, rasgando um sorriso lento. Izuku arrepiou mais e deu uma gargalhada abafada, sendo interrompida com o avançar do episódio. - "Agora, presta atenção, se não, não vais entender nada, Deku".

" - Certo, pessoa responsável". - Brincou, enquanto revirava os olhos e voltava a encostar só a bochecha esquerda contra o seu peito e prestando atenção com os seus olhos redondos e brilhantes esverdeados contra a tela, começando a concentrar-se lentamente apenas no computador.

Katsuki não disse nada. Em vez disso, deu um sorriso miúdo e um beijo inaudível que o melhor amigo não entendeu, no topo da sua cabeça, fechando lentamente os olhos e aproveitando o contacto entre eles, prometendo a si mesmo decorar aquele cheiro delicado dele.

...

O de cabelos verdes mexeu-se um pouco, dando um murmúrio desconfortável. Mesmo assim, não tinha acordado e permanecia de olhos fechados, enquanto ressonava bem baixinho e tinha a respiração funda, no sono mais calmo.

A início, Bakugou também não acordou, já que os dois tinham um sono extremamente pesado, mesmo que Izuku tivesse um pouquinho de nada mais, ao extremo. Demorou cerca de cinco minutos de desconforto da parte do mais novo, murmúrios que começavam a ser constantes e a maneira como mexia o corpo ligeiramente e cada vez com mais assiduidade, para conseguirem abrir lentamente os olhos avermelhados, grogues de sono.

Piscou os olhos várias vezes, até se dar conta que o computador estava ainda ligado, sobre as suas pernas apenas, desta vez. Não soube como raios aquilo aconteceu, mas Midoriya parecia tê-lo movido com o seu desconforto, estando de lado e virado para si, todo encolhido e abraçado ao seu corpo, com as pernas enroladas e a puxarem Katsuki para si.

A sua mão esquerda fora tomada como inútil, já que se encontrava abaixo os ombros do de pele sardenta e, para sua surpresa, lhe abraçava pelas costas. Admirou-se um pouco, sentindo o rosto ficar um pouco mais quente e julgando ser do calor dos lençóis e do humano, por parte do rapaz. Engoliu em seco e, depois de conseguir retirar lentamente o computador para a mesinha ao lado da cama, para não haver perigos e sem o acordar, prestou atenção no rapaz.

Parecia transpirar um pouco e tremer ligeiramente, Talvez estivesse a dormir mal e foi nesse momento que se lembrou, quando o amigo afirmou ter pesadelos por coisas de terror. 

Não conseguiu conter um riso numa respiração, subindo lentamente a mão direita para o seu rosto. Ignorou as bochechas a ficarem cada vez mais confusas de se entender, se aquilo era errado ou assim; talvez começasse a ter um ponto fraco, chamado noites de desvaneios, que o faziam levar a situações extremas que normalmente não tomaria. Aquele rapaz tão explosivo, mal educado e convencido, por baixo, não passava de um outro carinhoso e atencioso, perdido em afeto por cada feição delicada de Midoriya, divertindo-se a contar as sardas ou até mesmo a continuar com os carinhos lentos pelo seu rosto, com o polegar.

" - Deku... Está tudo bem". - Murmurou contra o seu rosto de maneira calma, subindo a sua cabeça para chegar à testa, beijando-lhe calmamente o lugar, ignorando se tinha algumas madeixas de cabelo por cima. Apertou-o mais contra si e sentiu o seu corpo se reconfortar no seu peito, ignorando completamente se tinha esboçado um sorriso completamente idiota com aquela atitude. - "Eu estou aqui... Não vou sair. Prometo".

Não soube se era pelo sono, não soube se era por estar cada vez mais alterado e quase a dormir, mas jurou que sentiu a cabeça do de sardas, como resposta, a assentir lentamente.

...

Eram cinco da manhã quando o mais novo abriu lentamente os olhos, desta vez. Nunca foi de acordar à noite e não soube porque acordou. Mas, muito honestamente, ele não queria ter aberto os olhos, porque deparar-se com rosto de Katsuki muito perto do seu e as respirações calmas dos dois, não foi nada agradável para o seu bem estar mental e físico, já que quase todo o sangue do corpo lhe foi para a cara.

Antes estava no seu peito e, pelos vistos, tinha-se afastado um pouco, acabando por ficar frente a frente. Pelos vistos, ainda estava do mesmo lado que ficara, para dormir mais confortável, já que gostava sempre do lado esquerdo da cama. Engoliu em seco e piscou várias vezes os olhos; por pouco, não gritou de susto, já que tapou rapidamente a sua boca e não o acordou, sentindo o corpo todo paralisar.

Calma, Izuku... Calma. Está tudo bem. Calma. Mantém-te quieto e fica virado para outro lado. Só isso. Estavam a dormir e não foi nada demais, não aconteceu nada e...

A lógica toda do de cabelos verdes foi atirada sem dó nem piedade para o mais profundo do seu ser, assim que os seus olhos se cruzaram com os lábios ligeiramente entreabertos de Bakugou.

Achava-os bonitos. Não sabia porquê, mas achava. Extremamente convidativos. Extremamente atraentes. Mesmo antes de se terem... Beijado, nada disso interferiu nesse pensamento, afinal, não era mentira nenhuma que sempre achara o melhor amigo atraente. Mas não a esse ponto... Quer dizer, havia limites. Havia que respeitar a sexualidade do amigo e fora que gostava de Shoto. Nunca podia ter nada com o loiro - por mais que não quisesse -, já que estragaria aquela amizade que tanto amava.

Prometeram aos dois que aquela noite de aniversário do de cabelos verdes nunca tinha acontecido. O que aconteceu nela, ficou nela e foi tudo afundado para debaixo da terra, afim de não estragar a amizade perfeita entre eles. Não queriam momentos constrangedores habituais, então, fingiram que foi apenas mais uma aula normal, onde o mais alto lhe explicava as coisas. Só isso. Tudo para não estragar a ótima relação entre eles.

Talvez fosse estranho o antigo aniversariante não parar de pensar no seu aniversário. Sabia que a sua festa de aniversário ainda ia acontecer, no dia seguinte, com toda a gente. Estava ansioso e com a alma ansiosa nesse dia, mas a mente no presente e o coração na quinta-feira passada. 

Lentamente, levou a ponta dos dedos indicador e do meio esquerdo aos seus lábios e fechou os olhos, respirando lentamente e tentando lembrar-se do sabor, dos sentimentos, da sensação estranha na barriga que aquilo lhe proporcionara, do toque suave das línguas que parecia dar choques elétricos com força pelo corpo todo, das mãos fortes e possessividade ligeira que Bakugou tentava contornar, enquanto o puxava para a barraquinha montada para os dois...

...Ele queria beijá-lo novamente.

Engoliu em seco. Sabia que era errado. Muito errado. Primeiro, o melhor amigo iria recusar para sempre; não havia sentimentos depositados entre os dois, daquela maneira, e para completar, seria ainda mais idiota pedir novamente algo tão egoísta, que até mesmo poderia ter estragado tudo. Depois, Bakugou estava a dormir, e essa vontade era só momentânea, movida pelo calor e horas da madrugada, então, no dia seguinte, tudo iria embora. Terceiro, ele estava atualmente a dormir. Nunca ia saber de nada; o que era uma tremenda falta de noção do mais novo. E, para terminar com chave de cu, ainda por cima, era hétero. Fora factos que influenciavam ainda mais naquela balança idiota de ponderamentos, onde o de cabelos verdes gostava do Todoroki, não dele, como era errado, como poderia iludi-lo sem querer ou iludir-se, por mais que não sentisse nada. Era como se estivesse a trair a confiança depositada em si das três partes - do melhor amigo, da sua pequena paixão e dele próprio.

Mordeu o lábio. Midoriya encontrava-se num conflito interno. Um embrulhar constante no estômago, o peito com o coração a pulsar-lhe tão rápido que julgava desmaiar e uma sensação que julgava vomitar. Todos os pontos indicavam para a mesma placa neón sobre a sua consciência, que berrava em cores chamativas e piscares de luz constante, escrito um claro e reto 'Vai dar merda!'.

A sua respiração estava tão pesada, tão desregulada e nervosa, sentindo a de Katsuki contra o seu rosto, calma e pausada. A sua face serena, de olhos fechados, nem dava a entender que se tratava do seu mais explosivo da terra, capaz de gritar palavrões por tudo e por nada.

E, mesmo assim, a sua vontade era superior a todos os parágrafos anteriores.

Quase como que por instinto, deslizou lentamente a mão esquerda da barriga dele, onde fazia carinhos ligeiros com o polegar e nem se apercebera quando começara, subindo lentamente ao rosto, sem parar de analisar cada expressão delicada do melhor amigo. Segurou-lhe a bochecha exposta e desencostada da almofada, a esquerda, engolindo em seco e voltando a morder o lábio, perdendo-se completamente na maneira como os seus cabelos rebeldes e espetados loiros pareciam mais calmos sobre a testa, a forma como a bochecha contra a almofada lhe tornava a cara mais inchada e carinhosa, como um simples gesto como respirar era tão convidativo.

Cravou os dois dentes da frente, grandes, sobre o lábio. Izuku estava tão confuso. Deveras confuso... Talvez nunca se encontrara daquela maneira, naquelas complicações constantes, de adolescente; de um verdadeiro adolescente. A vida nunca parecera tão estranha. Os sentimentos, muito menos. Na verdade, perdi a conta de quantas vezes já disse isto, mas é a mais pura das verdades. Pelos vistos, o rapaz estava finalmente a enfrentar verdadeiros problemas de um adolescente normal; e ele nunca pensou que, o que ele mais quisesse, soubesse tão mal contra o seu peito, tornando-se difícil de respirar. Eles nunca se encontrariam naquela confusão, enquanto não começassem a compreender o que se passava à sua volta - a querer compreender e a tentar compreender.

Na verdade, não entendiam mais nada.

Então, talvez tenha sido por isso, talvez fora só um impulso gerado pelas hormonas... Mas o rapaz acordado selou rapidamente e de maneira delicada os seus lábios nos do loiro, voltando a sentir o seu toque suave, que lhe eriçava todos os pelos do corpo, fazia a sua pele arrepiar por completo e as costas se arquearem. Tornava o seu coração tão rápido, tão feliz, tão alegre, as pernas tremiam e ele não se aguentaria em pé, se estivesse. Fechou lentamente os olhos e, mesmo sabendo que nunca poderia beijá-lo mais profundamente por o eventualmente acordar, limitou-se a ficar ali, num encostar de lábios praticamente parado, com movimentos muito lentos e calmos, enquanto deslizava lentamente de lado os seus nos dele, formando um ligeiro sorriso, por saber como ele amava sorrisos durante os beijos. Mordeu ligeiramente o inferior de Katsuki, quase que com nenhuma força, por medo de o acordar. Sorriu. Era tão bom ter algo tão simples, para ele. Era algo tão fácil de querer, não parecia tão difícil como na verdade era e, mesmo assim, ele tivera logo de escolher o mais complicado. Izuku sempre soube; contentava-se com pouco, mas um pouco impossível de alcançar. 

Foi aí que retornou a si, arregalando os olhos e afastando-se bruscamente, encostando-se com força contra a parede azul à sua direita, sentando-se de frente para a lateral de Bakugou, rezando aos céus para ele não ter acordado. Ainda bem que não, porque se não, depararia-se com um Midoriya a tremer, todo vermelho e com as duas mãos a tapar os lábios, quase a chorar de medo de tudo e todos, dele próprio, dos seus arredores e até mesmo do melhor amigo..

Merda. Isto... Isto era tão errado!! Meu Deus, ele sentia-se horrível, como ele se sentia. Sentia-se podre por ter feito aquilo com o melhor amigo, por se ter aproveitado dele. Ele era nojento. Ele não era nada daquelas coisas todas boas que o loiro dizia de si, que era inocente, que era carinhoso e atencioso e... Não, ele não era nada disso!! Era repugnante. Sentia nojo de si próprio. Sentia que todas as sensações maravilhosas anteriores retornassem em triplo, sobre o seu estômago, dando-lhe vontade de tremer e fugir, de causar sofrimento a si mesmo só numa tentativa falha de se remediar.

Deku estava podre.

Então, libertou um soluço abafado pelas mãos, enquanto se abraçava lentamente com a mão direita, deslizando-a somente a mesma pelo corpo. Fungou baixinho, tentando acalmar-se, apavorado, passando-lhe tudo pelas memórias, mais uma vez. Afundou o rosto nos joelhos, tentando ao máximo não fazer barulho, tremendo cada vez mais e jurando que tudo à sua volta estava a modificar, tornando-se o sítio de todos os seus pesadelos.

Ele não era melhor do que nenhum padre, daquela igreja, que se aproveitavam de pessoas indefesas.

Ele cedera à tentação que mais repugnava.

Ele tornara-se o que tanto temia e escondia de si mesmo.

[...]

" - Ka-Kacchan!!". - Disse um pouco alto, enquanto arfava com força, com o rosto quente e a transpirar, debaixo do sol pesado onde ambos caminhavam. Agarrava a sua mochila amarela exageradamente grande em cada alça, juntas ao peito e apoiadas no ombro. - "Calma, estás a ir muito rápido!!".

" - Deku, assim nem amanhã vamos chegar...". - Resmungou, num suspiro derrotado, com as mãos nos bolsos e parando bruscamente de andar, afim do melhor amigo o alcançar. Contudo, resultou apenas num choque de corpos, já que Izuku estava logo atrás de si. Cansado, o mais novo tentou amenizar a respiração, enquanto se apoiava pelos joelhos. - "Fora que me irrita bastante ir assim tão devagar. Só andamos uma meia hora, não vejo qual seja o problema. Nem fomos assim tão rápido".

" - Eu... Preciso mesmo de te lembrar...". - Voltou a respirar com força, apontando com apenas a mão direita - mais precisamente, o polegar -, para trás de si, olhando-o nos olhos. - "Quem é que está a carregar tudo?".

Katsuki ia abrir a boca para responder, afinal, nem estava assim tão pesada. Eram apenas umas duas ou três toalhas, uma tshirt de cada caso alguma se molhasse, protetor solar, quatro sanduíches e pacotes de sumo de frutas. No entanto, fechou-a e colocou as mãos na cintura, de maneira impaciente, quase que pronto para o esmurrar.

De facto, Midoriya estava a deixá-lo com as ideias cada vez mais inversas.

" - Dá cá isso". - Cuspiu as palavras num murmúrio contrariado, arrancando bruscamente a alça direita da mala do rapaz de olhos verdes. Izuku arregalou os olhos, parecendo resistir, já que puxava de volta e não deixava que a alça esquerda saísse do seu ombro. - "Caralho, para de ser teimoso!! Deku, deixa-me levar essa merda!".

Sim, este era Bakugou Katsuki, a tentar demonstrar um gesto de afeto e simpatia.

" - J-Já estamos quase a chegar, não é necessário, Kacch--". - A sua voz parecia atrapalhada e as rosáceas da sua cara eram óbvias,. Contudo, fora cortado bruscamente pela voz do rapaz loiro.

" - Foda-se. Dá-me essa porra de uma vez. Não é justo levares tudo o caminho todo". - Desta vez, o de sardas pareceu não ter argumentos contra o facto, assentindo e deixando o mais alto levar-lhe os objetos, enquanto dava um estalo no céu da boca. - "Foi assim tão difícil cederes?".

" - Se eu disse que era capaz de levar até à praia, então, eu tinha de acartar com a minha promessa". - Murmurou um pouco contra os dentes, enquanto cruzava os braços, contraía a boca num ligeiro biquinho de criança e deslizava o olhar para o horizonte ao seu lado direito, sentindo o sol começar a aquecer-lhe ainda mais o corpo.

Estavam perto das escadas que dariam para o seu lugar de chegada, onde provavelmente, todos os amigos - ou a grande maioria -, estava presente. Era hoje o dia da festa de aniversário do mais novo, com o seu grupo inteiro... Onde a ideia surgiu quando queria presenciar, de perto, se Shoto realmente sentia alguma atração por si. E, para juntar a esse interesse, estaria a divertir-se com toda a gente. Ou seja, juntar o útil ao agradável!

Passavam agora na calçada de um parque de estacionamento, onde as pessoas lá deixavam os seus veículos para comerem em restaurantes perto da areia, ou até mesmo para passar tardes em família, pela zona.

Bakugou limitou-se a respirar fundo, com um ligeiro sorriso nos lábios; muito pequeno, para que ninguém o percebesse.

" - Como queiras, orgulhoso de merda". - Revirou os olhos, num tom de voz ligeiramente mais brincalhão, começando a andar novamente pelo caminho de pedra, afim de alcançar as escadas que conhecia de uma vez.

" - O-Olha quem fala!!". - Reclamou, dando algumas passadas rápidas, afim de ficar lado a lado com Katsuki, coisa que não demorou nem dois segundos para se confirmar. - "É assim tão errado eu querer manter as coisas que eu digo até ao fim?".

" - É, se essas coisas realmente forem demasiado pesadas para as tuas costas". - Brincou, colocando as mãos afundadas nos bolsos das calças. Os seus olhos vermelhos pareciam distraídos, sempre a olhar para a frente, como se a frase fosse mais para si do que para Izuku, já que o observava um tanto curioso. Deu uma ligeira risada anasalada. Ridículo. - "Sabes que podes sempre... Contar-me as coisas. Apesar de te chamar alguns nomes um tanto ofensivos, eu não me importo de te ajudar. Mas só a ti".

Midoriya arqueou uma sobrancelha, com um sorriso irónico e olhar divertido, em diversos tons brilhantes de verde claro, parando gradualmente os seus passos, à medida que revia aquelas frases na sua mente.

" - ...Isso foi uma pequena declaração, só para me dizeres para eu confiar em ti?".

Assim que murmurou a frase, cruzou os braços e parou de andar, colocando a cintura ligeiramente para o lado, numa pose convencida e, quiçá, afim de imitar o mais velho. Em contrapartida, Bakugou arregalou os olhos e sentiu-se nervoso, verdadeiramente nervoso, parando bruscamente os passos, talvez, a um ou dois metros à frente do melhor amigo, de costas para ele.

" - M-Mas que porra, Deku!". - Gritou-lhe com força, notando-se o tom desregulado da sua voz, um pouco de nervos, um pouco de constrangimento, enquanto cerrava o punho direito com força, fora dos bolsos habituais. O seu olhar foi desviado para o canto dos olhos, virando o rosto e observando a maneira convencida com que Izuku tinha coragem de ir, contra si. Filho da puta. - "Eu só tentei ser um bocado mais gentil como foste comigo, merda!".

Como resposta, a gargalhada espontânea e divertida do rapaz de cabelos verdes ecoou pela rua, fazendo desmoronar a posição de combate intimidante, substituindo-a por braços em torno do estômago, para não doer tanto durante as risadas sem controlo, ligeiramente curvado para a frente.

" - Ah, enfia esse riso no cu, nerd de merda!". - Berrou, recomeçando os seus passos, mesmo que mais duros, fortes e rápidos; frustrados, por ter sido alvo de uma brincadeira, assim que tentou mostrar alguma coisa. Era óbvio o resultado, não sabia para quê tanto espanto. Em contrapartida, o mais novo, coitado, teve de se aguentar e tentar andar com dificuldades, já que estava num ataque descontrolado de sorrisos verbais.

" - Ka-Kacchan, e... Espera, e-eu...!!". - Respirou fundo, tentando recompor a postura, enquanto voltava a arfar com algumas dificuldades e risos à mistura. Com alguma dificuldade e em cerca de trinta segundos, já estava lado a lado com o loiro, que rangia os dentes e possuía o maxilar contraído, num olhar desconfiado e semicerrado para o outro.

Odiava ser um alvo fácil. Fosse para quem fosse.

" - Mais uma palavra e eu juro que te vou afogar na sanita da minha casa, da próxima vez que lá fores". - Sibilou numa ameaça real, arrepiando até os pelos da nuca de Midoriya, contraindo muito os lábios e terminando logo com o divertimento pela raiz. Não duvidava de mais nada de Katsuki e, com toda a honestidade, não queria experimentar ser morto daquela maneira, enquanto recebia várias descargas de água sobre a cabeça.

" - Então...". - Passou o peso de um pé para o outro, dando um impulso para a frente de Bakugou, abordando-o cara a cara e fazendo-o terminar os passos rapidamente, para não chocar com o amigo, com o indicador levantado ao lado do seu próprio rosto. Recebendo um olhar surpreso, o sorriso travesso e divertido de Izuku formou-se e fez com que os lábios do mais alto tremessem ligeiramente, engolindo um pouco em seco, sem se dar conta como estava a focar-se demasiado naquele rasgar de lábios de orelha a orelha em pura inocência divertida ou no olhar repleto de felicidade, brilhante, vivo, engraçado. Ele tinha de parar urgentemente com isso. - "Compra o meu silêncio com um gelado. Tu sabes os meus sabores favoritos e eu confio em ti para escolheres... Sim?".

Inclinou-se ligeiramente para a frente, em bicos de pés, aproximando muito os rostos, resultando num Katsuki de olhos extremamente arregalados. Deu uma risadinha muda, talvez em divertimento, talvez de carinho. Então, deslizou o indicador da mão esquerda no ar e tocou de maneira suave na ponta do nariz do melhor amigo, mostrando os dentes todos num sorriso sincero e fechando os olhos, voltando a afastar lentamente a mão.

" - Ótimo! Ainda bem que não recusaste, Kacchan! Quero um soft de chocolate, com pequenos pedaços, sim?".

Num pulo rápido, afastou-se um pouco menos de um metro, virando o corpo num deslizar ligeiro e de maneira animada, caminhando calmamente até às escadas à direita, já bastante perto do seu objetivo. 

Katsuki ficou ali plantado por um tempo, piscando muitas vezes os olhos e refletindo o que acabara de acontecer. Perdeu a conta que quantas vezes tentou recapitular os pensamentos ou da forma como contorcia ligeiramente as expressões da cara. Izuku. Tudo culpa do maldito do Izuku.

Os seus pensamentos andavam uma confusão por causa do Izuku, a forma como agia em público também por causa do Izuku, a maneira como começava a encarar as coisas à sua volta e até mesmo a si próprio tornava-se uma mistura de sentimentos estranhos nunca sentidos por causa do Izuku. Começava a estranhar os seus pensamentos por causa do Izuku, as suas ações estavam cada vez mais suaves por causa do Izuku e, ainda por cima, aquele canalha tinha a lata de brincar com o seu coração rápido daquela maneira?! Tudo por causa do filho da puta do Izuku!!

...Mas a sua felicidade, a sua verdadeira felicidade, também era por causa do Izuku.

No entanto, limitou-se a assentir, sem mostrar nenhuma expressão no rosto. Ou tentar. De qualquer das maneiras, resmungou alguma coisa irritada como sempre e enfiou as mãos nos bolsos das calças, enquanto ouvia o outro falar de algum facto estranho que tinha aprendido no dia anterior, na internet, ou até mesmo dos seus planos animados para hoje, apontando para tudo como se fosse uma criança, num parque de diversões.

Certo... De facto, o rapaz parecia até mesmo uma criança fisicamente. Ninguém diria que ele tinha dezasseis anos, nem aqui, nem na Jugoslávia. Tinha um ar tão doce, cheio de sardas pela cara e corpo, um sorriso tão brilhante e uma voz animada, contagiando quem estivesse à sua volta. Incapaz de fazer algo de mal a alguém ou a forçá-lo a qualquer coisa. Nunca na vida. Tímido para os de fora do seu círculo de amigos e familiares, afinal, só eles teriam a honra de presenciar tal anjo nas suas vidas, segundo os pensamentos de Bakugou. Gostava dele. Lá no fundo, adorava o seu melhor amigo e sabia que precisavam um do outro, por terem extremo carinho pela infância que passaram juntos.

" - Ladrão de merda". - Suspirou num riso anasalado, caminhando um pouco atrás dele, vendo o seu pequeno ser saltitar ligeiramente, enquanto cantarolava, com os braços atrás das costas.

...

" - Agora sim!". - Gritou o de cabelos ruivos falsos com força contra o mar, como se lhe fosse dar uma surra a qualquer instante, com os punhos ao lado do corpo, pronto para esmurrar o próximo ser humano. Trajava uns calções largos vermelhos escuros, com detalhes mais claros nas bordas do mesmo. - "Denki, Todoroki, tudo a postos?!".

" - Sim, senhor capitão Eijirou!". - Kaminari encheu o peito e colocou-se em sentido, com a mão esticada na horizontal sobre a testa, tentando parecer ser algum soldado - e falhando miseravelmente -, de calções de banho azuis elétricos com detalhes amarelos, em forma de raio nas laterais.

" - Uhm... Porque é que eu estou no meio desta confusão mesmo?". - Suspirou Shoto. esmo que parecesse um pouco forçado, sorria ligeiramente pelos dois cantos da boca, numa tentativa de ser gentil e demonstrar felicidade. Eram raras as vezes em que era convidado a participar numa brincadeira infantil, quiçá aceitá-la.

" - Sei lá. Precisávamos de alguém para mergulhar de uma vez connosco e irmos atormentar as miúdas, para lhes molhar com abraças e arrastar até ao mar, só para as ouvir gritar". - Kirishima encolheu os ombros, num sorriso de canto e olhar calmamente fechado, como se fosse a coisa mais normal do mundo afirmar tal coisa. Não era mentira nenhuma que o seu passatempo favorito era ser um tremendo filho da puta e, em part-time, o maior merdas das galáxias e arredores. 

" - Normalmente, o Katsuki deveria vir connosco, mas acho que perdeu alguma aposta contra o Midoriya e está à procura de uma loja de gelados". - Concluiu o de cabelos loiros lisos, antes que a cobaia argumentasse contra ou perguntasse se o podiam substituir, imitando a pose do de dentes afiados, ignorando o abrir e fechar da boca constante de Todoroki.

" - Então, porque não puxamos o Izuku para participar connosco?".

Por mais que não esperassem essa afirmação, ainda para mais vinda de um Todoroki que sorria maliciosamente, jamais julgariam que ele entraria numa brincadeira tão imatura. Ao escutarem a sugestão, todos trocaram olhares e sorrisos provocativos, virando os rostos quase que automaticamente contra o rapaz de cabelos verdes, que ajudava a Mina e Uraraka a passar protetor solar nelas e resultando num semicerrar de olhos por parte de todos, já que era praticamente impossível ter tal aproximidade com elas, sem levar com o chapéu de sol nas trombas.

Enquanto os três estavam entre a areia e o mar, sendo molhados vez ou outra até aos tornozelos, as meninas estavam a acabar de organizar o seu pequeno canto de toalhas com chapéus de sol, enquanto colocavam o protetor, para depois se enfiarem na água. Por mais divertidas que fossem, eram sempre mais cuidadosas antes de queimar demasiado a pele, já que sofreram muito com tal coisa, há uns tempos atrás.

" - Obrigada, Deku-kun!". - Sorria Ochaco de orelha a orelha, abraçando o rapaz com força. A menina estava só de bikini e ignorava completamente o seu peito fardo contra o liso do melhor amigo, que automaticamente, deu uma risada, meio envergonhado. Nunca se iria habituar a ficar tão próximo de uma menina - ou rapaz -, por mais que não tivesse qualquer interesse amoroso nelas. Essa ação fê-lo coçar a bochecha com o indicador direito, num rasgar de lábios amarelo. - "Ainda bem que podemos confiar em ti. Afinal, como não te interessas por men--". - Rapidamente, Asui tapou-lhe a boca, impedindo de qualquer rapaz ouvir, enquanto o de cabelos verdes esbracejava para ela se calar e percebendo o recado. Esse segredo era apenas confinado às meninas e a Katsuki, por mais que nenhum entre esses dois grupos soubesse da existência em comum sobre o assunto; ou seja, nenhuma sabia que Bakugou tinha conhecimento sobre tal segredo, nem o adolescente sabia delas. Midoriya suspirou de alívio, enquanto ela limpava a garganta. - "... Podemos sempre pedir-te para nos fazeres este tipo de coisas".

" - O-Ora essa, não é nada demais...". - O de olhos verdes dignou-se somente a corar um pouco e sorrir ainda mais nervoso, um pouco constrangido pela confiança depositada em si.

" - Ah, aqueles dois com certeza iriam desenhar um pénis nas minhas costas". - Sibilou Jirou, entrando na conversa, sentada na sua toalha de banho sobre a areia e de óculos de sol no topo da cabeça, apontando nada discretamente para os dois rapazes ao lado de Shoto. - "O pior é que eu nem duvido, porque já me aconteceu".

" - Exato! Por isso é que o Izuku é o melhor rapaz que podemos confiar. Não ironicamente, já me vesti à frente dele". - Ashido encolheu os ombros, indiferente. Midoriya confirmou com a cabeça, numa risada baixa. - "Tipo, não nua completamente, mas de roupa interior, não vejo o problema".

Denki cerrou o maxilar e punhos com força, esboçando um sorriso de orelha a orelha completamente forçado, igualmente como o melhor amigo, já que Eijirou parecia ter ganho um tique no olho direito, esmagando sem dó nem piedade alguma uma concha que estava nas suas mãos e acabara de a apanhar, destruindo-a em pedaços..

" - Todoroki, mudança de planos". - Grunhiu entre dentes Kirishima, recebendo um olhar surpreso do de olhos heterocromáticos. O loiro de madeixas negras terminou o pensamento, com um sibilar sussurrado entre dentes.

" - A gente vai afogar aquele filho da puta agora mesmo".

...

" - Ah, olá, Katsuki!". - Momo sorriu docemente, acenando-lhe, assim que o viu aproximar-se. Ele não esboçou alguma reação e parecia um pouco frustrado, fazendo a menina perder o rasgar de lábios. - "Tudo bem?".

" - Nenhuma loja tem a porra do sorvete do Deku inútil". - Resmungou, enquanto revirava os olhos e enfiava mais as mãos nos bolsos. - "Perdi quinze minutos da minha vida à procura da porra de uma sobremesa que não há em lado nenhum".

" - Mas afinal, o que raios aconteceu para teres de lhe pagar algo, Bakugou?". - Tsuyu inclinou a cabeça ligeiramente para o lado, enquanto construía um pequeno castelo de areia em conjunto com Uraraka, que parecia ter parado gradualmente o projeto, para escutar a conversa. Quase como que automaticamente, o corpo do loiro parou e rangeu os dentes, fechando os olhos rapidamente, sentindo as bochechas ficarem estranhas, graças ao sol; ou achava ele.

" - N-Nada demais ou que interesse, então, calem a porra da boca!". - Grunhiu, recebendo um risinho baixo da Kyoka, um pouco vermelha e com os quatro dedos da mão direita levantados, a taparem-lhe os lábios, num pequeno bico puxado para a frente.

" - Se fores comprar o silêncio do rapaz, ao menos, diz para ele não contar o motivo do gelado".

Automaticamente, Katsuki arregalou muito os olhos e todas as meninas viraram muito rapidamente o rosto em direção à dona da última fala, que dava risadas mudas e mesmo assim, nada discretas. Por algum motivo, o de olhos vermelhos jurou ter-se quase engasgado.

" - O-O que caralhos aquele canalha te contou?!". - Gritou muito alto, sentindo o corpo tremer de pânico. Sabia como Jirou era a mestre das informações do grupo, uma autêntica negociante de conteúdo... Daria uma ótima fofoqueira, se ela não odiasse se intrometer na vida dos outros da sua escola. No entanto, quando o assunto era os seus amigos, ela conseguia encontrar sempre sempre sempre uma maneira de descobrir o que ela queria. Era diabólica e perigosa. Muito perigosa. O que ela quisesse descobrir, ela faria-o sem pensar duas vezes; tendo até um pequeno diário onde anotava os segredos que descobria dos amigos durante o seu dia a dia, resultando num dos seus projetos de livros a realizar no futuro. Escrevia extremamente bem e, honestamente, por mais criativa que ela fosse, as inspirações de novelas mexicanas adolescentes não faltavam à sua volta.

" - Depende. O que é que tu sabes?". - Ripostou, num sorriso malicioso. Ochaco quase que pulava sobre a toalha, aos gritos, pedindo para saber de uma vez o motivo que levara àquele clima tenso; Asui olhava para todos os cantos, tentando ligar as peças e começar a compreender o que se passava... Ou assim pensava. Momo, neste caso, estava toda corada e não conseguia tirar os olhos quer da menina, quer de Bakugou e assim constantemente; e por fim, Mina, estava de boca aberta e olhos arregalados, sem parar de observar o loiro explosivo.

O rapaz estalou a língua no céu da boca, percebendo o jogo dela. Se ele falasse demais, era o verdadeiro dead end. Não sabia que a porra do Izuku tinha contado sobre o beijo ou só sobre comprar o silêncio por lhe ter dito que podia sempre confiar em si. Ou até mesmo, sobre as aulas de sedução; mas isso ela já sabia e com certeza todas as meninas do grupo também, já que não se continha nas fofocas com as amigas, com toda a certeza saberiam... Quiçá, os rapazes ou toda a gente. De qualquer das maneiras, não podia desfazer a postura.

" - ...Espera lá, é impressão minha ou tu e o Midoriya têm algum clima entre vocês?".

A frase lançada pela Mina fez realmente Katsuki se engasgar, precisando da ajuda rápida de Tsuyu, que se levantou num salto, para lhe bater calmamente nas costas. Tinha praticamente sufocado com aquela questão e toda a saliva tinha ficado acumulada na boca, num bolo enorme, impossível de engolir de uma vez. 

Como assim? Um clima amoroso entre ele e o melhor amigo?! Mas está tudo parvo ou quê?! Sim, de facto, eles beijaram-se... Mas não foi porque quiseram. Foi apenas uma aula. Apenas um ensinamento. Não havia nenhum jogo de sentimentos entre eles, foram bastante claros. Sim, ultimamente, andava estranho ao pé dele. Mas isso não significava nada, quer dizer... Eram apenas melhores amigos e Bakugou era hétero, fazendo-o não nutrir quaisquer sentimentos por ele. Fora que, também, o de pele sardenta gostava do Todoroki e não tinha nenhum interesse dessa maneira em si.

" - Mas que merda é essa?! Eu sou hétero, caralho!". - Berrou de maneira escandalosa, pegando numa porção generosa de areia, ao curvar-se para a frente, enchendo a cara da Ashido de areia, enquanto ela a cuspia, meia irritada. - "Fujoshis da porra. Não podem ver dois melhores amigos sem imaginar um deles a dar o cu ao outro!".

" - Em parte, ele até tem razão...". - Murmurou Kyoka muito baixinho, recebendo olhares mortais das outras meninas. Então, limitou-se a comprimir os lábios e assentir. - "De qualquer das maneiras, ele não disse nada demais. Estava só... A brincar".

Era tão claro como a água que Jirou mentia; no entanto, parecia querer liberar o loiro daquele sofrimento. Ela sabia que alguma coisa se passava pela reação repentina de Katsuki; no entanto, não poderia deixar a curiosidade falar mais alto que o bem estar dele, dando uma desculpa esfarrapada, que todas acreditaram sem constestar. Por mais que não quisesse, teve de se obrigar a aceitar aquele bilhete silencioso de fuga para fugir do interrogatório, trocando imediatamente de assunto.

" - Falando no nerd arrumbado, onde é que ele está?". - Murmurou, procurando pelas toalhas com os olhos, apercebendo-se que nenhum menino estava por lá. Então, quando passou os olhos pela praia, parou num certo ponto, fazendo o seu corpo todo paralisar. 

" - Ah, eles todos já entraram na água!". - Afirmou Tsuyu, com um sorriso, levantando-se num salto. - "Estava só a terminar de colocar o protetor solar para ir. Vens connosco, não é, Bakug...".

Mas ele já estava noutro mundo, do que propriamente nas palavras de Asui. 

Midoriya Izuku. Dezasseis anos de idade. A gargalhar de maneira alta, nada tímida, ignorando se chamava a atenção, enquanto era segurado por Kirishima e Todoroki no ar, de costas para si, só de calções de banho. Estava longe. Ainda estava muito longe. Queria-o perto e arranjar uma desculpa para o abraçar daquela maneira, imediatamente. Queria tocar-lhe e brincar com ele daquela maneira próxima, enquanto Denki lhe atirava a água ao rosto e o afogava por uns segundos, recebendo um dedo do meio de volta e outra explosão divertida de risadas. Engoliu em seco, esquecendo-se completamente de fechar a boca, ao deixá-la ligeiramente aberta e embasbacado pelos seus cabelos esverdeados molhados. 

Credo. Sentia-se uma menina fangirl que tinha voltado aos doze anos de idade novamente.

Que sensação maravilhosa.

" - Bakugou...?". - Murmurou Mina ao mesmo tempo que Momo, sem compreender o que se passava. Não respondeu. Estava demasiado concentrado no pequeno salto que ele dera para fora de água, enquanto subia para as costas de Shoto e tentava atirá-lo com toda a sua força para a frente, recebendo sorrisos de volta. - "Alô? Terra chama Katsuki!". - A de cabelos rosas passou a palma da mão direita pelos seus olhos, acordando-o num salto rápido, arregalando o olhar avermelhado.

" - Eu, caralho. 'Tô ouvindo". - Resmungou. Ashido cruzou os braços, a bufar, enquanto resmungava. Trajava um bikini chamativo, com um padrão leopardo entre azuis claros e escuros, com detalhes rosas chamativos. 

" - Mal educado". - Respondeu a de cabelos negros presos por um rabo de cavalo, vestindo uma saia de praia comprida e entre brancos e pretos, com a parte superior do seu fato de banho preto e liso, simples, com uma flor no cabelo. Num suspiro, fechou repentinamente a revista que lia à sua frente, esboçando um sorriso. - "Vamos à água mostrar quem manda aquele pessoal?!". - E ergueu o punho no ar, levantando-se de imediato. 

" - Sim!". - Responderam todas, juntando as mãos enquanto formavam um círculo, para berrarem um 'girl's power!', levantando os braços todos, em risadas femininas. Bakugou cruzou os braços, enquanto rolava os olhos lentamente.

" - Eu estou incluída, meninas?". - Fez uma voz esganiçada, recebendo um sorriso malicioso de Uraraka.

" - Mas é claro, Katsukina".

" - Vai te fuder, Urarako". - Ergueu o dedo do meio, dirigindo-se para a água em passos rápidos e pesados. Enquanto todas gargalhavam e o seguiam a provocar com piadas e recebendo insultos altos de volta, Momo parou a meio do caminho gradualmente, compreendendo que faltava uma no grupo. Deslizou o olhar para trás, confusa, deparando-se com Kyoka, séria, concentrada, a olhar para as costas do loiro.

" - Jirou...? Está tudo bem?". - Murmurou, aproximando-se lentamente dela, já que se encontrava a uns quatro metros atrás de si. Parou um pouco de lado para a menina mais baixa, deveras confusa. A de cabelos roxos estava tão concentrada no rapaz que dava para ver os neurónios do seu cérebro funcionarem, numa tentativa de perceber alguma coisa que se passava com o de pele mais bronzeada.

" - ...Sim. Está sim". - Admitiu, sem tirar a vista roxa do rapaz.

Kyoka Jirou foi a primeira pessoa a perceber o que se estava a passar ali.

...

 

[...]

" - Oh, Izuku!". - Ashido sorriu a mostrar todos os dentes, exibindo de maneira sofisticada e extrovertida a expressão gentil do seu rosto, segurando-lhe rapidamente os ombros. O rapaz, por ser da sua altura, limitou-se a olhar para a frente, surpreso, enquanto piscava duas vezes os olhos. Normalmente, assim que chegava à sala de aula, recebia um bom dia habitual de toda a gente, mas não uma abordagem tão direta, logo lado a lado à sua secretária.

" - E-Eu?". - Gaguejou, sentindo as maçãs do rosto ligeiramente quentes e tremeu o corpo, por entender que todos os pares de olhos dos amigos estavam sobre ele. Os nervos só pioraram quando presenciou o sorriso malicioso de Eijirou, Uraraka, Denki e a menina que acabara de falar, mudando drasticamente o seu sorriso a mostrar os dentes, significando que aquilo não podia ser coisa boa e engolindo lentamente em seco.

" - Agora tens dezasseis. Sabes o que isso significa...?". - Murmurava Kirishima, num duplo sentido significativo e vincado no tom de voz, esgueirando-se para a lateral do corpo do amigo e, num movimento brusco, abraçando-lhe os ombros. Como resposta, o de sardas limitou-se a curvar ligeiramente para a frente, numa exclação abafada.

" - N... Na verdade, não. O que raios isso significa?". - Perguntou, com toda a sua confusão no rosto e voz, tentando encará-los a todos, à procura de uma pequena brecha para perguntar ou entender o que se passava. Quando deslizou a vista para Kyoka, ela só suspirou e permaneceu de olhos fechados, prevendo a frase seguinte e soletrando-a com a boca, surpreendendo o rapaz. Isso provava o quanto eles deveriam ter treinado aquilo antes, para lhe perguntarem ou pedir algo.

" - Simples. Não tarda, o Bakugou e Todoroki vão fazer dezassete... A Momo já os tem e está quase nos dezoito, depois, a Jirou também fica com a idade deles, assim como eu e o Eijirou". - Começou a explicar Denki, invadindo o centro da roda de olhares e com o indicador levantado, acompanhado de uma postura extremamente correta, quase como se imitasse algum tutor. Enquanto os olhos verdes e cabelo despenteado do mesmo tom se pregava nele, este estava a tentar entender o rumo daquela conversa, agora com uma sobrancelha arqueada e um tique ligeiro no olho oposto, o esquerdo, subindo a pálpebra inferior lentamente.

Se virem o Kaminari a falar de maioria de idade e todos os vossos amigos estiverem no início do discurso, corram.

" - ...Eu devo-me preocupar pelo rumo da conversa?". - Sussurrava Izuku, sendo interrompido bruscamente por  Ochaco, que o mandou calar com o dedo indicador nos lábios, bastante alto, enquanto Momo limitava-se a dar um ligeiro facepalm na sua testa.

" - Ah, relaxa. Não será nada demais, mas era preciso que não houvesse menores de dezasseis".

Desta vez, Midoriya semicerrou os olhos.

" - Vocês estavam à espera que eu fizesse anos para me contar isto...?".

" - Talvez". - Denunciou Shoto, exibindo um ligeiro sorriso e vendo Denki tentar calar a sua boca de maneira desesperada e palavras sem sentido. Izuku surpreendeu-se até ao último fio de cabelo, deslizando o olhar para o mais alto, que se aproximava lentamente, com a mão direita no bolso das calças. - "De qualquer das maneiras, vai direto ao ponto, Kaminari. Eu também estou interessado". - E terminou, cruzando os braços e encostando-se à parede da sala de aula.

" - Basicamente, vamos alugar um café inteiro de jogos e aquilo ficará tudo nosso durante a noite inteira, até às dez horas da manhã". - Admitiu de maneira indiferente, como se fosse a coisa mais normal do mundo de se dizer, enquanto encolhia os ombros e fechava a vista, tentando esconder o sorriso. Assim que a frase terminou, Ashido gritou com força um 'É agora que aquela porra vai arder!', sendo acompanhada de uma risada alta de Tsuyu, erguendo o punho e acompanhando os gestos da amiga, assim como a de rosáceas na cara e os restantes dos rapazes, excluindo Shoto e Midoriya, que ficou plantado, a tentar entender o que acabara de ouvir, pestanejando constantemente os olhos.

O pequeno grupo de amigos rapidamente chamou a atenção dos restantes colegas da sala, curiosos com o motivo dos quase pulos constantes por parte do género feminino e gritos graves dos masculinos... E, para espanto de maioria, o rapaz de cabelos verdes inclusive, dava um sorriso involuntário e enorme de orelha a orelha, enchendo o peito de ar e animação e resultando noutra explosão animada, enquanto o Aizawa não chegava para começar a primeira aula do dia. Agora sim, os planos estavam todos de pé, para a grande felicidade dos loucos da U.A.!

" - Eu adorari--". - Foi aí que calou a boca, apercebendo-se do que ia confirmar. Mordeu o lábio, arregalando gradualmente os olhos, formando um bolo grande na garganta, que não conseguia engolir. Parou até à respiração, sentindo-se ficar branco, refletindo mais uma vez as palavras de Kaminari. E outra. E mais uma.

O pequeno grupo apercebera-se de que alguma coisa se passava, pela reação estranha do amigo, logo após a sua animação contagiante; Uraraka até o olhou nos olhos, como se já tivesse entendido ligeiramente e soletrando algumas palavras de apoio pelos lábios.

" - ...Izuku?". - Sussurrou baixinho a voz de Jirou, tentando aproximar-se lentamente dele, assim que se levantou calmamente da sua secretária acizentada. No entanto, ele fora mais rápido, cortando-a imediatamente pelos passos e voz, num tom bastante rápido e baixo.

" - O meu pai... Nem num milhão de anos deixaria". - Derrotado, descaiu os ombros e suspirou pesadamente, encarando calmamente os seus sapatos vermelhos berrantes, de atacadores pretos. Ele sabia que as desculpas não funcionariam desta vez, não importava o que qualquer um deles fizesse ou até mesmo o quando Midoriya tentasse; resistir aquele homem parecia tão inútil, tão estúpido, que era semelhante a lutar constantemente com argumentos válidos contra uma parede. Não escutava nem queria escutar. Apenas a sua opinião e motivos é que importavam.

Movido pela frustração, contraiu o maxilar, tendo vontade de gritar milhares de palavrões e inventar outros. Perguntava-se constantemente se ela ficaria bem com tudo o que se andava a passar e isso preocupava-o ainda mais. Ninguém sabia daquele buraco constante no seu peito que crescia lentamente a cada dia e como ele poderia ser preenchido um pouco naquela noite, onde todos se divertiriam e ele, provavelmente, estaria com vontade de chorar, a tentar entreter-se com vídeos idiotas do seu Facebook.

Acordado dos seus desvaneios, Izuku ouviu um suspiro forçado e um estalar da língua no céu da boca, arrepiando-lhe os pelos todos da nuca, sentindo um formigueiro na ponta dos dedos e o coração parar-lhe numa batida, para então vir com toda a fé e força contra as suas costelas, num martelar deveras irritante. Levantando rapidamente o rosto, de olhos arregalados, reconheceu perfeitamente quem era. Nem precisava de ver, reconheceria-o a quilómetros de distância. A pessoa atrás de si, um pouco para a direita, a maneira como ele encarava tudo e todos, a sua voz grossa e rude, os seus comentários maldosos e até mesmo a forma como parecia ter vontade de espancar tudo e todos. A pessoa mais mal educada do mundo, possivelmente o pior amigo que já existira, os seus gestos bruscos e violentos, a sua força incrível para mandar os amigos verbalmente a sítios de escárnio, os seus mal dizeres com gestos obscenos e ainda a incrível capacidade que tinha de se tornar a pior pessoa do mundo, se ele quisesse.

E, mesmo assim, era ótima a sua presença.

" - Para de cu doce, Deku. Ambos sabemos que é só eu falar com a tua mãe". - Revirou os olhos, num sorriso irónico. A sua postura descontraída, com a mão direita a segurar a alça da sua mochila só no ombro do mesmo lado, a camisa mal apertada e sempre um pouco mais aberta do que deveria, nunca usava gravata; odiava gravata. Os seus cabelos espetados e o seu rosto sempre irritado, mesmo que agora parecesse divertido. Rapidamente, Midoriya virou o rosto um pouco constrangido e surpreso para o melhor amigo, tentando analisar-lhe as expressões da cara. Tornara-se um ligeiro vício tentar lê-lo, por nunca saber que não conseguiria completamente.

Talvez ele também gostasse de desafios.

" - Ka-Kacchan!!... Mas uma coisa é eu ir para tua casa, outra coisa é eu alugar um bar com amigos". - Murmurou, tentando argumentar contra e abrindo os braços lentamente, enquanto girava o corpo e tentava explicar, como se isso fosse ajudar em algo contra o de cabeça dura. Ficou frente a frente ao rapaz, que agora, estava de olhos fechados e parecia um pouco mais stressado. - "Além disso, duvido muito que ele seja parvo o suficiente para não topa--".

" - Deixa comigo, 'tá?". - Rosnou, fazendo-o engolir em seco e assentir lentamente, de olhos um pouco abertos novamente e assentindo rapidamente. Conhecia-o bem o suficiente para saber o seu tom de voz de 'cala-te ou levas uma surra'; mais como uma possível ameaça de discussão. Obviamente, Midoriya não estava muito com vontade para mais confusão, logo de manhã, ficando completamente direito com o corpo e finalmente conseguindo tirar aquele nó horrível e incomodativo da garganta. - "Eu sei o que faço. Se eu convenci a tua mãe a acampar contigo no meio do nada, também convenço-a a isso. Não te esqueças que ela confia mais em mim que em ti". - E apontou com o polegar para si próprio, num sorriso vitorioso. O de cabelos verdes revirou os olhos, cruzando os braços, esquecendo-se completamente da maneira como tentava se explicar anteriormente, adquirindo um certo brilho divertido nos olhos, com os lábios ligeiramente rasgados para o lado.

" - E a tua em mim... Preciso mesmo de te lembrar quem é que te salvou do segurança, da outra vez, quando pinchaste a parede do supermercado?".

Katsuki rapidamente tossiu, um pouco constrangido e olhando com raiva para o mais baixo, recebendo uma gargalhada alta e abraçado à sua barriga de volta. Automaticamente, o loiro começou a tentar ameaçá-lo com gestos pouco simpáticos ou ameaças verbais de possíveis socos contra o seu corpo.

" - Cala a porra da boca, Deku!!". - Kirishima e Denki chocaram um mais cinco no meio do ar de maneira nada discreta, quando se aperceberam que a vitória de levar o Izuku para a saída era deles, graças a Bakugou. Uraraka deu um salto chamativo no ar, sendo seguida das melhores amigas, apercebendo-se que já estavam a exagerar, mesmo que não contivessem a mínima vontade de parar. Todoroki, por sua vez, suspirava na sua pose ainda de braços cruzados, em pé com um sorriso ligeiro, apercebendo-se de quanto os adorava.

" - Porque eu deveria?". - Cantarolou, enquanto mostrava a língua e voltava a sorrir de orelha a orelha em escárnio, ou pelo menos tentando, já que os seus dentinhos de coelho e as sardas, com ligeiras covinhas cravadas nas bochechas gordinhas não ajudavam. - "Ficas nervoso quando eu digo as verdades, Kacchan?".

" - Vai te fuder, caralho!!". - Berrou-lhe, atirando-lhe a mochila contra a cara e provocando uma explosão de gargalhadas em todos à sua volta, ignorando se dois livros seus caíram com a ação. - "O que foi?! Querem levar também?!".

...

Kyoka apenas observava de longe, com os olhos ligeiramente semicerrados, completamente calada.

Essa foi a primeira aula de física que ela não escrevenhou no seu caderno, atenta a cada gesto ou expressão facial dos dois amigos.

[...]

" - Então...". - Hitoshi sorriu gentilmente, quando viu um resmungar do outro, acabando por dar uma risada fraca. - "Eu acho bom teres vindo esta semana também. Honestamente, deixa-me muito feliz que tenhas vindo sem ser forçado pela senhora Mitsuki".

" - Como queiras". - Revirou os olhos, cruzando as pernas sobre o sofá branco, já que estava deitado sobre o mesmo e ignorando completamente o facto de estar calçado. Colocou as mãos atrás da cabeça, enquanto mordia o interior da bochecha, num olhar distraído e um pouco desinteressado. A luminosidade, o ambiente, a disposição de cada objeto não mudara nem um centímetro, muito menos o pó da sala... Por mais desarrumada e pouco convidativa que parecesse, sentia um ligeiro clima familiar que não sabia explicar, algo como um conforto da alma à mente, acabando por admitir lentamente a si próprio que, sim, ele gostava do lugar. E da pessoa ali situada. - "De qualquer das maneiras, achei por bem vir. Sabes que eu não sigo uma lei própria, Hitoshi. Eu faço aquilo que acho que esteja certo, de acordo com os meus valores".

" - Então... Isso significa que vieste por achar que era o corretor a fazer?". - Anotou discretamente no seu papel a afirmação anterior do adolescente, achando um ponto importante a ressaltar - nunca realizar nada contra os valores de Katsuki; já que poderia causar uma discussão e toda a regressão do processo árduo que seria para o ajudar. Além do mais, achou interessante tal afirmação. Era curioso como os seus valores pareciam tão certos e tão errados ao mesmo tempo... Ter uma lei própria - rescreveu, no papel. O que isso significaria, vindo da boca do outro rapaz?

" - Diz que sim". - Murmurou, um pouco mais distraído do que pretendia. Parecia distante e pensativo, talvez a pensar em como as suas quartas feiras eram agora agitadas e deveriam ser o seu dia mais livre, com a tarde de jogos. Tinha de ir ter com o Shinsou, almoçar nesse meio tempo durante quinze minutos e correr para o café, para ir trabalhar. No final do dia corrido, passava sempre no hospital nem que fosse rapidamente, só para ver se o pai estava bem.

Silêncio. O de cabelos roxos estranhou a calmaria e a maneira como Bakugou estava calado... Estava habituado às suas conversas habituas onde ele não calava a boca até ter razão ou argumentos válidos que o provassem do contrário, ou até mesmo dos gritos constantes para a pessoa x ou y morrer. Comprimiu os lábios, pensando numa maneira de entender o que se passava com ele e de o abordar corretamente, mantendo tudo o que sabia sobre ele em mente. Às vezes, o silêncio era a melhor arma que se poderia oferecer, só para criar conforto ao paciente - ou amigo, como o psicólogo gostava de lhes chamar. Mesmo assim, julgou que alguma coisa se passava. 

Não era assim tão comum Katsuki ter olheiras tão fundas.

" - Então, Katsuki...". - Começou baixinho, abordando um tom de voz calmo e amigável, parecendo o menos evasivo que podia, no momento, mesmo que falhasse miseravelmente, provando-se pelo rosto quieto do loiro, que só arqueou lentamente a sobrancelha esquerda, mais próxima a si. Um passo em falso e seria o fim daquela consulta, se bem o conhecendo. - "A tarde é toda tua. Podes escolher o que fazer ou conversar. Se quiseres, também podemos ficar calados".

Os olhos avermelhados e distraídos, deslizaram lentamente sem qualquer interesse mínimo para Hitoshi, quase como se estivesse entediado. Andava estranho. Shinsou não era parvo nenhum... Começava a compreender que aquele não era o rapaz que conhecia habitualmente. Quando ele estava irritado ou frustrado com algum aspeto da sua vida, ele não se isolava e muito menos era de ficar tão fraco; pelo contrário! Ele iria gritar com tudo e todos, até ter algum apoio. Com certeza, alguma coisa não estava bem e deixou isso na nota de rodapé da sua folha A4. Mesmo assim manteve-se calado, esperando a próxima ação e procurando o momento ideal para argumentar.

" - Desculpa se eu falar pouco hoje... Ando cansado. Não durmo muito". - Murmurou, voltando a encarar o teto, momentos antes de fechar os olhos e relaxar os músculos todos do corpo. Gostava daquela sala. Empoeirada, com uma luz filtrada e fraca, tudo em tons de azul e roxo suaves que se tornavam escuro pelas sombras, o sofá extremamente confortável e a única presença que se situava. Podia ser simples, ridículo até, mas era capaz de ser o seu momento de maior paz da semana, onde não ousaria que ninguém perturbasse. Seguiu-se uma pausa de uns cinco segundos, até a voz do homem voltar a soar calmamente.

" - Deverias dormir mais. Sabes que isso não te faz bem... Mas também sabes que tu não vais ligar muito aos conselhos deste senhor doutor mestrado, por achar que o certo a fazer é o que o teu instinto ou valores afirmam. Fora que eu também não gosto de aconselhar as pessoas, só mostrar os factos. E o facto desta vez é que tu estás um autêntico farrapo". - Admitiu, num sorriso gentil e voz divertida. Por incrível que parecesse, o de pele mais bronzeada não reclamou ou negou ou até mesmo provocou de volta, limitando-se a suspirar baixinho, enquanto se aconchegava lentamente com as costas contra o sofá almofadado incrivelmente branco e limpo, abaixo de si.

" - Eu admito que gostava dormir... Mas sabes, a minha vida anda cada vez mais confusa. Eu nem consigo ficar bem comigo próprio, quanto mais dormir descansado".

Okay... Já estávamos a chegar a algum lado. Shinsou sentiu um pequeno sabor de vitória no peito, esboçando uma felicidade maior do que pretendia, escrevinhando calmamente nas folhas e deslizando o olhar para baixo, ignorando se Bakugou o observava ou não. Tinha de ordenar as ideias para a próxima afirmação.

" - Certo. Aconteceu mais alguma coisa nesta semana assim de tão marcante ao ponto de piorar a situação...? Claro, já sabes as regras, só contas o que quiseres. Mas sabes que eu só te quero ajudar. Tudo o que será dito aqui, não sairá da minha boca, a menos que voltes a falar do assunto".

Engoliu em seco, sentindo os músculos ficarem tensos todos de uma vez e abrir os olhos rapidamente. Katsuki começou a transpirar. Muito. Ficava nervoso com facilidade quando era abordado sobre os assuntos da sua mente de maneira tão calma e não com gritaria ou sendo forçado; e o pior, é que só quando tentavam perceber, daquela maneira gentil e educada, que só alguns lhe conseguiam chegar ao coração. Quando forçavam, ele só respondia com um bom par de socos e ofensas, se bem conhecendo o de olhos rubis. Ele não sabia lidar muito bem com positividade, quanto mais com Hitoshi - um homem tão simpático, tão gentil, que não queria desistir dele; que permanecia em dizer que ele era tão bom e mau como qualquer ser humano, que ainda havia esperança para ele, que era só um adolescente incompreendido pela sociedade corrupta e que merecia tanta atenção, carinho, amor e amizade, como qualquer outro.

Que a sua religião não definia nada disso.

" - Eu... Eu adoraria responder, por uma vez na vida, toda a verdade". - Murmurou, num suspiro muito carregado e alto, percebendo-se a sua frustração na voz. O mais velho prestou atenção em todos os detalhes do seu rosto, tom de fala e gestos, talvez, para tentar captar mais alguma informação que escapasse aos seus ouvidos. Uns momentos de silêncio se seguiram, até Bakugou continuar. - "...Mas eu simplesmente não consigo".

" - E posso saber o que acontece dentro de ti, para não conseguires?". - Uns segundos de silêncio depois, amaldiçoou-se por ter sido tão direto na abordagem, contraindo o maxilar e implorando para que Katsuki não se revoltasse ou negasse contar, de maneira brusca e voltando ao zero que tanto temia. Demorara tanto para conseguir uma pequeníssima confiança em si, para construir aquela ligeira relação que, muito sinceramente, tinha medo de dar um passo fora da zona de conforto do rapaz e acabar por levantar ainda mais aquela muralha enorme entre eles - principalmente, entre ele próprio e a estabilidade entre a mente e o corpo.

No entanto, por mais que lançasse um rosto desconfiado contra o teto, fechou os olhos e suspirou com força.

" - Tu sabes muito bem do que estou a falar, Hitoshi". 

Desta vez, foi Shinsou a ficar muito confuso com a afirmação, inclinando a cabeça para o lado. Reveu a conversa mentalmente e mordeu o lábio, apercebendo-se que deveria ter deixado escapar algo que não estava a entender; coisa que nunca tinha acontecido, em tantas consultas que dera, em toda a sua carreira. Ele não tinha mesmo entendido algum duplo sentido nas suas frases, num pedido silencioso de ajuda? Será que alguma coisa de grave aconteceu ao loiro? Honestamente, estava muito preocupado e sentia-se culpado.

" - Katsuki... Desculpa, mas eu realmente não estou a compreender o que queres dizer. Achas que me poderias explicar, ou pelo menos guiar um pouco?". - Desta vez, o seu tom de voz estava fraco e débil, surpreendendo tanto Bakugou, que até se dignou a virar lentamente o rosto contra ele. Nunca, em tantos meses e dilemas, julgou que fosse ver aquele homem com insegurança na sua fala, mesmo que recompusesse a postura logo depois, ao limpar a garganta e encher o peito de ar. Sorriu um pouco. Era engraçado como até mesmo alguém tão forte como o de cabelos roxos estranhos, tinha os seus momentos de instabilidade e demonstrava-os, mesmo que fosse raramente. Talvez isso o deixasse a sentir-se um pouco melhor, percebendo que a pessoa que tanto admirava muito lá no fundo do seu ser, também era humano.

" - A Toga deve ter-te contado".

Silêncio. Na verdade, o psicólogo tentou relembrar-se de todas as conversas com a menina de cabelos loiros lisos e muito direitos, sempre arranjados de maneira fofa ou convencida, sobre algo que pudesse comprometer o teor daquela conversa. Pensou em tantas probabilidades, mas nenhuma boa o suficiente para arriscar... Alguma discussão com a mãe ou até mesmo com a Himiko? Será que ele estava a referir-se ao acontecimento da igreja, mesmo que tivesse prometido não mencioná-lo, a menos que o adolescente falasse sobre?

Engoliu em seco. O seu desconforto era palpável e tentava articular uma frase. Aquilo, em tantos anos de carreira, nunca lhe acontecera. Pela primeira vez, estava desconfortável e não sabia em que resposta apostar; aquele rapaz não era um paciente nada fácil. Pelo contrário. Bastava utilizar uma palavra de maneira errada, com um duplo sentido pior do que o previsto, podendo comprometer tudo o que se passaria dali em diante, naquele consultório.

" - Uhm... Fiquei na mesma". - Murmurou, num tom irónico, numa tentativa vitoriosa de piada. Katsuki deu uma risada anasalada, encolhendo os ombros. - "Podes iluminar o meu cérebro com tal ilustre conhecimento?".

Katsuki voltou a rir-se um pouco mais alto, revirando os olhos e parando da mesma maneira que o tom de voz do futuro marido da irmã, enquanto arqueava uma sobrancelha.

" - Estou a falar do meu pai".

De todas as respostas, a que ele menos esperava era essa, fazendo-o piscar várias vezes os olhos.

" - O... O teu pai?".

" - Sim". - Confirmou, com um aceno de cabeça. - "O meu pai".

" - O que tem o teu pai?".

Com o rosto diluído em dúvidas e confusão, Bakugou ia abrir a boca com uma certa face enraivecida, até realmente se dar conta da confusão de Shinsou, desde a sua mente ao corpo. Com isto, os olhos rubis arregalaram-se muito, sentando-se num impulso, quase que em pânico.

Não me digam que...

" - O que raios é que sabes sobre o meu pai...?".

A voz do loiro estava em modo de defesa; não aquela defesa de sentimentos, e sim receosa de uma explosão sobre a verdade, por parte de Hitoshi, que continuava a engelhar a pálpebra inferior de cada olho, oficialmente, sem compreender mais nada.

" - Bem... Ele anda em viagens de negócios e nunca para em casa, certo?".

Nesse momento, Katsuki quis enfiar uma lança inteira na sua garganta, por ter aberto a boca demais. Toga tinha também os seus segredos, os seus problemas, e isso fê-lo compreender que nem mesmo ela estava bem com a vida; uma menina que parecia tão fútil e sem interesses em nada. Doía-lhe um pouco perceber que podia ter estragado alguma da confiança que Shinsou tinha na irmã, mas agora, estava feito e não tinha como voltar atrás. Se fosse negar, só iria resultar numa bola de neve... Nem mesmo Himiko estava à vontade para falar sobre o que se passava lá em casa, ao rapaz que iria casar. Era tão complicado e só isso causou-lhe uma reviravolta no estômago. Amor era complicado. Muito complicado.

" - A... Ah, isso". - Deu um riso amarelo e forçado, coçando a nuca. - "É exatamente isso que se passa. Eu só sinto a falta dele, mais nad--".

" - Katsuki". - Cortou a voz grossa de Hitoshi, dura, olhando-o sem qualquer simpatia falsa; apenas seriedade e o desejo de compreender o que se passava. Quando o de cabelos roxos queria compreender a verdade, ele era direito e não se deixava enganar, como fazia encenar em cada consulta que dava. O mais novo engoliu em seco, cerrando o maxilar e sentindo o corpo alagado cada vez mais numa transpiração fria, apercebendo-se do poço de merda que acabara de se enterrar. - "O que a Himiko me escondeu?".

Era óbvio que seria apanhado. Estamos a falar de um ótimo psicólogo, que estuda ações e expressões faciais, que sabe quando alguma coisa está errada. Só nunca esperou, em toda a sua vida, num curto espaço de tempo, ver duas feições do de olheiras fundas que jamais julgou que existiam - desconforto e seriedade ao extremo. Era estranho vê-lo assim e sentia-se um pouco culpado, lá no fundo, por causar isso. Suspirou, descendo lentamente os olhos.

" - O nosso pai...". - Murmurou, deslizando o olhar contra a parede direita, sem ter coragem para observar qual fosse a reação do homem mais velho. - "Está internado no hospital da cidade. Tem leucemia".

Nenhum ousou abrir a boca. 

A expressão de Shinsou amenizou imediatamente, num puro choque e arregalar de olhos, sentindo o peito ser perfurado. Ele nem tinha desconfiado. Nem mesmo ele, que deveria saber quando alguma coisa estava errado, jamais julgou que a namorada passasse por algo do tipo, mesmo que estivesse todos os dias ao seu lado. Nem mesmo quando estudava expressões faciais durante anos, a mente humana, surpreendia-se cada vez mais, ao compreender que fora completamente enganado pela moça ao seu lado. Talvez nunca pensara nessa hipótese, por a ter conhecido nessa situação desde sempre e achando que era o seu rosto comum; talvez Toga fosse uma excelente atriz e era capaz de ludibriar a psicologia... Ou simplesmente, baixara as defesas completamente, ao seu lado.

Engoliu em seco e suspirou pesadamente, deslizando os ombros para baixo e esfregando os cabelos por entre os dedos da mão esquerda. 

Nesse momento, Hitoshi compreendeu que ainda tinha uma longa jornada a seguir, para conseguir ajudar toda a gente. O primeiro passo, era nunca subestimar a mente humana, porque ela é cada vez mais complexa à medida que conhecemos as pessoas; mesmo que sejamos convencidos de que a dominamos.

" - Katsuki, e-eu... Eu lamento imenso, eu--".

" - Não lamentes. A culpa não é tua". - Por mais estranho que isto soe aos vossos olhos, Bakugou deu um ligeiro sorriso reconfortante na direção do outro, olhando-o sobre as íris roxas de maneir asuave. - "Sei que estás desconfortável com a situação, por me teres obrigado a contar. Desta vez está tudo bem, a sério, não há crise, eu meio que já me mentalizei disso. Acontece. Não controlaste o mundo para isso acontecer... Simplesmente descontrolaste-te porque coloquei o nome da minha irmã em jogo e... Não o devia ter feito. Por favor, não lhe digas que te contei. Se ela não te disse, é porque não queria que soubesses".

Recebeu apenas um assentir meio constrangido, meio sério do outro lado, enquanto o médico tentava esboçar um ligeiro sorriso.

" - Certo. Tens razão. Eu precisava de ter mantido a postura profissional, só que... Só que eu também sou humano. Falho às vezes. Vês o que te quero explicar?". - Murmurou, enquanto fechava calmamente a vista, casado de tantas emoções de uma vez e tentando virar a página. - "Até mesmo pessoas como eu, que te ajudam, falham um pouco nessa tarefa. Ninguém é perfeito. Nem eu, nem tu, nem a Toga e nem ninguém. Somos humanos, e o ser humano é sinónimo de um erro, já que é racional. Então, Katsuki, vamos estabelecer um acordo...".

Abrindo os olhos rapidamente, curvou-se para a frente, num rosto sério e sem expressão alguma.

" - Eu farei de tudo para te ajudar nessa situação e em qualquer outra. Vou até te dar o meu número de telemóvel pessoal, por mais que já tenhas o profissional e assim podes falar sempre que quiseres comigo... Mas em troca, tens de me prometer fazer um pequeno esforço para me contar as coisas diretamente, como acabaste de fazer. Ou se não for a mim, pode ser a alguém que confies. Mas tu tens de contar o que se passa dentro de ti, tens de desabafar, tens de... Tens de ser direto contigo mesmo e essa é a melhor maneira. Pode ser?". - Por fim, rasgou lentamente os lábios para os dois lados, numa demonstração de afeto. - "Estou muito orgulhoso em teres dito isso de maneira tão sincera, de uma forma tão simples. O Bakugou de há umas semanas atrás nunca o faria, sabias?".

Parou o corpo completamente, sentindo uma falhar no coração, para então, começar a bater muito rápido e refletiu a semana passada inteira. Quando terminou, sorriu ligeiramente, um pouco envergonhado com o elogio.

Ele estava mesmo a conseguir mudar.

[...]

" - Kacchan". - Chamou calmamente, vendo o outro virar o rosto para trás, andando com apenas um phone nas orelhas; acontecimento raro que só acontecia todas as manhãs no caminho para a escola, para ter a certeza que ouvia quando Izuku o chamava. O corpo do loiro parou, esboçando poucas reações; ao contrário do mais novo que, em passos rápidos e terminando num salto, aterrou ao seu lado e sorriu de orelha a orelha, mostrando todos os dentes e com os olhos a brilhar. - "Bom dia!".

" - Bom dia". - Respondeu num tom de voz normal, voltando a andar lentamente ao lado de Midoriya, como todos os dias. Parecia um pouco distante e cansado mas mesmo assim, estava sempre pronto para ouvi-lo e ficar ao seu lado.

" - Não vais acreditar! Eu consegui finalmente terminar o meu set dos sapatos competitivos que eu precisava, no nosso jogo!". - Deu um pequeno pulo animado no ar, ignorando se a sua mochila enorme quase o deitava abaixo, cerrando os punhos contra o peito e abanando-os para cima e para baixo, aumentando ainda mais o sorriso, agora enorme. - "E hoje vou tentar o desafio de Dark Souls no Zelda, que é seguir direto para o boss final, mal o jogo inicia".

" - Certo... Isso é ótimo, Deku". - Para quem não o conhecia, parecia que estava a ser irónico; mas para o de cabelos verdes, os seus lábios milimetricamente puxados para os lados demonstravam um rosto ainda mais cansado, completamente de rastos. O seu sorriso morreu lentamente, assim como a animação.

" - Kacchan...?". - Murmurou, segurando-o lentamente pela manga do casaco acinzentado do uniforme da escola que usava, com o dedo indicador e polegar. - "Está tudo bem? Pareces cansado".

O loiro respirou fundo, tentando não adormecer a meio do caminho, quase sem sentir as pernas de tantas horas em pé, graças ao seu novo emprego. Já conseguia ouvir a voz do Togata por todo o lado, dizendo-lhe para fazer isto e aquilo, enquanto pensava sempre numa maneira mais rápida de realizar cada tarefa, no seu trabalho... Ainda precisava de resolver como conseguiriam cobrir tantas vagas, mas enfim. Teria de esperar pela tarde para isso acontecer. De qualquer das formas, andava a passos lentos e não abria a vista nem por um segundo, desde que a fala do mais baixo tinha terminado, sempre com as mãos nos bolsos e numa pose mais relaxada que o normal.

" - Sim, Deku... Eu estou bem. Só cansado". 

Izuku era inteligente. Sabia que era isso principalmente, todavia, precisava de haver um motivo válido para isso. Será que andavam a falar até muito tarde...? Não podia ser isso, ontem Katsuki foi dormir cedo. Será que a escola estava a exigir demasiado? Duvidava, já que o melhor amigo só estudava as matérias que gostava verdadeiramente. Algum problema em casa...? Essa opção fez o seu corpo tremer um pouco e morder o lábio, com medo. Será que o avô lhe tinha feito algo a ele ou à mãe barra irmã? Não podia perguntar diretamente; sabia que causaria uma discussão, como quase aconteceu na noite do seu aniversário.

Midoriya tinha de escolher bem as palavras.

" - Sabes que precisas de dormir mais, Kacchan!". - Encheu as bochechas de ar com raiva, um pouco corado e puxando mais o seu casaco delicadamente e com pontadas constantes e aumentando gradualmente. - "Aconteceu alguma coisa para não dormires?... Hoje vais descansar, não quero que fales até tarde comigo".

O loiro mordeu o lábio, tentando não gritar para ele se calar. Odiava, repito, odiava quando se preocupavam com ele. Repugnava, honestamente. Não precisava que se preocupassem com ele e adquirir este emprego foi a prova viva para isso. Iria conquistar lentamente o respeito que queria dos outros para si, como ele era capaz e sairia daquele buraco sem fundo onde se tinha enfiado de uma vez. Ajudaria o pai e mostraria ao de pele sardenta como ele era incrível e uma boa pessoa, como tanto dizia...

...Por mais que soubesse que nunca seria capaz.

Estava frustrado e o contrair do seu maxilar revelou isso. Não queria ser questionado. Não queria receber mais conselhos para dormir, porque ele não tinha mais tempo para tal. Então, calem a merda da boca e deixem-no em paz!!

" - Como queiras". - Grunhiu, recebendo um olhar um pouco surpreso da outra parte, já que não esperava que ele fosse aceitar tão facilmente. - "Mas eu estou bem. É só estupidez essa preocupação".

Izuku sentiu uma pequena pontada no seu peito, muito leve, mas o suficiente para estagnar rapidamente os seus passos. Não... Não era uma estupidez. Ele só estava preocupado... Adorava o Katsuki e não queria que ele ficasse mal, nunca na vida. Queria-o bem e por isso é que perguntava o que se passava, se andava a dormir bem ou se precisava de ajuda; mesmo sabendo das respostas negativas a todas essas afirmações. Sentiu-se um pouco ofendido, cerrando bruscamente as sobrancelhas para baixo e sem largar o seu casaco, obrigando-o a parar de andar, por ser impedido daquela maneira.

" - N-Não é estupidez!!... Kacchan, estou preocupado contigo!". - Argumentou, sério e com um tom de voz mais severo; e isso era muito raro, vindo de Midoriya. Bakugou rangeu os dentes e contava até dez para não explodir. Andava tão extremo, tão irrequieto que iria gritar com ele se não tentasse manter a calma. Não se podia censurar, já que a sua instabilidade sentimental piorara brutalmente desde que percebera que não conseguia ler sentimentos e o stress adicional do café. - "Sabes que eu te posso ajudar... Tens dificuldades em dormir? Existe algum motivo para isso ou só insónias...? Ah, eu sei de um medicamento bom que te pode ajudar!". - Sorriu de orelha a orelha, num pulinho baixo, como se tivesse uma ideia genial. - "É só pedir à minha mãe e--".

" - Cala a merda da boca!!".

O grito contra a sua cara fez todos os músculos do rosto do de cabelos verdes se assustarem, em pânico, largando-o imediatamente e encolhendo-se, dando um passo para trás. Nenhum ousou abrir a boca, mesmo que Bakugou mantivesse a respiração ofegante do grito e dando-se conta lentamente pelo olhar de pavor do mais novo, o que tinha acabado de fazer. Os olhos trémulos do rapaz, a maneira como ele parecia ter voltado à estaca zero na sua evolução de personalidade estava ali, arregalando lentamente os seus olhos avermelhados. Não... Não, não, não. O que caralhos tinha acabado de fazer?! Ele acabara mesmo de fazer isto...?

Katsuki não conseguiu articular uma palavra. Não mexia o corpo. 

Ele era assim tão inútil ao ponto de ser um incapaz tão grande, ao ponto de ser ele o principal motivo para a regressão lenta de Midoriya, enquanto tentava ser gradualmente a pessoa que ele tanto queria ser, em termos de personalidade...?

Endireitou lentamente a postura, ficando de costas para ele. Izuku subiu os olhos, sentindo vontade de chorar de tanta coisa, querendo gritar a alto e bom som para a rua toda o seu interior, a sua confusão, o seu estômago embrulhado em rancor e raiva e ódio e tudo o que ele sentia. Sentia que ia explodir, que os seus olhos ardiam e queria socá-lo com toda a força, mesmo sabendo que nunca seria capaz, por não querer nem poder. Do outro lado, uma mente em vazio, cada vez mais solitária, cada vez mais simples.

Lentamente, o drenado de vontade de viver enchia-se com uma dor constante, e o dolorido era drenado.

" - Eu... Eu estou bem".

O mais baixo assentiu lentamente e não trocaram uma única palavra nunca mais naqueles tempos, enquanto se encontravam para irem para a escola.

[...]

" - Uhm... Olá?". - Murmurou muito baixinho quase inaudivelmente Izuku contra o seu telemóvel, na orelha direita. Estava deitado na cama, numa posição de estrela do mar, enquanto juntava os lábios e fazia um ligeiro bico com eles. Silêncio do outro lado. Suspirou pesadamente, já sem paciência. - "Kacchan, tu sequer estás aí?".

" - A-Ah! Sim, estou... Continua". - Respondeu, com a voz sonolenta inicialmente, como se tivesse acabado de acordar. O de olhos esverdeados fechou-os, suspirando de maneira derrotada.

" - São seis da tarde. Estás assim tão cansado...?". - Perguntava, metade num tom de preocupação, metade num tom frustrado. Se o Katsuki estava cansado, então, deveria ir dormir para falarem melhor mais tarde. Não gostava de ser ignorado daquela maneira, nem de ser o principal motivo para ele não descansar.

" - Nada disso, é que eu... Ah... Me distraí um pouco". - Respondeu o fim também num tom de voz baixo, sentado na secretária do quarto a um canto, enquanto escrevenhava os trabalhos de física, que combinara fazer com Kaminari. - "Continua. Estou-te a ouvir".

Mais uma vez, Midoriya suspirou cada vez mais irritado.

" - Tu nem me estavas a ouvir. Eu estava a perguntar-te quando é que, bem... V-Vamos voltar às aulas, sabes?".

Silêncio. Não soube quantos segundos foram, porque demorou tanto tempo pela resposta que até teve de desencostar o telemóvel da orelha, para perceber se a chamada tinha caído ou não. Mordeu o lábio, tentando acalmar os nervos do seu peito. Do outro lado, Bakugou, subira muito as sobrancelhas, surpreso. Nunca mais tinha mencionado aquela promessa desde que se... Se beijaram e... E era ainda mais constrangedor do que na mente imaginada dos dois; por sorte, não estavam frente a frente para ver o ruborizar nervoso do rosto inquieto do de cabelos verdes, ou da maneira como o pomo de Adão do mais velho se mexia constantemente.

" - A-Ah.. Sobre isso". - Pousou rapidamente a lapiseira por entre os dedos, levando a mão direita à sua nuca, sorrindo como um idiota; como se Izuku o pudesse ver. Sentiu-se um pouco ridículo mais tarde, quando refletiu a ação durante a conversa, todavia, nem se dera conta que girava o corpo, para ficar de costas para a mesa e de frente para o restante do quarto, deitando-se um pouco sobre as costas da cadeira, talvez para se concentrar mais nas palavras, já que física era tão bom que lhe tirava toda a atenção. - "Bem, ainda não conquistaste o Todoroki. Então, assim que der, eu vou voltar a dar-te aulas. Sabes que eu nunca quebro promessas... Mas então? Alguma novidade de algum suposto beijo entre vocês?".

Não soube se foi para sua alegria ou frustração ainda maior, mas o respirar fundo desiludido de Midoriya foi a melhor resposta que pode obter, no momento, enquanto fazia figas discretas atrás das costas, num ato de boa sorte a seu favor e à espera de uma resposta negativa que, quando aconteceu, tentou abafar um grito alto nos lábios de felicidade ou o sorriso idiota estampado no rosto. Ele estava a ser ridículo. Katsuki sabia disso.

E por isso mesmo é que mandou o bom senso à merda.

" - Nada". - O mais baixo pode jurar ouvir um murmurar animado do outro lado, coisa que estranhou e olhou com as sobrancelhas fletidas para baixo para o telemóvel, de lado. - "De qualquer das maneiras... Domingo estás livre? Queria passar um bocado de tempo contigo".

Katsuki ia abrir a boca para aceitar, com o peito cheio de ar e decidido a organizar numa questão de segundos uma desculpa para ficarem ao máximo juntos, até dar um forte facepalm na sua testa, grunhindo baixinho em descontentamento.

" - Preciso de ir à porra de um almoço de família. Não vai dar mesmo, o meu avô mata-me se eu faltar ou combinar alguma coisa nesse dia...". - Suspirou pesadamente, deslizando os ombros para baixo, tal e qual ao mesmo tempo que o melhor amigo, acompanhando o seu olhar fechado de irritação consigo mesmos, quase como se fosse combinado.

" - Então... Sábado?".

Precisava de ir a um armazém para carregar uns itens para o café, para ajudar o Mirio.

" - A minha mãe já tem planos para estar com o meu pai". - Desculpou-se rapidamente, arranjando a melhor desculpa que pode, na altura. Mordeu o lábio. Odiava mentir e mesmo assim, continuava a fazer, num ciclo vicioso sem fim, sem saber por onde começar para terminar aquela bola de neve enorme, que se formava a cada fala. Quanto mais mentia, mais difícil parecia contar toda a verdade... E quando tentava contar a verdade, mentia mais uma vez. Odiava mentiras. Repugnava quem mentia.

Talvez fosse por isso que se desprezava assim tanto.

" - Sexta?".

" - Ajudar nas coisas cá em casa". - Mentira. Ia trabalhar.

" - ...Quinta...?". - A voz de Midoriya estava cada vez mais baixa e falha, sentindo-a cada vez com menos esperança, quase que do outro lado da linha.

" - Preciso de ajudar a Toga com umas coisas, sobre o casamento dela, que me pediu". - Mentiroso.

" - ...Quarta?".

" - Vou comprar a puta da minha gravata que falta, para o meu terno". - Apertou mais a lapiseira entre os seus dedos, nem se apercebendo como ela tinha voltado a ficar ali, na sua mão. Katsuki era um mentiroso de merda. Porra.

" - P-Próxima segunda?". - Izuku não tinha mais esperança que ele fosse aceitar, percebera perfeitamente o recado de 'não ia dar nos próximos tempos' como acontecia constantemente; mesmo assim, chamem-lhe de masoquista, chamem-lhe de desesperado ou otimista... Ele queria muito uma resposta positiva. Só uma. Só isso bastava. Apenas uma... Não importava o dia ou hora ou programa. Só queria um sim.

A merda de um sim.

" - Assuntos com o meu pai de novo". - Desprezível de merda.

" - E o resto da semana... Tu por acaso tens algum dia livre?". - O tom de voz do rapaz mudava lentamente para um frustrado. Bakugou engoliu em seco e respirou pesadamente.

" - Eu... Eu ando mesmo sem tempo nenhum, não é?". - Deu uma risada anasalada, tentando pensar numa piada. Não conseguiu, o momento era deprimente e estava estragado, de qualquer das maneiras. Nenhuma resposta. - "Eu prometo-te, Deku, quando der, eu juro que vamos voltar a sair juntos. Tudo bem?".

Midoriya só suspirou com força contra o microfone.

Katsuki não era o único que sabia que ele próprio era um mentiroso de merda.

" - Certo... Assim espero".

[...]

"Kacchan!!".

Midoriya sorria de maneira idiota, idiotamente feliz, com os lábios rasgados de orelha a orelha, enquanto rolava pela cama e brincava com os pés um contra o outro. Tinha essa mania, como já fora mencionado, quando ficava feliz, envergonhado, nervoso, constrangido ou ansioso.

Talvez fosse uma mistura de todas as sensações na sua barriga, ao som da linda valsa, que eram os batimentos cardíacos.

Respirou fundo e parou de se mexer de um lado para o outro num rolinho, embrulhado em lençóis e mantas felpudas. Fechou calmamente os olhos verdes e pensou para si mesmo, tentando acalmar-se.

Não. Calma. Está tudo bem. É só... É só o Kacchan.

Sentia-se tão estranho ultimamente. Um sentimento tão bom, tão vivo, que fazia cócegas no seu peito e o fazia rir de maneira descontrolada e cada vez mais satisfatória ao lado de Katsuki, numa evolução gradual, que tendia a aumentar esses efeitos positivos. Era complicado, na verdade. Queria estar sempre com ele e ainda mais do que já estavam, fosse a jogar, fosse a comer gelados ou a chateá-lo nas aulas. Obviamente que odiava ser os centros das atenções... Mas com Bakugou, era tudo tão diferente, tão sentido dentro do seu pequeno corpo. A animação diária era visível a olho nu para quem quisesse encarar, no quanto os dois se animavam a ir para a escola, ao se encontrarem a meio do caminho; quando diziam que não podiam sair e iriam para casa um do outro e Jirou, por ser a menos lerda do grupo, começava a entender lentamente que os olhares do loiro para o melhor amigo não pareciam ser de apenas amizade; até mesmo um simples programa durante os intervalos, como fugir de tudo e todos juntos, para se refugiarem numa sala de aula os dois apenas a rir e conversar, mesmo que fosse raro, parecia que tinham acabado de receber o mundo por entre os seus dedos; ou até mesmo nos castigos. Shoto não era burro e conseguia compreender as suas aproximações delicadamente calculadas pelos dois, afim de se abordarem. 

No meio dos seus pensamentos e reflexões de sentimentos, sentiu o seu telemóvel vibrar-lhe por entre os dedos, resultando num olhar arregalado instantaneamente e numa tela aberta, mais precisamente, no seu chatroom com o mais velho. Não tardou muito até deslizar os olhos rapidamente à resposta, enquanto engolia em seco.

"Ooooh, o Deku não consegue dormir e precisa da minha companhia? É isso?".

Revirou os olhos, enquanto colocava a língua ligeiramente para fora, com os olhos semicerrados e as sobrancelhas arqueadas para baixo.

" - Parvo...". - Murmurou, tentando esconder o seu sorriso involuntário, enquanto escrevia rapidamente a resposta, com o aparelho contra os seus polegares. Não tardou muito a enviar, afinal, Izuku nunca relia as respostas e, muitas vezes, o corretor ortográfico não estava ao seu lado.

"Cala a boca. Só queria falar contigo durante a noite, não fazemos isso há uns dias".

Era normal às vezes terem de fazer uma pequena pausa durante as suas conversas, para repor o sono ou quando não aguentavam mais. No entanto, nunca durava mais de três dias e, mesmo sendo só o segundo, Midoriya não aguentava mais e precisava dele ali, de volta, a falar consigo durante a noite fora, entre piadas idiotas, trocando imagens engraçadas um do outro ou até mesmo provocações.

"Desculpa, Deku, mas amanhã tenho de acordar cedo e vou passar o dia todo fora de casa. Preciso mesmo de dormir, eu ando morto de sono. Podemos falar depois?".

...

Ah?

O de cabelos verdes julgou ter lido mal. Na verdade... Na verdade Katsuki nunca negara falar com ele. Nem uma vez. Mesmo que fosse dormir cedo, ficava sempre no mínimo uns quinze, dez minutos com ele, o tempo de escovar os dentes e se deitar... E só isso bastava. Honestamente, o de pele sardenta nem tinha forças para falar durante muito tempo e só queria ganhar sono, ao seu lado e receber algumas frases habituais, por estar completamente na sua rotina adormecer com o telemóvel entre as mãos.

Piscou os olhos múltiplas vezes, sentindo a boca seca e o peito lentamente se amolecer, enquanto descaía os ombros para baixo. Rapidamente, a animação no seu rosto foi evaporada por um pensativo e inundado em desilusão, parando rapidamente com os movimentos dos pés.

Não, ele entendia perfeitamente que Bakugou precisasse de descansar e jamais seria egoísta ao ponto de insistir. Sabia que ele andava cansado e, por mais que lhe machucasse um pouco, amanhã já estava tudo bem novamente e o seu bem estar era superior aos seus sentimentos.

Então... Porque havia aquela sensação, aquela parede invisível, que parecia afastá-los dessa maneira? Porque raios o melhor amigo andava a evitá-lo cada vez mais? Izuku não tinha feito nada de mal. Nadinha. Aquela maldita parede é que sim!... Parecia que Katsuki estava cada vez menos com ele, distante e a cada dia, parecia piorar. Já havia dias que não iam juntos para a escola ou para casa, por mal se encontrarem; mesmo assim, era a primeira vez que não iriam falar durante a noite, porque o loiro tinha recusado.

"Oh, tudo bem! Desculpa se te incomod--".

Não. Isso faria parecê-lo uma vítima ao pé do de pele mais bronzeada e fê-lo torcer o nariz, apagando a última palavra. Não queria fazer com que o seu melhor amigo se sentisse mal, muito pelo contrário, tendo o cuidado de reescrever a frase... Odiava fazer-se de pobre coitado, então, fingiu não ficar afetado.

"Oh, tudo bem! Desculpa se te acordei, Kacchan! Dorme bem".

Prontinho. Enviado.

Respirou fundo mais uma vez. E outra. Perdeu a conta de quantas vezes fez isso. Izuku também precisava de dormir e isso valeu-lhe um pouco de felicidade, afinal, poderia finalmente repor o sono em dia, assim que Katsuki respondesse. Nunca dormiam sem dar boa noite um ao outro! Nem uma única vez!!... Ele sabia que o melhor amigo lhe iria dar! Não importava se estava a morrer.

...

Kacchan não respondeu.

[...]

"Kacchan, nota-me senpai".

O mais velho grunhiu, um pouco irritado por se assustar, ao ser atingido por um avião de papel contra os cabelos, ficando lá preso. Tentou ignorar a risada brincalhona de Izuku, abrindo o pedaço dobrado e vendo o conteúdo do papel dobrado, arqueando uma pouco os olhos e esboçando um sorriso mísero de canto. Fechou os olhos, morto de sono e mal sentindo força ou motivação para escrever. Mesmo assim, pelo melhor amigo, ele teria toda a paciência e carinho do mundo que podia sentir, no momento... Ou assim tentava.

"O que foi, Deku?".

Voltou a dobrar a resposta, atirando sem o observar e por cima do ombro, o pequenino avião. Midoriya sorriu, desdobrando e lendo a pergunta, para rapidamente escrever a resposta a letra meia torta pela velocidade, sem nem ter a capacidade para reler, já que ficara demasiado ansioso. Então, amachucou o pedaço da folha rasgada com cuidado do seu caderno e enfiou dentro da camisa social do mais alto, dentro da gola e nas gostas, recebendo um dedo do meio erguido e um rosto irritado, como retribuição do ato.

"Vamos comer um gelado, depois das aulas? Eu pago!... Fiquei de pagar da última vez, lembras-te? Podemos ir até à praia!".

Mordeu o lábio. Na verdade, Bakugou queria ir. Queria muito. Sentia uma falta absurda do melhor amigo e precisava de um tempo, de um dia de folga, para conseguir descansar a cabeça com diversão... O problema é que, todos os dias livres, ele aproveitava para dormir, já que ficava esgotado de dias constantes entre a escola, hospital constantemente e ainda ir trabalhar às escondidas de tudo e todos. Infelizmente e com o coração pequenino, teve de escrever uma resposta, partindo-lhe o peito em centenas de pedaços, ao perceber que os pés agitados do de cabelos verdes iriam ficar parados, bem como o seu sorriso e animação nos olhos ligeiramente engelhados pelo rasgar feliz dos lábios.

"Ah, desculpa.... Não vai dar. Tenho de ir fazer as compras lá para casa e ainda resolver uns assuntos".

Katsuki era um mentiroso do caralho.

No entanto, estamos a falar do adolescente mais otimista masculino da sala de aula. Podia ter petrificado o corpo por três segundos, mas não era de desistir facilmente. Vestiu um olhar decidido e rosto sério, como quando enfrentava os final Bosses dos seus jogos mais difíceis, ao som da guitarra, com a música You Say Run - uma apenas instrumental, que ele e o melhor amigo ouviam sempre quando precisavam de fazer alguma coisa que lhes parecia impossível, elevando ao máximo o seu Plus Ultra.

Bakugou parecia cada vez mais um Final Boss - Um daqueles mesmo difíceis, cheio de ataques especiais, surpresas e principalmente, uma defesa incrível, para chegar ao seu coração. Podia sentir já a arma entre os dedos, como num jogo sobre algum apocalipse, tendo de derrotar com todo o equipamento que lhe sobrara da jornada, aquele adolescente indefeso, de dezasseis anos. Era incrível como aquele loiro, tão convencido e tão inseguro ao mesmo tempo, conseguia criar alguma muralha invisível que os afastava cada vez mais. Ah, mas Izuku não era de desistir. Ele nunca o faria. Precisava de chegar até ele, que as suas palavras lhe entrassem no coração e percebesse, de uma vez, que lhe podia confiar o mundo; mesmo que andassem mais afastados.

"Mas e daí? Eu posso ir contigo. Até vai ser mais rápido e no caminho para lá, podemos aproveitar e comer! Depois, passamos só pela praia. O que me dizes?".

Respirou fundo. Já era difícil negar, quanto mais com o rapaz a insistir. Teimoso. Eram dois teimoso.

Contudo, um queria sê-lo atualmente e o outro precisava.

"Deku, eu realmente não posso. Tenho mesmo de fazer umas coisas urgentes".

Voltou a dar-lhe o papel, desta vez, apenas dobrado e virando-se para trás, pousando-o no caderno do rapaz, sem o conseguir olhar nos olhos. Sabia que não teria como negar se o fizesse; apesar de tudo Katsuki conhecia perfeitamente os seus limites e pontos fracos.

E aqueles olhos verdes eram um deles.

"Mas eu posso fazer contigo".

Mordeu o lábio e perdeu a conta de já quantas vezes crava as unhas na caneta. Nunca poderia contar a Izuku que trabalhava. Para começar, conhecendo-o bem, ia seguir o seu exemplo para o ajudar, na carga horária e questões económicas. Depois, ia ter uma preocupação excessiva sobre si, mais do que já tinha. E, por fim, por mais que guardasse segredo, ele acabaria por sem querer se desmanchar à frente de um dos amigos e, mais tarde, a mãe saberia.

Se Bakugou entrou neste assunto tão aprofundadamente, é porque ele sabe as consequências positivas e negativas. Ele não quer ser mais um fardo para toda a gente. Katsuki só quer ser útil - ajudar nas contas do pai para que toda a gente possa ser livre e feliz, longe daquele homem miserável, que habita debaixo do mesmo teto que ele. Não seria justo se o rapaz preocupasse ainda mais o melhor amigo, fora que voltaria à estaca zero, porque sabia perfeitamente que o de cabelos verdes nunca o deixaria acartar com o emprego do café completamente sozinho. Mas, desta vez... Só desta vez, ele queria tentar. Só mais uma. 

Ele só queria ser útil, uma vez na vida.

Ele só não queria ser, mais uma vez, o rapaz que parece precisar de ajuda e de ser o centro das atenções, sem capacidade para ajudar ninguém.

Se ele também sofre, os outros também; e o de olhos vermelhos recusava-se completamente a lhe fazerem a vida toda, sem nenhuma dificuldade.

"Não, não podes. São assuntos familiares, não vai dar mesmo. Desculpa".

Assim que passou o papel, surpreendeu-se com o toque de saída e do terminar permanente das aulas, naquele dia. Nem percebera como o tempo passara rápido e até esqueceu-se de sair por um tempo, já que ficou perdido no sorriso concentrado de Izuku a escrever com força sobre o papel, numa letra mais cuidada, com a língua ligeiramente para fora. Rasgou os lábios de maneira carinhosa, sentindo o peito encher-se de ternura. Achava-o tão delicado e fofo, da maneira como ele nunca desistia de nada. Era incrível. Admitia que sentia um pouco de vontade de ser assim também.

No entanto, se ele continuasse naquilo, iria ceder-lhe. Aquele rapaz, tão baixo, de sardas e com uma voz animada, era o seu ponto fraco; o mais doloroso e penoso, vale ressaltar.

"Certo, então eu não vou... Mas antes, vais ter de ir comigo até à baixa da cidade para irmos comer algo!! Olha, eu até reservei a maior caixa para nós de gelado e como eu já paguei, não podes negar! Está lá à nossa espera!... E também comprei uma latinha do teu energético favorito, está na minha mala; eu sei que amas beber energético com gelado. O que me dizes, hãn?".

Os dedos do mais novo tremeram-lhe, sentindo a garganta formigar, enquanto engolia em seco. Uma transpiração fria percorreu todo o seu corpo e jurou que sentiu o estômago se embrulhar, julgando que ia vomitar; o coração estava muito rápido, enquanto suspirava várias vezes, na esperança de ganhar coragem ou se concentrar.

Ele teria de fazer isso. Não podia ficar a vida toda agarrado à sua timidez. Era o Kacchan... Estava tudo bem. Ele nunca o trataria mal...

...Certo?

"E... E podíamos, se quisesses... Bem, sair um dia destes tipo, para ir jantar só os dois ou assim, tipo, algo mais formal... Mais, bem, tu sabes o que eu quero dizer, acho eu... De qualquer das formas, o que achas?".

Subiu os olhos, num sorriso de orelha a orelha, com o papel dobrado entre os seus dedos, orgulhoso pelo que tinha escrito; mas corado, extremamente corado. O peito estava cheio de ar e levantou-se bruscamente, com as sobrancelhas para baixo. Estava decidido. Precisava de fazê-lo; ia fazê-lo e...

...

Katsuki tinha ido embora.

Sem ele.

...

Midoriya comeu o gelado sozinho, naquela bancada de pedra, enquanto sentia pequenas lágrimas a saírem-lhe dos olhos e sentia o ar gelado da praia tirar o sabor todo do gelado, que custara a sua mesada.

[...]

" - Arg, Deku!!". - Grunhiu, enquanto contraía o maxilar e expunha todos os seus dentes cerrados, num rosnar constante. Por momentos, largou o pano molhado sobre a sua secretária, enquanto cruzava os braços e girava o corpo, na direção do rapaz mencionado. Este, coitado, só se limitou a suspirar, enquanto limpava o pó das mesas dos alunos da turma 1-A, na fileira verticalmente oposta. - "Eu tenho coisas a fazer!".

" - Kacchan, acalma-te de uma vez. Estás mais stressado que nos outros dias". - Revirou os olhos, lançando um sorriso irónico que pousou nele, enquanto estagnava a vista no melhor amigo, ainda mais irritado pela frase.

" - Eu tenho coisas para fazer, sabias...?!". - Reclamou alto, enquanto estalava a língua no céu da boca e vincava mais a sua posição de braços contra o peito, batendo com o pé direito de maneira insistente e sistemática no chão, como se estivesse à espera. - "E o puto do Todoroki, decidiu faltar do nada e ainda teve o castigo perdoado só pelo dia de hoje!!".

" - E por culpa e de quem?". - Cantarolou de cabelos verdes, dando uma risada tímida e um pouco com as bochechas coradas. Depois, voltou a abrir os olhos redondos na direção do melhor amigo, com um sorriso ligeiro e esticado. - "Ninguém te mandou faltar na quarta-feira, do nada. Agora, o Aizawa perdoou um dia de castigo a cada um... O que me parece bastante promissor, faltar um dia para jogar, enquanto vocês fazem o meu trabalho, escravos".

Bakugou arqueou uma sobrancelha, quase como se estivesse a receber um desafio, num rosto que transparecia a calma e parando imediatamente de bater com o sapato constante no chão. Midoriya parou de limpar por uns segundos mais algumas secretárias, já que ia avançando de mesa em mesa enquanto falava, arregalando ligeiramente o olhar, em direção à sua frente.

" - É... Tens razão. Se eu faltar, é mais provável vocês se matarem do que limparem alguma coisa".

" - Ah, foda-se. Vamos acabar de uma vez por todas que eu quero é ir para casa". - Pegou bruscamente na vassoura que estava apoiada contra a janela aberta, num suspiro pesado e abandonando o pano azulado molhado em cima da sua própria mesa, por ter sido a última a passar pela humidade, afim de retirar vestígios de tinta de caneta.

" - Então, isso significa que temos uma tarde de jogos digna de sexta-feira? E que tal, sei lá, dormires em minha casa ou eu na tua? O teu avô está lá hoje?". - Sugeriu, animado como sempre, com o peito cheio e muito alegra. Izuku era assim. Olhava de maneira entusiasmada para Katsuki, como sempre quando sugeria algo do tipo. De facto, não saíam há semanas, então, talvez fosse esse o motivo de tanta agitação e vontade enorme de o rever, entre jogos e piadas.

O seu coração estava tão feliz e rápido, acabando por brincar um pouco mais entre os dedos com o pedaço de tecido pelas mãos, enquanto mordia o lábio e já traçava os planos mentais de competições que tinham, normalmente, sexta-feira sim, sexta-feira não. No fundo, o mais baixo sentia tantas saudades de estar com o melhor amigo que, uma oportunidade dessas, era como se fosse a grande sorte, na loteria.

No entanto, apenas uma frase, com um tom de voz distante e monótono, tedioso, como se estivesse sem qualquer interesse no que ele dizia, concentrado enquanto varria os vestígios de lápis afiados, por debaixo das suas secretárias e, seguidamente, da dos amigos e colegas.

" - Não. Eu já te disse, tenho coisas para fazer, Deku. Depois a gente sai, tá?".

O ombros de Midoriya descaíram lentamente, numa completa desilusão que lhe inundou o peito e absorveu toda a felicidade. O seu sorriso morreu lentamente, enquanto piscava os olhos apenas uma vez, num suspiro que acabou por morrer a meio, na garganta. 

Sempre a mesma desculpa.

Bakugou dava a mesma desculpa constantemente há semanas; tantas que perdeu a conta.

Deslizou lentamente o olhar, encarando o chão e os seus sapatos vermelhos chamativos. Na verdade, Izuku sentia-se quase como um masoquista - insistia todos os dias, ou quase todos, na mesma coisa, com esperanças enormes no peito para, depois, sentir uma dor bastante profunda no abdómen e ter vontade de ficar sozinho. Até mesmo a sua mãe, Inko, já tinha perguntado se a amizade deles estava bem, por estranhar a falta de alguns palavrões gritados durante as tardes, na sua casa.

" - C... Certo". - Limitou-se a forçar um sorriso, enquanto largava o que limpava com as mãos e tomava a esfregona ao seu lado, segurando-a com tanta força, até os nós dos dedos ficarem brancos. - "Depois... Depois a gente marca, então".

Silêncio. Katsuki parecia tão aéreo nos pensamentos que nem se dera conta na resposta do melhor amigo, assentindo levemente, no modo automático. Os seus pensamentos estavam tomados pela preocupação de chegar tarde ao trabalho, afinal, ele nunca se atrasava e Mirio podia ligar a qualquer altura, sendo questionado pelo Sir Nighteye se realmente pretendia lá ficar. Sabia que o homem era extremamente perfeccionista e pontual, não podia falhar nem uma vez; pelo menos, inicialmente.

Izuku suspirou. Sentia os olhos doerem porque, apesar de tudo, ainda não tinha falado sobre o assunto nem chorado. Não, ele não choraria por isso... Era um motivo tão idiota!! Quem raios choraria por sentir a falta da única felicidade e porto seguro lá em casa, nas noites de sexta-feira? Quem... Quem raios ficaria triste, só por Bakugou ter outro passatempo ou simplesmente não quisesse lá mais entrar, por um tempo?

Midoriya tentava acalmar os seus pensamentos, enquanto esfregava o chão e apertava cada vez com mais força o objeto contra as suas mãos, mordendo o lábio. Ele era forte. Ele tinha-se tornado forte. Ele não deixaria coisas desse género o abalarem de dor, muito menos com uma tristeza profunda na mente. Ele só... Só não tinha mais tempo. Não era como se o mais alto tivesse perdido o interesse nele e arranjado algo ou alguém mais interessante. Nada disso.

"Depois a gente combina".

Sentia as lágrimas nos cantos dos olhos, tendo vontade de gritar. Queria fugir dali e não queria voltar para casa, de maneira nenhuma. Sentia o seu corpo doer cada vez mais de cansaço por mal dormir bem sem as conversas habituais, a mente parecia não aguentar nem mais um segundo e só queria abraçar alguém, queria explicar-se, queria justificar-se do porquê de estar assim, destruído, inútil, a sentir uma dor constante. A cada momento que passava e olhava para as costas de Katsuki, começava a perceber que ele estava cada vez mais longe, incansável. 

Mesmo depois de lhe prometer, as coisas pareciam melhorar ao início... Ou pelo menos, era o que achava, afinal, Izuku não tinha mais a certeza de absolutamente nada na sua vida. No entanto, desde... Desde não sabe bem dizer, voltou tudo ao zero ou até piorou. Parecia que tinham regredido no tempo e voltado aos primeiros dois meses infernais que se conheceram, com catorze anos, onde só Midoriya falava entre os dois e o mais velho não lhe dava qualquer resposta concreta, não era direto, simplesmente nem eram amigos. 

"Nah, eu hoje não posso, não vai dar".

Não falavam por telemóvel, de noite, há tantos dias que também perdera a conta. Talvez uma semana, quem sabe. O chatroom do Kacchan parou de estar sempre em primeiro e nos favoritos, devido ao constante falatório entre os dois, que agora já não existia.

"Desculpa, Deku, hoje não me apetece".

Desculpas diretas ou esfarrapadas. Não sabia se queria que ele estivesse a mentir ou a dizer a verdade, quando expunha o porquê de não se encontrarem. Não sabia se preferia que, realmente, Bakugou não quisesse se encontrar com ele e realmente fosse para casa, ou se ele mentia e ia fazer outra coisa.

Deku sentia tanto a sua falta.

"Sentir a tua falta? Como assim? Estamos juntos todos os dias. Óbvio que não sinto".

Ele só queria que Katsuki se sentisse assim também.

" - Como é que tu não percebes...?". - Murmurou, com voz trémula, fraca, débil, pegajosa, mole, todos os sentimentos pregados com força, naquelas palavras tão simples e de tanto impacto. Honestamente, julgara que o loiro nem escutara pelos seus desvaneios mentais e de andar tão distraído ou sem interesse nele, ultimamente. Izuku não queria que ele fosse sempre atrás dele, que o aceitasse a toda a hora; não era isso.

Ele só queria o seu melhor amigo de volta.

" - Tu andas tão diferente, Kacchan. Porque...? Eu fiz alguma coisa?". - Sussurrou, dando um passo para a frente e erguendo o cabo da esfregona de madeira contra o peito, tremendo ligeiramente como as suas mãos, devido aos nervos e força que lá estavam depositados. Sentia as bochechas um pouquinho quentes e o nariz formigar, a vista ficar embaciada. Os ombros descaídos e que, mesmo assim, num ato esperançoso, se levantaram ligeiramente para continuar a falar. Ele queria saber. Queria muito saber. Queria saber se tinha errado em algo para se poder redimir ou se ele precisava de ajuda. Izuku queria ajudá-lo.- "Conta-me, por favor. Eu não te quero perder... E-Eu não quero mais dor à minha volta. Eu estou cansado e eu só queria poder voltar a falar contigo. Eu... Eu precisava...".

Do que raios Midoriya precisava?

Essa era uma questão que nem mesmo ele obtinha resposta. Ela uma pergunta tão banal, tão sem sentido e com tanto sentido ao mesmo tempo, capaz de ser o momento mais importante da sua semana ou mês. Apesar de tudo, o de cabelos verdes era tão tímido e isso arrasava-o por dentro. Queria poder desabafar em alto e bom som, queria abraçá-lo de novo e dizer que estava tudo bem, para os dois. Sabia igualmente que Katsuki estava a passar por momentos difícieis, obviamente. 

Mas... Mas ele também os passava. E muito. Bakugou parecia que não via o seu sofrimento; não o censurava, ele também não tinha visto o dele. Então, era por isso mesmo que precisava de lhe dizer que não estava bem e que precisava de si. Se o mais alto não ia manter a promessa, Izuku manteria pelos dois. Mostraria como confiava nele, como queria expor a situação entre os dois e tentar perceber o que estava errado e conversarem. Ele não atiraria a melhor amizade da sua vida inteira, do passado ao futuro, pura e simplesmente por um mal entendido. Não. Eles precisavam de conversar e perceber o que estava mal.

Era disso que Midoriya precisava. 

E de ser ajudado.

" - ...De alguém para desabafar sobre umas coisas. Só isso...". - Murmurou com a voz falha, inclinando-se ligeiramente para a frente, quase em lágrimas, devido à dor do peito que sentia, cada vez mais forte e feroz, corroendo-lhe todos os órgãos por dentro lentamente; e isso o levaria à loucura, se ele não dissesse aquelas palavras de uma vez. - "E-Então... Podemos conversar, para eu te voltar a ter, Kacch--".

Do nada, as costas curvadas do de olhos vermelhos, concentrado a limpar o chão virado para as janelas, endireitaram-se muito, fazendo Izuku arregalar os olhos e sorrir ligeiramente. Ficou tudo tão claro, tão nítido e calmo, numa paz incompreensível à mente humana ou palavras escritas por uma adolescente. Foi como se o mais novo tivesse encontrado algo que nunca tinha experimentado, muito melhor que todos os seus sabores de gelado juntos ou a sensação divina de ter vencido aquele tão temível Final Boss. Aquelas palavras recuperariam o seu amigo, com toda a certeza. Ele podia desabafar à vontade, por só poder confiar em Bakugou para tal; e o contrário também, ele sabia disso. É claro que só confiaria nele. Só nele.

Sabem, nesse momento, foi como se todo o peso fosse embora do seu corpo, sentindo-se leve, bem consigo mesmo, sendo capaz até de ter derramado uma lágrima, pronto para gritar o que se passava e o abraçar, pronto para deixar a esfregona de lado e correr para ele, afundando-se no seu peito, pronto para lhe dizer uma data de coisas na sua cara e dizendo-lhe mais umas que se passavam com os dois, pronto para lhe relembrar da promessa e dizer que estava ali para ele. Pronto para serem sincero um com o outro, voltar à rotina habitual que tanto sentia falta, do seu pilar emocional e diário, da sua verdadeira felicidade.

Pronto para dizer que estava tudo bem.

No entanto, o rosto do de pele mais bronzeada girou lentamente com apenas o troco do seu corpo a acompanhá-lo, olhando-o pelo canto do olho. O sorriso de Midoriya morreu numa batida falha do seu coração, ao perceber que não tinha um olhar nada carinhoso, nada protetor, nada de nada; era só um olhar vazio, sério, sem grandes sentimentos.

Foi aí que o Katsuki retirou lentamente o phone da orelha direita, olhando-o com toda a calma do mundo e dizendo.

" - Desculpa. Disseste alguma coisa?".

Interpretem isto como quiserem. Cada um pode interpretar da maneira que quer. Dava para eu escrever um livro só sobre esta cena e o quão marcante ela foi, em todo o psicológico e vida a partir daquele momento, de Izuku. Ele nunca mais seria o mesmo. O seu corpo parado, petrificado, pálido, sentindo as lágrimas se formarem sem controlo pelos olhos. A vontade desesperada de gritar e gritar e berrar e arranhar-se por todo o corpo, porque seria menos doloroso do que sentir aquele ácido das suas palavras lhe mergulharem lentamente contra a pele, entre soluços altos e sufocantes, entre o desespero que andava a viver diariamente pela vida. De que adiantava ainda tentar...? Para quê? Porquê? Por quem?

Podia significar tanta coisa. Podia significar a perda finalmente de Kacchan; a maneira como simbolizava ele estar completamente sozinho no mundo e só se ter a si e apenas a si para confiar, isolado do mundo e de todos, inundado na verdade nua e crua onde se auto-construiu; a forma como era simplesmente a sua reta final, o seu verdadeiro dead end, sem mais saída nem caminhos para fugir ou se esconder da dor no seu peito; a sua derrota sobre tudo e todos pelo qual lutava, sobre o que se andava a passar na sua vida; o seu momento onde ele finalmente compreendia que a esperança e fé eram inúteis.

Podia significar tanta coisa, e de facto significava. 

Não importava o quanto ele gritasse para o mundo, porque não o iriam escutar.

Nunca.

Essa foi a primeira grande lição que levou Midoriya a perder a esperança por completo à sua volta.

Essa foi a segunda grande cena marcante, que manchou a sua inocência.

Deu um soluço alto, que saiu completamente sem controlo algum da sua garganta. Bakugou arregalou os olhos, largando imediatamente o phone da mão direita e virando o corpo completamente, atirando a vassoura para um canto qualquer e dando um passo em frente, afim de correr imediatamente para o melhor amigo, ao perceber que alguma coisa não estava bem.

No entanto, ele só lhe disse uma coisa.

" - Não... Não venhas para perto de mim. Por favor".

O outro não sabia o que fazer e estava tão confuso, tão atrofiado nas suas escolhas, que não fazia ideia do que aquilo significava, paralisando por uns segundos. Do nada, Midoriya tinha começado a chorar, enquanto agarrava a camisa social branca na zona no seu peito e pedia para ele não te aproximar, contorcido para a frente, numa tentativa falha de tentar substituir a dor constante e vazia, grave, contra ele, numa falta de ar constante. Estava tão confuso e tão estranho ultimamente.... Os dois estavam, na verdade. Uma poça de sentimentos. Uma poça colorida. Uma poça de latas de tintas, simbolizando a maneira como os seus psicológicos estavam. Cada tinta, significava mil emoções nos seus estômagos. Cada tinta, significava a dor que sentiam e a cada diferença de tinta, era a diferença entre elas. Cada uma delas era a diferença das suas felicidades e tristezas, das suas memórias e gostos, desgostos, amores, sentimentos. Aquele lago confuso, atordoado, que parecia mais um mar numa noite terrível de tempestade com relâmpagos à mistura, fundindo todas aquelas cores alegres  chamativas num preto violento e azul escuro rancoroso. No entanto... A cada cor, a cada lata, era mais uma emoção, mais um motivo para viver e seguir em frente, para erguerem as cabeças e continuarem naquele trajeto que, com certeza, se lutassem, teria um bom final.

Mas, neste momento, nenhum deles estava colorido.

" - D-Deku, estás a sentir-te bem?!". - Ignorou o que ele disse, correndo entre as mesas rapidamente, para chegar ao rapaz que, outrora, estava na sua diagonal da frente, à direita. Aproximou-se rapidamente do seu corpo, vendo como ele soluçava cada vez mais e tremia, entrando em pânico. - "Calma, respira, Deku. Faz exatamente o que eu digo...". - Inclinou a mão para segurar o seu pulso direito, para que os seus olhos pudessem subir na direção dos vermelhos, nervosos e desesperados. - "O que estás a sent--".

Izuku limitou-se a puxar o seu braço para longe de Bakugou, largando-se imediatamente dele e, finalmente, focando a sua vista no choque do rosto do mais velho. Por uns segundos, a sua mente simplesmente estagnou e começou a tentar interligar as peças. Ao contrário do primeiro, o adolescente mais velho não era lerdo e conseguia começar a pensar no que o levara aquilo. 

De qualquer forma, não encontrou uma resposta viável o suficiente para tal.

" - Eu só queria... A porra da tua atenção por dois minutos...!". - Disse-lhe no meio de um grunhido misturado com um guincho, que refletia toda a sua dor no peito, que o sufocava até à exaustão. - "É pedir assim tanto...?!".

Então, um estalo percorreu a mente de Katsuki, enquanto começava a compreender e arregalava lentamente os olhos. Começou a sentir um peso cada vez mais estranho, doloroso, marcante, à medida que obtinha mais uma das tão questionadas respostas e à medida que a explorava mentalmente, tendo até de descer os ombros para acartar com ela.

Quantas vezes ele o tinha ignorado?

Quantas vezes ele tinha dito que não podia estar com ele?

Quantas vezes, literalmente, parecia que o tinha desprezado?

Quantas vezes ele sobrepôs outras coisas à frente de Izuku, que precisava de si para o que quer que fosse?

Quantas vezes ele o ignorou nos chatrooms, por precisar de ir dormir e ter energias para trabalhar?

Quantas vezes Katsuki tinha estrago tudo?

" - D... Deku, eu não--".

" - Arg, poupa-me das merdas das tuas desculpas!!". - Gritou-lhe com toda a voz que lhe restara e rosto de sobrancelhas cerradas e dentes à mostra, surpreendendo-se tanto com a atitude, o gesto e a forma como falara, no tom e nas palavras. Instintivamente, recuou um pouco o corpo, sem acreditar no que estava frente aos seus olhos. - "Eu não sou a porra de um brinquedo!! Eu não sou a merda de um encosto, que só serve para te ajudar!! Que pegas e brincas quando precisas; e quando não precisas, voltas a colocar na prateleira!!...". - Deu um soluço alto, tentando acalmar-se de maneira falha, descendo lentamente os olhos ao chão. O outro não se moveu, em choque perante a luvada de ar verdadeiro contra o rosto, estagnando na sua mente. O de cabelos verdes rebeldes levantou o rosto, fechando os olhos com força e voltando a berrar. - "Eu... Eu tenho sentimentos, sabias?! Eu também sinto dor, okay?!".

Midoriya arfava com força, sem conseguir controlar as lágrimas que deixavam os seus olhos. Ele tinha uma maneira de chorar incomum - acumulava uma água absurda nos olhos, enquanto as lágrimas caíam pouco a pouco. No entanto, isso só acontecia em momentos extremos.

Momentos extremos.

" - E-Eu sinto a tua falta!! Tudo o que eu precisava era de falar contigo, de ser sincero, d... De poder confiar supostamente na pessoa que eu mais prezo na m-minha vida!". - Voltou a berrar-lhe com força e num soluço final absurdamente alto que interrompera a penúltima palavra, fazendo o maxilar de Bakugou se contrair e começar a ficar de cabeça quente, esquecendo-se lentamente da sua barreira defensiva, de pensar antes de agir, de calcular milimetricamente os passos.

Aquela ideia.

Aquela ideia que martelava a cabeça lentamente de Midoriya, sabendo perfeitamente - ou achando que sabia -, o motivo constante daquele desprezar. Sabia melhor que ninguém e desconfiava da verdade; só havia aquele motivo. Tinha de ser... Não havia mais nada viável para o ignorar constante de Katsuki sobre si, o seu desprezo, o pouco interesse... Izuku fora sempre assim tão desinteressante? Era assim tão irritante querer só uma pessoa estável, na sua vida?! Era... Era pedir muito?

Aquele caroço enorme na sua garganta que não era engolido há dias, uma semana quase e precisava de o deitar para fora, para se livrar dele. Precisava de cerrar os punhos, morder o lábio e tentar acalmar-se de maneira falha, resultando num peito motivo ao calor humano ali acumulado e as lágrimas que desciam de maneira calma e suave pelas bochechas. Idiota. O rapaz era um idiota.

Então, precisava de terminar com aquela merda de confusão de uma vez. De por as cartas na mesa e lhe apresentar factos contra, para conseguir finalmente dormir de cabeça descansada e se esclarecer... Tinha de haver uma razão. Tinha... Tinha de haver uma...

Tinha de haver...

...

Midoriya perdeu a esperança, pela primeira vez, na sua vida.

E talvez a fé.

" - S... Se essa merda toda foi porque nos beijamos, então...".

Mordeu o lábio, momentos antes de gritar com força e rosto fechado, erguido para cima, o restante das palavras presas no seu corpo.

 "Eu preferia mil vezes que o meu primeiro beijo tivesse sido com o Todoroki!!".

Com toda a certeza do mundo, uma faca atirada contra o peito do mais alto, teria doído bem menos que aquela afirmação.

Honestamente, eu adoraria conseguir especificar o interior de Katsuki. Infelizmente, não dá para especificar algo que está completamente vazio e inundado em tristeza e desilusão, consigo e com todos, com a vida, com a maneira como as merdas continuavam a surgir do além para o atormentar. Isso apenas ajudara a agir como um 'click' dentro da sua mente, fazendo-o ranger os dentes e mandar aquela sua forma de pensar para a esquina mais próxima, começando a resolver as coisas à sua maneira. Estava cansado de agir como um calculista que odiava ser. Então, seria à sua maneira. E à maneira que os seus pensamentos e sentimentos, sincronizados na cabeça quente do rapaz, mandavam.

Não preciso de continuar para definir o começo da discussão colossal. 

" - Como se aquela merda tivesse significado alguma coisa para mim!!". - Gritou-lhe com todas as forças do seu peito, bem mais alto que Midoriya, puxando-o rapidamente pela gola da sua camisa e juntando muito os dois rostos enraivecidos. - "Caralho, aquela porra tanto foi uma merda, como isso não mudaria em nada, porque honestamente, foi a minha pior ideia de todos os tempos, que nem mudaria em porra nenhuma da minha vida!!".

Izuku semicerrou os olhos com o mais puro ódio refletido nas suas orbes esverdeadas, ignorando o pavor que sentia dentro de si, sabendo perfeitamente que seria provavelmente esmurrado.

" - A sério?! Não parecia, da maneira tão desesperada que me beijavas, Katsuki".

Bakugou contraiu ainda mais o maxilar, sentindo todos os seus músculos arderem numa raiva consumida pelo combustível da discussão a uma velocidade incrível, pronto para erguer o punho e lhe manchar o rosto a qualquer segundo, sem conseguir controlar a raiva constante que deslizava pelas suas veias, numa adrelina impossível de transcrever num só parágrafo.

" - Atreve-te só a chamar-me só mais uma vez por esse nome".

Por incrível que pareça, o tom de voz do mais novo vincou-se com mais seriedade, assim como o semicerrar da sua vista e os dedos afundados nos pulsos do loiro.

" - Ou então vais fazer o quê, Katsuki?!".

"-  Oh, caralho, não me chames assim!!". - O punho direito foi deslizado rapidamente para trás, a segundos de lançar um protesto de todo o seu rancor e força, contra o rosto de Izuku.

" - Ah, vais fazer o que?! Esmurrar-me?! Que criativo, Katsuki!! Tens por hábito magoar todas as pessoas que te tentam ajudar?!".

" - Vai te fuder!! Eu tentei, porra! Eu tentei um monte de merdas e eu não estou para ficar aqui a ouvir-te dizer esse monte de coisas sem nexo! Tu não fazes sentido nenhum!!".

" - Ai eu é que não faço sentido?! Por amor de Deus, olha-te ao espelho!!". - Berrou com todas as cordas vocais que lhe restavam ainda, sentindo a garganta lhe doer e a voz começar a ficar gradualmente rouca, afundando as unhas na pele exposta dos pulsos de Bakugou, que grunhiu de dor. - "Achas que eu não tentei!? Revê mentalmente a merda das últimas semanas!! E aí é que podes ver quem porra é que tentou manter esta amizade de pé!! Eu 'tô me a cagar se tu te queres afastar, tens o direito disso!! Mas se o vais fazer e és homemzinho para agir dessa maneira, também tens de ser homemzinho para acartar com verdades na cara!".

" - Mas que verdade, caralho?! Não vês que só estás a apontar sem factos nenhuns para o nada?! Cresce de uma vez que já está na hora, pirralho de merda!". - Assim como da maneira brusca que gritou, abanou o corpo todo do mais baixo de uma vez, aproximando-os ainda mais. - "Tu não sabes nada da vida!! Não passas da merda de uma rapaz tímido sem personalidade nenhuma, que tenta a toda a hora ser alguma coisa de especial! Tu tens até de me pedir ajuda para falar com a puta de uma pessoa! Tu não sabes fazer nada sozinho e estás aí a falar de verdades na cara?! Mas tu sabes alguma coisa da porra da minha vida?!".

" - Eu deveria saber alguma coisa da tua vida, se nós ainda fossemos melhores amigos, não é?! Mas tu preferiste ser egoísta e apontar os meus defeitos, é isso?! Ora bem, então vamos lá à lista infindável que tu és, Bakugou Katsuki! Começando pela merda da má educação, da forma como tu consegues estragar a vida de toda a gente à tua volta, que julga saber de alguma coisa da vida e que, surpresa!! Tu não sabes nada e tens sorte de não saber!! Lamento que penses dessa maneira, porque eu realmente estava a tentar mudar para alguma coisa melhor ao teu lado, porra! Ainda bem que eu percebi a merda que és a tempo!".

" - Ah, eu é que sou uma merda!? Eu posso ser e admito em voz alta com todo o prazer e gosto, não me dás novidade nenhuma! Mas tu, não deixas de ser pior que eu! Julgas-te o ser inocente da cidade, o santinho da merda toda e olha para ti!! A gritar merdas atrás de porras sem noção, a discutir e a provocar uma discussão sem qualquer sentido ou motivos ou argumentos!! Não compreendes na merda que te estás a tornar?!".

" - Correção, que nos estamos a tornar!!".

O telemóvel de Katsuki começou a vibrar, a emitir uma música, a mais ou menos duas carteiras à frente de distância deles.

Rapidamente, calaram-se, a arfar, sem acreditar no que raios estavam a fazer. Lentamente e quase que imediatamente, Bakugou largou o colarinho da camisa social branca de Izuku, enquanto se olhavam constantemente sem acreditar em nenhuma palavra que tinham dito ou ouvido. 

...Não. 

Aquilo não podia ser verdade.

Não estava a acontecer.

O telemóvel parou bruscamente, como quando começou. Silêncio por no máximo cinco segundos, numa troca constante de olhares, até voltar a tocar. Midoriya estranhou, deslizando lentamente os olhos chorosos para a secretária, sem conseguir acreditar na música. O melhor amigo não a trocara desde que se conheciam e prometeu a si mesmo nunca tirar a famosa e habitual música que tanto estimava, Middle Finger - Bohnes, que tanto o definia. Inclusive, era a música dele em toda a história. No entanto, aquele som era diferente. Não era a música habitual. 

Era outra.

...O que só podia significar duas coisas. Um, finalmente tinha mudado o toque de telemóvel, o que era uma opção automaticamente descartada; porque quando o loiro prometia algo, cumpria até ao fim. Ou então, era um toque personalizado, coisa que só acontecia às pessoas mais próximas e melhores amigos; e nenhum dos amigos em comum entre eles tinha aquela melodia.

Izuku deslizou lentamente a vista para Bakugou de maneira silenciosa, como se estivesse a perguntar calmamente a origem daquilo. O mais alto fechou a cara e desviou os olhos, enquanto comprimia os lábios, negando-se a responder verbalmente. O de pele sardenta engoliu em seco e andou a passos muito devagar, quase como se não o quisesse fazer. Não. O que aquilo significava? Será que aquilo estava relacionado à discussão? Pela expressão do de pele mais bronzeada, sim, de facto, estaria e... 

Pegou delicadamente o telemóvel que tanto conhecia na não direita, desbloqueando a tela.

...

" - ...Togata Mirio". - Foi tudo o que murmurou, num fio de voz, descendo lentamente os ombros como nunca tinha feito. Misturando uma desilusão tão grande, tão profunda como nunca tinha sentido do melhor amigo. A sua mente e peito finalmente ficaram vazios, começando a funcionar gradualmente à medida que voltava a pensar como devia de ser. Deslizou o polegar lentamente, vendo o histórico de mensagens da tela inicial, já que nunca colocaria o código sem autorização. - "Ele... Ele está à tua espera, no sítio habitual".

Bakugou sentiu o corpo todo tremer e as pernas lhe falharem. Não sabia o que responder, porque finalmente, fora apanhado na sua esfera constante de mentiras e mentir já não funcionava. Era a única e última arma de proteção que tinha e, sem ela, era só mais um adolescente triste e indefeso, inseguro, frustrado e sozinho.

" - D-Deku, não é o que--".

Midoriya interrompeu-o bruscamente, virando a cara para o lado, mesmo que estivesse de costas para o mais alto, num vincar de voz só na primeira frase, sendo o resto completamente sussurrado.

" - Cala a boca. Por uma vez na vida... Cala-te apenas".

Katsuki mordeu o lábio, sentindo os pulmões serem afogados lentamente com o sabor salgado da tinta monocromática de sentimentos, prestes a explodir para todos os lados o preto do seu estômago e cinzento da sua mente.

" - Eu... Eu...".

" - Tu o quê?". - Cortou-o imediatamente, numa risada irónica e anasalada, encolhendo os ombros, como se lhe fosse indiferente; falhando miseravelmente. Girou de maneira descontraída o corpo e ficando quase de frente para o de cabelos loiros, ainda com o telemóvel pendurado na mão direita, agora com a tela negra. - "Não me deves explicações de nada. Tu és crescido o suficiente para fazer o que queres. Podes andar com quem queres. Como tu disseste, não temos rigorosamente nada para me teres de contar o que andas a fazer".

" - Deku, por favor, eu--".

" - Espero honestamente que te divirtas esta tarde. Sinceramente, do fundo do coração, espero não a ter estragado. Porque, assim, não precisas mais de procurar por mim, já que arranjaste alguém para me substituir".

" - Caralho, deixa-me falar!! Eu não te substitui, eu... Eu precisava de andar com ele em vez de ti! Eu apenas--".

" - Tu apenas o que?!".  - Voltou a vincar a voz, enquanto bateu uma vez com o pé, num rosto que suplicava a mais pura das verdades, com a mão esquerda contra o peito. - "Explica-me!! Por favor! Diz-me apenas o que se passa!! Eu quero que me contes tudo, como tu me prometeste!!... Não és tu que cumpres tudo até ao fim?! Dá-me apenas uma explicação, só uma! Só uma linha, uma palavra, uma frase, qualquer coisa, para eu compreender o que está a acontecer e perceber que não há razão para esta discussão, que não me trocaste e falarmos de uma vez!!". - O desespero da sua voz era cada vez mais palpável, as suas lágrimas a caírem dos olhos cada vez mais grossas e sinceras, numa frustração constante que exalava por todo o seu corpo. - "Tu tens de confiar em mim, porra!! Sê sincero comigo, pelo menos uma vez, para eu compreender o que se passa e se há realmente um motivo válido para tudo isto!".

No entanto, Katsuki só respondeu uma coisa.

Silêncio. 

Virou lentamente a cara, cerrando os punhos e maxilares, com o rosto sem expressão alguma e olhos fechados, com o lábio inferior pregado entre os dentes.

O de cabelos verdes descaiu lentamente os ombros e toda a postura, sentindo uma onda de tintas mergulharem todo o seu corpo, num estalar rápido no seu cérebro. Nesse momento, toda a compreensão chegou à sua mente, apercebendo-se que não podia fazer mais nada. Que estava perdido. Que aquela amizade estava perdida. Que não tinha como recuperar algo, se esse algo não quisesse ser recuperado pelo Bakugou. Não havia mais formas de tentar, de ser otimista, de lutar por algo impossível.

Finalmente, Izuku chegara ao seu tão temido dead end.

" - Se tu nem em mim confias para me contar... Me contar o que se passa... Como queres que eu confie em ti, para acreditar nas tuas palavras?".

...

" - Decidiste trocar-me temporariamente de amigo? Tudo bem, eu não te iria odiar por isso. Tu andas com quem queres e mesmo que andasses menos comigo, eu ia gostar de ti na mesma... Só não... Não sabia que essa mudança era tão radical, ao ponto de não mantermos mais intimidade para falar dos meus problemas".

Instintivamente, Bakugou deu um passo com força à frente, exibindo toda a sua expressão e gestos desesperados, bruscos, quase que a implorar silenciosamente por perdão.

" - M-Mas tu podes falar comigo!". - Gritou-lhe, não desta vez em raiva, e sim num pedido alto. - "Eu... Eu vou sempre escutar-te, tu sabes disso!! Então, para de fazer-te de cu doce e chega aqui! V-Vamos, tu não podes estar a falar a sério! Somos os melhores amigos de toda a U.A., não é...?! Toda a gente sabe como nos adoramos! Não nos podemos perder um ao outro, Deku! Eu... Eu fiz merdas horríveis, eu sei, m-mas tem um motivo, eu juro! Eu só... Eu só não sei como resolver esta embrulhada que eu me meti e arrastei-te também e eu sei que não duramos mais de uma semana um sem o outro, nesta cidade de merda. Nós precisamos de nos unir, lembras-te...?! Então, conta-me, podes contar-me, eu juro, e... Eu--".

" - Não sei se estás a compreender, Katsuki". - Um tom de voz murmurado, sem emoção, rouco e grave foi o suficiente para cortar todas as lágrimas que se formavam no canto dos olhos do loiro, voltando a morder o lábio, inundando no maior e profundo medo constante por todo o corpo. Um medo que nunca sentiu, que desconfiava perfeitamente da próxima frase.

Se lhe perguntassem ontem do que ele tinha medo, ele não hesitaria na resposta - nada.

Agora? Com todas as letras, ele responderia que era perder mais alguém à sua volta.

Principalmente, se esse alguém fosse o Izuku.

" - Eu não quero conversar mais contigo. Eu não quero manter mais nada. Finge que eu morri, pode ser?".

Midoriya andou a passos lentos, fechando de maneira calma a porta da sala atrás de si e sem olhar para trás, deixando o telemóvel pousado à frente do antigo melhor amigo, a sala ainda por arrumar e o corpo praticamente pesado e morto de Bakugou para trás, enquanto sentia os lábios lhe tremerem, sem conseguir agir ou pensar, nos longos minutos solitários que se seguiram. De olhos arregalados, o seu ser a tremer da alma ao seu físico e a forma como finalmente se apercebera que ele era o que tanto repugnava e comentava sobre a sociedade, aos Domingos de manhã.

E esse foi o primeiro dia que ele faltou ao trabalho.

 


Notas Finais


Não se preocupem. Vai haver flashbacks da praia no próximo capítulo, anjos~

SIM VAI TER KATSUDEKU AAAAAAAAAAAAAAH
E UM POUCO KIRIDENKI AAAAAAAAAAAAAHHH

meu deus isto era para ser uma discussão leve... eu meio que me empolguei.
podem-me matar agora

sao quase cinco da manhã, amem-me carai


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