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História Take me to Church KatsuDeku - 18. Quando as esperanças vão embora, o que resta é a solidão


Escrita por: Marta_Tata

Notas do Autor


eU JURO QUE VAI FICAR TUDO BEM

EU JURO!

Capítulo 24 - 18. Quando as esperanças vão embora, o que resta é a solidão


Fanfic / Fanfiction Take me to Church KatsuDeku - 18. Quando as esperanças vão embora, o que resta é a solidão

Os passos de Izuku ecoaram pelo corredor fora.

O movimento do fim das aulas tornava-se bem presente pelo clima relaxado, alunos a correrem de um lado para o outro rumo à liberdade e por lentamente o edifício ficar vazio. Cinco da tarde e ali estava ele, a caminhar sem saber bem para onde. Mesmo assim, Midoriya com as suas sardas bastante acentuadas por todo o rosto e bochechas, não levantava os olhos verdes vidrados no chão em prol de voltar para casa com um sorriso.

Por mais que não fosse, de todo, verdadeiro.

Afundou as unhas na mochila enorme amarelada e mordeu o lábio inferior, arrancando uma das peles. O coração não sabia dizer se estava destruído ou rápido de ansiedade, dividido entre seguir aquele caminho mais longo de volta para a sala de aula já que não tinha para onde ir e recusava-se a cruzar a entrada principal por onde a dupla que mais tinha ódio havia saído, ou dar meia volta e tentar descobrir o que raios a sua amiga Momo e Kacchan faziam juntos.

Era uma tremenda falta de respeito espiar pessoas e por isso deu-se ao contra-gosto de ir para a opção mais vaga e a menos chamativa.

Deslizou a vista para a janela que cobria o corredor todo através da parede direita e bateu os olhos nas árvores da escola, onde lá estavam eles os dois. Abriu muito os olhos e com certeza ficara uns bons segundos a refletir, encarando-os a conversarem de maneira calma.

Depois, virou os olhos imediatamente para a parede oposta. Não era correto olhá-los de longe e ainda havia o risco de Yao-Momo o ver, por estar de frente para as janelas. Por sorte, o outro amigo estava de costas. 

Decidido a correr dali para fora o mais breve possível, engoliu em seco ao perceber como o seu corpo estava completamente tenso e sem se mexer. O seu coração parecia tão perturbado que começava a perguntar-se se estava doente ou era a sua ansiedade num nível absurdo. Tinha raiva de qualquer coisa que se metesse à sua frente e fugir para o quarto, enfiar-se entre os lençóis escondido a jogar na sua consola predileta era a opção mais tentadora, atualmente.

No entanto, uma voz na sua cabeça, da maneira mais discreta possível, sussurrou-lhe ao ouvido:

...Só é espiar se for com essa intenção.

Sem pensar nem mais um segundo, Izuku girou o corpo e deu meia volta imediata para a saída principal. Ele só iria ter com o amigo e sem qualquer propósito, escutaria a conversa daqueles dois. Era só isso e depois podia tirar aquele medo e insegurança do peito, aquela teoria sem nexo, trancar a quatrocentas e quarenta e quatro chaves abaixo do seu corpo e fingir que aquilo não tinha acontecido. Se lhe perguntassem, negaria com todas as letras.

Era errado. Mas Izuku não ia dormir, até a voz do Kaminari dentro da sua cabeça se calar.

"Não sabia que tu e a riquinha andavam".

Maldito Kaminari e as suas piadas de mau gosto aos custos alheios!

Midoriya ia explodir com toda a certeza numa bola de ciúmes se não tirasse aquela dúvida de uma vez. Estava possesso de todos os sentimentos negativos de uma maneira que não havia explicação e se aquilo continuasse, era até mesmo capaz de tentar espancar o pai se ele abrisse a boca de uma maneira indesejada.

Rangeu os dentes e começou numa caminhada cada vez mais rápida, apertando muito os lábios e a mão direita na mochila, enquanto a esquerda arranhava discretamente as suas calças do uniforme.

Sim, claro, tinha o Todoroki. Claro que podia sempre contar com o Shoto.

Mas o Shoto podia ter a Momo se quisesse.

O Kacchan não.

Sem esperar mais um segundo, olhou para os lados e saltou por uma das janelas do corredor que dava para o pátio do piso zero. A volta demoraria minutos e não queria perder mais conversa entre os dois amigos.

Okay, talvez ele fosse espiar.

talvez.

Mas também ninguém precisava de saber disso.

Agora o coração martelava-lhe aos ouvidos e engolia constantemente em seco, todo transpirado. Aproximava-se dos amigos e quando lhes viu as silhuetas, o coração falhou ao ver como Kacchan estava mais adorável que o normal com aquele ar desligado e camisa nova e muito justa da escola que a mãe lhe comprara, já que as outras começavam a ficar curtas por ter crescido bastante em altura, nos últimos tempos.

Assim que chegou perto, escondeu-se atrás da árvore mais gordinha. Sentou-se e abraçou a mochila lentamente, sem criar mais ruido que o necessario. Por sorte, aqueles dois estavam muito concentrados a falar não sei bem sobre o quê, para nem desconfiarem de mais nenhuma presença.

Afundou o rosto até ao nariz na sua mochila e fechou os olhos com força, apertando-a. O seu corpo todo implorava para que não tivessem nada um com o outro. Só queria esse alívio. Não sabia explicar muito bem porque desejava aquilo, contudo, precisava da verdade. Não aguentaria o choque de saber que Bakugou lhe tinha fugido por entre os dedos, e a respiração já estava a ficar acelerada. Por favor.

Que o Kacchan não me tenha deixado.

" - Eu gosto é de ti. Não da Jirou".

Abriu muito a vista e imediatamente, sentiu náuseas com os olhos molhados ao escutar a frase que Yaoyoruzu tinha acabado de dizer. Tapou a boca com força e teve de morder o lábio inferior para não deixar sair nenhum grunhido penoso da avalanche de toneladas de dor que lhe caíra sobre os ombros.

Então eles tinham algo. Momo não diria aquela frase à toa. Kacchan não lhe contara, mas ele tinha seguido em frente.

Izuku perdeu o Kacchan.

Naquele momento, o de cabelos verdes estava preparado para correr e nunca mais voltar; queria desaparecer e com certeza, se tudo desse certo, não vinha às aulas no dia seguinte e passaria o dia a espairecer a cabeça com desabafos fotográficos. No entanto, se saísse agora chamaria a atenção, então se ele se meteu naquilo, teria de ser torturado até ao fim.

O silêncio seguiu-se por um tempo depois da revelação de Yao-Momo, enquanto Midoriya se encolhia lentamente. Afundou os olhos nos joelhos e ignorou completamente o resto da conversa; não por querer, honestamente, porém, não aguentaria nem mais uma palavra.

Izuku sentiu-se inútil. Mas não foi o inútil normal do dia-a-dia, como se fosse mais uma vez ultrapassado; nada disso. Foi um inútil diferente e muito mais perfurador de estômagos.

Tudo à sua volta andava a desfazer-se lentamente, contudo, tinha o Kacchan ao seu lado.

Se não o tivesse mais, então...

De que valia continuar?

Ele não era um inútil normal. Ele era muito pior que isso.

O tipo de inútil que não o merece ser.

[...]

Midoriya deixou-se cair na cama com as costas para baixo, agarrando o telemóvel contra a orelha direita com mais força do que pretendia. Os seus olhos verdes fixavam-se ao teto e todo o seu corpo tentava relaxar, com aquela ansiedade estúpida que não ia embora. O seu estômago ia ficar congelado só de nervos.

" - Todoroki-kun, não estás a compreender...". - Murmurou, apertando os lençóis por entre os dedos com a mão livre. Não sabia se a frase era voltada para si ou para o amigo, mas precisava de culpar alguém. Não aguentaria muito mais com aquele sentimento de culpa e se manter a sanidade por mais um tempinho significava ter de descarregar em alguém, nem que fosse inocente... Então, vamos lá. - "Isto do Kacchan está uma confusão".

" - E eu posso saber porquê?".

O seu tom de voz era sempre aquele calmo que não expressa sentimentos, sempre muito amigável, no entanto, calculista. Pelo pouco que dialogaram antes, Shoto temperava agora o seu jantar mais o da família, já que distribuíam tarefas pela semana. E hoje era o seu dia. Podia imaginá-lo concentrado e possivelmente a perturbar a sua calma na quantidade de sal ou pimenta a colocar na carne picada, futura bolonhesa, contudo, a necessidade de conversar era maior. Precisava, não, era obrigatório descarregar a raiva em alguém ou algo. Sozinho estava fora de questão, pois o mais certo era andar aqueles sete minutos a pé até à casa do Kacchan e enchê-lo de murros ou pedidos de beijos.

Nunca se tinha visto tão bipolar e estranho. E, pelos vistos, Shoto era o seu mais que tudo a quem podia confiar o mundo; precisava de tirar Katsuki da sua cabeça de uma vez por todas. Afinal, ele gosta do Todoroki.

Izuku suspirou mais uma vez para evitar outro choro e garantiu falar somente para o amigo desta vez.

" - Eu acho que o Kacchan está a partir para outra".

O silêncio seguiu-se assim que o barulho martelado da faca de cozinha contra a tábua de madeira cessou bruscamente. Era muito mais doloroso admitir aquilo em voz alta do que para dentro; Midoriya que o diga, tanto que comprimiu os lábios trémulos par aaguentar a agonia e choro que queria deitar para fora.

Apertando a vista para ver se os olhos molhados não libertavam nenhuma lágrima, ponderando. O que poderia ser mau naquilo? Agora o seu melhor amigo estava feliz, ficaria com Todoroki-kun e acabava aquela embrulhada de uma vez.

Mesmo assim, Izuku não conseguia sorrir com a hipótese. Não dava.

Perder o Kacchan era…

Era perder o Kacchan. Não há o que explicar.

Do outro lado, Shoto estava em choque e o seu corpo petrificou, de olhar muito aberto, refletindo. Não esperaria que Katsuki, nem num milhão de anos, desistisse tão facilmente do Midoriya, quer dizer… Era o Katsuki! Bakugou era o mesmo tipo de teimosia que Izuku; nunca desistiam, não importava as vezes que falhassem. Nunca pensou que, de facto, ele simplesmente descartasse o amor que sentia pelo de sardas e tentasse refazer os seus sentimentos. E não era isso que estava nos planos. Essa não era a sua intenção. Sabia que aquilo já estava fora de controlo há muito tempo e precisava de pôr os pontos nos is. Não fazia ideia de como o faria, até as palavras de Shinsou ecoarem na sua cabeça com um peso muito maior do que elas significavam, só por ser a sua voz.

"Isso não está certo".

Ele sabia perfeitamente bem que estava tudo mal. Tudo errado. Estavam todos com as pessoas erradas.

Arreganhou os dentes e apertou a vista, apertando tanto a faca nas mãos com os nós dos dedos brancos. A culpa atingia-o brutalmente e não sabia o que fazer. Se se virasse para Midoriya porque sabia que ele era muito mais merecedor de Shoto que Shinsou, não se conseguia apaixonar por ele; se fosse pelo lado do Hitoshi, ele mandava-o embora. Não sabia com quem ficar e, sequer, porque é que ainda tentava.

Ele não queria ser o mal visto.

Ele só queria…

Ser amado. Ou saber amar.

Nunca foi a sua intenção que Katsuki acabasse por ficar embasbacado pelo Midoriya e lhe estragasse os planos de se tentar apaixonar.

Era ele que estava a provocar aquela separação. Todoroki tinha plena consciência nisso.

O verdadeiro culpado desta confusão amorosa toda era ele, mesmo sem intenção.

" - ...E isso não deveria ser bom para ti?".

Decidiu jogar de maneira neutra. Conhecendo o Izuku como sabia, devia estar um turbilhão de pensamentos entre ele e o grande amigo Bakugou. Ajeitou a postura e apoiou-se na bancada com a esquerda depois de pousar a faca, enquanto a direita segurava o aparelho e escutava tudo com muita atenção, mudando-o de lado. O seu avental estava ligeiramente sujo e nem mesmo a sua mania excessiva por limpezas foi ativada pela tamanha importância do assunto.

" - Não é bem assim". - Não tencionava dizer isso em voz alta, mas também não fazia diferença. Como diria o Kacchan, o que é um peido para quem já está cagado. Continuou depois de uma pausa, com a voz inicialmente falha. Como explicaria onde raios se tinha metido; algo que nem mesmo ele sabia especificar? - "Tipo, nós os dois não temos nada. Tu mesmo disseste. Pelo menos ainda... Correto?".

" - Certo". – Confirmou, arqueando uma sobrancelha.

" - …E eu até já te contei que ele me beijou e assim”. – Hesitou, antes de continuar.

" - Sim". – Shoto assentiu.

" - Então...". – Silêncio. Izuku molhou os lábios arranjando uma maneira de conseguir transmitir em palavras as suas emoções.

" - Isso não explica rigorosamente nada".

Sendo ligeiramente duro com as palavras, não conteve a dureza na voz. Shoto precisava de entender as intenções de Izuku, nada mais, nada menos. Se ouvisse o que esperava, então teria de tomar medidas drásticas futuramente.

" - Eu também já lhe fiz isso…".

A frase saiu a uma velocidade tão rápida e numa voz mais fina que o comum. Midoriya então arregalou a vista e tentou esconder-se de pura vergonha alheia. Era mais complicado dizer em voz alta e agora começava a dar mais razão a Katsuki por guardar as coisas para si.

" - Isso o quê?”. – Murmurou Todoroki, apertando a bancada de tom amadeirado da cozinha por entre os dedos, vendo os seus nós ficarem brancos.

" - Tipo... Eu j-já beijei o Kacchan!!". – Por fim, gritou do outro lado do telemóvel, trémulo ao sentir-se pressionado.

Silêncio. Tanto o rapaz com cabelos de duas cores como o de olhos esmeraldas ficaram calados, procedendo a informação. O primeiro parecia que fora atingido com um balde de água fria, enquanto o segundo ficava ali, parado, a encarar o teto branco do seu quarto.

Izuku mesmo todo vermelho, sorriu. Deu um ligeiro sorriso torto e medroso, mas mesmo assim rasgou os lábios. Estava feliz e satisfeito de ter dito em voz alta, por mais medo que tivesse da reação do outro lado. Todoroki amava-o e tinha medo que ficasse enciumado, contudo, sabia que nunca o perderia. De consciência finalmente limpa, sentia agora que a conversa iria ser muito mais fluída e verdadeira.

" - Não foram muitas vezes”. – Tratou logo de se justificar, numa risada anasalada e forçada. – “…E sabes que isso não conta como traição, quer dizer, nós nem namoramos, no entanto, temos algo e—Olha, é complicado. Eu gosto de ti, mas é estranho".

Tentou ser o mais sincero e direto possível, voltando a rir-se. Sentia o peito muito mais solto e agora sim, leve. Disse a verdade, estava tudo bem entre eles e esticou os braços ainda deitado, sorrindo mais uma vez.

Era hora de esquecer o Bakugou e focar-se em Shoto.

Por mais doloroso que essa frase fosse para si, permaneceria a sorrir, chorando por dentro.

" – Izuku”. – A voz do outro lado chamou-o pelo telemóvel, enquanto os seus olhos esverdeados viravam-se lentamente para o aparelho, esperando a frase do outro lado.

Esperava que Todoroki-kun o fosse dar na cabeça, rir-se dele ou simplesmente entrar num ataque de ciúmes – coisa que ele nunca vira e achava que seria adorável –. Queria muito ver o lado protetor do grande amigo barra namorado. Como seria ele protetor?

No entanto, a vida nem sempre corre como nós queremos. A pessoa que escreve isto que o diga.

“ – Eu acho que não devemos continuar com isto”. – Sussurrou, tirando os quilos do seu peito de uma vez por todas.

De início, juro por tudo que Midoriya achou ter escutado mal. Quer dizer, Shoto não era louco para fazer isso só porque o de sardas tinha beijado o melhor amigo, sendo que ambos sabiam perfeitamente da ligeira indecisão e do triângulo amoroso que se tinham tornado.

" - O-O quê?". – Gritou, sentando-se imediatamente na cama. Ignorou a tontura forte que abateu a sua cabeça, não queria saber se se tinha levantado muito rápido da cama. A boca secou imediatamente e a voz até falhou na última letra, arregalando a vista.

" - Quer dizer, nem eu tenho a certeza. E não está certo iludir-te por desejos meus. E de tu te autoiludires, sabendo melhor que ninguém a verdade".

“ – M-Mas que verdade? Todoroki-kun!”. – Gritou do outro lado, sendo notável o seu desespero na voz. Não. Shoto não lhe faria isso. – “Por favor, não faças isso. Tu amas-me, eu amo-te, para de complicar as coisas! Se me pedisses de uma vez em namoro, isto acabava!”.

Segundos de silêncio pairaram pela chamada, acompanhados da respiração rápida de Midoriya. Os seus olhos sentiam que iam verter todas as lágrimas que estava a conter desde o acontecimento do melhor amigo, Kacchan. Tinha acabado de o perder há mais ou menos uma hora e agora ia ficar sem a pessoa que mais amava, tudo porque abriu a boca demasiado? Todoroki disse-lhe que podia confiar-lhe o mundo, que nunca o deixaria, que seriam um do outro para sempre.

Shoto suspirou pesadamente do outro lado e virou-se de costas para a bancada onde fazia o jantar. O seu pensamento, em vez de estar focado para a quantidade de sal ou pimenta que a carne ia levar, estava agora a tentar decidir uma decisão mega importante para a sua vida. Tinha plena consciência de que tentar substituir alguém no seu coração já era errado, contudo, talvez funcionasse com o tempo. Não funcionou. Era impossível apaixonar-se por Izuku quando outro homem circulava os seus pensamentos a toda a hora, quando a pessoa que pensava ao seu lado não tinha olhos verdes e muito menos sardas.

Estava tudo errado.

“ – Não, Izuku. Ambos sabemos que não sou eu que mereço pedir-te dessa maneira”.

Midoriya temeu o pior. Queria desligar o telemóvel, afundar-se na cama e nas almofadas e só acordar no próximo século, onde a porra do Kacchan já estivesse a sete palmos da terra e o idiota do Shoto longe da existência. Aqueles dois davam consigo em louco e já nem sabia dizer de quem gostar ou deixar de gostar, tudo dentro de si estava uma confusão.

" - O que queres dizer com isso?”.

Tentou manter a calma para ver se estava a entender mal, porém, o suspiro que Todoroki lançou provou que a resposta seria pesada e tensa. O de cabelos verdes não sabia o que dizer, pensar ou em como salvar aquele relacionamento, se é que havia maneira de o proteger. Engoliu em seco e esperou a resposta.

E quando ela veio, Izuku só teve uma certeza em toda a sua vida.

" - Quero dizer que é melhor acabarmos com tudo entre nós".

 

 

 

 

 

 

Deku teve plena certeza de que não chorava pelo Shoto.

Ou que, sequer, o amava.

[...]

Katsuki torceu os lábios e fechou os olhos com força, assim que se deitou na cama de costas para baixo depois de um bom duche demorado e de vestir roupas para andar por casa. 

Estava impaciente e o assunto da Momo não lhe saía da cabeça. Não, ele não estava de todo feliz por ter uma amiga que gostasse dele, ainda para mais quando tentou ajudar a Kyoka com ela. Se fosse um adolescente parvo do sétimo ano, talvez até ponderasse em ficar todo contente para namorar daquelas formas estúpidas de putos que não sabem sequer o significado de dar as mãos.

Suspirou e refletiu. 

Ter Jirou a chorar nos seus braços seria capaz de ser a pior sensação do mundo.

Lembrou-se de ver Momo sair, depois de se desculpar pela declaração repentina e sair sem olhar para trás, a passos incrivelmente calmos, enquanto aqui o Bakugou nem soube abrir a boca para dizer um ‘olha lá, eu não gosto de ti dessa maneira, mas há uma miúda bué pequenina e tipo, a tua melhor amiga, que era capaz de nadar o Atlântico todo por ti. Hãn, o que achas?’.

Ficou parado. Refletiu sobre o que tinha acabado de acontecer e molhou lentamente os lábios, pensando até em chamá-la e dar-lhe uma resposta como deve de ser, embora Yaoyoruzu já soubesse perfeitamente o que ele ia dizer. Era somente preciso não se ter olhos na cara para se perceber como Katsuki encarava Izuku.

Ou ser o próprio Deku.

Afundou as mãos nos bolsos e fechou os olhos, com os pensamentos a mil. Não sabia o que dizer à Kyoka depois daquilo e teria de pensar num discurso incrivelmente convincente para fazer a grande amiga não ficar em prantos e ainda ter esperança. Assim que Momo agradeceu o tempo que Bakugou lhe dera, saiu sem dizer mais nada.

Girou o corpo, desejoso de ir para casa e mandar o mundo à merda, enquanto jogava qualquer coisa ou tocava guitarra, ouvia música aos altos berros ou sei lá, só queria sair dali. Estava tão constrangido com a situação que nem ia sair do quarto o resto do dia, de certeza.

Então, os seus olhos vermelhos cruzaram-se com uma menina de estatura baixa, a soluçar em alto e bom som atrás de si, com os olhos desfeitos em lágrimas.

Puta merda.

O choque foi tão grande que o seu corpo só se tornou a mexer depois de uns segundos só a olhar para ela. Jirou tremelicava ligeiramente e não conseguia articular uma única palavra sem voltar a chorar mais. Bakugou mordeu o lábio inferior e pensou na melhor maneira de se desculpar, mas não havia o que pedir desculpas. Tanto não era algo que pudesse controlar, como também era algo indesculpável.

Imaginou-se na situação dela e só se viu a fechar os olhos com força e a relaxar os ombros. O estrago estava feito.

Estavam exatamente no mesmo barco e em posições que odiavam.

Não havia nada a dizer.

Katsuki simplesmente vestiu um rosto sereno, ainda de vista fechada, abrindo ligeiramente os braços como se a convidasse.

Kyoka olhou-o e apertou a vista, sentindo mais lágrimas a caírem-lhe do rosto. E, sem nem hesitar mais um segundo, correu como se a sua vida dependesse disso na direção do grande amigo, abraçando-o com força e a soluçar em desespero contra o seu peito.

Do outro lado, o loiro apertou-a com força contra si e afundou o seu nariz na curva do seu pescoço. Quem diria que alguém como ele soubesse abraçar.

Foda-se a parte fraca, pensou.

Eu já passei desse patamar há muito tempo.

(…)

Pensar numa maneira de remediar as coisas era difícil. Das duas meninas que estava a juntar, uma gostava dele e a outra chorou no seu ombro. Ah, que maravilha! Vou repetir a frase que ele usou há alguns capítulos e que se encaixa perfeitamente nesta descrição, mais uma vez.

Da próxima vez que me fores fuder, vida, não uses só lubrificante. Usa proteção também, já agora, para não apanhar AIDS.

Apertou a vista e rangeu os dentes de puro stress. Estava tudo a acabar mal, as coisas iam sempre por caminhos incontroláveis, mesmo parecendo que tudo estava a correr bem. 

 Alguma coisa ali não estava bem.

E ele começava a desconfiar que essa coisa era ele próprio.

Contudo, antes que tivesse mais tempo para se martirizar com insultos mentais ou culpas pesadas, a campainha tocou. Um suspiro involuntário saiu dos seus lábios sem se atrever a mexer um músculo e depois de uns dois segundos, voltou a tocar.

Família insistente de merda.

" - Já vai". - Disse num tom muito baixo, como se alguém fosse ouvir. Com a voz rouca e cansada, lá se arrastou lentamente para fora da cama, enquanto esfregava a cara.

Hoje não era, de todo, o seu melhor humor. 

Novamente, a campainha tocou.

" - Que insistente de merda!!". - Reclamou agora mais alto, mexendo-se bruscamente e andando com alguns passos rápidos até à entrada de casa, mais que fudido com a vida. Já estava com o dia na merda, ainda para mais aturar alguma das suas tias ou primos incompetentes a chegarem mais cedo a fazerem perguntas indesejadas.

Os seus pés martelavam o chão com força e nem a pessoa à porta teve mais tempo para continuar a tocar insistentemente ao som irritante que sinalava alguém à porta. Abrindo-a bruscamente e quase estourando a madeira velha durante o ato, os seus olhos vermelhos vincaram-se com um certo ódio de estimação a quem se encontrava à sua frente.

" - Mas que caralh...".

O soluço alto de Deku fê-lo paralisar. Bakugou sentiu o mundo todo parar à sua volta por uns cinco longos segundos, onde o seu cérebro era inundado de perguntas. O que tinha acontecido? Porque ele está aqui? Porque o Izuku está a chorar?

Imediatamente, o seu pai veio-lhe à cabeça e sem hesitar, agarrou-o com força e abraçou-o sem pensar duas vezes. Midoriya não protestou nem abriu a boca. Em vez disso, limitou-se a afundar o nariz no seu peito e desabou tudo o que tinha guardado lá dentro, apertando com força a regata preta de Katsuki. Não se mexeram por tanto tempo que perderam a conta, mas o mais velho nunca o largaria, mesmo que a porta de casa estivesse escancarada e qualquer pessoa que passasse pelo último andar os pudesse ver.

Minutos depois, o de olhos vermelhos afastou o rosto lentamente do corpo do outro, subindo-lhe o rosto e encarando toda a sua face. A vista verde chorava sem parar e os soluços tornavam-se mais baixos. Fechou a porta atrás dele com uma certa paciência, sem saber como começar a conversa.

Molhou os lábios e abriu-os para começar a perguntar, consolar, sei lá, a primeira coisa que saísse era a que ficaria.

“ – Desculpa”.

Não sabia se se surpreendia com a palavra ou o facto de ela não ter vindo da sua voz. Izuku ditou-a tão rapidamente como se o seu peso todo fosse só aquilo, como se chorasse só por…

…Espera lá.

Analisou rapidamente o corpo dele para ver se tinha algum ferimento que não conhecia. Midoriya apertou os olhos e então, voltou a soluçar, sentindo as mãos calmas de Bakugou percorrerem-no, à procura de algum vestígio de hematomas.

“ – D-Desculpa”. – Sussurrava, vendo o melhor amigo encará-lo de todas as maneiras por todo o lado, braços, pernas, tudo. – “Desculpa, desculpa, desculpa”.

Voltava a dizer. Quando Bakugou concluiu que não tinha nada a haver com a sua família, tomou-lhe rapidamente o rosto e encarou-o nos olhos de uma maneira dura e séria, sem hesitar.

“ – Não peças desculpa. Não sei o que aconteceu. Mas está tudo bem”.

Baixou-se até ficar frente a frente a ele e sorriu-lhe. Katsuki tentou rasgar os lábios em afeto e ternura; aquele sorriso que só Deku tinha o prazer e a honra de ver, coisa que lhe encheu imediatamente o peito no segundo seguinte, só para verter mais lágrimas. Como é que podia ter sido tão burro? Era tão óbvio, tão simples, ali, à sua frente.

Ele não amava o Kacchan.

Ele precisava dele.

Sem esperar mais um segundo, agarrou bruscamente na regata preta que o rapaz vestia e puxou-o para si, tomando-lhe os lábios como se fosse a última coisa que podia fazer antes do seu mundo acabar. Por outro lado, o melhor amigo não esperava, de todo, por isso. Arregalou os olhos por uns segundos até os fechar e puxar Izuku pela cintura de maneira firme e brusca, como só ele sabia fazer. Podia até dizer que era de uma certa maneira rude, mas chegava a ser sexy e a eriçar cada pelo do corpo do mais novo. Toda a pele do de sardas arrepiou-se e pareceu imediatamente que todos os problemas se evaporaram, tanto que parou imediatamente de chorar. Katsuki não era só o seu melhor amigo, não era só quem amava. Era aquele que o fazia respirar, que fazia o seu coração bater com mais força, que o fazia gritar de ansiedade e raiva ao mesmo tempo. Como é que é possível alguém amar tanto uma pessoa ao ponto de querer espancá-la de raiva?!

Pois é. Midoriya sabe muito bem essa sensação. Além disso, ele apresenta-vos.

Afastou-se também com rapidez, olhando-o imediatamente nos olhos e sentindo a pele corar. Bakugou, por outro lado, ficou parado, sem se conseguir mexer, com os lábios entreabertos e um ponto de interrogação na cara. Izuku arfou e pensou como raios é que se explicaria para correr até ali, estar a chorar e ainda o beijar do nada.

“ – E… Eu…!”. – Tentou explicar-se, enchendo o peito de ar, tentando arranjar coragem. Então suspirou, a rir-se com vontade, a gargalhar como se fosse o maior idiota do mundo. – “Eu nem sei o que se passa, nem sei se ainda gostas de mim, mas eu fui estúpido. Meu Deus, eu fui tão burro! A resposta estava sempre ao meu lado e eu nunca percebi!”.

Tentou arranjar rapidamente a franja dos seus cabelos, apertando a vista de alívio. Sorriu de orelha a orelha e encheu o peito, satisfeito. Na sua cabeça, aquela frase fazia sentido, um sentido bom e nunca, em toda a sua vida, pode sequer ponderar o duplo sentido que ela tinha.

“ – O Todoroki-kun acabou comigo e então, eu estou aqui. Já podemos ficar juntos, Kacchan!”.

Bakugou sentiu uma facada no seu peito com aquela frase.

Literalmente, todo ele petrificou. Izuku era algum tipo de estupidez inalcançável? É que, a sério, não era possível.

“ - …Desculpa?”. – Disse, acentuando a voz, sem conseguir acreditar nas palavras que acabara de ouvir. Todo ele desfez-se por dentro, sem se conformar que tinha escutado como deve de ser. Como é que era possível aquilo, sequer, ser uma frase viável para se dizer a quem, supostamente, se ama?! Katsuki preferia a bendita friendzone mil vezes.  – “Tu vens até aqui a chorar para me beijares e dizeres que foi só porque a porra do pau no cu acabou contigo?!”.

Izuku observou o seu rosto a contrair-se de raiva e imediatamente, o peso todo caiu sobre si. O que ele tinha feito de mal? O que se passava? Ele tinha dito algo estranho?

Quer dizer... Ele agora não tinha o Todoroki. E, graças a isso, percebeu que não gostava dele. Agora, tinha-se declarado e Bakugou começava a agir daquela maneira idiota e orgulhosa. Qual era o problema? Podiam ficar juntos! Na sua cabeça, fazia muito sentido. Era só Shoto que o impedia de ir ter com o melhor amigo, porque tinham quase um compromisso, mas ao mesmo tempo não tinham e-- enfim, Shoto era alguém que já não existia nos seus sentimentos amorosos há tanto tempo que ele até perdeu a conta, sem perceber. Agora, estava tudo bem. Era simples.

Lentamente, o seu coração começou a ficar pequenino no peito e encolheu-se, tentando arranjar uma fuga para as palavras que tinha dito. Não era a sua intenção magoar o Kacchan, não, nada disso! Só o queria ver bem. Aliás, queria que ficassem juntos. Apertou as mãos uma contra a outra, pestanejando lentamente.

“ – Eu… Eu pensei que agora pudéssemos ficar juntos. Não?”.

A sua voz morreu no fim, hesitante. Kacchan não queria ficar consigo? Porquê? Ele já tinha mesmo seguido em frente. Katsuki arregalou os olhos como se aquela frase fosse simplesmente a gota de água para tudo o que sentia. Queria tanto gritar tudo para fora e, honestamente, era isso que faria. Sabia que Izuku era uma nulidade em relações amorosas, mas, merda! Havia limites para quanto uma pessoa pode ser estúpida, Midoriya!

" - Eu não sou nenhuma segunda opção!”. – Gritou com força, sentindo vontade de chorar com aquele formigueiro pela cana do nariz acima. Não. Não, não, não. Ele não ia desabar ali, à frente de Deku. Estava cansado de ser o fraco que precisava de apoio ou atenção. Porra, ele também precisa de um pouco de consideração! – “Não sou nenhum consolo. Eu tenho sentimentos, caralho!! E não me podes beijar e do nada dizer que não queres ter nada para depois voltares para mim só porque o Todoroki acabou contigo. Eu estou a tentar seguir a minha vida, Deku, e acho que tu deverias seguir a tua".

As últimas duas frases saíram num tom duro, fruto de todo o rancor que Bakugou sentia. Os seus olhos semicerraram-se ligeiramente na direção do de sardas, como se quisesse acabar com aquela novela mexicana de uma vez. Queria proteger-se de se magoar ainda mais e, céus, o amigo tinha sido só uma fonte de dor e felicidade, ao mesmo tempo, só nos últimos meses.

Mesmo assim, o cérebro de Izuku parou. O seu corpo petrificou e ficou ali, estático, ouvindo vezes sem conta a mesma frase, impedindo-o de escutar mais qualquer coisa que fosse.

“Eu estou a tentar seguir a minha vida, Deku, e acho que tu deverias seguir a tua”.

Preferia qualquer dor física às lágrimas que deitava para fora, voltando à estaca zero do choro. Jurou que o chão onde estava se desfez abaixo de si para o consumir para sempre.

Sem Shoto.

Sem Katsuki.

Aquilo estava tudo errado. Sim, ele já tinha gostado do Todoroki! Mas depois houve aquela confusão e parece que se apaixonou pelos dois e depois era só pelo Bakugou e—Meu Deus! Ele não sabia explicar! Ele só queria desaparecer.

Midoriya sentia, lentamente, o seu peito desfazer-se, só de imaginar a situação de Katsuki longe de si.

" - M... Mas eu...".

Não o poderia mais beijar. Nem abraçar, nem nada do tipo. Tinha perdido, era a sua dead line. Tinha acabado as tardes divertidas aos abraços, aquelas provocações idiotas entre eles e sabia que a amizade não voltaria ao normal; é claro que não retornaria ao que era, depois da bela merda que Izuku tinha feito.

Pior do que perder dois amores?

É perder a única coisa que nos fixa à vida.

" - Nada contra ti”. – Tratou de dizer, depois de um longo silêncio, suspirando, derrotado. Ajeitou a postura e esfregou a mão pelo rosto, voltando a dizer agora mais sério e com calma, fitando o melhor amigo quase a tremer e com a respiração alterada. Não suportaria outro ataque de nervos ou traumático ou lá o que era, depois daquela conversa. – “Vamos continuar a ser amigos, só vamos esquecer este episódio da nossa vida. Esquece que eu alguma vez te amei e eu faço o mesmo para qualquer coisa que já tenhas sentido por mim; se é que isso existiu".

“Se é que existiu”.

Kacchan, idiota. É claro que existiu. Eu gosto mesmo de ti.

As mãos de Izuku tremeram mais uma vez e finalmente, os seus olhos verdes tomaram coragem para fitar os de Katsuki, sentindo mais lágrimas caírem-lhe da face. Engoliu em seco para então murmurar com a voz trémula mais um pedido que, certamente, seria ignorado.

" - Kacchan, p-por favor, eu...".

…Não.

Midoriya sabia que aquela relação entre eles dependia de si mesmo e só dele. Bakugou estava cansado de se magoar e não podia permitir nem por mais um segundo que as coisas continuassem a seguir aquele rumo. Por mais que o mais velho seja aquele que toma decisões mais bruscas e impulsivas, o de sardas tinha de aprender a contornar isso e a convencê-lo sobre a verdade.

A verdade.

Fechou os olhos com força e respirou fundo, acalmando a ansiedade. Não era só depender de Katsuki para tudo; tinha de o ajudar. Sabia que não era isso que nenhum dos dois queria. Fez questão de se acalmar por uns longos segundos e voltar a expirar, para ter a certeza que seria uma decisão firme.

Tinha pouco tempo.

Então, abriu a vista e com toda a força de vontade e decisão no olhar, afirmou de maneira firme, encarando-o nos olhos vermelhos.

" - Uma saída".

Bakugou subiu as sobrancelhas, sem compreender muito bem o que se estava a passar.

" – O quê?”. – Perguntou, com voz baixa.

Izuku ia agarrar-se aquela última oportunidade com unhas e dentes.

" - Dá-me uma saída para eu te convencer".

O mais alto pestanejou duas vezes até murmurar com um tom mais ácido, fruto do quão magoado estava. Não conseguia pensar bem no assunto devido à confusão e adrenalina do seu corpo; e nem queria. Ser a segunda opção de alguém que amamos p’ra caralho dói. E muito.

" - Convencer sobre o quê? Não estás a fazer o menor sentido".

Nem que fosse a última coisa que faria.

" - Convencer de que eu te amo".

[...]

“…Podes explicar-me agora essa história toda do Todoroki?”.

Enviou a mensagem e suspendeu o telemóvel, esperando uma resposta. Os familiares gritavam e riam da sua sala sobre algum programa que não tinha o mínimo interesse em saber, já que só ficava enfiado no quarto. Além disso, a internet da casa era só para si e não tinha mais motivos para viver fora do quarto se não fosse para ir à casa de banho ou comer.

Mudar a password para “KatsukiPauGrande” foi a melhor ideia da sua vida.

O telemóvel brilhou, simbolizando uma notificação. Um sentimento ligeiro de ansiedade invadiu o seu peito quando viu que a fotografia de Izuku tinha sido o remetente – lá estava ele, a sorrir no acampamento que tinham feito juntos no aniversário do mais velho, lado a lado enquanto Bakugou tentava aprender a sorrir. Segundo o amigo, ficou adorável.

Sei lá.

“O Todoroki acabou comigo porque eu disse que te tinha beijado, mas parecia que da maneira que ele falava já tinha sido de outras coisas anteriores. De qualquer das maneiras, quando ele acabou, eu só sei que percebi uma coisa”.

“E o que percebeste?”. – Tratou de responder imediatamente, curioso. Viu o símbolo de Midoriya a escrever uma mensagem e não conseguiu parar quieto. Rodava pela cama, ora de barriga para cima ora para baixo, sem conseguir tirar os olhos do telemóvel. Izuku apagava mensagens, voltava a reescrever e dentro de si jurou que ia ter um colapso.

“ – Manda essa merda de uma vez, caralho”. – Sibilou, vincando as sobrancelhas para baixo. Tinha medo do que aquilo significaria.

“Percebi que te amo só a ti”.

…Katsuki precisou de ler cinco vezes e outras três letra a letra assim que se sentou rapidamente na cama, quase a transpirar. Sussurrou em voz alta e viu que já se tinha passado quase um minuto ou mais só a ler aquilo.

Depois, sim, permitiu-se levantar da cama e sorrir como um idiota, começando a andar pelo quarto a dar voltas e voltas sem parar, dando risadas discretas. Nunca, nem num milhão de anos, admitiria que estava a ter um autêntico ataque fangirl interno; nem por cima do seu cadáver.

“Espera, estavas a falar a sério?!”.

Desesperado demais. Voltou a rir, apagando.

“Então e o Todoroki?”.

Não. Não vamos puxar mais o assunto do pau no cu. Apagou mais uma vez.

“Não sentes mais nada por ele?”.

Seria o mais acertado de conferir, mas tinha medo de complicar mais as coisas. Torceu o nariz e apagou. Instintivamente, então, apagou a mensagem e escreveu mesmo antes de pensar.

“Então espero que saibas bem o que estás a fazer, porque agora é que não te livras de mim tão cedo”.

Katsuki sorriu. E enviou.

Deixou-se cair na cama verdadeiramente feliz, encarando as estrelas falsas do céu e criando constelações próprias.

Ser ele próprio era do caralho.

 [...]

Katsuki revirou os olhos quando percebeu que às nove e vinte e três da noite caminhava mais uma vez em direção aquele mercado nojento a uma meia hora de casa. 

Como se não bastasse a cidade ter de ser quase uma aldeia pacata com ideias fixas e mentes pequenas onde só a religião tem o direito de ter voz, ela ainda tem de ter praticamente só um super-mercado que fecha cedo e um mercado que por sorte fica vinte e quatro horas aberto, mas é a trinta minutos a pé. 

Porra.

Afundou as mãos nos bolsos e assim que tocou com a ponta dos dedos no seu telemóvel, sorriu ligeiramente. Metade de si queria contactar o Deku para se distrair durante uma chamada longa onde podiam gritar de risos sem problemas. 

Mas a outra metade impediu-o, reprimindo o sorriso. A situação com Izuku ainda se tornara mais confusa que antes; podiam admitir que gostavam um do outro sem hesitar, finalmente, depois de uma data de capítulos. No entanto, isso ainda não mudava as incertezas E por mais que Bakugou não quisesse acreditar nisso - e desconfiasse de que era mentira -, sem provas concretas, ele não avançaria. Havia os mínimos de amor próprio do que correr para a primeira oportunidade ao substituir alguém.

Então, tirou o telemóvel e desbloqueando-o, agarrou nos phones que vagavam algures pelo seu bolso. Grunhiu ao perceber que estavam enrolados, contudo, nem se dignou a endireitá-los, já que chegavam tranquilamente às suas orelhas. Selecionou uma música aleatória da playlist e enfiou o telemóvel no bolso das calças.

Arqueou uma sobrancelha ao perceber que segundos depois, não a reconhecia. Que música era aquela?

Novamente desbloqueou a tela do aparelho ao perceber que era outra música Indie, enviada possivelmente pelo...

" - Porra do Deku". - Revirou a vista e voltou a enfiar no bolso.

Pelo menos, nisso ele tinha bom gosto.

Pois bem, ao som de Daughter, uma artista que Izuku era aficionado e começava a influenciar ligeiramente Bakugou, caminhou tentando esvaziar a sua mente de tudo o que estava à sua volta.

E não foi preciso muito para compreender que dez minutos depois tinha chegado, com um aviso A4 escancarado à entrada, colado com fita cola de maneira desleixada.

"Hoje estamos fechados.

 

Desculpe pelo incómodo".

 

Estalou a língua no céu da boca e não teve muito tempo para reclamar e mandar tudo à merda, por ter perdido uma hora da sua vida a andar para nada, já que sentiu a presença de alguém na outra ponta da pequena entrada. Alguém sentado e abraçado às próprias pernas.

Arqueou uma sobrancelha.  Retirou um dos phones e não demorou muito para reconhecer a silhueta de Yao-Momo, enquanto chorava sem som.

Katsuki parou por uns segundos. Era péssimo a lidar com pessoas tristes; e talvez isso explique como também odiava lidar consigo naqueles preparos emocionais. Engoliu em seco e teve de pensar no que fazer. Não podia deixar uma adolescente de dezassete anos naquele estado, no meio da rua a chorar; ainda para mais, uma grande amiga sua.

Não foi preciso mais de dois passos curtos para se aproximar. Os olhos vermelhos fixaram-se na menina, que continuava encolhida sem mexer um músculo. 

Baixando-se lentamente ao seu nível e tirando o outro phone da orelha direita puxando-o pelo fio, repousou lentamente a mão do mesmo lado no seu ombro, sussurrando.

" - ...Yaoyoruzu?".

De início, Momo assustou-se e encolheu-se ainda mais. Porém, possivelmente ao reconhecer a voz, nem se limitou a encarar Bakugou.

" - ...O que fazes aqui?".

" - Então. Eu vim fazer umas compras". - Sussurrou. Alguns momentos de silêncio se seguiram, enquanto ela fungava.

" - Está fechado".

" - Já compreendi isso, obrigado".

Nenhum dos dois falou nos próximos dois minutos. Entre o silêncio daquela rua deserta, só o nome do mercado naquelas luzes mal feitas com um zumbido irritante é que se fazia presente. Mesmo assim, com a péssima iluminação e rodeada de moscas nas escadas, possivelmente, mais nojentas da cidade, dentro dos possíveis, estava confortável.

" - O que se passa?".

Não era nada bom com conversas que não se desenvolviam e podem chamar isso de defeito, no entanto, ser direto era a coisa mais importante para Katsuki, numa conversa.

Momo tanto que se surpreendeu com a pergunta que levantou o rosto a uma velocidade normal, com os olhos escuros quase cinzentos cobertos de água. Levou o indicador direito às suas olheiras ligeiras e esfregou as lágrimas que lá tinha acumuladas, para depois lavar o rosto com essa mão. Com a esquerda ainda a abraçar as pernas, Yaoyoruzu encarou Bakugou para então dar um sorriso que o arrepiou dos pés à cabeça.

Podia ser um dos sorrisos comuns que pessoas de famílias de alto nível são educadas a dar; mas aquele rasgar de lábios continha um pedido silencioso estranho, algo que se estava a passar e que a maior vontade destes, de certo, era gritar. Não sorrir.

" - Meninas ricas não têm o direito de ficar tristes, com comida na mesa".

Foi a única frase que libertou, como resposta. 

Katsuki não soube bem especificar o que sentiu ao ouvir aquilo. Sabia que era algo tão forte e poderoso e nunca esperou que Yao-Momo pudesse ir tão longe para omitir até para si mesma o que se passava. 

Olhando-a nos olhos, respondeu-lhe com outra frase, para que ela pudesse refletir o que estava prestes a fazer.

" - Mas meninas ricas também têm o direito de ter sentimentos".

Negar tudo e encher a mente para aguentar todos os pensamentos negativos não era bom. Katsuki que o diga.

E se puder evitar que mais alguém cometa os mesmos erros que ele, então iria em frente e apostaria agora o braço direito que Momo iria entender a mensagem.

Não era preciso abrir a boca para dizer mais nada. O cabelo escuro de Yaoyoruzu apanhado num rabo de cavalo perfeito refletia aquela luz nojenta e de péssima qualidade, que falhava de quando em vez. Encarando Bakugou sem parar de se vincar nos seus olhos vermelhos, mesmo assim, rasgou os lábios minimamente, mostrando o ligeiro afeto que a menina tinha para com ele.

“ – Está tudo bem. Desculpa o incómodo”.

O rapaz abriu a boca para falar, até libertar uma risada anasalada sem conseguir controlá-la, apontando para a placa da loja que dizia a mesma frase.

“ – Okay, loja de conveniência ambulante”.

A menina libertou um sorriso grande, como se não esperasse uma piada naquelas circunstâncias.

“ – Queres que eu te acompanhe a algum lugar?”.

Não o interpretem mal, contudo, não é bom confiar numa menina que aparece sempre naquele lugar aquelas horas da noite e, ainda por cima, a chorar. Alguma coisa não estava bem e o seu sexto sentido sobre o radar de ‘shit is hapenning’ (merda está a acontecer), soava no volume máximo.

Yao-Momo com certeza ia abrir a boca para negar, no entanto, Katsuki fez questão de lhe agarrar no pulso de maneira firme, olhando-a nos olhos.

“ – Por favor”. – Pediu, num tom quase que a implorar.

Yaoyoruzu engoliu em seco e, mesmo com um olhar assustado, assentiu lentamente.

(…)

Caminharam em puro silêncio até ao destino da menina. Os olhos vermelhos de Bakugou encaravam-na constantemente pelo canto do olho, molhando lentamente os lábios vez ou outra. Apesar de já ter acontecido antes e de reconhecer agora algumas ruas, aquele silêncio não era tão confortável como da outra vez. Desta vez, Momo parecia temer algo e andava inquieta, pensativa e parecia voltar a chorar não tarda.

Katsuki não abriu a boca até aperceber-se que estava numa rua com casas mais caras. Olhou para a frente e, então, reconheceu a casa que deixara a amiga da última vez.

“ – Vais para ali outra vez?”.

A pergunta foi num tom incrivelmente calmo, mas Yaoyoruzu tremeu ao ouvir, como se se tivesse assustado. Arregalou os olhos até assentir, encarando o grande amigo.

“ – Katsuki, eu tenho de ir”.

Apressada, olhou à volta, como se tivesse a certeza que ninguém escutava. Parecia intimidada, com medo e a rua, apesar de deserta, parecia sufoca-la.

“ – Momo! Hey!”. – Exclamou, agarrando-lhe na mão, sério. Quando os seus olhos se cruzaram, as suas íris escuras tremeram. – “Diz-me! O que se passa?!”.

Arreganhando os dentes, puxou instintivamente a mão atrás e acertou em cheio na bochecha esquerda de Bakugou que ficou parado, de choque.

Agora, os seus olhos voltavam a verter água, incontrolavelmente. Lentamente, a vista do rapaz olhou-a, tentando arranjar uma lógica para as suas atitudes.

Dando passos para trás cada vez mais apavorada, ela só sussurrou com voz trémula e rouca uma palavra.

“ – Desculpa”.

E correu, sem olhar para trás.

“ – Yaoyoruzu!”. – Berrou, correndo atrás dela.

Assim que a viu parar à frente do portão enquanto procurava as chaves desesperadamente para fugir do amigo, ouviu os seus passos próximos. Os seus dedos tremiam e ela soluçava, como se o desespero fosse incontrolável.

Atrapalhada, rezou para ser a chave certa e afundou a chave na fechadura, virando-a. Ouvindo o famoso click! da fechadura aberta, Momo entrou de rompante e fechou o portão atrás de si, dividindo agora ela mesma e o grande amigo através de grades.

Os seus olhos cruzaram-se, enquanto os dois arfavam. Katsuki tentava arranjar uma lógica qualquer para aquelas ações desesperadas, enquanto via que Momo mordia o lábio inferior.

“ – Momo?”.

Uma voz masculina que parecia de um adolescente chamou da entrada principal. Bakugou tentou espreitar para ver quem era, no entanto, parecia estar dentro de casa. Virou-se rapidamente na direção da porta para, então, a menina gritar.

“ – Já vou, Neito!”. – Exclamou o nome do namorado, encarando rapidamente o amigo.

Viu as suas orbes vermelhas a encararem completamente confusas para, então, Momo prensar os lábios um no outro numa linha muito fina.

Engoliu em seco e respirou fundo, passando as mãos pelas grades e agarrando no rosto de Katsuki.

Então, beijou-o.

Os seus olhos arregalaram-se ao sentir os lábios da menina prensarem-se contra os seus num selinho demorado. Yaoyoruzu largou-o com toda a calma do mundo e, mesmo que o seu rosto tentasse parecer arrependido, os seus olhos estavam satisfeitos.

Ela sorriu.

“ – Desculpa. Eu… Eu precisava disso. Para aguentar o que vem a seguir”.

Os seus olhares cruzaram-se em menos de um segundo. O de olhos vermelhos não era preciso ser um génio para perceber aquele pedido de socorro silencioso, aquela mensagem de que se passava alguma coisa. Pensou em todas as possibilidades, com a mente a mil. Mesmo tendo vontade de gritar e entrar por ali a dentro para proteger, percebendo que só poderia piorar a situação - já que ninguém sabia que ele estava ali -, ficou calado, estático, a refletir.

E ignorando completamente a existência do amigo, correu para dentro de casa e fechou a grande e avantajada porta de entrada, sem dar oportunidade a Bakugou para gritar o seu nome.

Ficou ali, plantado e perdeu a conta de quanto tempo ficou a refletir sobre o que acabara de acontecer. Lentamente, levou os seus dedos da mão esquerda a tocarem nos lábios que tremiam para engolir em seco e lentamente, com a esquerda, agarrar no telemóvel e ligar para um número.

“ – Olá?”.

“ – Hey, baixinha”. – Sussurrou, girando o corpo e ficando de costas para a grande casa. O seu tom de voz estava grave e rouco, baixo, parecendo que ia matar alguém.

“ – Tudo bem?”.

“ – Comigo, na boa”. – Pausa. – “Mas com a Momo, eu diria que não”.

[...]

Yaoyoruzu faltou no dia seguinte.

Deku ajeitou as alças da sua mochila enorme das costas, dando uma risada anasalada e ligeiramente irónica, encarando o melhor amigo ao seu lado.

“ – Estou-te a dizer”. – Voltou a insistir, olhando agora para a frente. – “Aceita que dói menos”.

“ – Eu já te disse que só me ganhaste no jogo ontem porque a porra do meu avô me chamou!”. – Reclamou alto a torcer o nariz e enfiando as mãos nos bolsos, ligeiramente constrangido. Izuku só se ria cada vez mais. Quem os visse de longe, a pergunta seria sempre a mesma:

“Como raios é que o Midoriya não tem medo de morrer e, aliás, como é que ainda está vivo?”.

Ele tinha uma maneira especial de lidar com Katsuki, que levava de uma forma tão simples como respirar. O carinho especial um pelo outro tornava as coisas muito mais mágicas, menos agressivas e qualquer provocação era tomada como uma brincadeira e estava tudo bem. Deku não tinha medo de Bakugou; nunca teria.

Na verdade, achava-o adorável.

Talvez o amor seja cedo, eu não sei.

Mas ele só tem olhos para o revoltado da cidade.

“ – Isso é ótimo, Tsuyu-chan!”.

Assim que viraram a esquina para entrar na porta da sala, a voz de Ashido gritou, para logo depois saltar de animação e bater palmas em conjunto com Ochaco. Kyoka abraçou Asui com um sorriso enorme, sem conseguir acreditar. A menina que era o centro das atenções estava toda corada e com um sorriso enorme, sentindo quase os olhos molhados de felicidade.

“ – Parabéns! Eu sabia que conseguias! Estou tão feliz por ti. Depois, diz-me como é a Rússia!”.

“ – Rússia?”. – Todoroki perguntou, aproximando-se delas. Os olhos de Izuku arrastaram-se como um íman para o rapaz e imediatamente, virou a cara quando os heterocromáticos vieram na sua direção. Sentindo o rosto queimar, Katsuki não pode deixar de perceber que o acontecimento de há dois dias ainda estava marcante e, por mais que ficassem todos juntos no intervalo, Midoriya parecia de certa maneira magoado com Shoto, que ainda não tinha mencionado nada sobre o acontecimento de antes. Ainda bem que nenhum dos amigos perguntava; ou por não saberem, ou por Kyoka ser inteligente e já ter precavido a situação.

“ – Sim!”. – Ashido gargalhou, abraçando de lado a mais baixa, que riu anasaladamente, esfregando a nuca. – “A Tsuyu passou nos exames de natação!”.

“ – Oh!”. – O de sardas foi-se aproximando, lado a lado com o melhor amigo. Inclinou-se para a amiga, com um sorriso. – “Tu fazes natação, não é?”.

“ – Uhum, kero. Eu nado desde pequenina e é a minha pequena grande paixão…”. – Corada e com um sorriso orgulhoso, desceu os olhos redondos para as suas mãos, mordendo o lábio inferior. – “Eu tentei entrar para a competição internacional para representar o país e eles apuraram-me para as eliminatórias, na Rússia. É em dois meses e eu descobri ontem que entrei”.

“ – Wow, isso é incrível!”. – Os olhos verdes de Izuku arregalaram-se, abraçando-a imediatamente. – “Muitos parabéns, Asui-chan! O teu esforço foi incrível”.

Katsuki sorriu de maneira tão pequena que foi muito pouco visível.

“ – Exato. Tenho de admitir que isso é mesmo bom. Parabéns, sapa. Espero que ganhes aquela merda, se não eu vou lá e dou uma cacetada nos júris”.

O pequeno grupo acabou por gargalhar, enquanto a menina sorria de orelha a orelha. Nesse momento, Kaminari chegara com Kirishima à sala e, ao descobrirem, literalmente, uma cadeira voou para celebrar até à outra ponta da sala.

Sorte que o Aizawa estava, mais uma vez, atrasado.

Assim que a sua aula começou, quinze minutos após a hora prevista e depois de iludir vinte e muitos alunos com o facto de acharem que o professor não ia dar aula, Bakugou não pode deixar de reparar na carteira lá ao fundo de Momo, vazia. Os seus olhos bateram, a certa altura, com os de Jirou. Não foi preciso falarem muito para compreenderem que aquilo era estranho.

Assentiram um para o outro, sem trocar uma palavra.

Eles precisavam de ver a Yaoyoruzu hoje.

(…)

Katsuki não estava inquieto porque ia ver a miúda que lhe tinha dado um estalo ontem e beijado logo a seguir. Não, nada disso.

Ele estava incrivelmente nervoso porque Deku ia também.

Quando o mais velho tinha dado a desculpa que ia com Kyoka a algum lugar, literalmente, Izuku teve um pequeno ataque de ódio e disse que ele ia, deixassem ou não. Nunca o tinha visto tão vermelho e a encarar Jirou daquela maneira, enquanto os outros dois só arqueavam uma sobrancelha.

O que raios tinha acontecido, ele não sabia. E, por mais que Midoriya fizesse questão de andar entre eles os dois de braços cruzados e com uma cara aborrecida, Bakugou tinha de dar prioridade a Momo, porque aquela história estava a cheirar muito mal.

Assim que chegaram frente à casa do tal namorado da Yoyoruzu, tanto os olhos verdes como os escuros dos amigos arregalaram-se em choque, tamanho era aquele de casa. De boca aberta e em choque, Katsuki apenas riu anasaladamente e tocou à porta, esperando alguém atender.

Foi preciso uns quatro minutos e muita insistência para, finalmente, alguém ir até ao portão. Era uma senhora com uma certa idade, cabelos grisalhos e roupa de empregada.

“ – Posso ajudá-los?”. – O seu tom de voz parecia impaciente, talvez tivesse sido interrompida em algo e os seus olhos estavam extremamente irritados. Bem, talvez ver três adolescentes à porta de uma casa rica não soasse lá muito bem.

Mesmo antes de alguém abrir a boca, Bakugou ia falar, até se surpreender quase em choque ao ver que Izuku tomou a atitude por ele.

“ – Desculpe”. – Sussurrou, segurando com força nas alças da sua mochila. – “Mas queríamos saber se a nossa colega Yaoyoruzu está aqui. É que temos um trabalho muito importante que conta para nota e ela faltou. Se não entregarmos ainda hoje, ela pode ter zero e como deve calcular, ela é uma aluna exemplar…”.

A garganta de Katsuki secou e os seus olhos arregalaram-se, assim como os de Kyoka. Os dois encararam-se um ao outro rapidamente, para voltar a fitar o rapaz de costas para eles.

O olhar da senhora voltou a ficar frio, virando costas e começando a se ausentar.

“ – Vieram bater à casa errada. Não vive aqui nenhuma senhora Yoyoruzu”.

“ – Mas esta não é a casa do namorado dela?”.

A mulher parou imediatamente de andar, fitando agora o de sardas, que dava um sorriso incrivelmente doce na sua direção.

“ – Se nos puder dizer onde ela está, iria poupar-nos o trabalho de entrar por aí a dentro e saber que a senhora está a mentir”.

Os seus olhos azuis arregalaram-se, enquanto ela parecia parada por segundos. Então, Midoriya subiu as duas sobrancelhas, rasgando agora os lábios de maneira irónica e com um tom de voz maliciosamente divertido.

“ – Estou errado?”.

A mais velha tremeu, momentos antes de entrar rapidamente para dentro da casa, fechando a porta com força atrás de si, sem se dignar a responder à senhora.

O silêncio entre os três amigos reinou e era mais que possível ver o queixo caído dos outros dois, logo atrás de Izuku, que se virou para eles com um sorriso satisfeito.

“ – Então”. – Começou. – “Sabemos que ela está aqui, no entanto, é impossível de entrarmos. Ou arrombamos este sítio ou esperamos até amanhã. O que queres fazer, Kacchan?”.

E sorriu, exibindo os dentes de coelho mais adoráveis do mundo, depois de dar um saltinho adorável e ansioso.

Kyoka deslizou lentamente a vista escura na direção do loiro, rindo quase sem som depois de assobiar.

“ – Bem”. – Sussurrou, com um duplo sentido na voz. – “Acho que alguém ganhou um novo fetiche”.

[...]

Sabem quando, tipo, vocês gostam de alguém? Não, mas não é só aquele gostar de ‘Ah, eu adoraria beijar aquela boca e partir para outra!’, não, não é nada disso. É mesmo quando vocês olham nos olhos dele, ou dela, sei lá, ficam simplesmente sem ar, esquecem-se de como raios é que se respira, qual diafragma, qual o quê!, todo o corpo fica dormente e nem uma palavra conseguem dizer sem se envergonharem todos?

Pois é. É foda.

Então, é isso que os olhos do Deku fazem a Katsuki. É aquele sorriso que o põe doido, que o faz cometer loucuras.

Claro. E aquelas sardas, puta que me pariu aquelas sardas! Perdeu a conta de quantas ele tinha porque, todos os dias, era uma nova aventura quando o via. Pareciam constelações a serem exploradas ou novas a serem descobertas.

Já vos disse que Bakugou quer seguir astronomia?

E sabem o mais incrível disto tudo?

É que, literalmente, eles estão sentados ao lado um do outro há praticamente uma semana, a fingir que nada do que aconteceu na casa de Katsuki, depois de Shoto ‘acabar’ com o Izuku.

É. Do. Caralho.

Eu vou matá-los, é o que vocês pensam.

Mas, de facto, não há muito a fazer nesta situação.

“ – Já te disse, Midoriya-kun”. – Iida ajeitou os óculos, sério, encarando o olhar curioso do rapaz. – “Se tu fores sincero contigo mesmo, é meio caminho andado para conseguires ultrapassar os teus problemas. O primeiro passo para melhorar e vencer é admitir que se está errado”.

Bakugou revirou os olhos, com os braços cruzados. Aquele Tenya parecia uma cópia barata de Shinsou e dizia tal e qual as coisas que já tinha escutado do psicólogo. Podia parecer um pouco imaturo – e até era –, no entanto, o melhor amigo só queria um pouco mais de atenção. Tinham combinado sair naquele sábado de manhã e depois é que se lembrou da porra da igreja onde se tinha de enfiar, agora, todas as semanas para acompanhar Midoriya. Nem num milhão de anos o deixaria sozinho.

Os dois conversavam animadamente, mesmo que Katsuki nem estivesse a participar propriamente na conversa. Por mais que a sua presença fosse silenciosa, ela era significativa, tanto para Izuku, que parecia muito mais confortável e confiante; quanto para o padre novo da cidade, um senhor que aparentemente até era simpático, no entanto, estava mais tenso. É compreensível.

“ – Katsuki”.

Ouviu o homem chamar o seu nome e encarou-o. Os seus olhos eram revestidos pelos óculos retangulares perfeitos que encaixavam com o seu cabelo devidamente arranjado.

“ – Sim?”. – Sussurrou, arqueando uma sobrancelha. Não esperava que Tenya o fosse evocar, não depois do sucedido anterior. De certa maneira, surpreendeu-se pela positiva, ao invés de ignorar só a sua posição ali.

“ – Porque não contas algumas das vossas aventuras juntos?”.

Pestanejou três vezes, quase em choque. O sorriso de Iida era de orelha a orelha e, de facto, parecia verdadeiro. Poderia até arriscar-se a dizer que tinha um ligeiro carinho. Os olhos vermelhos deslizaram muito lentamente na direção de Izuku.

Midoriya sorriu de maneira pequena, mas gentil. Assentiu lentamente como se tentasse influenciá-lo a falar.

Não era mentira nenhuma que, para Bakugou, aquela igreja era só o lugar mais desconfortável e horripilante que existia. Ainda para mais, ali à sua frente, uma figura religiosa.

Por segundos, o de sardas julgou estar a ver um Katsuki novamente com os seus catorze anos, tímido e amedroado. Instintivamente, levou a sua mão direita para pousar sobre a esquerda do melhor amigo, que rapidamente o encarou.

“ – Está tudo bem”. – Sussurrou, dando uma risada. – “O Iida-kun é uma boa pessoa. Não podes generalizar, sabes?”.

Os olhos vermelhos não pararam de se desconfiar, voltando a fitar o mais velho. Mesmo assim, o seu coração amoleceu um pouco ao sentir os dedos do melhor amigo vincarem contra os seus.

Então, instintivamente, sorriu.

“ – Gostarias de ouvir a história de um ensaio de casamento a arder, enquanto dois melhores amigos dançam à luz de um incêndio?”.

Izuku sorriu.

[…]

" - A Yaoyoruzu está?".

A voz trémula de Kyoka soou, receosa. Comprimiu os lábios e Bakugou, com as mãos nos bolsos, ficou imparcial. Nenhum moveu um músculo, tensos, à espera que a porteira da casa enorme de Momo os deixasse entrar. 

A senhora encarou-os, mais curiosa do que atenta. Depois de uns segundos ela sorriu de maneira gentil, olhando para a menina.

" - Diga-me só o seu nome que eu já vos permito a entrada, sim?".

Jirou rasgou um sorriso animado, tratando imediatamente de os apresentar. Em menos de dois minutos, a porteira permitiu que os dois andassem pelo caminho principal do jardim perfeitamente arranjado, passando agora pelas grandes portas da sua casa. 

Foram recebidos por dois empregados, que fizeram questão de guardar as suas malas da escola e o casaco de Bakugou, já que estava com calor, ficando agora só com uma camisa social branca. Apresentaram mais ou menos o caminho até ao quarto de Momo, fazendo com que os adolescentes os seguissem.

O de olhos vermelhos decidiu despistar Izuku. Não sabia o que se andava a passar e não queria mais nenhuma preocupação para o rapaz de sardas. Quanto menos problemas ele vir por agora, melhor. No entanto Jirou, por outro lado, precisava de saber o que se passava. Agora que se tinham arrastado um ao outro naquilo, estava na hora de resolver aquele problema entre mãos.

Assim que chegaram à porta rosa pastel do quarto da amiga, os empregados bateram à porta e retiraram-se, afim de dar privacidade aos amigos. Agradecendo muito pela atenção, Kyoka colocou a mão sobre a maçaneta, respirando fundo.

Entreolhou-se uma última vez com o amigo para, então, entrar.

A primeira coisa que viram - fora um quarto enorme e extremamente bem decorado -, foi a grande amiga deles com o pijama vestido, de cabelos soltos e a encarar a janela, sentada. Os olhos escuros dela deslizaram na direção da porta, surpreendendo-se ao ver os outros dois.

" - Katsuki-kun! Jirou-san!". - Sorriu, com uma voz mais animada que tinham visto das últimas vezes que se encontraram. Primeiro, Kyoka correu na direção dela e abraçou-a com força, enquanto conversavam rapidamente sobre qualquer assunto. Bakugou somente sorriu, cumprimentou de longe e enfiou as mãos nos bolsos, atento.

De facto, ela parecia extremamente bem. Quando a mais baixa perguntou o motivo das suas faltas, Yaoyoruzu especificou que tinha consultas médicas de rotina, então os dias andavam corridos. Por mais convincente e sorridente que aparenta-se, Katsuki torceu o nariz para aquela história. Parecia uma desculpa barata, no netanto, não havia o que perguntar agora. Aquele beijo e estalo de há uns dias não tinha acontecido e nenhum dos dois ia recordar. 

Enquanto Yao-Momo conversava sobre alguma coisa relacionada com a sua série favorita e contava à melhor amiga o grande plot-twist do último episódio, Bakugou estava distraído a correr a vista pelo quarto, enquanto torcia os lábios. Um lugar grande, muito avantajado, com uma cama king size e com certeza um colchão de primeira. Os armários eram grandes, mas fechados, com certeza contendo inúmeras peças de roupa. Um cheiro confortável de perfume, nada exagerado, pairava no ar e de certa maneira, o lugar era confortável.

" - O que é isso?".

A voz curiosa de Kyoka, enquanto ela se debruçava sobre a amiga, encararam os pulsos da mesma.

Os olhos vermelhos foram chamados para o lugar, quase como um íman.

Negros.

Yaoyoruzu, toda atrapalhada, imediatamente colocou as mãos atrás das costas, numa risada nervosa.

" - E-Eu pratico Judô, lembras-te? Magoei-me na última aula".

Silêncio.

" - ...Momo". - Chamou o rapaz, com um tom duro na voz. Imediatamente, as duas observaram-no, enquanto a mais alta engolia em seco.

" - S-Sim?".

" - Ambos sabemos que o teu judô foi abandonado desde que entraste no ensino médio".

O silêncio rapidamente tornou-se tenso e desconfortável, enquanto Kyoka encarava sem saber como se exprimir para a melhor amiga. Aqueles hematomas não pareciam normais, tanto que Yao-Momo fechou a cara, apertando muito as mãos uma contra a outra. Bakugou, finalmente começando a compreender o que se passava, deu um passo em frente, agora mais sério.

" - Yaoyoruzu, o que se--".

Antes mesmo de conseguir terminar a pergunta, a porta do quarto abriu-se com força, revelando agora os dois empregados de antes com mais dois seguranças.

" - Creio que está na hora de saírem". - Especificou um dos seguranças, agora com um rosto sério. Kyoka pareceu apavorada, dando um passo para trás. Instintivamente, Katsuki arqueou uma sobrancelha e ficou à frente das duas, rangendo os dentes.

" - Ora... Porque deveríamos sair? Não podemos visitar a nossa amiga?". - Perguntou, num certo tom irónico.

" - O tempo da visita terminou". - Ditou de maneira firme um dos empregados. - "A própria senhorita Momo pediu".

Confusos, os dois amigos viraram-se para a menina. Jirou foi a primeira a ver, arregalando os olhos ao ver uma das suas mãos pressionar um botão debaixo da sua secretária, possivelmente usado em caso de emergêcia. Ela apertava os seus olhos com força, vendo-se ligeiras lágrimas no canto dos mesmos.

Kyoka sentiu o mundo parar por segundos. Yaoyoruzu tinha acabado de os expulsar? O que estava a acontecer? A sua melhor amiga nunca lhe faria isso; mais! A sua paixão nunca lhe trataria daquela maneira.

" - Yaoyoruzu!". - Gritou, agarrando bruscamente nos ombros da amiga, obrigando-a a olhá-la nos olhos, assim que berrava na sua cara. - "Não me mintas! Por favor, diz-me o que se passa!".

Os lábios de Momo apertaram-se com força e tudo o que ela fez foi virar a cara rapidamente na direção da janela, sentindo os olhos marejados ameaçarem deixar cair lágrimas.

" - ...Desculpa". - E fez uma pausa, fechando-os lentamente. - "Por favor, tirem-nos daqui".

Os quatro assentiram. Katsuki sentia o corpo possuir-se em raiva, mordendo o lábio inferior. Encarou de lado a amiga, que não tinha coragem para os observar, vendo Jirou parada, em choque.

" - ...Vamos, Kyoka". - Sussurrou num tom ácido, puxando o seu pulso assim que um dos seguranças o agarrou. Deixou um dos braços circular os ombros de Jirou para que ninguém lhe tocasse.

Chamem-lhe de raiva, rancor, ódio, o que quiserem.

Mas Katsuki encarou o que tinha feito como um alerta para Yaoyoruzu, um abanão para a realidade e perceber que o mundo continuaria, mesmo que ela rejeitasse todo o presente à sua volta, na sua bolha de isolação.

" - Não toquem na minha namorada".

Tanto uma como a outra estagnaram as respirações, observando em choque a expressão séria de Bakugou, referindo-se claramente a Kyoka. A mais velha ficou ali, parada, a ver os outros dois sairem, momentos antes de se desmanchar em lágrimas.

(...)

" - O... O que...".

Jirou soluço, tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Parada à porta aberta do quarto do amigo, este atirou-se com força contra a cama, sentando-se e tentando refletir o que se tinha passado. Os seus olhos vermelhos deslizaram-se rapidamente na direção da amiga, sério.

" - Claramente sabemos o que lhe aconteceu. Ela não quer admitir, então teve de levar um choque de realidade. Provavelmente, está a sofrer como o inferno agora, a achar que a melhor amiga e o rapaz que ela gosta namoram".

" - T-Tu és louco?!". - Gritou-lhe, sentindo agora a adrenalina, fruto da raiva, invadirem as suas veias. Fechou os punhos com força, continuando em voz alta. - "Ela está mal e decides piorar?!".

" - Eu chamaria-lhe ajudar, na verdade". - Afirmou, sério. - "Ela agora sabe que ninguém vai esperar por ela. Já me aconteceu. É uma questão de tempo até ela perceber que está sozinha e que só pode contar com ela mesma".

E terminou, fechando a vista.

" - Estás louco?! Isso é mentira!". - Gritou-lhe, praticamente alterada. - "Ela tem-nos a nós!".

" - Exato". - Acamou-a, olhando-a agora sério. - "Mas ela pensa que tem de fazer tudo sozinha, que a função dela nesta merda é sofrer calada. Então, se se julgar só, vai ser um impacto maior quando perceber que ela não nos tem só a nós, mas sim a um grupo espetacular de amigos".

O silêncio ligeiro fez-se no quarto. Assim que, segundos depois, a menina fungou, o loiro suspirou.

" - Acredita, eu conheço bem o que irá acontecer. Ela vai continuar a sofrer por anos e isto vai acabar muito mal, com a miúda isolada e sem amigos. Um pequeno susto para depois, à primeira oportunidade que surgir, ela vai sair connosco para se tentar reconciliar e fingir que nada aconteceu. Depois, podemos realmente concluir que merda de namorado ela tem".

Por segundos, a de cabelos escuros ficou em choque com o plano de Bakugou. Abriu a boca para perguntar como ele tinha chegado tão longe, no entanto, invadir a sua privacidade já parecia demais. Assentiu e calou-se, refletindo por um bom tempo.

" - ...Isso não explica porque raios somos namorados". - Ela torceu o nariz, ligeiramente corada, agora a cruzar os braços, ainda com os olhos inchados.

Katsuki deu um sorriso de canto sínico, mordendo o lábio inferior. Kyoka por dentro só pensou no desmaio que Izuku teria, se o visse sentado daquela maneira descontraída a sorrir daquela maneira.

" - Eu acho que esse Neito deveria conhecer-nos um pouco melhor, Jirou... Que tal um encontro de casais?". 

[...]

Bakugou abriu a porta de casa e suspirou de alívio quando sentiu que o dia estava a terminar. Tinha dor de cabeça, queria tomar um banho o mais rápido possível e hibernar até ao próximo inverno.

Fechou a porta de casa atrás de si e descalçou os ténis com atacadores verde alface que tanto estimava. Não importava o quão gastos estivessem, os atacadores andavam sempre impecáveis.

Katsuki pendurou os ténis nos dedos da mão direita e ligou a música dos phones, já que não lhe apetecia ouvir a anterior e tinha mudado. Quando é que inventam headphones que lêem a mente?

Assim que entrou no corredor e deu graças mais uma vez por ter a casa para si por aquelas horas quase todos os dias, destrancou o quarto, pronto para entrar e só sair para a casa de banho logo a seguir.

Os seus olhos vermelhos deslizaram para a última porta do fundo, com várias facas espetadas e entaladas na madeira velha da entrada, simbolizando o quarto da irmã. Ninguém daqueles filhos era la muito normal.

Admirou-se quando percebeu que a porta estava ligeiramente entreaberta - e Himiko Toga jamais deixaria aquele quarto aberto, estando ou não em casa.

Com medo já de ter acontecido alguma coisa à irmã, andou a passos calmos e silenciosos pelo corredor fora. O que caralhos deu à Himiko esta vez?

Passou pela casa de banho, com a luz acesa. Achando o ambiente ligeiramente estranho na casa, empurrou a porta com um barulho graças à falta de óleo e digno de filmes de terror, esperando encontrar alguma coisa ou simplesmente a irmã de caganeira para poder irritá-la até aos sétimos céus e ainda lucrar algum dinheiro pelo silêncio.

Admito que se desiludiu à primeira ao a ver vazia, contudo, automaticamente estranhou. Abriu completamente a entrada e olhou à volta, esperando ver algum vestígio de alguém lá em casa. Será que só se esqueceram de apagar a luz?

Então, os olhos vermelhos fitaram o lavatório, arregalando os olhos.

Uma faca que fazia parte da coleção da irmã e inúmeros cabelos cortados encontravam-se na pia. Aproximando-se com cautela e ficando verdadeiramente assustado, percebeu que aquela quantidade de cabelo era absurda e com certeza seria de alguém com um cabelo incrivelmente longo.

Toga.

Foi o primeiro nome que lhe veio à cabeça.

Correu até ao quarto da irmã começando a ficar assustado com aqueles sinais, sentindo uma ansiedade dentro de si. Teria acontecido alguma coisa? O que se passa com a Himiko?! Teria ele não notado algum sinal evidente que a irmã não estivesse bem?

Ao abrir a porta, eu juro que Katsuki nunca ficou tão aliviado de ver a irmã a dormir e, depois de uns segundos, verificar que respirava.

Suspirou. Já tinha visto tanta coisa nos últimos tempos que até ficava com medo de não se ter apercebido de algo.

Mesmo antes de ir embora e ir para o seu quarto, talvez ela só tivesse cortado o cabelo, verificou que o seu computador estava ligado. Nunca foi de bisbilhotar as coisas alheias, mas o facto de estar conectado à impressora e de, do nada, ter saído um papel cativou a sua atenção. Não sabia de muito sobre a irmã e ainda ver os seus emails abertos depois de um susto daqueles, queria saber se estava tudo bem com ela.

Encarando-a para ver se não acordava, andou calmamente até à sua secretária e sentou-se sem emitir um barulho sobre a cadeira almofadada de rodinhas. Subiu muito as sobrancelhas ao ver que os emails eram entre ela e o seu noivo barra psicólogo de Katsuki, Shinsou.

Um estava aberto, coisa que se tornou inevitável de ler. Bateu os olhos no primeiro parágrafo interessante que viu, depois de passar por muitas letras e frases que não interessavam, lendo agora com atenção.

“Eu não aguento mais isto, Shinsou. Eu não sei o que se passa, mas a cada dia, eu não aguento mais a situação do Katsuki, a sério! Isto está a colocar-me doida”.

 

…Espera.

Eles estavam a falar de si? E que situação?

Clicou na resposta ao perceber que o resto do email era basicamente a mesma coisa, vendo o que Hitoshi teria respondido.

“Não te preocupes, Himiko. Quando sairmos dessa casa vai ficar tudo bem e não tens mais de aturar o Katsuki dessa maneira. Há limites para quanto uma pessoa pode ser idiota”.

Espera.

Bakugou parou por segundos, como se aquelas frases fossem facadas contra o seu peito. Não… Ele tinha de ter entendido mal. A irmã e o grande amigo psicólogo nunca lhe fariam isso. Ele adorava-os, mesmo que não demonstrasse muito, mas adorava.

Sentiu os olhos ficarem molhados, contudo, procurou mais respostas. Tinha de ter a certeza, não podia tirar conclusões precipitadas.

“Arg! Hoje ele deu um soco ao meu avô, Shinsou. Eu estou a ficar preocupada com isto tudo. Não consigo mais aguentar! Só quero que chegue o dia do casamento para fugirmos disto tudo. A sério. A situação do Katsuki já está preocupante e enoja”.

“Não te preocupes, em semanas vamos ficar livres. Aguenta só mais um pouquinho. Acredita, eu também aguento muito deste lado da parte dele, mas vai ficar tudo bem. Eu prometo”.

 

“Eu tentei mostrar um bocado de afeto ao Katsuki hoje. Achas que resultou?”.

 

“Não sei. Se ele parece mais calmo, talvez. Eu disse-te que ia resultar à melhoria do ambiente familiar tentares ser amiga”.

 

“Eu sei, só que é… Tão complicado”.

 

“ – Posso saber o que estás a fazer?”.

Katsuki deu um salto de susto ao ver a sua irmã agora, sentada e séria, na sua cama. Vestia as roupas da escola e estavam meio amachucadas graças a ter-se deitado na cama. A sua saia e casaco de lã cor creme estavam ainda minimamente apresentáveis, contudo, o seu rosto não; olheiras fundas e muito escuras, pesadas, acompanhadas de olhos inchados como se ela tivesse deitado um rio para fora antes de adormecer. O seu rosto estava ligeiramente corado também, no entanto, não foi isso que chamou mais à atenção do irmão.

Os olhos vermelhos do rapaz desviaram-se ligeiramente para o cabelo de Toga. Os seus lindos fios loiros completamente lisos que davam até à cintura foram substituídos por agora uns mal cortados até ao ombro, tortos e irregulares, ondulados. A franja estava também torta, no entanto, dava-lhe um ar tão diferente, tão livre e rebelde que, admito, Katsuki até gostou do novo visual, internamente.

A menina pestanejou lentamente, esperando respostas, sem mudar um músculo da face. Por mais séria que estivesse, não parecia zangada, tinha um aspeto mais cansado, triste ou desiludido. De qualquer das opções, mesmo assim, Bakugou preferia a primeira.

“ – E-Eu…”. – Tentou arranjar uma resposta rápida, desviando a vista. Tinha o coração pequenino pelo que tinha acabado de ler e queria ir embora dali, enfiar-se no quarto e isolar-se nos próximos tempos. As pessoas que ele demorou tanto a confiar, na verdade, não passavam de só mais umas?... Não, isso não podia ser. Alguma coisa ali simplesmente não fazia sentido! Nem Toga, nem Shinsou lhe fariam isso. Ele adorava-os. E sentia a cabeça tão confusa que queria exigir respostas de uma vez.

E ele ia.

Levantou-se com calma, acabando com aquele olhar surpreso de quem foi apanhado no lugar do crime para ficar na defensiva, com uma voz ácida.

“ – Isso pergunto eu. Que emails são estes, Himiko?”.

As sobrancelhas curvaram-se para baixo, tentando não parecer tão irritado quanto estava por dentro. Sentia-se magoado e usado, no entanto, sem conclusões precipitadas. Ela iria explicar de certeza, que havia um motivo. Por favor, tinha de haver. Ele ia desabar.

Katsuki não ia aguentar mais uma traição.

Os olhos cor de mel da irmã fecharam-se, assim que ela suspirou e desceu os ombros. Com um ar derrotado, ela simplesmente parecia encolher-se a cada segundo que passava, querendo desaparecer. Abraçou os joelhos e sem se atrever a abrir a vista, sussurrou.

“ – Tudo o que tu leste, é verdade”.

Bakugou sentiu o chão abrir-se abaixo dos seus pés e engoli-lo de um momento para o outro.

O silêncio invadiu aquele quarto muito rapidamente, enquanto o de olhos vermelhos ficava ali, parado, a pensar. Que merda era aquela, se o permitem dizer? Não queria sentir-se sufocado nem triste, mas já era tarde para isso e agora era tentar não fugir de todos os problemas mais uma vez.

Tinha de enfrentar aquilo até ao fim.

Sem aguentar nem mais um segundo a olhar para Toga, virou a cara, sentindo lágrimas no canto dos olhos. Não conseguia mais encará-la sem se sentir culpado. Que burro. Achava mesmo que podia confiar nas pessoas? Era uma questão de tempo, é claro. Abriu-se à mãe, à irmã, a um homem que nem conhecia de lado nenhum e que o adorou, ao melhor amigo, aos outros amigos. Mas para quê?

Era uma questão de tempo até todos o deixarem. É claro.

O som de Himiko a fungar contra os joelhos despertou a atenção de Bakugou rapidamente, olhando-a quase em choque. Porque ela chorava? Remorsos, culpa?

Outro fungar. Um chorar silêncio.

Não. A irmã não desabaria assim por qualquer coisa.

“ - …Himiko”. – Chamou, com a voz baixa.

A mais velha tremeu ligeiramente e voltou a apertar o corpo todo em forma de esfera, como se aquilo a fosse proteger de alguma maneira. Mesmo assim, Katsuki deu-lhe espaço, encarando-a sério.

“ – Diz-me a verdade”.

De início, a loira não abriu a boca. Manteve-se ali, parada, a refletir. Como ela explicaria a verdade ao irmão? Sim, claro, era fácil dizer da boca para fora, mas não na cara de qualquer um que habitava aquela casa. Só Hitoshi a entendia e sentia-se tão sozinha, num beco tão escuro que, quando mais precisou, foi ele a socorre-la.

Precisava de fazer isso. Por Shinsou.

De repente, o rosto dela levantou-se e Bakugou olhou-a, sério, mas de sobrancelhas levantadas. Então, Toga rangeu os dentes, com os olhos inundados em lágrimas e a maquilhagem ainda mais borrada.

Depois, sussurrou.

“ – Eu não consigo”.

Katsuki não precisou de ouvir mais nada. Ele sabia o que aquela frase significava. Não queria saber de mais nada, dos emails que tinha lido, daquela mudança trágica de visual ou se podia haver um motivo plausível para ela o odiar.

Em dois passos enormes e rápidos, em desespero, agarrou a irmã e abraçou-a contra si, fechando a cara. Não deixou que ela se soltasse – mesmo ela nem tentando –, pois pressionava-a contra si, como se a sua vida dependesse disso. Apertou-a, vincou as mãos e dedos nas suas costas, ouvindo os seus soluços altos.

“ – Está tudo bem”. – Sussurrou-lhe, afundando o nariz nos seus cabelos. – “Está tudo bem”.

Abriu a vista vermelha lentamente, mas só um pouco, lembrando-se daquela frase que Deku sempre lhe dizia, quando precisava de ajuda. A frase que nunca ninguém dissera a Bakugou, mas que Izuku sabia perfeitamente o que dizer, quando dizer. Conhecendo Toga como sabia, não era difícil de deduzir.

“ – Eu estou aqui”.

Quando sentiu a menina hesitar logo antes de afundar as unhas na sua camisa social branca que usava para trabalhar, percebeu que se contorcia para tentar aliviar a dor que sentia. Engolindo em seco, Toga finalmente respirou fundo, para se acalmar.

Então, levantou a vista e olhou-o nos olhos, sentindo um arrependimento sem fim.

“ – D-Desculpa”. – Hesitou, mordendo o lábio inferior com força, momentos antes de voltar a chorar. – “Mas eu…”.

“ – Tu o quê?”. – Perguntou com toda a calma do mundo, acariciando-lhe o rosto com carinho. – “Está tudo bem, Himi. Não te vou julgar nunca. Diz-me só a verdade”.

Toga abriu a boca e sussurrou, praticamente sem voz, a única frase que queria dizer há meses.

“ – Eu não amo o Shinsou”.

Na verdade, o capítulo era para acabar aqui. Mas a autora até teve pena, então vamos continuar o choque de verdades e continuar com mais um shot de segredos ardentes pela garganta abaixo! Não percam, já a seguir!

O corpo de Bakugou petrificou ao ouvir aquelas palavras, sem mexer um músculo. Espera lá. Wow, calma. Vamos com muuuita calma. Respirar fundo, ver se não ouvimos mal ou o que caralhos se passa.

A sua irmã tinha acabado de atingir um nível inalcançável de piranhisse.

O olhar de choque do rapaz deve ter sido percebido pela mais velha, porque simplesmente fechou os olhos e voltou a respirar fundo, tentando acalmar-se.

“ – Katsuki… Senta-se”. – Murmurou, séria. – “Está na altura de te contar algumas coisas”.

O mais alto não soube bem como responder. Aquilo não batia certo com nada, a menos que Toga fosse só a maior filha da puta que ele já tinha conhecido; e olha que ele era neto do Kanji. Mesmo assim, assentiu minimamente e sentou-se ao seu lado, direcionando toda a atenção para ela.

Toga encarou os seus olhos vermelhos, que tentavam decifrá-la com calma. Então, como se aquilo fosse ajudar a tirar o peso constante do seu peito, Himiko disse tudo o que lhe vinha na alma.

“ – Eu vou casar-me com alguém que eu não amo”.

Okay. Oficialmente, um Deus muito filho da puta devia ter simplesmente agarrado no Katsuki e atirado para a puta que pariu da desgraça, o núcleo onde tudo acontece é o que o rodeia porque, céus, não é possível que ele, do nada, tenha de tomar conta de duas relações amorosas, sendo uma delas entre duas meninas e em que a outra namora com um rapaz e a segunda é entre a irmã e o seu psicólogo, que, surpresa!; ela não gosta dele.

Um sentimento para isto tudo.

Caralho.

“ - …I-Isso não faz sentido nenhum…!”. – Afirmou, com um tom de voz praticamente apavorado. Ele não ia gritar de raiva, muito menos julgar; estava em demasiado choque para tal. Os seus olhos estavam assustados, tentando arranjar alguma lógica para o que se passava. – “Toga, tu não podes iludir o Shinsou! Isso é errado! O que aconteceu? Tu não farias algo assim por nada!”.

“ – Kat, desculpa, mas eu não sei se…”.

“ – Toga”. – Chamou alto, agarrando-lhe rapidamente nos pulsos e obrigando-a a encarar-lhe a vista. – “Confia em mim. Por favor. Eu imploro-te. Deixa-me ajudar-te, deixa-me ser aquele teu irmão que tu mereces. Estou farto que não consiga fazer nada; deixa-me provar-te que eu posso fazer alguma coisa. Confia em mim. A minha boca é um túmulo”.

Então, piscou os olhos e sentiu as lágrimas quase a descerem.

“ – Deixa-me ser um irmão a sério”.

Himiko não aguentou muito mais, soluçando outra vez e tentando acalmar-se. Virou a cara para baixo só para não ter de ver as suas reações; não queria que Bakugou a visse mal, por mais motivos que tivesse para isso.

– O… Os emails que leste”. – Sussurrou, captando a atenção do outro. – “Têm uma razão”.

“ – Sim. Parece que tu me odeias. Mesmo assim, conta-me”.

Os olhos dela levantaram-se rapidamente, confusos. Então, lentamente, juntou as peças e arregalou-os, quase em choque.

“ – Não!! Não, tu entendeste mal, eu juro!”. – Gritou, em pânico. – “Eles são sobre ti, sim, mas não nesse… Sentido. Eu—Arg!”. – Esfregou os cabelos por entre os dedos, quase em stress. – “Deixa-me explicar tudo do zero. E vais tentar interligar tudo o que leste. Pode ser?”.

“ - …Pode”.

“ – Ótimo. Então… Eu conheci o Shinsou numa palestra da minha faculdade”. – Começou, olhando pelo canto do olho e verificando se o irmão ainda a escutava. – “Ele veio porque explicou alguma coisa sobre a depressão e sobre não estarmos sozinhos. Então, eu fui no fim conversar com ele, porque o Hitoshi disse que se houvesse alguns problemas, para irmos conversar com ele”.

“ – Continua”.

“ – Eu falei-lhe discretamente do que se passava cá em casa, com o avô. Que ele gostava muito de mim mas odiava o meu irmão. O Shinsou disse que também dava consultas a um rapaz da tua idade que sofria um pouco também, no entanto, não chegava a ser tão extremo. De qualquer das maneiras, eu disse-lhe também que queria arranjar uma solução para te ajudar”.

Katsuki estava em choque. Toga pensava nele, nessa época?

“ - …Não te podia contar nada, nem falar muito contigo. Estragaria a imagem de neta perfeita e eu precisava disso para nos salvar; eu queria ser a chave de uma saída aceite por Kanji e para continuar os tratamentos do papá”. – Murmurou, finalmente arranjando coragem para o encarar. – “Então, ele sugeriu-me a ideia do matrimónio, um casamento lindo e tudo perfeito. O palco perfeito para…”.

“ - …Fugir de casa…”.

“ – Sem que Kanji odiasse a ideia ou acabasse com as consultas. Exato”.

“ – Comecei a namorar com toda a gente que via, praticamente. Apanhei a fama de puta, mas não interessava. Precisava de te ajudar a ti, à mamã e ao papá. Fiquei durante uns dois anos à procura de alguém que aceitasse casar comigo de um momento para o outro… Os rapazes da universidade são uma merda. Só querem sexo e depois acabam contigo. Nenhum queria levar nada a sério, então quando eu percebia isso, simplesmente tentava procurar outro”.

Bakugou não sabia o que dizer.

“ – Foi aí que cheguei ao fundo do poço. Agora, ninguém me levava a sério ou quando tentava explicar-me, viravam costas a essa grande responsabilidade. Ninguém queria levar a sério a miúda puta da universidade. Precisava de alguém de confiança, para partilhar este fardo comigo, alguém que estivesse disposto a abdicar da sua vida amorosa e pessoal por mim, pela minha família”.

“ - …N-Não me digas que…”.

Toga suspirou.

“ – Fui ao consultório do Shinsou dois anos depois da palestra. Ele ainda se lembrava um pouco de mim. Expliquei-lhe a minha situação outra vez, agora toda com detalhes e perguntei se ele sabia alguém que quisesse casar por interesse. Infelizmente, ninguém queria”.

“ – Toga, a sério, por favor, não me digas que vocês fizeram isso!”.

“ - …Então, ele ofereceu-se. Montámos o plano perfeito, fingimos que ele estava a tirar advocacia, criámos o discurso e cenário perfeitos para o Kanji. E resultou. Agora, vamos casar, tu e a mamã vão poder sair desta casa comigo e com ele, enquanto os tratamentos do papá continuam”.

Katsuki nem conseguia mexer um músculo, sem tirar a vista da irmã. Não havia palavras para descrever. Nem vale a pena colocar parágrafos infindáveis da merda que ele se sente.

“ – Eu… Eu não sei o que…”.

“ – Não te sintas culpado, por favor. É normal tu antes me achares irritante, eu fiz para o ser. Queria tentar não ter muitas relações contigo para fingir o plano ideal. Desculpa, Katsuki… E-Eu não estive lá para ti, tu estavas a sofrer muito mais do que eu imaginava, eu… Eu não te consegui ajudar. Não sabia o que tinhas passado até aquilo da igreja acontecer, não sei como raios aguentaste, eu…!”.

“ – Todos temos problemas. Okay? Tu não sabias, eu não contei. E isso é passado. Estou a tentar ultrapassar isso e tu também devias. Culpar alguém agora não vai ajudar em nada, muito menos se nos enchermos de pesos. Apesar de tudo, eu vou sempre apoiar-te incondicionalmente. Não importa o que faças, eu adoro-te, és a minha irmã. Mesmo assim, eu acho melhor aconselhar-te a algo”.

“ – O quê?”.

“ – Faz aquilo que te faz feliz”. – E riu-se anasaladamente, mostrando os dentes todos direitos. – “O quê? Achas que aquele velho vai mesmo deitar-me a mim ou à mãe abaixo?!”.

E ergueu o punho, decidido.

“ – É preciso muito mais que isso para nós desistirmos. Então, Toga, por favor. Faz uma coisa que tu nunca fizeste e que o Shinsou me está a ensinar a fazer”.

“ – O quê?”.

“ – Pensa em ti”.

[...]

" - Porque é que não me contaste?”.

O tom duro das palavras que saíram com rancor para fora da garganta e Bakugou fizeram com que Hitoshi, imediatamente, soubesse do que ele estava a falar. O adolescente simplesmente entrou no edifício, nem cumprimentou a Camie e entrou de rompante no seu gabinete.

Qual Todoroki na consulta, qual o quê. Foda-se se era a sua hora. Os olhos dele ficaram ali, parados, a encarar o grande amigo. Depois, deslizou-os rapidamente na direção do psicólogo que, mesmo com a garganta toda seca, tentou molhar os lábios.

Apertava a prancheta de maneira firme e tensa, enquanto trocava olhares com a vista irritada de Katsuki. Shoto, então, tentou analisar a situação. Não sabia nada deles os dois. Será que também tinham algo? Isso tornou o coração dele pequeno, no entanto, não fazia sentido, já que o amigo gostava de Midoriya.

“ – Katsuki”. – Chamou a voz do homem, séria. – “Espera a minha consulta acabar”. – Pediu, sem tirar os olhos cansados dele.

“ – Foda-se a consulta!”. – Berrou, batendo com o punho de lado contra a parede, fora de si. – “Eu quero justificações imediatamente! Mesmo que não pudesses contar, como caralhos tu concordaste naquilo?! Tu tens noção de onde te estás a meter?!”.

Todoroki, ali no meio, quase ficou intimidado com o rosto do loiro e a sua voz. Quase. Já o tinha visto possesso de raiva, no entanto, aquilo quase beirava a irritação que sentia pelo avô e isso estava a assusta-lo.

Espera lá.

Será que está relacionado a algo desse tipo? Quer dizer… Do pouco que convivia com Bakugou com esses assuntos, tinha de ser algo tão drástico ao ponto de o deixar quase ao nível do ódio que sentia por alguns membros da sua família.

Levantou uma sobrancelha discretamente e entreolhou-se com Shinsou, que agora engolia em seco.

“ – Katsuki, por favor”. – Sussurrou-lhe, quase num pedido silencioso para se calar. Não sabia o que raios ele ia dizer e não queria admitir nada à frente de Shoto, ainda por cima, aquele paciente em especial.

Aquilo não ia acabar bem.

“ – Isso é crime, Shinsou!”. – Gritou, fora de si, sentindo já a transpiração correr a sua testa e o seu peito arfar. – “É uma inconsciência o que estás a fazer! Ridículo! Como é que tiveste a capacidade para concordar com isso!?”.

Shoto não conseguiu ficar indiferente ao ouvir a palavra crime. Os seus olhos focaram-se em Hitoshi, chocados. O que raios eles estavam a falar? Que crime era esse?! Katsuki sabia alguma coisa que o psicólogo tinha-lhe contado e Todoroki não?

Engoliu em seco, nervoso, apertando as calças que trajava.

E esperou.

“ – E achas que eu tinha mais alguma opção?!”.

A voz outrora calma do de cabelos roxos gritou. Ah, e se gritou. Os dois adolescentes arregalaram a vista, sem conseguir acreditar que um homem como aquele podia berrar e talvez seja isso que os tenha deixado em choque.

“ – Katsuki, vivemos num mundo em que temos de nos proteger e aprender a passar as dificuldades, mesmo que isso requeira medidas drásticas!”.

“ – Drásticas?!”. – Berrou com força, dando um passo em frente. – “Tu vais hipotecar a vida da minha irmã mais a tua e chamas a isso drástico, apenas?! Mas tu és doente?!”.

Todoroki preparou-se para se levantar a qualquer momento só para os separar. O que lá quer que isso seja, não estava a correr bem aquela conversa aparentemente nada pacífica.

“ – Eu não sou doente nenhum!”. – Hitoshi levantou-se bruscamente, fuzilando com a vista em direção ao loiro. – “Eu não tinha escolha! Ou era isso, ou a Toga ficava em pânico, a viver numa casa descompensada para o resto da vida sem qualquer saída!”.

“ – Porque tu deste a ideia! Há outras alternativas, sabes?!”.

“ – Ou era isso, ou era o teu pai ao abandono, no hospital! O quê? Tu achas mesmo que eu queria que isto fosse assim?! Claro que não! Mas agora aguenta-te, porque eu vou casar com a tua irmã!”.

Silêncio.

Shoto ficou parado, a ouvir as respirações a arfar dos dois, irritados e a encararem-se mortalmente. Ali estava ele, Todoroki Shoto, dezassete anos, sentado no sofá de um consultório de psiquiatria do homem que mais amava no mundo e acabara de ouvir coisas que não era para ele saber.

“ – ...Tu o quê?”.

A sua voz ficou grave e vincou-se com força no ar, por mais que estivesse sem gritar. Olhou lentamente para Hitoshi, esperando uma ótima desculpa que ele iria desencantar da puta que pariu.

De qualquer das maneiras, já estava tudo errado na sua vida. Como é que raios aquilo não podia piorar?

Ah, é claro.

Eles vivem numa cidade filha da puta.

“ – T… Todoro—“.

“ – Tu vais casar com a irmã do Katsuki? E tu nem tiveste a decência de me contar que era com ela?!”. – Quase gritou, sentindo o rosto ferver de raiva e apontando para o amigo, incrédulo. – “Essa é a tua mulher? A irmã do meu melhor amigo?!”.

Vejamos. Então, Shoto ama o Shinsou, no entanto, este rejeitou-o porque é mais velho e está noivo. Então, Todoroki virou-se para Izuku, o rapaz que gostava de si e tentou amá-lo, porque sabia que ele o faria feliz. No entanto, fora os planos, a porra do Katsuki apareceu e apaixonou-se pelo Midoriya, que ficou a gostar dos dois. Sabendo que era errado estar a roubar o de sardas de Bakugou - que vale ressaltar, merecia-o muito mais -, vendo que não se conseguia apaixonar e esquecer, Hitoshi, acabou com ele para então, surpresa!; a noiva do seu psicólogo que ama é a irmã do rapaz que gostava do quase namorado dele.

Caralho.

O Karma é fudido.

Agora, Bakugou fitava os dois, sem compreender uma palavra do que eles falavam. Não sabia de nada entre eles, para além da sua relação de psicólogo barra paciente. Porque raios haveria de Hitoshi contar que estava noivo de Bakugou? Isso era a sua vida. Não deveria dar nenhuma satisfação a Todoroki, correto?

“ – Todoroki, eu não queria que tu—“.

“ – Que eu o quê? Soubesse?! Tu achavas mesmo que eu, mais tarde ou mais cedo, não ia saber?!”. - Continuou, sentindo o peito desfazer-se a cada palavra que ouvia.

Sentia-se mais que traído. Bastava a friendzone, honestamente, já sabia a verdade. Sempre soube. Só nunca pensou que.. Que, bem, Hitoshi fosse errar. Quer dizer, era a melhor pessoa do mundo, do seu mundo. Aquilo podia nem contar como traição porque não tinham nada, mas a destruição dos seus sentimentos lentamente dizia outra coisa. Eles gostavam um do outro e ainda por cima, ia casar-se com Himiko Toga, a irmã do melhor amigo que, pelos vistos, era insuportável. Havia os mínimos.

“ – Para mim, chega! Chega, Shinsou!". - Levantou-se bruscamente, agarrando no seu casaco que estava antes ao seu lado com força, vestindo-o rapidamente. - "Eu estou cansado, okay? Que nível de maldade é preciso de se ter para nem sequer haver a coragem de me dizeres uma coisa dessas?!”.

O olhar do de cabelos roxos entrou em desespero. Via-se que não restaria muito até tentar implorar para ele ficar; no entanto, sabia que era errado. Por pior que a situação parecesse, as coisas tinham de seguir aquele rumo. Tanto Shoto como Shinsou sabiam a verdade. Se tentassem ficar cada vez mais juntos ou só manter aquela relação formal, iam morrer lentamente, por dentro. Aquela relação, por menos íntima que fosse, estava a acabar com eles.

Katsuki, apesar de confuso, percebeu que o amigo não estava bem. Vendo-o caminhar com raiva em direção à porta, agarrou no seu ombro, olhando-o nos olhos. Queria ajudá-lo, sem bem saber o que raios estava a acontecer, no entanto, tentou transmitir toda a sinceridade no seu olhar.

“ – Hey, Shot—“.

“ – Não. Me. Toques”.

Ditou com voz dura, empurrando o loiro. Em choque, Bakugou observou o dono dos olhos heterocromáticos sair do lugar, batendo a porta de vidro do consultório com força e deixando a do gabinete aberta, enquanto Camie, a coitada, olhava para Shoto em choque e depois tentou espreitar para dentro da sala, sem saber o que estava a acontecer.

Katsuki e Shinsou não se mexeram. Na verdade, o segundo esfregava lentamente as mãos na cara, sentindo-se perdido, enquanto o de olhos vermelhos tentava juntar algumas peças, no entanto, nada fazia sentido. Não sei o que raios fora aquilo, apesar de se sentir na obrigação de ajudar.

Girou o corpo lentamente para Hitoshi, agora preocupado.

“ – Shinsou, o qu—“.

“ – Sai da merda do meu gabinete!”.

Bakugou petrificou ao ouvir o berro com a expulsão de sentimentos do psicólogo. O rosto enraivecido do homem deixou-o ali, parado, sem acreditar. Nunca, num milhão de anos, julgou que o seu grande amigo e companheiro o fosse mandar embora daquela maneira, aparentemente sem motivo algum. Ou, se calhar, haveria algo no meio que nem ele sabia.

Aquele olhar.

Aqueles olhos com raiva na sua direção, num misto de ódio e desilusão. Há quanto tempo ele não via aquele olhar direcionado a si? Por momentos, sentiu-se sufocado por segundos, sem acreditar que o homem que mais confiava, que lhe ensinou tanta coisa, estava agora a expulsá-lo. Se lhe dissessem ontem que Hitoshi teria aquela reação contra si e o mandaria para fora do seu consultório, ele mandaria a pessoa à merda.

Engoliu a tristeza que lhe invadiu a garganta, atirando um olhar frio na sua defesa para proteger os sentimentos. Não se sentia tão frio e irritado há meses, desde que o conhecera, praticamente.

O homem que o mudou foi o mesmo que o fez regredir.

“ - …Certo. Garanto-te que não volto tão cedo”.

Katsuki virou costas e saiu do gabinete, fechando a porta com força atrás de si e sem olhar para trás.

[…]

" - ...Hey". 

Bakugou chamou baixinho, captando a atenção da amiga Kyoka, olhando na sua direção. A menina deslizou a vista e encarou de lado o amigo, enquanto os dois caminhavam em silêncio para casa do loiro, afim de marcarem um encontro em conjunto com Neito e Yaoyoruzu.

" - Sim?". - Sussurrou, com só uma alça da mochila aos ombros. Bakugou molhou os lábios e respirou fundo, olhando para o céu azul com ligeiras nuvens.

" - Eu já percebi que amas a Momo e a queres proteger". - Afirmou, sério. Então, fechou lentamente os olhos, sem parar de andar. - "Porque é que te focas tanto no Neito? Tu ficas completamente irritada e fora de ti quando o assunto é o namorado dela, e isso não são ciúmes. Ambos sabemos".

Jirou parou lentamente de andar e dois passos depois, Bakugou também. O silêncio pairou entre eles e o rosto de Jirou baixou-se, deixando os seus cabelos taparem a vista embaciada.

" - ...Sabes que me podes contar tudo, não é, baixinha?".

Não tardou muito até ela morder o lábio inferior, apertando a alça da mochila com força.

" - ...Eu sei como é gostar de alguém e essa pessoa abusar da nossa fragilidade". - Sussurrou, com a voz morta e rouca. Katsuki não se atreveu a virar. Deixou-a deitar tudo para fora, porque era preciso. - "Eu só queria... Um amigo. E em vez disso, recebi decepção".

Cinco segundos de silêncio continuaram, até Bakugou suspirar com força e baixar a cabeça, pensativo.

" - Tu também?".

Referiu-se claramente ao seu passado. Jirou demorou um tempo a entender o que ele queria dizer, até arregalar os olhos e negar muito rapidamente, sentindo-se vermelha de constrangimento.

" - N-Não! Eu... Bem. Não sei se foi sorte, se foi atitude minha. Mas eu consegui fugir". - Murmurou, deslizando a vista para o lado.

O mais alto não reagiu.

" - Na verdade...". - Com um sorriso amarelo, ela coçou a nuca e riu anasaladamente, tentando amenizar o clima depois de um breve silêncio. - "Vocês sabem que eu vivo só com a minha mãe. Sou filha única".

" - ...Eu sei".

" - Porque o meu pai morreu há dois anos".

As sobrancelhas de Bakugou levantaram-se rapidamente, enquanto os seus olhos se abriam em choque. Julgava que eram só divorciados, nunca pensou que um choque daqueles fosse acontecer a uma amiga.

" - É algo meio pesado. Não contes a ninguém. Só a Momo é que sabe".

Silêncio.

" - Eu tinha um melhor amigo... Eu nem gostava dele dessa maneira, sabes? Honestamente, nunca gostei lá muito de rapazes. Sempre fui mais virada para as meninas, se é que me entendes".

Passou o peso de um pé para o outro, rindo anasaladamente, bem baixinho.

" - No funeral do meu pai, eu estava inconsolável. Quis ir para casa mais cedo, não aguentei a missa, então fugi. Puxei-o e fomos para minha casa, porque a única coisa que me apetecia era ir para o sofá e adormecer, porque era o que nós os três fazíamos em família aos fins de semana, a ver filmes".

Não se atreveu a interromper. Jirou precisava de tirar aquilo para fora.

" - Então... Do nada, ele começou a lançar algumas indiretas para nos beijarmos e me consolar. Eu sabia que ele tinha um pequeno fraco por mim, no entanto, sempre deixei claro o meu interesse por miúdas". - Nervosa, Kyoka agora brincava com o polegar um no outro. - "Ele... Ele não gostou da rejeição. Então ele...".

" - ...Tentou forçar-te no dia do funeral do teu pai". - Terminou, percebendo que era demasiado doloroso à jovem continuar.

Assentiu, engolindo em seco, ligeiramente pálida e perdida em pensamentos.

" - Era o meu melhor amigo. Conhecia-o desde que tinha quatro anos e não vivia sem ele. Fiquei arrasada. Em pânico. Queria fugir, então a primeira coisa que fiz foi tentar fugir pela porta da cozinha que dava acesso à varanda e eu vivia no piso zero. Ele agarrou-me à força e tentou despir-me, então eu peguei na faca da cozinha e furei-lhe a perna".

Bakugou virou-se lentamente para ela ao girar o corpo, subindo as duas sobrancelhas.

" - Estou impressionado".

Ela sorriu de canto, agora mais relaxada.

" - Eu sei, sou incrível, obrigada". - E continuou, agora voltando a andar. - "Contei à minha mãe e ele não apresentou queixa, porque era óbvio que a razão era minha. No entanto, era doloroso viver na casa onde o meu pai era vivo e onde tudo estava a decair. Então, fugimos para o primeiro sítio que ela arranjou trabalho. E aqui estou eu".

Lentamente, os dois iniciaram rumo novamente à casa do loiro.

" - ...Eu tenho medo que a Momo sofra aquilo que eu sofri. Eu sei que já deve estar a acontecer, no entanto, eu sinto que eu devo tentar impedir o mais rápido possível". - E apertou os olhos, comprimindo os lábios. - "...Tipo, como tu queres proteger o Izuku. Sabes?".

Instintivamente, Katsuki sorriu com carinho para ela, assentindo.

" - Sei. Sei perfeitamente".

[…]

Katsuki engoliu em seco, enquanto afundava as mãos nos bolsos. Jirou, ao seu lado, tamborilava constantemente os dedos nas pernas a cada passo, visivelmente nervosa. Inquieta, olhava à volta como se procurasse algo que a fizesse ficar relaxada.

Ou alguém.

Nunca tinha levado algo tão a sério e para Bakugou, aquilo era tudo novo. Como ele resolveria uma situação tão importante e tensa? Neito era o namorado abusivo de Yaoyoruzu, disso não havia dúvidas.

Ao longe, o parque temático começava a surgir.

Como se a entrada fosse a saída para todos os problemas, Kyoka nem hesitou em andar a passos muito rápidos, quase a correr, sentindo todo o seu ser por dentro mergulhado em nervos. O de olhos vermelhos deslizou-os na sua direção mas não abriu a boca, deixando a amiga ir à frente. Ela precisava de tempo.

Tirou o telemóvel do bolso, enquanto a outra mão brincava com o dado de vinte lados. Estava nervoso, mas é claro que estava nervoso. Só não podia demonstrar. Era isto que Shoto passava todos os dias? Credo. Ter de ser o forte no meio de tanta gente frágil.

Mesmo assim, manteve-se firme e sério. Ia correr bem.

Tinha de correr bem.

Escreveu uma mensagem rápida para Midoriya, para ter a certeza de que o plano de se encontrarem ainda estava de pé. Logo depois de resolver o assunto da Momo - que, segundo eles, ia acabar aquele sofrimento hoje -, ele teria o melhor dia de sempre com Izuku e ficaria tudo bem.

“Onde estás?”.

A resposta demorou segundos a chegar.

“Meio atrasado. Quando chegar, mando mensagem”.

Despediu-se rapidamente e avisou-o para não ter pressa, estava tudo bem. Suspendeu o telemóvel e afundou o aparelho no bolso, vendo que estava perto da entrada e que Jirou já o esperava, impaciente e de sorriso simpático.

Os seus olhos escuros pareciam querer gritar, contudo, estava firmes e decididos. Depois poderia desabar, agora, tinha de correr bem.

Entreolharam-se somente mais uma vez e Bakugou assentiu com a cabeça. Então, entraram no parque.

Cada um pagou as suas entradas e, ao ultrapassarem as cancelas que dividia a rua das diversões, um vasto lugar de gritos e sorrisos se abriu aos seus olhos.

O olhar de Katsuki deslizou discretamente na direção da menina, maravilhada com o lugar. Os seus olhos pareciam perder-se em cada montanha russa e os lábios rasgavam-se discretamente. Mesmo assim, o mais alto não pode evitar o sorriso. Era bom vê-la distraída e realmente empolgada com algo.

“ – K-Katsuki!”. – Chamou, meio timidamente e sentindo as bochechas meio coradas. O rapaz só a encarou. – “Apesar do plano… Achas que podemos ir à montanha russa?!”.

Parecia uma pergunta um tanto infantil, tendo em conta o motivo para se encontrarem ali, mas Jirou não podia evitar. Há quantos anos não andava numa coisa daquelas?!

Bakugou limitou-se a encolher os ombros e rir baixinho, anasaladamente.

“ – Claro. Isto fecha lá para a meia noite, temos tempo para tudo”.

A de cabelos roxos sorriu e assentiu, tratando agora de olhar à volta.

“ – Se vires algum sinal da Momo, avisa”. – Disse-lhe o loiro, agora com um rosto mais sério e as duas mãos nos bolsos. Jirou imediatamente ficou a encarar toda a parede direita enquanto a esquerda era revista pelos olhos vermelhos. Tinham de ser discretos e manter o plano a cem por cento.

Seria estranho.

Cerca de dez minutos depois – oh, longos dez minutos –, Kyoka arregalou a vista ao ouvir o seu nome ser gritado.

“ – Kyoka-chan!”.

Girando o corpo rapidamente ao reconhecer a voz, toda ela petrificou ao ver Yaoyoruzu, coisa que Katsuki não pode evitar pelo canto do olho.

As suas orelhas ganharam outro tom de vermelho quando o vestido custo e rosa de Yao-Momo apareceu, acompanhado do seu sorriso gentil e de braço dado a um rapaz que nunca tinham visto na vida. Por momentos, até a mais baixa do grupo se tinha esquecido do plano e Bakugou percebeu imediatamente que era a sua vez de entrar.

Então, olhou para a frente.

O que mais chamou a atenção não era os ténis bonitos de Momo e muito menos o seu cabelo com um rabo de cavalo muito bem arranjado e simples, mas sim o rapaz ao seu lado. Era ligeiramente mais alto que ela – o que já era louvável, pois Yaoyoruzu exibia os seus metro e setenta e dois com orgulho – e um pouco mais baixo de Katsuki. Tinha cabelos loiros também, mas muito lisos com franja e mais berrantes, por assim dizer. Olhos azuis brilhantes e sorria de maneira simpática para os amigos da namorada. Pelas suas roupas, andar e cara, parecia um miúdo completamente normal.

Bakugou não foi com a cara dele.

“ – Momo!”. – Gritou a menina, saltando imediatamente para perto dela e abraçando-a com força. O braço direito do suposto namorado foi abandonado para retribuir aquele gesto amigo e foi aí que Neito encarou Katsuki nos olhos.

Os seus azuis arregalaram-se como se o reconhecesse de algum lugar, mas não abriu a boca.

Depois de uma conversa rápida e amigável, Yao-Momo percebeu que não apresentara ninguém, ficando ligeiramente envergonhada.

“ – Então… Esta é a minha melhor amiga, Kyoka Jirou, e um grande amigo meu, Bakugou Katsuki”. – Apontou para casa um, enquanto os dois acenavam de maneira simpática, sem parecer minimamente que gritavam palavrões internos a mandá-lo à merda. – “E, pessoal, este é o meu namorado… Monoma Neito”.

Os dois amigos somente encararam os olhos azuis incrivelmente bonitos do rapaz, que sorriu acenando para os dois. Kyoka forçou um sorriso simpático – e completamente falso, tanto que Katsuki teve de fazer um esforço para não se rir –, enquanto Bakugou não fez literalmente nada. Simplesmente o encarou, sério, esperando que Monoma dissesse algo.

Ele manteve-se calado.

“ – Ah, vai ser divertido hoje”. – Disse Jirou, observando Momo mais uma vez, de alto a baixo. O loiro mais alto encarou-a, arqueando uma sobrancelha. Não queres ser mais discreta? – “Querem ir onde primeiro?”.

“ – Ah!”. – Yaoyoruzu exclamou, batendo palmas, animada. – “Que tal irmos a uma pequena montanha russa de água? É calma, mas é mais como uma espécie de passeio à volta do parque e dá para o ver todo em mais ou menos cinco, dez minutos. É mesmo aqui ao lado! O que acham?”.

“ – Por mim”. – Bakugou encolheu os ombros e voltou a encarar o casal à sua frente.

Arregalou ligeiramente os olhos ao perceber que os olhos azuis que mal conhecia se fixavam a ele como ímans. Okay, oficialmente, Neito não era, de todo, normal. Olhava para si como se tivesse algum rancor dentro dele, parecia roer-se por dentro. Ligeiramente incomodado, Katsuki então observou-o de volta igualmente sério, esperando alguma reação.

Novamente, ele manteve-se calado.

“ – Então, está decidido!”. – Sem escutar nada da conversa até aquele ponto, Kyoka agarrou-lhe no pulso e arrastou-o assim como Momo fazia com o namorado, vendo as duas sorrirem muito uma para a outra a conversarem animadas.

Mesmo assim, Bakugou lançou um mísero sorriso quase invisível. Jirou estava feliz. Yao-Momo estava feliz.

Ele podia aguentar um paspalho de merda por elas.

Mas só para se certificar…

Olhando por cima do ombro e de lado, arqueou uma sobrancelha para Monoma e deixou um aviso muito claro entre eles.

“Não te aproximes, ou estás fudido”.

Pela primeira vez, Neito sorriu pelo canto dos lábios.

(…)

Ao entrarem na primeira diversão que tinham decidido, Momo suplicou ao namorado para que Kyoka fosse ao seu lado, já que queria muito ir ao seu lado. O de olhos azuis subiu as duas sobrancelhas, parecendo ligeiramente surpreso com o pedido.

Abriu a boca para dizer algo, até encarar pelo canto do olho a vista avermelhada e mortífera de Katsuki a pesar sobre si. Tinha os braços cruzados e se não fosse humano, Neito diria com toda a certeza que lhe estava a rosnar.

Encolheu os ombros como resposta, o que foi o suficiente para que Yaoyoruzu puxasse a melhor amiga para se sentarem na fila à frente dos dois rapazes.

Uhm.

Entreolharam-se os dois sem dizer nada, apercebendo-se de que se tinham de aturar.

Certo. Um imbecil para aturar outro. Nada de novo.

Bakugou foi o primeiro a tomar a atitude, avançando para os bancos duplos e ficando ao lado esquerdo do pequeno comboio que pairava sobre a água. Seguindo o seu exemplo, Monoma entrou, esperando que o adolescente que vigiava a diversão fosse até eles baixar a cancela de segurança.

Percebendo que as outras duas se focavam somente nas suas conversas e se tinham esquecido completamente do mundo à sua volta, Katsuki viu-se sozinho ao lado de um rapaz que já abominava sem nem sequer o conhecer pessoalmente. Rezou aos céus para aquilo ser rápido, contudo, nem um pingo de arrependimento passava pela sua face. Aquela era a altura de ajudar a Momo, então, ele iria fazer de tudo o que estivesse ao seu alcance.

Mesmo que tivesse de aturar o filho da puta do Neito.

Assim que o monitor se aproximou deles e mais ou menos a uns lugares de distância para se certificar que a segurança estava em ordem, Monoma pousou de maneira calma as mãos sobre o cinto metálico de segurança.

E, assim que ele foi abaixado com um estrondo, lançou um sorriso malicioso, olhando de maneira irónica para Bakugou e sussurrando somente uma frase.

“ – Como tem andando o Izuku?”.

Ao início, juro por tudo que Katsuki julgou ter escutado mal. Arregalou rapidamente os olhos e olhou-o quase que automaticamente, vendo-lhe a face. Não… Ele não se tinha enganado, de certeza.

“ – Desculpa?”. – Perguntou, sem bem saber como reagir.

“ – Oh, tu sabes… Queria saber como ele está. Há anos que não o vejo!”. – E riu anasaladamente.

O cérebro do mais alto ficou a mil há hora. Que merda era esta? Midoriya nunca tinha mencionado nenhum Monoma Neito antes; aliás, podia ser bluff, sei lá. Yao-Momo podia ter mencionado que eram melhores amigos e agora tentava tirar partido disso. Sim, tinha de ser isso. De certeza que queria explorar algum ponto fraco seu e usava a única coisa que sabia, o nome do seu melhor amigo.

Arqueou uma sobrancelha e escondeu imediatamente a surpresa no rosto, tentando não parecer o que sentia.

“ – Eu não sei do que estás a falar”. – Por fim, disse.

O carril começou a andar sobre a água e ouviu-se gargalhadas das duas meninas à frente. Mesmo assim, os olhos vermelhos não vacilaram, fitando somente o rapaz ao seu lado, que mantinha a mesma postura confiante.

“ – Oh, é claro que sabes”. – Voltou a rir-se. Depois de uma pausa, deslizou a vista para a frente, fingindo-se de distraído. – “É o rapaz que andas a enrabar, não é?”.

Eu juro por tudo que Katsuki queria seguir o plano.

Eu juro.

No segundo seguinte, a gola da camisa social azul clara de Neito foi completamente enrolada e agarrada pelo punho duro de Bakugou, olhando-o nos olhos e sentindo a face ficar quente de raiva.

Ninguém tinha o direito de mencionar o nome de Deku daquela maneira tão… Grotesca.

Neito decidiu fazer-lhe frente, continuando a sorrir. O mais alto não sabia o que raios ele estava a planear, mas ter algum encontro amoroso com Yao-Momo ou criar bom ambiente não era de certeza. Poderia, talvez, mostrar preocupação com Izuku – coisa que ele não pretendia, afinal, mal conhece o louco do Monoma – e isso seria uma carta verde para o sorriso malicioso que ele lançou, assegurando-lhe que a sua teoria estava certa.

Rangeu os dentes e engoliu em seco, tentando controlar-se internamente.

“ – O que caralhos tu queres com o Deku?”. – Sibilou, apertando a vista. Ele teria um infarto se não esmurrasse imediatamente aquele rosto. Tinha de se controlar, seguir o plano…!

Uma descida brusca chamou-o à atenção, perdendo ligeiramente a força por onde agarrava o outro loiro, encarando a ligeira montanha russa e os berros das outras duas, sem perceber nada do que se passava atrás delas. Assim que surgiu oportunidade, o rapaz soltou-se de Katsuki, empurrando com toda a calma e delicadeza a mão do mais alto de volta para o topo da cancela de segurança.

“ – Eu não quero nada com ele, Bakugou”. – E sorriu-lhe da maneira mais angelical possível. – “Só não sabia que andavas a trair a tua namorada, Kyoka”.

Mordeu o lábio inferior para impedir de gritar uma data de palavrões ou de atirar a merda do Neito borda fora daquela porra e implorar para ser atropelado por todas as diversões do parque. Não, calma. Não se podia desfazer do plano agora.

“ – Deku é somente o meu melhor amigo. Que merda é essa? Nós não temos nada”. – Sibilou-lhe da boca para fora, afim de proteger o plano ao máximo.

“ – Uhm?... É verdade?”. – Quis confirmar, rindo anasaladamente, assim que aterraram na água e as duas amigas gargalhavam, agora a dar uma volta completa pelo parque de diversões. – “Isso é bom. Eu ia jurar que vocês tinham alguma coisa ou gostavam um do outro, sabe-se lá”.

“ – Eu não sou gay, caralho”. – Só pelo Deku, mas isso não vem ao caso. Arreganhou os dentes e respirou fundo, fechando a vista, para se acalmar. Mais um segundo a olhar para a merda daquele cínico e ia ter um chilique. – “Eu namoro com a Kyoka. Fim de história. O Deku não significa nada para mim”.

“ - …Certo. Achava mesmo que tinham. Erro meu!”. – Levantou as mãos, a fingir-se de arrependido.

Neito não disse mais nada, assentindo.

Katsuki não abriu a boca durante aqueles cinco minutos de passeio que pareceram infernais. De braços cruzados, tentava pensar, primeira de tudo, onde raios ele sabia do nome de Midoriya. Teria sido Momo a mencionar? Mesmo assim, não havia como saberem que estavam ‘juntos’, não depois da mentira que tinham combinado até agora. Todo o seu ser canalizava os seus pensamentos para Monoma. Ele não era burro, muito pelo contrário, para fazer uma merda destas é preciso ser-se um génio do mal.

Assim que a volta terminou, Jirou começou a conversar animadamente com a amiga enquanto saíam, olhando para Bakugou. No entanto, pela distração, quase bateu em alguém que correu muito rápido para fora. Possivelmente, seria para experimentar outra diversão, já que as filas estavam a aumentar.

“ – Tudo bem?”. – Apesar do sorriso e tom alegre, sabia que aquela pergunta era de duplo sentido. Ela queria conferir se realmente tinha corrido tudo bem.

Katsuki ponderou seriamente em mencionar discretamente o ocorrido, no entanto, o importante era acabar com a situação abusiva contra Yaoyoruzu. Falaria se fosse preciso do nome de Deku ter sido mencionado, mas só mais tarde. Então assentiu, mesmo sério.

“ – Tudo, amor”.

Tentou aguentar o riso ao ver que Jirou tentava não gargalhar quando ouvira o tom nojento em que o amigo estava a tentar ser carinhoso. Limitou-se só a ficar ao lado da amiga, decididas agora a ir andar num carrossel qualquer no meio do parque.

Neito ficou para trás, encarando a silhueta da namorada com um ar satisfeito. O rapaz era um ótimo ator, a sério; Kacchan que o diga. Pelo canto do olho ele diria sem hesitar que era um rapaz super orgulhoso do amor da sua vida, que se amavam até ao fim do mundo, que preferia a felicidade dela ao lado da amiga do que um dia a sós com ele.

Mas para quem o conhece, consegue ver que Monoma é só um excelente filho da puta a fingir-se de inocente.

Otário de merda.

“ – Posso saber porque me estás a olhar discretamente?”.

O de olhos azuis vincou a vista de lado para o outro loiro, agora sério. Bakugou quis matar-se internamente por ter sido pouco discreto, deslizando a vista para um balão qualquer bem mais interessante que aquela conversa. Nenhum abriu a boca durante uns dois minutos.

Mesmo assim, o mais baixo não parou de observar o rapaz problemático, de mãos nos bolsos e passos vincados. Engoliu em seco e voltou a fitar Neito, agora decidido a fazer umas quantas perguntas para tirar satisfações.

“ - …De onde conheces o Deku?”. – Perguntou, cansado de enrolar o que tanto queria saber. Obrigou-se a ficar sério, no entanto, não podia ignorar o facto que a pessoa que mais amava estava agora sobre o conhecimento de alguém que já não gostava, quanto mais confiar. Para falar tão seguro de si, com toda a certeza que Neito tinha alguma carta na manga.

“ – Uhm? E porque eu tenho de o conhecer, Bakugou-kun?”. – Respondeu em tom de pergunta, numa voz meio tímida. – “Eu só ouvi a Yaoyoruzu a…”.

“ – Ouviste o caralho!”. – Gritou-lhe, já fora de si e sentindo-se a perder as estribeiras, parando bruscamente de andar. Infelizmente, isso tinha chamado a atenção de Kyoka e Momo, que rapidamente se viraram para ver o que se passava. – “Responde-me como deve de ser! Qual é o teu problema?!”.

Monoma sorriu de canto, pronto para responder à letra. No entanto, ao sentir os olhares das duas meninas sobre si, encolheu-se imediatamente, dando um passo para trás.

“ – D-Desculpa, Bakugou-kun… Eu só estava a tentar conversar contigo…”.

Os olhos vermelhos arregalaram-se, sem acreditar.

Olha a audácia do filho da puta.

“ – Neito!”. – A voz de Yao-Momo berrou, correndo até ao namorado, quase em choque. – “Está tudo bem?”.

Jirou aproximou-se, sem conseguir parar de olhar em choque para o amigo, agora petrificado com a situação.

 “ – Katsuki! O que te deu?!”. – A voz irritada de Yaoyoruzu soou, contra o grande amigo, abraçando o namorado. – “Tu não és assim! Pede desculpa!”.

Os olhos avermelhados do mais alto ali presente pararam, estáticos, em Momo e Neito. Não… Não era para as coisas se descontrolarem assim. Não, não, não. Ele não queria ser outra vez o revoltado, o irritado. Ele só queria ajudar, eu juro que queria! Ele não queria piorar, ele só queria ser útil uma vez na vida, ele…

Ele não era assim.

Kyoka não tirava a vista negra do companheiro. O que raios tinha dado no Bakugou? Ele não era assim por nada.

Ele não era assim… Por nada...

Quando ela arregalou os olhos, foi tarde demais.

Neito abraçou com força Yaoyoruzu, ao mesmo tempo que Jirou berrou com força o nome de Katsuki e correu para ele, agarrando-o pelas costas.

Então, Monoma sussurrou.

“ – Pelos vistos, é impossível conversar com o ateu mentiroso da família que nem se sabe proteger de um padre... Quanto mais outro, não é?”.

Oficialmente, Bakugou não se responsabiliza por inevitáveis mortes.

Sentindo o corpo borbulhar e soube imediatamente o que aquela frase significava. Sabia que ia cagar tudo – mais uma vez –, enquanto a mais baixa implorava para ele não fazer nada, tentando impedi-lo de dar passos. Infelizmente, ele tinha mais força. Não sabia como caralhos ele sabia, no entanto, tudo o que tinha a certeza é que ele queria muito arrebentar aquele Neito de merda até o cérebro lhe sair em líquido pela orelha.

Queria bater-lhe imediatamente, queria perguntar-lhe mil coisas, apesar de já saber quase todas as respostas. Monoma podia ser inteligente para provocar algo tão grande ao ponto de estar pronto para lhe estoirar o crânio e ver o seu sorriso ir para a puta que pariu.

Então, dois passos depois, o mais velho parou.

Espera.

Espera…

“ – Isto é tudo o que o Neito quer!”. – Queixou-se Jirou, em pânico. – “Para, Katsuki, por favor!”.

De facto, ele obedeceu. Parou de andar.

Os três encararam-no tanto em surpresa como em confusão. Então, levantou a cabeça e fuzilou os dois à sua frente com o olhar.

Bakugou estava cansado desta merda.

“ – Tu!”. – Apontou para Yaoyoruzu, que se surpreendeu com o gesto repentino. – “Vai à merda!”.

“ – Katsuki?!”. – Berrou Kyoka, arregalando os olhos. Enlouqueceu de vez, só pode.

“ – E tu!”. – Desta vez, o dedo indicador estava contra o namorado da menina, que levantou as sobrancelhas. – “Vai também para o caralho, antes que me esqueça”.

“ – Mas tu estás bem?!”. – Reclamou Momo, sem acreditar nas palavras do amigo. Ele tinha enlouquecido?

Andou rapidamente na direção da amiga e sem pensar duas vezes, separou-a do namorado com força, empurrando-o para o chão. Sem pensar duas vezes, agarrou bruscamente no pulso da amiga, que arregalou os olhos.

“ – Para de achar que tens de acartar com a merda toda sozinha!”. – Gritou-lhe, contra a cara, vendo o seu olhar vacilar. – “Tu não estás feliz! Tu, eu e a Kyoka sabemos da merda toda que se passa aqui e eu não vou tolerar nem mais um segundo teu ao lado deste caralho ambulante!”.

“ – Hey!”. – Queixou-se o loiro, levantando-se, irritado.

“ – Cala a boca que ninguém falou contigo, ó filho da puta. Quieta o cu”. – Sibilou-lhe, voltando a fitar a amiga. – “Eu demorei anos, mais anos e meses para aprender a confiar em alguém, okay?! Eu não vou deixar que o erro se repita. Não preciso de ser eu, não precisa de ser alguém da tua família! Mas precisa de ser alguém!”.

Então, o seu indicador esquerdo virou-se rapidamente na direção da mais baixa, em choque com as palavras.

“ – Ela é literalmente tudo o que eu pedi ao longo dos anos! Alguém confiável, que nos ama como somos e que não quer saber dos impossíveis, porque vai estar sempre ali para o que der e vier. Todos temos as nossas histórias, os nossos passados trágicos, mas foda-se isso! Segue em frente, para com isso, ele só te magoa! Tu sabes disso, mas queres deixar toda a gente orgulhosa; no entanto, tu continuas na merda e nada em ti te faz orgulhar, quando vês que no espelho ele te deixou com o outro olho negro ou assim. Estou certo?!”.

Os olhos negros de Momo começaram a molhar-se, enquanto estava estática. Ela tremia, sem acreditar no que ouvia. Katsuki tinha toda a razão. Ele sabia perfeitamente a sensação de querer agradar toda a gente, no entanto, todos os dias acordar com vontade de chorar por saber que a sociedade e nós próprios somos coisas diferentes.

“ – Então, para! Eu demorei anos a encontrar alguém e eu não vou deixar-te desperdiçar o Deku da tua vida, ouviste?! Todos nós temos um Deku, que está lá para nós o resto da vida. E a Kyoka é o teu! Então esquece, parte para outra, vive a tua vida! Mas por amor de Deus, sê feliz!”.

Yaoyoruzu soluçava, sem saber o que fazer. Cada palavra dita de Bakugou era uma facada no seu peito e tinha a perfeita noção do quão certo ele estava. Pareciam iguais, por segundos. Queria fugir, correr e não voltar a olhar para trás, fugir de Monoma que a assustava, por mais que tentasse manter um relacionamento limpo e incrível à frente de todos.

Sem mais tempo a perder para Yao-Momo pensar, Katsuki andou bruscamente até Jirou, que se assustou quando sentiu o seu pulso ser agarrado. Então, juntou as mãos das duas, que se olharam nos olhos sem acreditar.

“ – Aproveitem que não têm ninguém que vos impeça de estarem juntas. Aproveitem que, mesmo que não tenham famílias perfeitas, nenhuma o é. Há pessoas boas e más. Mesmo sem terem um pai ou que sejam da mesma classe social, ainda há futuro para vocês. Vocês podem dar as mãos sem ter medo de apanhar ou beijarem-se com vontade quando quiseres. Não sei se é possível da parte da Momo de ficarem juntas, mas por favor, não desperdicem a oportunidade de serem felizes”.

A mais alta tremeu, dando outro soluço. Kyoka sentiu a vista ficar molhada e sem hesitarem nem mais dois segundos, abraçaram-se com força, desabando nos ombros uma da outra, entre risadas baixas de alívio e liberdade.

Liberdade.

Momo poderia realmente ser livre agora.

Neito observava cada palavra do discurso sem abrir a boca. Analisava todos os gestos, palavras, sério, como se estudasse aquilo. Bakugou afundou as mãos nos bolsos e sorriu miseramente, sentindo vontade de chorar também por dentro. Ter-se todas as oportunidades devia ser incrível.

“ – Ah!”. – Exclamou, virando-se para o de olhos azuis. – “E antes que eu me esqueça”.

Andou a passos pesados na direção do rapaz, que o encarou sério, sem abrir a boca. A troca de olhares tensa prolongou-se por uns segundos, até finalmente ser o mais velho a ganhar coragem para falar.

“ – Espero que não te aproximes mais da Yaoyoruzu”.

As duas meninas ligeiramente afastadas encararam para a conversa, preocupadas. Sentindo o corpo da melhor amiga a tremer, Jirou puxou-a na sua direção e sorriu-lhe, mostrando que tudo ia ficar bem.

Afinal, Katsuki era incrível.

“ – Se não o quê?”. – Semicerrou a vista, com um olhar duro sobre o de olhos vermelhos. Bakugou arqueou uma sobrancelha, agarrando-lhe bruscamente na gola da camisa.

Antes mesmo de voar algum soco para a cara dele e de Kyoka achar por segundos que se tinha enganado, o riso anasalado por parte de Katsuki soou, coisa que deixou os outros três confusos. Então, sorriu maliciosamente, olhando para o lado, enquanto dizia só uma frase.

“ – Diz-lhe que, para a próxima vez que o meu avô quiser contratar informantes sobre a minha vida, por favor, que arranje alguém mais discreto”.

Então afastou-se e viu somente o rosto em choque de Neito, momentos antes de virar costas e de afastar as outras duas para qualquer ponta do parque, onde Monoma não os poderia mais ver.

Também não os seguiu, dando meia volta e indo embora.

(…)

“ – Jirou”.

Momo olhou-a nos olhos, frente a frente à mais baixa. Nervosa e vermelha, Kyoka engoliu em seco penosamente, séria. Katsuki encontrava-se um pouco mais afastado, vendo agora o por do sol ao longe. Não abriu a boca nem se atreveu a interromper. Elas precisavam de se entender.

Não sabia o que vinha dali, no entanto, era previsível que Yaoyoruzu não sentia o amor que a melhor amiga tinha por si. Eram amores diferentes e honestamente, o coração de Bakugou sentiu-se magoado ao prever a ligeira friendzone que a amiga ia levar. Não queria ser o culpado daquilo, mas de facto, a culpa não era de ninguém. Sentimentos são coisas incontroláveis e Yao-Momo teve simplesmente o azar de se apaixonar por ele.

“ – Já deves saber, mas…”. – Fez uma pausa, deslizando a vista para o lado. Na zona onde estavam, algumas diversões já estavam encerradas, então estava praticamente deserto e só o ligeiro vento é que as rodeava.

Engoliu em seco e, decidida, Momo olhou nos olhos da amiga.

“ – Eu não sinto isso por ti”.

Honestamente, Jirou já esperava. Mesmo assim, precisou de fechar os olhos e obrigar-se a não chorar, enquanto apertava com força as calças por entre os dedos e comprimia os lábios. Ouvir algo assim da boca da pessoa que amamos é doloroso, Bakugou que o diga. Teve de se obrigar a ficar quieto e a dar-lhes o seu momento, por mais que quisesse abraçar as duas. Momo não devia estar muito melhor, sentindo aquele peso na consciência involuntário.

O silêncio perdurou por um tempo. Nenhum abriu a boca e Katsuki permitiu-se suspirar sem som, afundando mais as mãos nos bolsos, agora inquieto. Queria ajudar, no entanto, a melhor ajuda que daria agora era ficar quieto e encarar a situação.

“ – ...No entanto”.

As duas palavrinhas foram soltas dos lábios suaves de Yaoyoruzu, captando imediatamente a atenção dos olhos ligeiramente molhados de Kyoka e até mesmo os do amigo, que se agarrou às costas da mais alta com a vista, agora verdadeiramente ansioso.

" - Eu quero sentir”. – Admitiu, com um ligeiro sorriso e levando a mão direita contra o peito, determinada. – “Eu quero sentir algo por ti, mesmo que ainda não tenha nada. Porque eu sei que me farás a mulher mais feliz do mundo".

Bakugou quase que conseguia ver Jirou em câmara lenta, a arregalar os olhos e levantar a cabeça toda erguida, sem acreditar naquelas palavras, toda corada. Yaoyoruzu, então, sorriu de orelha a orelha e abriu os braços, sussurrando a frase onde colocava todos os seus sentimentos mais sinceros e implorando quase de joelhos.

" - Então, por favor, ensina-me a amar-te".

 (...)

Kyoka e Momo, agora sozinhas, entrelaçavam as mãos entre risadas e conversavam animadamente, enquanto saíam do parque.

“ – Ah, Kyo!”. – Exclamou Yaoyoruzu, encarando agora a latinha vazia do refrigerante que antes bebiam. – “Eu já acabei. Queres que eu despeje também a tua latinha?”.

“ – Agradeço!”. – Respondeu com um sorriso, estendendo-lhe o seu pacote. Com um sorriso, a mais alta agarrou nos alumínios vazios e dirigiu-se para o caixote do lixo da entrada do parque, admirando-se ao ver o seu conteúdo. – “Ah?”.

“ – O que foi?”. – Sussurrou Jirou, dirigindo-se com calma na sua direção, espreitando lá para dentro.

“ – Um bolo?”. – Murmurou, confusa. – “Está inteiro. Mas quem deitaria fora algo tão bom?”.

“ – Sei lá”. – Afirmou, levantando as duas sobrancelhas. – “É estranho. Mas podia estar estragado”.

A outra riu baixinho, deitando fora as duas embalagens e dando a mão novamente à menina.

“ – Talvez seja de algum ex-namorado indesejado, não?”. – Afirmou a voz irónica da mais baixa.

“ – Tu és terrível!”. – Disse em voz alta, agora ambas a gargalhar e deixando para trás o caixote do lixo.

 

 

 

 

 

 

(Bónus)

Izuku olhou para o relógio pela milésima vez, impaciente. Batia constantemente com o pé no chão e um pequeno pacote debaixo do braço, já com as entradas pagas e dentro do parque.

Estalou a língua no céu da boca – maldito Katsuki influenciador – e tentou mais uma vez ligar-lhe para o telemóvel, sem efeito. Estaria no silencioso? Estranho. Eles tinham combinado se encontrar e Bakugou nunca se atrasava ou parava de lhe responder, quanto mais para um encontro.

Estava ansioso; tanto que mordeu o lábio inferior, a rir-se anasaladamente. Será que Bakugou iria notar que tinha uma tshirt nova? Ou que tinha colocado mais perfume que o normal? Queria beijá-lo, no entanto, não sabia se podia.

Suspendeu o telemóvel, sentindo a ansiedade roer-lhe as entranhas. Apesar de tudo, olhou para a frente e sorriu de orelha a orelha, ao reconhecer aqueles cabelos loiros em qualquer lugar.

“ – Hey, Kacch…”.

Todo o seu corpo petrificou, ao ver que ele não estava sozinho. Imediatamente, sentiu-se a transpirar e quis correr dali para fora, ao reconhecer a pessoa ao seu lado. À frente, Jirou e Momo conversavam animadamente, ou pelo menos pareciam elas; Izuku não conseguia desprender os olhos do rapaz ao lado de Bakugou.

Imediatamente, quis fugir.

Não.

Digam-me que é mentira. Por favor.

Eu juro que nunca mais tento. Mas, por favor, digam-me que não é ele ao lado do seu Katsuki.

Deu um passo para trás, sentindo-se intimidado e pronto para correr dali para fora, já com falta de ar. Instintivamente, levou a mão ao seu bolso e viu que estavam lá os seus medicamentos, em caso de emergência. Respirou fundo ligeiramente de alívio e a ansiedade estava a corrompe-lo por dentro, vendo que o olhar desligado do amigo estava a seguir as duas meninas, em direção a algum lugar.

Izuku não queria ver. Simplesmente girou o corpo, para ir embora e fugir, fingindo que não tinha conseguido vir.

“Eu amo-te é a ti, Katsuki. Não à Jirou”.

Sentindo lágrimas de ansiedade nos olhos, rapidamente virou-se e andou a passos pesados e rápidos na direção deles, decidido.

Estava na hora de tirar algumas satisfações, ele mesmo.

(…)

Sentou-se discretamente a umas duas filas de distância dos amigos. Enquanto as meninas estavam na primeira fila, o seu melhor amigo estava ao lado do outro rapaz que lhe dava calafrios só de reconhecer a sua nuca.

Não tinha mudado nada.

Quando a sua cancela de segurança baixou, encarou aqueles os dois atentamente, agarrando no pacote de maneira firme no seu colo, começando a esfregar com as unhas os seus cantos perfeitos e embalados com papel de embrulho. Mordeu o lábio inferior ao perceber que, por ficar mais atrás afim de se camuflar, não conseguia escutar o que raios o outro loiro tinha murmurado a Katsuki.

Os dois pareciam sussurrar coisas um ao outro e até mesmo se permitiu inclinar ligeiramente para a frente para tentar escutar qualquer coisa. No entanto, quase se desequilibrou de susto ao ver que Bakugou tinha ficado com raiva – possivelmente de algo que não gostou de ouvir – agarrando pelo colarinho do outro rapaz de olhos claros.

“ – O que caralhos tu queres com o Deku?”. – Conseguiu ouvi-lo sibilar, sentindo o corpo petrificar.

Porque estavam a falar dele? E como assim querer alguma coisa com ele?! Não, oh meu Deus, isso é que não podia ser. Aquilo não lhe cheirava nada bem, tanto que o seu coração parecia saltar-lhe do peito, tendo todas as memórias do passado à flor da pele.

Apesar da sua ansiedade para saber mais, a descida brusca apanhou-os de surpresa, fazendo com que o mais baixo se desprendesse do de olhos vermelhos.

“ – Eu não quero nada com ele, Bakugou”. – A voz fria arrepiou até à alta de Izuku, querendo imediatamente fugir ou saltar borda fora daquele pequeno barco. Já que se tinha metido naquilo, hora de manter até ao fim. Já estava a ficar cansativo espiar pessoas para um só capítulo, no entanto, não havia nada a fazer. Katsuki nem sequer lhe contara que o… Conhecia! E só esse pequeno motivo era o suficiente para Midoriya querer afogar toda a sua cara na água e depois esfrega-la no asfalto.

A voz dele era tão familiar que fez com que os seus olhos verdes fossem fechados com medo e força, apertando agora o embrulho com uma certa inquietação. Tentou focar-se na conversa e ignorar tudo o resto. Precisava de saber a verdade. Ele não podia estar certo.

“ – Só não sabia que andavas a trair a tua namorada Kyoka”.

O seu coração falhou uma batida.

Neito não podia estar certo. Simplesmente não podia. Prometeu a si mesmo nunca mais dizer aquele nome, no entanto, naquela circunstância de desespero, esqueceu-se de tudo o que já tinha jurado ou deixado de jurar. Vincou as unhas agora na cancela metálica de segurança, rezando interiormente para ter entendido mal. Por favor, aquilo tinha de ser mentira. Tinha de ser só um dos jogos de Monoma!

Não. Claro que era.

Que falta de noção desconfiar de Bakugou e espiá-lo. Isso permitiu-o sorrir um pouco, ligeiramente com o peso na consciência.

Katsuki nunca o trairia daquela maneira. Apesar de se amarem, eram melhores amigos. Izuku sempre o ajudou a vida toda e vice-versa. Eram literalmente almas gêmeas, parceiros no crime, faziam tudo juntos. Seria uma tremenda falta de noção errar daquela maneira.

Além disso, Kacchan amava-o.

Por isso, podia confiar nele.

Estava tudo bem e aquilo era mentira.

“ – Deku é somente o meu melhor amigo. Que merda é essa? Nós não temos nada”.

Lentamente, a vista esverdeada perdeu o brilho para, logo depois, se encharcar completamente, sentindo o seu peito ser esborrachado sem dó nem piedade contra qualquer parede. Jurou sentir os sapatos gastos de Katsuki pisarem cada sentimento seu e ouvir a sua risada irónica.

Os seus ouvidos tinham de lhe ter mentido. Tinha de ter escutado mal. Podiam não namorar nem nada, mas… Mas ele sabia que eram alguma coisa! Não eram agora só amigos, eles amavam-se! Izuku amava-o com todas as forças e sempre o tentou ajudar, por mais que errassem miseravelmente a toda a hora, aprendiam juntos. Eles tinham uma história.

Eles eram a sua história.

Abafou um soluço para dentro e deu graças a Deus por passarem por uma cataraca de água ali ao lado e artificial.

“ – Eu não sou gay, caralho”.

Para… Por favor, para.

Ele nem conseguia mais escutar a voz de Neito.

Lentamente, tapou as orelhas e sentiu a vista deitar tudo para fora, enquanto mordia o lábio inferior e tentava não gritar ou fugir.

“ – Eu namoro com a Kyoka”.

Izuku tinha sido tão estúpido.

“ – Fim de história”.

…O quê?

Ele achava que alguém como Bakugou Katsuki, um rapaz tão bonito e engraçado, rebelde e o completo oposto dele, baixo e magricela, ia realmente olhar para ele? No meio de tantas meninas bonitas, ainda para mais suas amigas?

Ele nunca, sequer, gostou de nenhum rapaz. Porque gostaria logo do Midoriya? Teria somente sido uma brincadeira de mau gosto? Alguma vingança, sei lá, do que tinha acontecido com o Shoto?

Mas Izuku nunca lhe mentiu. Disse-lhe sempre a verdade.

“Fim de história”.

Sentia-se destruído. Tanto que, assim que aqueles cinco minutos torturantes acabaram, saiu a correr da diversão e empurrou Kyoka sem querer, sem ela conseguir reconhecê-lo.

E, à saída do parque, deitou o pacote fora.

Um pequeno bolo que tinha tentado fazer sozinho, como pedido de desculpas.

Tinha o sabor favorito dele.

 

E por isso mesmo, ele não ouviu o discurso de Katsuki.


Notas Finais


Okay, eu não gostei da playlist antiga

Então tá aqui a verdadeira perfeita cheirosa maravilhosa:

https://open.spotify.com/user/_martatata_/playlist/1bpv3JjAz3Y9WAAJY6rU4m?si=ewYo4yLQQQeQ0UFPEjVy1g

ELA É BOA EU JURO, VÃO OUVIR QUE DEU UM TRABALHO PARA SELECIONAR CADA COISA DEDO A DEDO, AMO-VOS NÃO ME APEDREJEM PLZ

EDIT URGENTE::

Eu postei dois capitulos juntos sem querer. Então, a cena do café (caso tenham lido) é cannon e está presente no próximo capítulo. A cena das mensagens KatsuDeku foi eliminada, não existe!

Desculpem o incómodo.



Não se esqueçam de entrar no grupo de Church!:

Ah, e quem odiar a Momo porque ela beijou o Katsuki só para pedir socorro em silêncio EU VOU MATAR-TE OKAY? Bjs Momo é linda.


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