História Tão Doce Quanto Pimenta - HIATUS - - Passeio Noturno

Dormi antes que Suga respondesse a mensagem que mandei, mas fui novamente acordada por uma chamada de vídeo pela manhã. Nem me dei o trabalho de me arrumar, apenas cobri um pouco do rosto com a coberta e atendi sonolenta.

-Cadê a Lucy?! - Foi a primeira coisa que ele disse rindo.

-Bom dia pra você também.

-Por que você não se arrumou? Por um momento achei que fosse algum tipo de monstro.

-Vou nem te responder, se não vou ser mal educada.

-Okay, vamos direto ao assunto: temos mais dois dias - Disse ele com um ar tristonho - Vou estar livre hoje a noite, os meninos vão sair e nós vamos fazer o quê?

-Você não vai com eles?

-Acho que acabei de responder, não? - Já estava sentindo falta de suas patadas.

-Que tal sair para caminhar um pouco?

-Já estou cansado só de pensar, mas vamos.

-Você consegue ser mais preguiçoso que eu - A risada foi um pouco abafada pela coberta - Aliás, vou ter motorista particular vindo me buscar como uma boa madame?

-Você está ficando mal acostumada, mas hoje vai ser um pouco diferente - Mais surpresas, mal podia esperar para ver o que seria dessa vez - Fique pronta até as seis da tarde.

E mais uma vez mal deu tempo de conversar muito e ele já teve que ir.

-Tenho que ir, daqui a pouco os meninos vão chamar.

-E lá se vai Min Yoongi mais uma vez.

-De noite vou ser todo seu - Estava esperando um sorriso depois daquela frase, mas ele permaneceu sério.

Fiquei sem graça demais para responder, ele deve ter percebido, porque o esperado sorriso apareceu em seu rosto, nos despedimos e ele se foi.

Permaneci deitada o resto da manhã, o show tinha acabado comigo, meu corpo doía de cima a baixo. Quando abri os olhos pela segunda vez ouvi barulhos de panelas, sabia que agora já estava na hora de sair da catacumba. 

Minha mãe dessa vez se convenceu mais facilmente, creio que depois de ontem Yoongi já tinha subido muito em seu conceito, mas ela ainda continuava com o assunto sobre estupros e assédios, tudo bem, mãe é mãe.

Agora já tinha me habituado mais a essa nova vida, O nervosismo do início foi trocado por ansiedade. Porém, o sentimento que mais de definia no momento seria a curiosidade, o que ele quis dizer com "vai ser um pouco diferente"?

Bom... não importava, tinha que esfriar a cabeça e me arrumar na hora certa, ia saber o que significava quando acontecesse. Hoje o céu estava levemente nublado, mas um pouco quente. 

Fiquei estudando por um tempo, as provas finais do bimestre seriam nessa semana, depois de minha cabeça doer de tanto pensar, apenas me deitei para ouvir músicas. Esperei dar quatro e meia para começar a me arrumar.

Nada de novo, tomei banho, coloquei um short de cintura alta e uma camisa leve de mangas longas. Dessa vez passei apenas um lápis de olho, só para não ficar com cara de anêmica. Eram cinco e cinquenta quando acabei de me arrumar, coloquei os tênis e fui esperar na sala.

-Lucy, leva um dinheirinho - Minha mãe chegou do nada, me assustando, nem vi que ela estava ali embaixo.

  -Você me assustou! De onde você veio?

-Estava ali no banheiro - Disse enquanto me entregava dinheiro.

-Não precisa, eu já tenho - Tentei recusar, mas ele continuou insistindo.

-Pega logo, vou te dar uns tapas! - Achei melhor pegar, é meio auto explicativo.

Ela ficou na sala e eu fui esperar na cozinha. Já eram seis e vinte, e nada de carro nenhum. Meu estômago começava a roncar, peguei uma maçã para ir comendo enquanto esperava. Seis e meia e nada. Saí para ficar esperando por alguma movimentação, mas a rua estava deserta.

A maçã já estava no fim quando vi um carro prata se aproximar, foi reduzindo a velocidade até parar em frente de casa, eu apenas observava curiosa. Ouvi a porta se abrindo e fechando em seguida, pensava seriamente em correr para dentro de casa, mas era Suga, vi assim que ele apareceu na frente do carro, vinha andando até mim.

-Desculpa o atraso, me perdi no caminho.

-Por um momento eu pensei que fosse um maníaco - Abracei ele com força, percebi que ele não estava esperando por isso, pois demorou um pouco para que retribuísse - Por que você não usou o GPS?

-Aquela bosta não funcionou como deveria! Chama a sua mãe, quero me apresentar.

Aquilo foi meio inesperado, mas balancei a cabeça positivamente fazendo ele dar um sorriso. Abri a porta da cozinha e gritei para que minha mãe fosse até ali. As coisas estavam ficando interessantes, será que ela iria finalmente acreditar que aquele era Suga?

-Que filha... Mas o quê? - Ela arregalou os olhos assim que viu Yoongi parado ali em frente - Não é que você parece mesmo o menino do show?!

-Mãe! - Vi que Suga fez uma expressão curiosa e ela ainda falava em português.

-Desculpa, esqueci! - Começou a falar em inglês.

-Muito prazer, sou Min Yoongi - Suga caminhou até ela e estendeu a mão.

Houve um aperto de mãos, não estava acostumada com aquela formalidade toda. Eles se encararam por um momento, acreditei que minha mãe estava escolhendo bem as palavras, mas logo percebi que me enganei quando ela verbalizou:

-Você é mesmo o menino do show? - Putz...

-Sou sim, se você quis dizer o Suga - Trocamos olhares, eu tentava segurar a risada como nunca. Aquela estava sendo a apresentação mais estranha da minha vida.

-Bom, então.. - Fiquei feliz ao ver que Yoongi interrompeu ela antes que me fizesse passar mais vergonha.

-Vim me apresentar, para a senhora saber que Lucy está em boas mãos.

Ela não deve ter gostado de ser chamada de senhora, mas deu um sorriso assim que olhou para mim, senti o rosto queimando um pouco.

-Fico feliz por isso, cuide bem dela! 

-Cuidarei - Ele finalmente sorriu outra vez, e após um momento de silêncio - Bom... Temos que ir antes que fique muito tarde.

-SIM! - Talvez eu tenha parecido um pouco desesperada, os dois olharam para mim ao mesmo tempo - An.. Antes que fique tarde, né? Então vamos.

Os dois se despediram formalmente, eu ia dando um abraço na minha mãe e Suga já caminhava para o carro.

-Deu sorte, hein Lucy! - Ela sussurou no meu ouvido enquanto abraçava.

Não consegui ter outra reação a não ser rir, coloquei o resto da maçã comida em sua mão. Então soltei e corri para o carro, ela acenava, abri a janela e acenei também. A vizinhança teria coisas a fofocar pelo resto do mês.

Quando o carro começou a andar ficamos em silêncio, até me tocar de que estava em um carro com Suga.

-Como você está dirigindo? - Ele deu uma olhada rápida.

-Eu tenho carteira de motorista na Coreia, foi uma bagunça para conseguir a documentação para dirigir aqui. Mas consegui e aluguei o carro.

-Ah, então tudo bem. Já pensei que estávamos na ilegalidade - Fui com a mão para ligar o rádio.

-Não ligue! As rádios daqui são horríveis... Sem ofensa - Completou rápido.

-Eu também acho, mas era só para não ficar tão silencioso. E para onde vamos?

-Um parque.

O resto do caminho ficamos conversando sobre a excentricidade da minha mãe. Paramos de falar quando ele estacionou em um parque muito bonito, nunca tinha ouvido falar de lá, era muito bem iluminado e com muitas árvores, além de uma grama verde linda e alguns caminhos de pedra para andar. O céu estava bem estrelado e o clima ameno comparado com aquela tarde.

Só quando descemos do carro e ele ficou ao meu lado que reparei em sua roupa, vestia uma camiseta preta com estampa simples, camisa xadrez escura por cima, calça preta justa e um tênis vermelho. Estava incrível, me senti até mal, devia ter ido com uma roupa mais elaborada.

-O quê? - Parei de encarar ele - Por que você ficou vermelha? 

Ele já estava rindo, então não respondi nada e o puxei pelo braço. Contemplamos o céu enquanto caminhávamos por um dos caminhos de pedra. 

-Quero fazer uma pergunta - Falei como quem não quer nada.

-Não estou segurando sua boca - Queria que estivesse.

-O que você acha sobre roupas de casal*? 

-Nem pense nisso.

-Mas só perguntei - Não que eu queira usar roupas de casal, mas talvez quisesse sim.

-Não gosto.

-Nem acessórios? - Segurei seu braço para que parasse de andar.

-Não sei.

Okay, já era um começo. 

Então após uma troca de olhares levemente constrangedora voltamos a caminhar. Me aproximei tentando disfarçar, coloquei a mão em seu antebraço, ele só me olhou de canto de olho. Abaixei os olhos e comecei a descer delicadamente até alcançar sua mão, então ele parou de caminhar. Será que tinha feito merda?

Mas então nem precisei fazer o resto, ele segurou minha mão, mesmo parecendo não gostar muito. Ficamos em silêncio e retornamos a andar. Se minha mão começasse a suar agora nunca iria me perdoar.

-Ouvi dizer que você aprendeu a sambar - Estava tentando quebrar o gelo.

Ele parou de repente, me olhou confuso e sorriu.

-Ah, eu tentei.

-Essa eu quero ver! Anda, não tem ninguém olhando!

-Não, Lucy - Ele me puxou para continuarmos a andar, mas parei ele de novo e o virei.

-Me mostra, nem eu sei sambar!

-Porra, Lucy - Ele quase sussurrou, mas não parecia bravo.

Então parou, soltou minha mão e fez movimentos engraçados com os pés. Depois que acabou, olhou para mim e nós caímos na gargalhada. Brinquei com ele, e voltamos a caminhar, dessa vez nem precisei fazer rituais para que ele pegasse na minha mão.

Começou a relampear e o tempo foi fechando aos poucos, só me dei conta por causa de um raio que iluminou o céu, fazendo com que eu me assustasse um pouco. Pingos finos começaram a cair, interrompendo a conversa, me arrepiei por conta do frio súbito que veio junto ao vento. Suga viu e até ofereceu sua camisa, mas recusei, então ele disse para voltarmos para o carro, não queria que pegássemos um resfriado, então fomos correndo.

Quando estramos, os pingos fracos se tornaram uma chuva forte. Suga colocou música em seu celular e ficamos cantando desafinadamente, esperamos até que a chuva ficasse mais fraca. Ele me perguntou se eu estava com fome, estava um pouco, mas quis parecer educada então disse que não. Não teve jeito, Yoongi voltou a andar com o carro e foi até um fast food.

-Espere aqui - Ele me disse balançando as mãos.

Não fiz perguntas, ele saiu e voltou depois de vinte minutos trazendo dois sacos com lanche, fritas e refrigerante. Estava longe de um jantar romântico, mas já estava de bom tamanho, nada de formalidades, sem chatices e nada do tipo.

Nós dois comíamos no estacionamento, a situação estava um tanto quanto engraçada. Ele terminou o lanche primeiro e reclamou da minha demora para comer. Não consegui acabar meu refrigerante, então dividimos, depois disso ele voltou a andar com o carro, sem rumo dessa vez.

Quando deu meia noite vimos o quanto passou rápido, ele ia me levar de volta, tínhamos mais um dia. 

-Quero ir ao aeroporto me despedir de você - Disse assim que ele parou em frente de casa.

-Tem certeza? Se tirarem uma única foto a sua vida vai virar de ponta cabeça.

-Já virou a partir do momento em que você mandou aquele "oi" - Notei sua expressão seria, esperava não ter o ofendido.

-Nós vamos partir segunda a noite, combinamos amanhã como fazemos, tá bom?

-Tá bom, foi uma ótima noite - Sorrimos.

-Vai lá, antes que sua mãe fique preocupada.

Dei mais um abraço forte, onde consegui sentir um perfume bem suave. Quando fui saindo ele segurou meu braço, olhei em seus olhos. Ele estava esperando um beijo? Então me aproximei e beijei sua bochecha, quase que no canto da boca. Sorri e abaixei a cabeça, ele soltou meu braço e pude sair do carro. Deu partida e fiquei acenando até que desaparecesse por completo na esquina.

Foi uma noite inacreditável, por que não tinha o beijado? Talvez poderia estragar tudo, nunca beijei ninguém, milhões de pensamentos invadiram minha cabeça enquanto eu abria a porta da cozinha. Quando abri ouvi uma pessoa fungando na sala, fechei a porta e minha mãe veio correndo, parecia que ela tinha chorado muito. Seus olhos estavam inchados e avermelhados, talvez estivesse chorando há algumas horas. Ela desabou ao me ver, então veio para um abraço desesperado.

-O que aconteceu, mãe?

-Seu pai - Ela respirava com dificuldade ao proferir cada palavra - Ele veio aqui enquanto você estava saindo, disse que vai se mudar para o Canadá, e quer te levar junto!

*Na Coreia é comum que alguns casais usem as roupas iguais.