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História Templo das Bacantes Vol. 3 - Trio Ternura em: tá doendo?


Escrita por: Hamal_ , Rosenrot9 e IviCanedo

Notas do Autor


Pensem em um dia interminável para nossos "guerreiros"...

Capítulo 22 - Trio Ternura em: tá doendo?


Fanfic / Fanfiction Templo das Bacantes Vol. 3 - Trio Ternura em: tá doendo?

Hospital de Atenas, Ala 5, 03:30pm

Pensativo, com Kiki bem aconchegado no colo, Shaka aguardava doutor Adônis, que tinha ido buscar os resultados dos exames preparatórios para o transplante de medula. Estava sentado em uma das confortáveis poltronas azuis reclináveis dispostas na antessala usada para medicar os pacientes, mas como estes eram raros ali ninguém lhes fazia companhia, exceto os quadros de natureza morta dispostos em deplorável e incômoda assimetria nas paredes pintadas de um bege pálido.

Kiki tomava a dose diária do medicamento intravenoso que por milagre estava lhe sustentando a vida, enquanto seus dedinhos, na falta das longas madeixas loiras do pai, enrolavam-se nas franjas do lenço de seda estampada que ele passara entre os passantes da calça jeans bem folgada para fazer às vezes de cinto e impedir que essas caíssem.

— Baba... por que o Kiki não pode ir ver a tia Gê junto com o papai? — o pequeno lemuriano perguntou, sonolento e desanimado.

Shaka lhe deu um beijo na lateral da cabeça, nos cabelos vermelhos cada vez mais ralos.

— Porque o seu remédio ainda não acabou, e o seu pai precisava muito falar com ela — disse ele olhando para o frasco pendurado no suporte para soro, o qual estava pela metade. Logo depois, voltou a encarar os quadros na parede.

A falta de simetria deles lhe causava uma perturbação absurda, porém não maior que o fato de estar naquela lugar, dia após dia, sem nenhum progresso ou resposta.

— Quando acabar a gente vai poder ir lá ver ela?

Shaka hesitou antes de responder.

— A sua tia precisa descansar, filho. Ela e o seu pai lutaram bravamente contra o Grande Mestre ébrio possuído e venceram! Mas você sabe que ele era muito mau, além de forte. Os dois ficaram bem feridos, e agora precisam descansar para se recuperarem — disse o indiano lhe massageando os bracinhos com extremo cuidado e delicadeza para amenizar o desconforto do procedimento — Você terá todo o tempo do mundo para estar com ela.

Shaka sorriu, ainda que seu coração apertado e angustiado quisesse mesmo era gritar em prantos.

Kiki suspirou.

— O Grande Mestre ébrio possuído agora voltou a ser o Cavaleiro de Gêmeos, o marido verdadeiro da tia Gê... É isso, né Baba? — perguntou inocente.

Fechando os olhos, Shaka deixou a cabeça pender para trás até encostar no estofado.

— Sim. Agora ele voltou a ser apenas o Grande Mestre ébrio, porém não mais possuído. — disse ele — O Cavaleiro proxeneta de Gêmeos e o marido da sua tia Geisty.

— O Kiki não entende... É confuso — fez uma caretinha. Parecia pensativo e muito cansado.

— Ah! Não é apenas o Kiki que não entende. O Shaka também não entende, o seu pai não entende, sua tia não entende, e nem mesmo o próprio Saga entende — disse Virgem, agora inclinando-se para olhar para o rostinho pensativo do filho — Portanto, não quero que fique pensando nisso, tudo bem? Tudo que precisa saber por enquanto é que o Grande Mestre ébrio possuído precisava ter levado aquela surra do seu pai para que o seu tio, o Saga, o verdadeiro, de quem você não se lembra porque era muito pequenininho quando ele... quando ele ficou doente, pudesse voltar... Um dia, quem sabe, quando Saga alcançar alguma resposta para ele mesmo, para quem ele é, talvez então todos nós entendamos.

— Mas ele ficou doente de que, Baba? O tio Saga... Ele ficou doente igual o Kiki? — perguntou curioso.

— Não — Shaka respondeu lhe acariciando o rostinho magro — Não se adoece apenas do corpo. É possível adoecer também do espírito, da mente... — nessa hora fez uma pausa, e foi inevitável fazer uma autoanálise, já que ele mesmo sentia seu espírito e sua mente adoecidos.

— Hum... igual a Jandhira, das Azevinhas do Destino? — perguntou Kiki levantando os olhos para Shaka — No capítulo da semana passada ela foi levada para o sanatório porque o doutor Pomadha disse que ela estava doente da mente. Estava louca!

— Ah! Mas a Jandhira foi vítima de uma arapuca! — Shaka exaltou-se levemente.

— O que é uma arapuca, Baba?

— É uma esparrela, uma armadilha! A Jandhira não é louca coisa nenhuma. O problema é que ela é rica, Kiki. É herdeira de uma frota inteira de camelos e dromedários, além de dois poços de petróleo iranianos. A irmã estelionatária e calva que armou para ela. Ficou com tudo; os camelos, os dromedários, os poços de petróleo e até as duas mulas e o marido. Mas, se é para ter um marido patife é melhor não ter nenhum mesmo.

— O comendador Rhalo é um marido patife, Baba?

— É.

Kiki pensou por um instante.

— E o tio Saga? O verdadeiro? É um marido patife?

Shaka olhou para ele com os olhos azuis celeste arregalados e a fisionomia alarmada.

— Kirian!... Isso só compete à sua tia, que é casada com ele, dizer, não acha? Só que não vá importuna-la com perguntas retóricas desse tipo. Ela está frágil.

— O Kiki não gostava do outro marido, o Grande Mestre ébrio possuído... Se o tio Saga for igual a ele, é melhor então ela não ter marido nenhum — suspirou cansado.

— Isso é um assunto para adultos, Kiki. Você não tem que pensar nisso, está bem? — disse Shaka esticando o braço para apertar o botão que chamava pelos enfermeiros — O seu remédio acabou. Vou pedir para a enfermeira vir tirar o acesso. Doutor Adônis deve estar chegando com os resultados dos exames de compatibilidade.

— Baba... — Kiki chamou novamente levantando os olhos para Shaka e inclinando a cabeça para olhar diretamente nos dele.

— Sim?

— O Kiki tá com medo do papai não poder doar a medula para ele... Não tem mais nenhum lemuriano no mundo... só o papai.

Shaka sentiu uma estaca lhe atravessar o peito, rasgando seu coração em mil pedaços.

— Não tenha medo, meu anjinho — disse ele acariciando o rostinho de Kiki enquanto se munia de uma força e de uma certeza que há muito tempo já tinha abandonado — Vai dar tudo certo. Baba promete para você.

Para acalma-lo até que o médico chegasse na sala, Shaka o embalava em seu colo enquanto entoava um mantra, porém sem dizer as preces, apenas reproduzindo o som, já que tinha abandonado sua fé e agora acreditava apenas em si mesmo e na força de sua vontade, e na de Mu, em salvar Kiki.

***

No corredor oposto, alguns poucos metros da sala onde Kiki recebia medicação, ainda no CTI, porém já desperta, Geisty ouvia calada e introspectiva o gemido do vento que entrava pela fresta na janela. O silêncio involuntário no quarto era tão pesado que até os finos galhos das árvores do lado de fora a arranharem o vidro produziam um barulho troante e incômodo; somado a eles, a respiração irritada e barulhenta de Mu, e o tilintar das muitas pulseiras de Afrodite, que colocava dois potinhos de vidro sobre a mesa de cabeceira, suas famigeradas pomadas para pano branco, artrite, torsões, mal olhado, conjuntivite, e toda sorte de males do corpo, tornavam o ambiente ainda mais tenso.

Deitada na cama de lençóis brancos, vestida em uma camisola de poás verde claro aberta nas costas, a amazona passava o dedo indicador na atadura de linho grosso que enfaixava seu joelho direito, o qual ela dobrava e desdobrava repetidas vezes na tentativa de encontrar uma posição que não lhe fosse tão desconfortável. Naquele ambiente tediosamente pálido, o esparadrapo que prendia as ataduras parecia ser o item mais interessante, já que explanar seus sentimentos, confusos e turbulentos como nunca os percebera antes, lhe era praticamente impossível.

Geisty simplesmente não conseguia entender o que sentia, ainda que para os nascidos sob o signo de Áries, uma questão direcionada era uma questão respondida. Sentia tudo ao mesmo tempo. Raiva, mágoa, rancor, medo, tristeza, uma questionável e ainda incompreensível sensação de alívio. E por fim, nada. Absolutamente nada. Um vazio voraz que, minuto a minuto, desde que acordou naquele quarto de hospital, devorava suas emoções de forma famélica.

— Nem era preciso Shina ter me dito... — disse Geisty quebrando o silêncio do quarto. Sua voz, embora fraca e baixa, deixava claro seu alarme — O Cosmo dele foi a primeira coisa que senti assim que abri os olhos.

Ao ouvi-la, Mu e Afrodite trocaram um olhar rápido e discreto. O ariano ainda gastando as solas dos sapatos no assoalho emborrachado, nitidamente incomodado e zangado ao ouvir aquilo; Peixes levando o dedo mindinho à boca e roendo a unha freneticamente.

— Quando se passa seis anos esperando por uma pessoa, você adquire certos hábitos... como olhar no relógio sempre no mesmo horário, geralmente quando ela costumava chegar em casa depois do trabalho... — Geisty olhava perdida para o curativo na perna, até este se desfocar de sua visão — Seis anos que... dia após dia, venho tentando sentir o Cosmo dele... ainda que de forma involuntária, como uma mania compulsiva... Só nunca imaginei que quando finalmente o sentisse isso me causaria tanto...

— Desgosto? — disse Mu, finalmente parando de andar para ficar de frente para ela, a encarando firme nos olhos — Porque se sentir qualquer outra coisa além de algo parecido com isso eu vou mandar a ala psiquiátrica internar você.

Geisty levantou os olhos para ele e por um momento ficou apenas fitando seu rosto transfigurado, tanto pelos muitos ferimentos quanto pela fisionomia surpreendentemente séria e raivosa, como poucas, ou talvez nenhuma, vez tinha presenciado. Ela que achou que vê-lo de cabelos mais curtos fosse o mais surpreendente... Ledo engano. Tinha tanto o que falar com ele, mas estava claro que não era o melhor momento, pois que nitidamente Mu estava zangado não apenas com Saga, mas também consigo. Por isso limitou-se apenas a responder a pergunta.

— Não. Não senti nada... Para falar a verdade, eu imaginei esse momento tantas vezes durante esses anos todos, e quando ele finalmente chegou... eu simplesmente não sinto nada. E isso me assusta... Parece que perdi a capacidade de sentir. Só sinto um vazio imenso... E eu não gosto de sentir isso — disse baixando o rosto de feição visivelmente abatida; nada muito diferente da que carregara nos últimos seis anos.

No entanto, tanto para Mu, quanto para Afrodite, era impossível ficar indiferente diante à visível tristeza da amiga.

Eram uma família, um trio, e quando um era ferido os outros dois também sofriam suas dores.

Bem mais turrão que Afrodite, Mu expressou seu descontentamento com as palavras da amazona dando um barulhento suspiro seguido de um resmungo incompreensível, enquanto o pisciano apenas expressou sua compaixão lhe fazendo um carinho na franja farta, afastando dos olhos violetas algumas mechas.

Geisty percebeu o incômodo do ariano.

— Me desculpe, Mu. Não queria que vocês dois tivessem brigado. Muito menos que chegassem a esse ponto — havia pesar e culpa na voz baixa.

— Não precisa pedir desculpa — o ariano respondeu impaciente ao tentar ajeitar os cabelos curtos atrás da orelha, um tanto incomodado por não conseguir mais prendê-los como gostava — Mesmo porque, você esperava o quê? Que quando eu visse o estado que ele te deixou eu cobrisse o filho da puta de beijos?

Geisty arregalou os olhos.

Agora além de agressivo Mu falava palavrões!

Isso a afligiu ainda mais e nessas condições sua costumeira agitação italiana era impossível de ser controlada.

— Não é isso, é que... falo pelo Kiki — ela encarou firme os olhos verdes do lemuriano, tentando se explicar com as palavras e as mãos — Todo esse pesadelo que você e sua família estão passado com Kiki... Agora você está aí, todo arrebentado por minha culpa... Cazzo! Está doendo muito? — estava deveras preocupada com o amigo e irmão de estima.

— Já foi, Geisty. Eu sou um cavaleiro, não uma donzela. Isso aqui não é nada. — Mu respondeu com um suspiro cansado mentindo sobre o corpo dolorido. Tinha muitas coisas para conversar com ela, mas fazia uma força fenomenal para evitar ser naquele momento, afinal ela estava convalescendo — Não quero falar disso agora, está bem? Saiba por hora que meu único arrependimento é não ter quebrado a cara daqueles dois antes.

Afrodite, que preferia manter-se calado, não por não ter o que dizer, mas porque estava tão borocoxô que faltava-lhe ânimo para discutir, apenas olhou para Mu e balançou a cabeça.

— Francamente, eu nem julgo o que você fez — disse Geisty — Acho até que ele mereceu... Só não queria que você saísse ferido.

— Eu tô bem. Em uma semana tô novo. — Mu deu de ombros — E você? Está com dor?

Ela respirou fundo.

— Eu estou bem... na medida do possível, né. Só mesmo essa ataduras que apertam e coçam muito. — tentou enfiar uma das unhas por debaixo dos curativos, mas imediatamente arrependeu-se fazendo uma careta de dor. Teria que resistir à vontade louca de se coçar — Assim que puder vou arrancar essa merda toda e passar a pomada do Dite... Porque só pode ser isso que tem aí nesses potes, apesar do gato ter comido a língua dele hoje e ele não ter dito nada desde que chegou, né bicha? — ela perguntou olhando para ele, estranhando seu mutismo.

— Hum... a minha língua está muito que bem, obrigado — disse Peixes aos suspiros, e para disfarçar sua inquietação improvisou qualquer coisa, apenas para participar do assunto e não ser mais questionado — Todos concordamos que não foi o melhor método de exorcismo, mas o importante é que funcionou. Uma quizomba a menos para abilolar a nossa cabeça. Agora só falta o Kiki ficar bom, o Batman deixar de chilique e você se acertar com Saga — apontou para Geisty.

— Não fala besteira, Dido — Mu interveio imediatamente — Era só o que me faltava, ela querer se acertar com aquele cretino depois de tudo o que ele fez.

— ALÔCA! — Peixes apoiou os dedos bem abertos da mão no próprio peito, chocado — Aquenda, que eu acho que estou tendo um dejavù! Até Milli Vanilli mereceu uma segunda chance, por que o Saga não mereceria?

— Porque igual ao Milli Vanilli, ninguém mais acredita nele — bronqueou Mu.

— Por isso mesmo o Rob morreu de overdose, santa. Porque todo mundo jogou o picumã* para ele. Vocês querem que Saga se mate também?

Enquanto a discussão entre os dois amigos se desenrolava, sem a costumeira vontade de opinar, Geisty suspirou desanimada, se jogando para trás entre os travesseiros. Mas logo se arrependeu. Os ferimentos nas costas, mesmo que muito bem cobertos por curativos, doíam e a fizeram soltar um queixume. Desconfortável, ela voltou a erguer o tronco para se ajeitar, e foi então que viu uma figura, a qual num primeiro momento lhe pareceu desconhecida, bater no vidro do lado de fora do quarto.

— Ali, ó! Olha! — disse Geisty apontando para a enorme janela na parede, chamando a atenção para um rapaz vestido de branco, de rosto magro e jovem, cabelos loiros bem curtos, meio desalinhados, e olhos azuis tão impressionantes que até àquela distância, e através do vidro, eram muito chamativos — Acho que é o enfermeiro chamando ali. Vocês ficam aí discutindo e se esquecem que estão dentro de um hospital. Ele deve ter vindo botar vocês dois daqui para fora.

— Eu estou discutindo sim! — disse Mu alterado — Porque não tem cabimento o Dido incentivar você a voltar para aquele louco mau-caráter que...

Áries interrompeu-se assim que olhou para a janela de vidro, então sua fisionomia consumida em irritação, com pitadas generosas de indignação, transfigurou-se para um semblante aflito e alerta.

— É o Shaka! — ele disse em tom bem mais baixo do que o que usava para discutir com Afrodite.

Imediatamente Geisty olhou para Mu, chocada, depois novamente olhou para o rapaz do lado de fora, ainda mais espantada por não tê-lo reconhecido. Ele agora estava de costas e parecia conversar com uma das enfermeiras que parou ali.

— O quê? O Shaka? — Geisty voltou-se para Mu sem compreender o que estava acontecendo — Pela misericordiosa deusa, o Shaka está sem cabelo! Por quantos dias eu apaguei?

— Olha, depois a gente conversa, tudo bem? — disse Mu apressado, já pronto para deixar o quarto, mas antes apontou o dedo para Afrodite e disse firme: — Você não vá enfiar merda na cabeça dela.

Apressado aproximou-se do leito, inclinou-se e beijou delicadamente os cabelos negros da amazona. Mesmo bravo com ela jamais conseguiria ser rude ou indelicado.

— Mu, o que está acontecendo? Por que vocês... — Geisty tentou questiona-lo, mas ele, estava consumido em ansiedade.

— Geisty, eu realmente preciso ir — ele disse lhe fazendo uma carícia no rosto — Estamos esperando os resultados dos exames de compatibilidade do Kiki e dos meus para o transplante. Shaka deve ter vindo me chamar para isso.

A amazona ficou apreensiva por eles, por Kiki, mas quis dar seu apoio ao amigo, mesmo estando ela mesma precisando de todo o suporte do mundo. Deixaria as perguntas para depois.

— Vai dar tudo certo — ela disse olhando nos olhos dele, então quando o percebeu se afastar, num gesto brusco, e até um tanto rude, o impediu lhe segurando forte o punho — Mas Mu... se mesmo depois do transplante você ainda precisar procurar por respostas vindas diretamente do seu povo para salvar a vida do Kiki... talvez encontre algumas no diário do Mestre Shion.

Mu franziu a testa, curioso.

— Diário? Que diário? — ele perguntou, e ficou arfante em expectativa.

— Há poucos dias, pensando em Kiki e em tudo o que vem acontecendo, por acaso eu me lembrei que Shion tinha um diário íntimo — ela umedeceu os lábios e continuou, concentrada — Era como um livro de anotações que ele sempre levava junto dele para cima e para baixo... Enquanto fazíamos nossas lições de grego ou as tarefas diárias, me lembro dele sempre nos observando de longe, enquanto anotava coisas nesse caderno, sentado em sua mesa ou onde quer que fosse... Eu tentei te falar dele várias vezes nos últimos dias, mas... sempre acontecia alguma merda e eu acabava me esquecendo... Você não se lembra disso?

— Não... — Mu respondeu reticente, tentando buscar pela memória alguma cena do passado que comprovasse o que Geisty dizia, mas nada lhe vinha — Não me lembro de nenhum diário pessoal... eu acho. E mesmo que houvesse um, Shaka e eu já reviramos tudo! Desde o Templo do Grande Mestre até Jamiel.

Geisty o fitou séria. Encostou nos travesseiros e suspirou.

— Pela deusa, eu tenho certeza que esse diário existe! — ela disse aflita — Tem certeza que não achou nada? Ele tinha uma capa dura, escura, acho que de couro, e ele fechava com uma fivela que fazia barulho. Isso me lembro bem.

No mesmo instante, ao ouvi-la descrever a cena tão minuciosamente, eis que o som da fivela de metal passando pela conta de couro despertou a memória de Mu como num estalo. Imediatamente, ele arregalou os olhos esmeraldas em completo espanto. Havia se esquecido totalmente daquele caderno de anotações que o mestre carregava consigo como uma parte dele, mas agora começava se lembrar.

— Puta merda! O livro de couro! — deixou escapar com os olhos arregalados, agora com a nítida imagem do livro nas mãos do mestre e que só agora dera-se conta se tratar de um diário.

— Mestre Shion era muito sábio, Mu — continuou Geisty — Disso não restam dúvidas, afinal ele viveu mais de duzentos anos. Porca Madonna, isso é muito tempo! Ele deveria ter alguma anotação, alguma resposta... Não é possível que ele tenha te deixado assim, no mais completo escuro, sobre o seu povo. Esse diário está em algum lugar, Mu, eu tenho certeza! Eu tenho fé que tudo vai dar certo no transplante do Kiki, mas, por garantia, precisa encontrar esse diário.

— Pode ser que esteja em algum lugar que você ainda não buscou — disse Afrodite, que ouvia a tudo mesmo com os dois conversando meio que aos cochichos.

O silêncio reinou novamente por um breve instante, e enquanto Mu ainda tinha os olhos verdes vidrados pregados aos violetas de Geisty, remontando cenas de um passado distante em suas lembranças, até que a porta do quarto se abriu.

As atenções se voltaram imediatamente para o homem parado ali.

— Mu! — disse Shaka aproximando-se do leito apressado — Precisa vir. Adônis tem os resultados dos exames de compatibilidade, e ele disse que são surpreendentes! — exclamou quase exaltado, depois acenou com a cabeça cumprimentando Afrodite e então inclinou-se tocando o ombro de Geisty, que olhava para ele tão chocada como se estivesse vendo uma assombração — Que bom vê-la acordada e bem, na medida do possível, Geisty. Depois de falar com Adônis venho vê-la com mais calma, mas agora precisamos ir. Venha Mu. — o puxou pela mão em direção à porta. Nem dando oportunidade para perguntas.

Foi quando a porta bateu que a amazona, com a boca ainda aberta, boba de espanto, se virou para Afrodite e exclamou:

Porca madonna! Bicha, o Shaka está parecendo outra pessoa! Estou chocada!

— Éãn... — Afrodite resmungou fazendo um bico.

— Mas por quê? Por que ele cortou aquele cabelão todo?

— Ah, Mosca, é uma longa história.

Curiosa, a amazona se debruçou um pouco para o lado e cochichou:

— Foi piolho?

Afrodite puxou a cadeira deixada ali no quarto para as visitas e sentou-se ao lado da cama. Deu outro longo e pesado suspiro, apoiando os cotovelos no colchão.

— Antes fosse piolho, porque pelo menos na vida do Buda loirudo eu poderia ajudar a dar um jeito. Bastava fazer um tônico capilar pesticida... Já na nossa, Mosca... — fez uma pausa, então olhou diretamente nos olhos de Geisty — Você já sabe o que vai fazer agora que o Saga voltou?

A expressão curiosa da italiana se desfez dando lugar a uma dura, porém pensativa.

— Não — ela respondeu seco, mas sem conseguir sustentar por nem meio segundo a indiferença — Shina me contou em detalhes o espetáculo que os dois deram durante a madrugada... e bem em frente à Casa de Virgem... Pela deusa, que vergonha! Ela falou também que o Saga tentou invadir o hospital, totalmente transtornado... Mu quem o impediu, e quase acabaram brigando de novo.

Afrodite confirmou a informação com um aceno de cabeça.

Houve um instante de silêncio entre eles, até que o peso no peito de Geisty falou mais alto.

— Dite...

— Hum?

— Eu não quis perguntar na frente do Mu, porque ele parecia estar puto da vida, mas... como ele está?

— Quem?

— Como quem, viado? O Saga! — ela perguntou parecendo aflita balançando no ar as mãos enfaixadas e em forma de coxinha.

Sem desviar os olhos dela, Afrodite apertou as mãos nas bochechas, ponderou por um momento e depois cruzou os braços, os mantendo ainda apoiados no colchão.

— Perdido, com medo, sozinho, todo cagado... — disse ele. Havia uma certa tristeza em sua voz — Ele se culpa... por tudo; por ter deixado você, pela morte dos bebês, pela morte do Milo...

Geisty baixou o olhar, evitando os olhos nitidamente tristes do pisciano. Em certos momentos até mesmo ela se pegava culpando Saga por muitas coisas, mesmo sabendo que isso estava fora da alçada do cavaleiro, e cabia a culpa única e exclusivamente ao Outro, que lhe roubara o juízo e junto alguns anos de sua vida.

— Todos deram as costas a ele, Mosca... — continuou Afrodite, também baixando a cabeça — Ele está sendo hostilizado e evitado.

Ela sentiu um nó na garganta e olhou para ele.

— Você não foi vê-lo depois de tudo o que houve? — ela perguntou.

— Claro que eu fui — Peixes respondeu sem pestanejar, e Geisty esboçou um sorriso sem graça.

— Eu já imaginava... Mesmo que todos no Santuário virassem as costas para ele, você ainda seria o único a se preocupar. — ela disse, agora olhando para o teto branco do quarto — Ele está muito ferido?

— Está... mas nenhuma escoriação se compara ao dano na alma dele, sabe? Digo... para culpa não tem tala, bandagem ou mertiolate que resolva — disse Afrodite, então esticou o braço e tocou na mão enfaixada de Geisty — Mosca... a última vez que conversamos, antes de toda essa charufinácea acontecer, você me disse que tinha chegado no seu limite e tomado uma decisão definitiva. Você ia desistir do Saga... E agora? Agora que ele voltou. Você vai dar outra chance a ele ou... não tem mais volta mesmo?

Geisty encarava os olhos aquamarines que a fitavam em expectativa. No entanto, ela sabia que seu coração, já tão castigado e envenenado por mágoas, não lhe daria a resposta que ele esperava.

E nem foi preciso ela dizer nada. Afrodite percebeu isso ao que ela desviou o olhar pesaroso.

— O que eu disse para o Mu não foi da boca para fora. — ela falou apontando os dedos enfaixados para o próprio peito — Eu... eu simplesmente não sei ainda o que sinto aqui dentro de fato. Só sei que não quero voltar para lá... Não vou voltar para a Casa de Gêmeos.

— Ah Mosca! Não faz isso... Não me fala que ainda está com aquela ideia porca de ir para o cafofo das amazonas? Vai ser vizinha da Shina? — fez uma careta — Sangue de Dadá! Depois que pegar sapinho não vem me pedir pomada, tá boa?... Dá uma chance para ele... Ao menos ouve o que ele tem a te dizer.

— Ouvi-lo não apaga tudo o que passei, também não me dá a paz que eu preciso para me encontrar depois de ter vivido esse turbilhão na minha vida — disse Geisty — Eu estou decidida. Vou voltar para a minha primeira casa na Vila das Amazona, sim. Foi lá que aprendi sobre a vida, sobre ser uma amazona, sobre ser quem eu sou... E se eu preciso recomeçar, então lá é o meu ponto zero. Preciso ser apenas eu de novo, Dite, antes de qualquer coisa.

Demorou um instante, até que Peixes se levantou e caminhou lento até a janela. Então ele virou-se para ela e acenou com a cabeça, depois olhou para baixo e discretamente enxugou uma lágrima que encharcou seus olhos.

— Eu não tiro sua razão, Mosca, mas... não sei se isso muda algo, mas... o Saga... o de agora, o que está lá no Santuário todo cagado dos pés à cabeça, se alimentando por canudinho e se afogando num mar de culpa é o mesmo rapaz que descia todos os dias ao Campo das Amazonas apenas para te dar bom dia — disse Afrodite com a voz embargada.

— Não! — Geisty olhou firme para ele, lhe apontando o dedo em riste — Não faça isso, bicha. Não defenda ele.

— Não estou defendendo ele, muito menos tentando te convencer a perdoa-lo ou a sentir pena dele — Peixes deu de ombros — Acredite, Mosca, seria muito mais vantajoso, para mim, fazer como todos e me colocar contra ele também, ou apenas ficar afastado dele, mas...

Geisty achou estranha aquela afirmação.

Na verdade, desde que Afrodite chegara ali, pouco depois de Mu, ela havia notado que algo se dera com ele. Estava visivelmente abatido, os olhos inchados como se tivesse chorado, os cabelos desalinhados, excepcionalmente calado e sério, e sobretudo bem mais “perfumado” que o habitual.

Geisty sabia que quando Afrodite tinha algum problema ele não conseguia esconder ou disfarçar seu emocional abalado, pois que suas emoções lhe exalavam pelos poros na forma de toxinas, muitas vezes nocivas.

— Mas o quê? — ela perguntou ajeitando-se na cama e olhando sério para ele.

Ele hesitou por um momento tentando organizar os pensamentos em sua cabeça e sentimentos em turbilhão.

— Mas não acho justo o condenarem por algo que está fora de seu controle, e também da nossa compreensão — disse Peixes.

— Não o estou condenando, apenas estou tirando o meu time de campo. Quantas chances mais eu tenho que dar para o Saga?

Aquela pergunta Peixes também fazia a si mesmo. Quantas chances mais Camus daria a ele? Ao relacionamento conturbado que tinham, e que sempre caminhou por um fio? Desde a briga com Camus pela manhã que as palavras ditas pelo francês não saiam de sua cabeça. Ficavam ali, reverberando e repetindo-se feito uma maldição. Como havia deixado as coisas chegarem aquele ponto? Ouvir Camus referir-se a si mesmo como “uma maricona ridícula e enrustida”, e perceber seu tom de voz vacilante e embargado, partiu seu coração de uma forma que não esperava acontecer, então por que diabos não apenas permitiu que ele cometesse aquela agressão contra si, como também tripudiara sobre ele? Por que? Será possível que valia a pena continuarem com aquela relação, machucando um ao outro daquela maneira em nome de um amor claramente obsessivo? Até quando suportaria viver preso a uma bomba relógio pronta para explodir a um mínimo abalo? Camus pelo jeito não suportava mais.

— Dar uma chance a ele significa dar uma chance a você, ao amor — disse Afrodite, contradizendo seus próprios pensamentos — Mosca, imagina se você e eu nunca tivéssemos nos dado uma chance de acontecer? Você me odiava.

— E com razão, né bicha? Você era um escroto nos primeiros anos que vivi no Santuário — disse dando uma coçadinha ligeira no nariz com os dedos cheios de tala.

— Sim, eu era... talvez ainda seja.

Geisty olhou curiosa para ele.

— Por que diz isso? Claro que você não é.

— Talvez eu nunca tenha deixado de ser, ou então não teria que viver provando que não sou um filho de uma puta, ainda que eu seja mesmo, mas não do jeito que todos pensam que sou... tipo, um filho de uma puta do bem, sabe? — respirou fundo confuso e relutante em aceitar as consequências de seus erros.

— Afrodite, tem mais analgésicos correndo nas minhas veias do que sangue, então, bicha, pela deusa, dá para você ser mais claro?

— O que quero dizer, Mosca, é que, se por causa das coisas que fiz no passado, que te magoaram, você não tivesse me dado uma chance, hoje não seriamos melhores amigos de infância. Eu não dividiria minhas perucas com você, nem você teria esse corpo escultural na sua idade comendo feito uma porca que está amamentando, já que sua boa forma é graças ao meu suco de luz. Eu também não teria sua companhia para ir ao salão, e a Tiffany&Co Não teria uma coleção exclusiva desenhada por nós dois. Mu não teria companhia para os Happy Hours no Piriquitão, e assistir novela e trepar seria a única distração da vida dele... Mosca, nós dois tínhamos tudo para dar errado, mas demos certo. Você me sacaneou por anos e eu te perdoei.

— Espera aí, porca madonna! Você me sacaneou muito mais!

— Alôca! Gata, você me fazia atender o Praxédes toda semana, fingindo que estava de chico. Ah, tá boa!

— Você pegava meu namorado Afrodite, tenha dó!

O rosto de Peixes ficou lívido ao ouvir aquilo.

Súbito, algumas cenas do passado vieram à sua mente, acompanhadas de um longo e constrangedor silêncio.

— Vocês não eram namorados — disse finalmente o pisciano, mordendo o interior do canto da boca e sem nenhuma convicção. Essa vinha de uma culpa que guardava consigo há muito tempo, e que o envergonhava deveras, já que somente ele tinha consciência de que seu envolvimento com Saga, o sexo propriamente dito, era uma prova de até onde era capaz de chegar por vaidade e atenção. Porém ali, diante da amiga ferida, não podia mais manter a farsa de sua inocência — Vocês estavam só ficando.

— Mas você sabia que eu gostava dele. Você sabia, Afrodite! — Geisty retrucou na mesma hora, enérgica e firme — E Saga... se ele me amasse de verdade, como dizia que amava, ele não teria transado com você tantas vezes, e logo que nos entendemos... Percebe onde quero chegar?... Eu cansei de perdoar os escorregões do Saga.

Peixes deu um longo suspiro.

Era hora de acabar com aquela ladainha mal resolvida do passado.

— Mosca, eu vou te mandar a real... Naquela época eu fiz alôca e seduzi o Saga.

— Oi? — Geisty franziu as sobrancelhas negras, assombrosamente espantada e curiosa.

 


Notas Finais


E o dia ainda não acabou ... e nem as confusões

Nosso grupo no face "Fics trio ternura"
https://www.facebook.com/groups/1522231508090735/

Tumblr da Rosenrot com várias fanarts da fic e com as capas
https://rosenrotstuff.tumblr.com/

Cap no Nyah:
https://fanfiction.com.br/historia/776294/Templo_das_Bacantes_Vol_3/capitulo/22/


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