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História Tempos Áureos - Presságio


Escrita por: IchygoChan

Capítulo 13 - Presságio


Após a cerimônia, Ayoama voltou a ficar silencioso, olhando para Eijiro de maneira compenetrada como se estivesse a ponto de repreendê-lo por algum comportamento inapropriado.

— Eijiro, eu preciso conversar com você. — convocou-o após entregar Etheo para a mãe. 

Um calafrio percorreu a espinha de Eijiro ao receber aquela intimação formal, mas ele não se esquivou. 

— Sim, claro — despediu-se dos amigos e do afilhado prometendo-os encontrar depois, seguindo-o apressadamente. O som de suas garras contra o piso de pedra polida era alto e agudo —Aconteceu alguma coisa?

O oráculo caminhou para uma antessala, separada do resto por um fino véu branco, convocando-o com a mão. Suas asas eram majestosamente alvas, brilhando em tons perolados e lilases. Ajoelhou-se em frente a uma pequena e baixa mesa redonda onde um incenso queimava liberando seu perfume e pediu que ele fizesse o mesmo. Logo ambos estavam devidamente acomodados e em silêncio, enquanto Eijiro esperava o oráculo iniciar o que quer que fosse, sentindo o estômago revirar levemente.

— Você está impuro, Eijiro, cheio de vibrações negativas e precisa se desfazer desses sentimentos. — ele começou, de olhos fechados enquanto assoprava levemente o incenso, acelerando sua queima — Quase não consegui completar o ritual do seu afilhado.

Eijirou escapou de seu olhar, fitando o chão envergonhado por sua postura, ao mesmo tempo que ainda sentia a raiva e a inconformidade brigarem dentro de si.

— Eu sei, mas não posso evitar a culpa e a raiva que estou sentindo. — recolheu sua cauda, deitando-a sobre as pernas. 

Mesmo sem encará-lo podia sentir o olhar de Ayoama queimando-o enquanto o repreendia. 

— Deve se livrar disso o mais rápido possível — afirmou categórico.

— Eu não sei se consigo... — desabafou — Essa mágoa é antiga e está enraizada no meu coração. O que aconteceu com a Mina só serviu para deixá-la ainda maior.

Houve um momento de silêncio constrangedor antes que Ayoama se movesse. Eijiro achou que ia purificá-lo com o incenso e já sentia o nariz arder em expectativa, mas ele não o fez. O oráculo se levantou usando sua cauda como propulsor, aproximando-se de uma das diversas prateleiras de mármore branco de onde resgatou uma garrafa e uma taça dourada com o emblema de sua deusa, sentando-se novamente e servindo um pouco da bebida de cor âmbar a Eijiro que o observava atento e um tanto desconfiado.

— O que é isso? — indagou curioso, farejando o líquido e recebendo um leve peteleco no nariz.

— Não seja rude com o seu oráculo, dragão! — chamou-lhe a atenção com firmeza — Apenas siga as minhas instruções. — Eijiro anuiu, esperando obedientemente — Feche os olhos. Beba com calma, goles curtos, deixe a bebida escorregar lentamente pela sua garganta, sinta-a se alojar em seu interior e aquecê-lo.

O gosto era agridoce, fermentado e estranhamente saboroso. Queimava e ao mesmo tempo borbulhava em contato com a língua, como se explodisse, aquecendo-o por dentro.

— Agora respire, lentamente. Deixe seus pulmões se encherem...

— Quais deles? — interrompeu-o deixando Ayoama um tanto irritado. 

— Os de ar, óbvio. Por acaso quer atear fogo ao templo?! — Eijiro se ajeitou depois de se desculpar com um sorriso amarelo, se sentindo um tanto estúpido — Agora se concentre e pare de me interromper ou o ritual não vai dar certo! E feche direito esses olhos pois consigo vê-lo os entreabrindo.

— É que eu não consigo ficar parado por muito tempo, sabe disso. — argumentou chateado.

— Quem não sabe?! — o loiro bufou saturado — Vocês, dragões de fogo, são fortes, mas impacientes demais, o que torna um saco lidar com vocês em rituais. Acredite, se eu pudesse escolher vocês seriam a minha última opção, mas foram ordens superiores e não se desobedece os espíritos de nossos ancestrais. 

— É da nossa natureza, lembra? "Inconstantes e agitados como o fogo" — repetiu imitando o tom de voz arrastada e quase morta do tutor Aizawa, um dragão hipnótico, cuja principal magia era a do sono que adorava lançar contra si mesmo.

Um breve sorriso brincalhão surgiu no rosto do sacerdote. 

— Eu sei, também "potencialmente destrutivos" — continuou na mesma voz tediosa, recompondo-se segundos depois ao reassumir a postura concentrada — Mas não temos tempo para isso, então será que dá pra levar a sério? Eu estou tentando te mostrar algo importante aqui.

— Me desculpe, eu vou tentar. — fechou os olhos repetindo o processo enquanto controlava a respiração. Seu espírito ansioso tornava difícil manter-se de olhos fechados por muito tempo, mas ele tinha que conseguir.

Demorou mais algum tempo, exigindo muita paciência por parte do oráculo que o instruía, tentando não surtar a cada tentativa fracassada. Era difícil  manter um dragão de fogo parado. 

Finalmente, após a quinta tentativa, Eijiro conseguiu. Em poucos segundos sentiu-se relaxar, sem saber ao certo se pela bebida, ou pelo som criado por Ayoama ao assobiar, entoando alguma canção ritual em sua linguagem dracônica enquanto estalava levemente os dedos de maneira rítmica. Podia senti-lo ao seu redor, como o vento, atiçando seus sentidos, brincando com sua percepção e o ajudando a mergulhar em um limbo mental, no fundo de seu subconsciente semi adormecido. As extremidades de seu corpo formigavam com intensidade, como se companhassem o ritmo ditado pelo sacerdote. 

— Os dragões de fogo são como seu elemento Eijiro, uma força da natureza. O fogo aquece e mantêm a vida, mas pode queimar até que não sobre mais do que cinzas. — o tom de voz do oráculo estava se tornando mais distante, ganhando um timbre diferente, como se duas pessoas falassem ao mesmo tempo — Você, assim como seus antepassados, guarda esse poder dentro de si, essa dualidade, latente, suprimida, pronta a eclodir em criação ou caos. Pode amar intensamente e odiar na mesma proporção, por isso deve sempre se manter sua alma limpa e equilibrada, ou ira incinerar o mundo ao seu redor.

A voz do oráculo tornou-se mais e mais distante, até desaparecer por completo. 

Então houve silêncio absoluto e Eijiro não era capaz de captar nem mesmo o som de sua respiração ou o bater de seus corações. Tudo era vazio, escuro e dormente. 

Aos poucos Eijirou começou a ouvir o crepitar de uma chama, estalando em chiando enquanto consumia a madeira, antes que seus olhos, ainda fechados, vislumbrassem uma série de imagens distorcidas, como borrões incompreensíveis. O breu de suas pálpebras iluminou-se mostrando o que parecia ser uma floresta, tomada pelo fogo vivo, ardendo e sendo consumida. 

Então o som agoniante de gritos encheram seus ouvidos, seguidos por lamúrias de dor e pedidos chorosos de clemência. Podia sentir o cheiro da carne queimada junto a madeira, tecidos e uma infinidade de outras matérias. Havia uma coroa tombada, rios de sangue e cadáveres de humanos e dragões, caídos uns sobre os outros em posições macabras. Uma chacina nauseante que fez seu coração disparar. E no meio de tudo, erguendo-se como uma força do caos, estava um homem, de cabelos dourados e face vazia, exceto pelo sorriso nefasto que carregava, observando o extermínio em êxtase.

No instante seguinte ele mesmo estava ardendo com as chamas, sentindo-as lamberem sua pele enquanto subiam impiedosas, criando bolhas que estouravam a medida que o tecido chamuscava, desprendendo-se dos ossos e caindo aos seus pés. Os cadáveres se reergueram como um exército de criaturas mortas vivas, ardendo em chamas enquanto apontavam para si acusando-o. 

" Assassino"

Reabriu os olhos, arfando e tocando a si mesmo em desespero em uma inspeção cuidadosa, respirando aliviado ao sentir a pele e roupas intactas. Nunca havia sentido o calor do fogo, ele não o feria, era seu elemento. Na verdade era o contrário o acalentava e curava, jamais imaginara a sensação. Contudo, naquele momento, sentira-o em sua forma natural, faminto a lhe consumir por completo e a sensação havia sido perturbadora. 

Ao olhar para Ayoama tomou mais um susto ao vê-lo com os globos oculares brancos, voltados para dentro do crânio, gritando e caindo no chão segundos antes de entender que ele estava em transe. Podia sentira o peso e poder da aura que cobria o corpo do sacerdote, erguendo-se como chamas brancas ao seu redor.

— O q-que isso significa? — perguntou ainda assustado.

— Você, dragão de fogo, descendente de Re'ny e Na'ha, nascido da angústia de seus genitores, será a chave para a salvação ou a destruição completa de nosso mundo. Deve estar atento aos olhos que o vigiam e as línguas que lhe falam. — sua voz ecoava como que recitada por muitas pessoas ao mesmo tempo.

— Eu não compreendo... — tornou-se a sentar confuso.  

— Quando chegar o momento, entenderá.

— E o humano? O que devo fazer com ele? — indagou ansioso, antes que a divindade que falasse através do oráculo se dispersasse — O que eu devo fazer?

— Protegê-lo.

Eijiro moveu-se surpreso e incomodado com aquela resposta. Em verdade sentia-se quase ofendido com aquela ordem. Já havia protegido Katsuki uma vez e ele pagara sua bondade derramando o sangue de seus irmãos. 

— Mas ele matou muitos dragões, amigos meus, como posso perdoá-lo?— a mágoa em seu tom de voz fez as entidades incorporadas em Ayoama se calarem por um momento — E a visão? Tenho quase certeza de que era ele e...

— Você viu o rosto dele em suas visões, dragão de fogo? — cortou-o sibilando ao final como uma serpente. 

— Não, mas tudo me leva a crer que será ele. Quer dizer... eu vi. 

— Ele foi manipulado, assim como você está sendo. Ambos são ferramentas do destino para propósitos superiores. O humano ainda há de mostrar seu valor, não tema ou odeie sua presença. A mesma força que os separou irá uni-los uma vez mais, não resista e deixe a natureza seguir seu curso, ele quem o resgatará... — a última palavra saiu como um sussurro faco.

Segundos depois a cabeça de Ayoama caiu, pendendo pesada sobre o peito.

— Você está bem? — Eijiro se adiantou se aproximando ao ver que o amigo balançava a cabeça, tossindo respirando profundamente como alguém que estivera submerso por muito tempo.

— Eu detesto quando eles vem em grupo, me consomem muito poder mágico — reclamou, falando entre as goladas de ar recuperando-se da incorporação forçada — O que eles lhe disseram?

— Eu ainda não sei direito como interpretar, foi muito confuso.

— Claro que foi, são presságios, visões do que pode ou não acontecer o que torna tudo sempre complicado. — levantou-se ajeitando a túnica e usando a cauda para se apoiar no chão — . Eles insistiram que eu deveria lhe mostrar aquelas visões, e que devia ser o mais rápido possível. 

— Você ta,bém viu, Ayoama? 

— Apenas borrões, nada muito concreto, mas senti a força do chamado assim como você e temi. Seja lá o que esteja para acontecer, Eijiro eu sinto que não vai ser algo simples, mas sim eventos que vão mudar o mundo como conhecemos. — recolocou a garrafa no lugar com ajuda do amigo que o ajudava, apoiando-o sem seu ombro — Mas vamos sair um pouco, eu preciso de ar fresco ou vou morrer sufocado.



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