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História Tempos Áureos - Retorno a Turandor


Escrita por: IchygoChan

Capítulo 16 - Retorno a Turandor


Havia apenas o silêncio e ele dentro daquela câmara, quebrado unicamente pelo som sibilante de suas preces. O oráculo lhe dissera sobre a impureza em seu coração e a necessidade de expurga-lá, orientando-o a iniciar a limpeza espiritual através da meditação, e ele estava se esforçando ao máximo, ainda que não fosse sua especialidade manter-se calmo e parado por tanto tempo.

Fora assim que conhecera Katsuki. Em uma das diversas incursões do pai e tutores a outros reinos, ocupados demais para prestar atenção à um filhote, e como candidato a liderança futura ele tinha que se ocupar com estudos, meditações e preces a fim de talhar seu espírito. No entanto, Eijiro nunca foi o modelo ideal de herdeiro calmo ou um aprendiz aplicado. Seu espírito era indomável como o fogo e ele sentia a necessidade quase visceral de deixar-se levar pela ação, ansioso pelas aventuras que poderia viver. 

Aproveitando o momento de desatenção dos adultos e cansado de ficar sozinho por horas naquele cômodo, Eijirou se esgueirava pelos corredores do templo, escapulindo de suas obrigações com a tenacidade de uma lebre. Sabia que não deveria ir muito longe ou demorar por conta do risco de ser pego em suas peraltices e cuidava para que isso não acontecesse. Na primeira vez sua coragem havia sido incitada pelo tédio e curiosidade, e após se certificar de que o caminho estava livre ele atravessou o portal, levando tempo para entender a magia que o cercava e mais tempo ainda para realizá-la com mestria o suficiente. Mesmo que desejasse correr de encontro aos amigos não o fez por saber que, caso brincasse com eles fora do expediente permitido seria denunciado e levaria bronca, e ele não desejava ficar de castigo ou ouvir sermões. 

Então ele se aventurou através do portal mágico, voando ainda com certa dificuldade. A medida que descia conseguiu avistar uma aldeia de humanos, contendo a curiosidade por pouco. Não podia ser capturado por eles, eram perigosos, então decidiu explorar as florestas nos arredores. 

Ali conheceu Katsuki que riu de si ao vê-lo correr de um coelho. Ambos ainda eram muito pequenos e Eijirou realmente estava grato pelo filhote humano tê-lo ajudado com seu perseguidor, o que lhe custou os ouvidos pelos anos que seguiram, pois o garoto gostava de lembrar a ele que ele havia corrido de um mísero coelho. 

Diferente das outras crianças de seu reino humano, Katsuki era turrão e temperamental, podendo alternar entre o carinhoso e o rude em questão de minutos, e essa personalidade intempestiva atraía Eijirou de uma maneira que não sabia explicar. Ele não via necessidade de estar sempre pensando ou ponderando o que deveria falar, ou mesmo se arrependia de ser indelicado, simplesmente fazia e falava o que lhe dava vontade, sempre sincero como um dragão. 

No entanto ele sempre se desculpava a sua maneira. Certa vez, poucos meses depois de se conhecerem, ele começou a arremessar pequenas sementes em Ejiiro com um estilingue, afirmando que estava brincando de caçador. Para o dragão era confuso participar de um jogo em que uma pessoa machuca seu amigo por pura diversão. Obviamente aquelas bolotas não eram capazes de fazer mais do que leves cócegas em seu couro, mas perceber o amigo a sua volta atirando em sua direção o deixou sem reação e o fato dele ter uma bolsa cheia de sementes que atirava sem trégua não ajudava em nada. Hesitante permaneceu parado até uma noz atingir seu olho dolorosamente. Eijirou guinchou, correndo sem rumo com medo de ter o outro olho atingido. 

Os disparos cessaram instantaneamente. 

— Bafo Podre, volta aqui! — Katsuki o chamou ao longe, mas ele estava assustado demais para dar atenção. 

Parou minutos depois, cansado de correr em busca de uma clareira onde pudesse alçar voo e deitou-se, enrodilhando a cauda e recolhendo as asas em volta do corpo, tremendo de pavor. Sua potente audição captou o exato momento em que Katsuki o encontrou, atento aos sons que vinham dele, como a respiração pesada e os movimentos rítmicos de seu coração acelerado se misturando aos seus próprios guinchos baixos e assustados e folhas amassadas pelas rápidas passadas do humano que se aguachou ao seu lado, tocando seu couro.

— Porque não fugiu, seu idiota, não era para ser uma presa tão fácil. — ele ralhou, mas o tom de sua voz denunciava seu arrependimento.

"Porque atirou aquelas coisas em mim?" sibilou em sua língua materna, a qual o menino não conhecia. " Você é um mal amigo"

— Poxa, Bafo Podre, você é um covarde medroso mesmo, é isso que você é. Foi culpa sua ter se machucado — o dragão ergueu a cabeça ao ouvir o tom de voz trêmulo, seguido do aroma das lágrimas que ele tentava conter sem sucesso — Devia ter corrido... devia ter fugido de mim, droga! 

Ao erguer a cabeça se deparou com o semblante choroso dele, em uma carranca que se desfez em culpa assim que viu seu olho vermelho. Foi a primeira vez que viu Katsuki chorar e desabar arrependido por algo, abraçando-o pelo pescoço com força. 

— A culpa foi minha, me desculpe, Bafo Podre, eu não queria te machucar. — acariciava as escamas ainda macias de um Eijiro de um metro, ainda um pequeno filhote que, naquele momento, desejou poder mostrar ao amigo sua forma humanoide para poder retribuir o abraço. 

Mais tarde, quando passaram perto de uma cachoeira, Katsuki se desfez do bodoque e das sementes, resmungando enquanto as jogava na água.

— Eu não preciso e nem quero um brinquedo de merda que possa te machucar. — observava a correnteza carregar os itens com o olhar mais concentrado e adulto que uma criança de cinco anos conseguia imitar, e que se desmanchou instantaneamente ao sentir que Eijiro havia se aproximado, sorrindo e se abaixando para abraçá-lo novamente — Você é o meu melhor amigo, Bafo Podre e eu sempre vou cuidar de você, prometo. 

Ele não ficou feliz de receber uma lambida, mas Eijiro pouco se importou com o semblante assassino e azedo que ele lhe dedicou, correndo para que não o alcançasse. 

Haviam sido bons tempos, antes de tudo desmoronar. Antes de sua mãe e irmãos morrerem vitimados por caçadores inescrupulosos. Antes de Katsuki assumir a profissão da família e, com sua ajuda indireta, se tornar o maior e melhor caçador de dragões de todos os tempos, quebrando a promessa que havia feito a ele. Antes de seu povo aumentar as proteções ao redor do reino e os dragões terem que viver enclausurados por causa da matança desenfreada provocada pelos humanos. 

Bons tempos, vivos apenas em sua memória, lhe trazendo um misto de alegria e amargura.

O que lhe restava agora era a mágoa e a raiva que não conseguia apagar de si por mais que tentasse. Bastava olhar para a cicatriz em seu rosto, causada pelo golpe aplicado em si pelo próprio  Katsuki enquanto empunhava a maldita alabarda, para se lembrar do monstro que ele havia se tornado. Nem mesmo a doçura com a qual o tratava quando crianças era suficiente para aplacar aquele sentimento negativo que o consumia feito ácido, corroendo seu espírito e corrompendo seu coração.   

As preces não estavam ajudando-o afinal, talvez por estar absorto em seus pensamentos e lembranças, talvez por já ter se deixado levar pela raiva e revolta até um ponto em que sozinho não conseguiria lidar. Resolveu então desistir e sair para conversar com os poucos amigos que ainda lhe restavam. 

O som de suas garras batendo cadenciadas contra o piso de mármore chamou a atenção da sacerdotisa Eiael que veio ao seu encontro com o olhar maternal ao vê-lo cabisbaixo. 

— O que houve, filho, não conseguiu se concentrar nas orações de novo? 

Ela o conhecia bem, desde que era um filhote, sabia de sua dificuldade com preces. Eijirou sorriu com a preocupação dele, um leve e tímido erguer de lábios. 

— Sabe que eu nunca fui bom nisso, sacerdotisa Eiael.

— Todos temos dificuldade com algo, Eiji, sua habilidade não está em orações e rituais, mas sim em magias e no seu coração. 

— Ele ultimamente não anda muito bem, infelizmente. 

— Impossível manter-se puro e sem pensamentos negativos sempre, meu querido, por isso temos sempre que meditar e orar a nossa deusa Na'Ha pedindo sabedoria e buscando nos perdoar. 

— Acho que ela deve estar um pouco irritada comigo, pois as minhas preces andam sendo meio vazias. 

Fosse outro sacerdote poderia repreendê-lo pela heresia, mas Eiael era mais tranquila quanto aquilo. 

— Ela sabe que você está passando por uma fase difícil e precisa de tempo para se reencontrar, meu amor. Não se condene ou minimize por isso, tenha fé. 

Eijiro segurou as mãos da idosa sacerdotisa entre as suas, beijando-as com carinho e gratidão. 

— Obrigado pelas palavras, sacerdotisa Eiael, eu precisava de um ânimo. 

— Sempre que precisar poderá me encontrar aqui, querido. Agora vá até o Monte do Guerreiro, o sacerdote negro te convocou, disse que tem algo pra lhe contar. 

Após se despedir, Eijiro subiu em uma das janelas do templo, empoleirando-se na amurada antes de subir até o telhado, assumindo sua real forma e voando em direção a um dos picos onde sabia que encontraria o sacerdote Tokoyami, um dragão negro taciturno e fiel, tão calado que as vezes perguntava-se se ele não havia feito alguma promessa de falar pouco em sua vida. 

Ele o recebeu com o olhar centrado de uma harpia, aproximando-se lentamente. Respeitosamente o cumprimentou, abaixando a cabeça ainda em sua forma colossal, expelindo uma grossa nuvem de vapor negro pelas narinas.

— Me chamou, sacerdote? 

— Sim, Eijiro. Recebi uma mensagem do oráculo de Turandor, ele está convocando-o para ter com eles, mas pede que antes prepare seu coração pois viverá fortes emoções. — colocou a mão dentro de sua túnica, retirando dela um pequeno amuleto em formato de chifre que partiu com a mão, pingando na palma um líquido lilás brilhante. Eijiro abaixou-se nas patas dianteiras, deitando o pesado corpo no chão enquanto o sacerdote espalhava o líquido em seu rosto, descendo pelo focinho e subindo em padrões pelos chifres — Seja forte e tenha fé. 

Após uma breve oração os padrões brilharam em matizes douradas, desaparecendo como que absorvidas pelo couro de Eijirou que ergueu a cabeça, reassumindo a postura. 

— Atenderá o pedido de sua deusa e se manterá fiel a ela? — o sacerdote indagou com a voz grave a pergunta feita a todo dragão que se resigna e aceitar a ordem do oráculo. 

Eijiro rugiu alto, fazendo o chão e a montanha tremerem antes de liberar uma intensa labareda de fogo para o alto, confirmando. Todo dragão, fosse elemental ou não, devia apresentar seu poder ao aceitar a missão, como prova de sua submissão e respeito incondicional a deusa. 

— Eu jamais negarei uma ordem da minha deusa, ela é o cerne e guia de minha existência e por ela eu salvo e sangro se necessário — recitou confiante, alçando voo mais uma vez após a liberação do sacerdote que acenou a cabeça levemente, sorrindo por sua lealdade. 

— Assim seja. — Tokayami murmurou sem se mover um só milímetro ao sentir o potente vento criado pelo bater de asas do dragão de fogo. 

******

Três dias de viagem até Turandor, com breves pausas e pouco descanso, a fim de atender o pedido do oráculo o mais depressa possível. No caminho Eijiro teve que fechar os olhos ao passar pelo trecho onde Mina foi assassinada, contendo a maldita vontade de chorar. 

Assim que viu o pináculo do templo principal ele rugiu alto, sinalizando sua aproximação a tempo dos guardas liberarem passagem pelo campo mágico. 

Como de costume as crianças gritaram extasiadas quando ele chegou e até mesmo os demais moradores pararam para poder observá-lo em seu voo, olhando admiradas para o céu enquanto ele voava em círculos, descendo e pousando suavemente no chão antes de ser atacado por um bando de filhotes eufóricos que subiam em cima de si, dependurando-se em sua cauda e segurando seu focinho. Não era sempre que um dragão de fogo aparecia por ali, na verdade apenas Eijiro mesmo que o fazia, e já não era com tanta frequência. 

E como ele gostava de brincar com os pequenos, deixando que pulassem ao redor e o cutucassem sem se importar, rindo da animação deles. Era sempre a mesma festa quando ele chegava e já estava mais do que acostumado. Os adultos admiravam e davam espaço respeitosamente, afinal, segundo a lenda, o dragão de fogo havia sido o primeiro dragão elementar do mundo, pai dos demais dragões e eles eram muito raros. 

— Tio Eiji, cospe fogo! — Elise pediu encantada, observando Eijiro no olho, mesmo que tivesse o tamanho de seu olho inteiro. 

— Não agora, se não eu vou colocar fogo em tudo — guinchou rindo. 

Seu riso no entanto morreu assim que olhou para o lado e viu Bakugou. 



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