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História Teorias esquecidas - Fragmentado


Escrita por: wpetals

Notas do Autor


Como os outros capítulos tiveram meio que uma *trilha sonora*, bem, eu indico Atlantis - Seafret para esse, mesmo que a música não seja mencionada durante a escrita. Um beijo, obrigada aos leitores e MUITO obrigada a quem comentou e aos favoritos. <3


Não faça cópias, seja criativo.

Capítulo 3 - Fragmentado


ZAIN MALIK

 

É domingo, passa das nove da noite. Há uma semana que eu estou aqui trancafiado. Não atendo aos telefonemas da família ou da namorada, não me comunico com o mundo lá fora. Estou sozinho por todos esses dias. Na verdade, meus discos, o toca-vinil e os meus eus me fazem companhia. Converso comigo mesmo por horas a fio, discuto, respondo aos meus próprios questionamentos e lamento, lamento fervorosamente os meus defeitos, as minhas falhas e algumas teorias esquecidas. A ansiedade se alastra em meu organismo como um mal sem cura, ela queima toda a minha energia, embaralha o meu cérebro, estou desnorteado, enlouquecendo.

Não posso continuar isolado. As conversas entre eu e eu mesmo são péssimas, elas me estimulam a fazer coisas terríveis. Não quero citar. Evito o espelho, a troca de roupas e os banhos. Minha comida é toda a que a dispensa pode provir: enlatados e sacos de biscoito. Sinto-me fraco a ponto de quase não aguentar com o meu corpo.

Batem à porta, mas não dou sinal de que vou atender.

 

“Zain! Sou eu! Já chega! O que está acontecendo? Eu sei que você está aí dentro.” É minha namorada falando entre socos na porta.

 

Ouvi-la tão aflita atrás da porta trancada me leva a pensar que, nos primeiros dias dessa semana, ela ignorou a minha existência e com razão, não a culpo. Nossos dois últimos encontros haviam sido dos piores.

 

“Zain, sua mãe tem me telefonado. Ela está preocupada...” Sua voz está distante, se eu me concentrar, não precisarei escutá-la. “Ela está cogitando vir para Londres. Ela e suas irmãs. Para com isso, você já chamou atenção o suficiente. Tive de trabalhar todos esses dias com a cabeça aqui em você, alguém precisa cumprir com as responsabilidades, você precisa entender certas coisas.” E quando ela terminou, o meu coração doeu como em todas as vezes que a minha doença foi tratada como capricho meu.

 

No fundo, eu sempre soube que minha namorada é mais uma daquelas pessoas com quem estive: terapeutas, parentes, amigos próximos e os não muito chegados, até os desconhecidos, pessoas que encaravam o horror que acontece dentro da minha cabeça como mero gesto de eu me tornar visível. Eu não queria – não quero – que as pessoas me vejam dessa maneira, que me julguem sem saber o que acontece comigo. Nada disso me agrada e me mentir dessa forma, nossa... É muito difícil de aguentar.

Finalmente, pude me concentrar e ignorá-la quando decidiu voltar a falar, e se estendeu por muito tempo lá fora. No fim, foi como se o apartamento estivesse vazio e ela só gastou saliva, desistiu pelo cansaço e sumiu. Eu conferi pelo olho mágico, claro. Depois disso, atravessei os minutos seguintes com tranquilidade, nada com mais ruídos do que os carros pelas estradas ao redor do prédio.

Quando vou para a minha cama, são quase onze da noite. O cheiro do meu corpo está me incomodando, não sabia que isso era possível. Me pego olhando para o teto, como se ele pudesse refletir as minhas batalhas internas, como se os meus olhos projetassem imagens do que tenho pensado. Assistindo a minha confusão mental, eu me pergunto por que estou onde estou e o que eu fiz de errado, por que me sinto misturado, incompreendido, perdido?

Ai! – solto um gemido.

Dói estar perdido.

Ai! – mais um.

Dói a saudade.

Que saudade dele, o meu bom ouvinte e amigo. Que saudade dele. Que saudade de Harry.

Viro de lado, viajando para dentro da minha escuridão. Há uma caverna que não tem fim, ninguém a habita, nem mesmo animais noturnos.

Eu sinto tanta falta de adorar o impossível, confundir-me e me alegrar contigo, Harry.

Sigo cego, sem saber onde piso, na esperança de encontrar uma saída. Parece que a qualquer minuto vou me afogar, mas não estou mergulhado n’água. Minha caminhada é muito mais apressada que outrora, não olho para trás, tenho tanto medo.

Que falta eu sinto de você, Harry, de poder lhe contemplar em seu estado mais sereno, curtir cada pouca palavra sua, solta aleatoriamente num diálogo que não a cabe. Que falta eu sinto, Harry, de você não fazer sentido e, ao mesmo tempo, fazer-se entendido por qualquer um. Eu entendia você, ainda entendo.

Aqui, não respiro e o escuro, até então posto de lado, me assusta como nunca antes o fizera. Quando vou me encontrar contigo? Eu te imploro, vem me salvar? Porque sozinho não vai dar, não consigo. Por mais que eu tente, não consigo.

Todos os meus eus falam ao mesmo tempo em meio à escuridão, cada um com a sua acusação, o eu-poético me cobra ser mais criativo e o eu-sincero a minha sinceridade, quer explicações para o meu silêncio diante de todos, ele me pergunta: por que estou tão fechado? O eu-inventando, aquele que eu uso de disfarce, sempre muito simpático, bem arrumado, ele está em berros e me acusa de ter me entregado. Eles estão em berros, estão me enlouquecendo...

É um surto.

Eu sei que você é único nesse momento, tanto o responsável pela crise quanto quem pode me tirar dela. Harry, eu preciso de você.

Bagunçado como estou, a cabeça numa paranóia tão grande que me deixa com as vistas turvas. Mesmo assim, eu me levanto da cama. Cambaleando, oscilando entre o que é real e fruto da minha imaginação, eu caminho no escuro. Escuro outra vez? Ou ele nunca se foi?

Preciso te ligar, mas não sei com o que. Deus... O meu celular. Sinto dores nas têmporas e fantasmas negros aparecem e somem nos cantos dos meus olhos. Onde deixei o celular? Tateio paredes e termino sentado no chão. Um gosto forte e amargo me vem à boca, meus braços estão pesados, não consigo me mexer.

Perco a consciência.

 

–––

 

Madrugada de segunda-feira, 20/03/2017.

Ouço uma mulher chorando, ela não está sozinha. Esses segundos que seguem são preenchidos por uma sensação de quem sai de um quarto branco, sinto que estou voltando a mim aos poucos, ainda desnorteado, mas vivo.

 

“A gente precisa levá-lo ao hospital, pelo amor de Deus. Eu tô me sentindo um lixo, disse coisas horríveis mais cedo quando vim aqui, ele não respondia. Eu fiquei preocupada, mas não sabia que tudo ia chegar a esse ponto...” A conhecida voz narrava perto de mim, eu só não podia abrir os olhos para ver de quem se tratava.

 

“Ei, ei... Você fez o que estava ao seu alcance. Ainda bem que foi pedir ajuda, a situação poderia estar bem pior agora.” A outra pessoa tem a voz mais grossa e eles conversam entre si.

 

Não é nada novo para mim, já acordei de outros desmaios e surtos. Moleza, resquícios da bagunça interna que ainda me habitam e me confundem os olhos, tudo isso faz parte.

 

“Eu estou bem.” Digo com palavras firmes, apesar de exausto. A mulher, com suas mãos geladas, apalpa meu rosto, chorando ainda mais. Eu abro os olhos e vejo minha namorada. Devia tê-la reconhecido pela voz, mas não foi possível naquele momento.

 

“Ah, Zain... Que susto...” A namorada balbucia enquanto me abraça, deixando suas lágrimas em meu ombro. “Me perdoa por não entender, me perdoa pelo o que você pode ter ouvido hoje, eu te amo tanto...” Ela parece estar se confessando e eu estou vagando dentro de mim, não como antes, mas não deixo de fazê-lo.

 

“Arrombei sua porta, molecão. Espero que isso não seja um problema.” O responsável pelo estrago à porta, que se auto acusa, é um dos meus poucos amigos ingleses, David Petterson. Ele mora a duas quadras do prédio, talvez por isso tenha sido a primeira pessoa a quem minha namorada recorreu para pedir ajuda.

 

David se esforça para abrir um sorriso convincente, ele quer me transmitir algum tipo de conforto com isso, algo como: cara, tá tudo bem, mas sabe que não vai conseguir.

 

Noto que me puseram no meu quarto, o palco do meu desespero de horas (?) atrás. “Eu apaguei por quanto tempo?” Pergunto.

 

Eles se entreolham. David, de pé ao lado da cama, braços cruzados, e a minha namorada está sentada perto de mim.

 

“Não sabemos ao certo. Entramos aqui depois das onze, eu acho, e você já estava desmaiado.” A namorada responde.

 

“E que horas são?” Ainda tenho dúvidas a aclarar.

 

David verifica seu relógio de pulso: “Duas e vinte quatro da manhã.”

 

“Eu queria chamar alguém especializado, um equipe médica, David achou melhor não, ele disse que você poderia não gostar.” Minha namorada me conta, segurando minha mão.

 

Respiro fundo, tento prestar atenção nas expressões dela, nela como um conjunto, porém estou completamente desconcentrado, disperso.

 

“Fiquei tão preocupada...” Ela beija sua mão com a minha, molhando meus dedos com suas lágrimas. “Falei com sua mãe, disse que tínhamos conseguido entrar. Menti pra ela dizendo que você estava bem, não quero alarmá-la sabendo que estamos em países diferentes, isso colocaria sua mãe em desespero...” Continua me dando informações, porém nada faz sentido pra mim, não por agora.

 

Não parece que sai daquela caverna escura, só sinto como se ela estivesse dando um tempo de mim, esperando que eu volte e a desafie ou sucumba a ela. Pensar nisso mexe com meu sistema nervoso e minhas mãos reagem com tremores. Minha namorada para de falar ao perceber e aperta seus dedos aos meus, fitando-me com angústia.

 

“Preciso ver Harry, falar com ele...” Faço o meu pedido como uma súplica de quem está entre a vida e a morte. Não me importo se estou me equilibrando numa corda de exageros, dessa vez não posso ser nada além de sincero.

 

Eu preciso dele.

 

 


Notas Finais


Se chegou até aqui, muito obrigada <3 Suas impressões sobre a fic são muito boas para nós, autores, ficarei muito feliz em lê-las <3


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