História Thank You »» Cockles a.u «« - Três

Misha olhou em seu relógio que marcava 23:40. Tinha prometido a Jensen que voltaria ainda aquele dia, e só tinha 20 minutos. Mas dava pra chegar. Não sabia porque se esforçava tanto pra chegar lá rápido, ele mal conhecia aquele rapaz e ainda suspeitava que ele fosse foragido da polícia. Não seria a primeira vez que veria um caso desses, e não seria a primeira vez que quebraria a cara tentando ajudar também. Talvez fosse a teimosia que o incentivava a ir atrás. Ele não iria deixar um dos seus ter um final ruim. Não novamente.

Entrou no elevador e apertou para o quinto andar. Tinha ido até seu carro pegar a muda de roupa que tinha guardado para Jensen. Uma bermuda de moletom sua (que torcia para que coubesse no outro) e uma camisa do YANA. Sobre sapatos, somente quando saíssem dali. Sim, Misha estava convicto de levar "Só Jensen" para algum lugar até que ele estivesse totalmente recuperado. Sabia que poderia levar até 90 dias para que ele se recuperasse totalmente, e não dava pra deixá-lo tanto tempo no Instituto sem seus amigos perguntarem sobre como ele ajudaria, e também achava difícil Jensen resolver ajudar as pessoas que o espancaram. Misha os via sempre quase todos os dias, exceto quando estava no trabalho ou no Saint Luke's Foundation, outra instituição sem fins lucrativos que ajudava ao menos uma vez no mês, o que o fez conseguir aquele quarto para Jensen.

O elevador abriu as portas no quinto andar. Misha olhou para seu reflexo no espelho e consertou alguns fios de cabelo fora do lugar. Seu reflexo entregava uma pessoa magra, com olheiras e barba por fazer. Se sentia um trapo.

Saiu do elevador em direção ao quarto de Jensen, consertando a postura. Bateu três vezes e abriu a porta. Quando entrou, viu que ele dormia. Chegara tarde demais para cumprir sua promessa ao estranho.

A televisão ainda estava ligada, então procurou o controle e fez com que o quarto ficasse em total silêncio. Colocou as roupas no braço da poltrona e sentou-se, procurando seu pequeno bloco de anotações dentro do blazer. Arrancou uma página.

"Trouxe essas roupas para você. Espero que sirvam, na verdade era o que eu tinha no carro já que não tive tempo de ir para casa. Por favor, pense novamente sobre ir até o Instituto. Sua recuperação será difícil, pior ainda se voltar para as ruas tão rápido."

Não assinou, pois Jensen saberia quem era. Colocou o bilhete em cima das roupas.

Misha já estava se levantando da poltrona quando Jensen emitiu um gemido baixo. Será que ele estava sentindo dor? Sentou novamente e observou se ele acordaria, mas somente virou seu rosto, com um sorriso. Devia estar sonhando com uma coisa boa, e Misha não sabia porque mas aquilo o deixava feliz.

Prestou atenção novamente no loiro. As sardas que pareciam ser colocadas em cada lugar estrategicamente planejado, chamaram a atenção dele pela primeira vez. Cílios longos enfeitavam o seu rosto, junto com uma barba cheia, resultado do tempo nas ruas. Outro resultado disso eram os hematomas que ficaram no corpo dele após passar pelo trauma recente. Sem perceber, Misha foi se aconchegando na poltrona macia, enquanto o sono o fazia focar em qualquer coisa aleatória. Seus olhos começaram a pesar. Não era saudável ficar tanto tempo acordado quanto ele estava. Deixou-se levar pelo sono e pela visão do homem dormindo à sua frente com uma expressão feliz no rosto, pela primeira vez desde que se conheceram. Misha literalmente apagou, em um sono sem sonhos.

○

Quando Jensen despertou, deu de cara com o homem deitado à sua frente. Pelo segundo dia seguido acordava olhando para a cara da mesma pessoa. Aquilo era mais raro do que gostaria de admitir.

Levantou um pouco a maca, como Rachel o havia ensinado e pegou o bilhete que estava em cima de uma calça, que estava a seu lado. Leu e sentiu algo estranho. Fazia anos que não sabia o que era alguém se preocupando com ele. Lembrava-se de quando ainda adolescente, colocava seus joelhos no chão como a mãe havia ensinado e orava. Pedia a Deus sempre a mesma coisa em silêncio: para que tirasse todos aqueles pensamentos errados e impuros de sua mente. Pedia que Deus enviasse a ele um anjo, que o guiasse a cada palavra dita e a cada emoção sentida. Quando achou que, finalmente, seu pequeno milagre chegara, ele o deixara sem sequer ligar para dar algum tipo de satisfação. Era na verdade, a reencarnação do próprio demônio na frente dele. Desde então, desacreditou que algum dia, pudesse entregar seu coração a mais alguém.

Mas Misha, sentado à sua frente, curvado como se estivesse abraçando a si próprio, talvez fosse o anjo que pedia tanto a Deus. Poderia ser o amigo que o daria a mão e o ajudaria a se levantar.

-Bom dia, senhor Jensen! -seu médico entrou no quarto sem bater, assustando até mesmo Jensen que estava completamente acordado. Misha pulou da poltrona imediatamente.- Dr. Collins? O que faz aqui?

O baixinho olhou para Misha, franzindo a testa, como se estivesse acabado de ver algo de outro mundo.

-Dr. Speight! Eu... eu estava...

-Estávamos conversando e ele acabou dormindo. Não quis acordar. Fiz mal? -Misha se surpreendeu com a rapidez de Jensen em dar uma desculpa.

-Não, mas foi porque eu vim aqui, e não outra pessoa. Dr. Collins, acho que nós sabemos o bastante sobre visitas noturnas para não deixá-las mais acontecer por aqui, não é? Perdi um ótimo cardiologista por conta disso, não quero perder você também.

-Desculpe-me, doutor. Não vai acontecer novamente.

-Tudo bem. Se puder nos dar licença por um minuto, agradeço.

-Não, tudo bem. Na verdade, já era pra estar em casa. Não, na verdade já era pra estar aqui novamente, então acho melhor ir indo. Jensen, pense no que conversamos, ok? Se me derem licença... -ele disse, saindo pela porta.

Olhou para o médico à sua frente, tentando disfarçar seu descontentamento.

-E então, como estamos hoje?