CAP XIII - Weakness
- Você chama isso de reconquistar a confiança de seu povo? – Alycia acusou um pouco nervosa enquanto encarava Lexa.
- Não vou discutir isso com você – Lexa rebateu com desdém enquanto olhava para os mapas que estavam espalhados na sala do trono.
- Lexa, aquilo foi um desrespeito! Você sabe disso. – Alycia respondeu indignada. – Como você pode trair seu povo assim?
Lexa se virou para a menina nervosa e se aproximou com os punhos cerrados.
- Eu não traí meu povo, Alycia kom Trigedakru! Você que sempre pediu para eu ser mais flexível, agora está aí me acusando de traição por causa de um gesto de misericórdia. Todos pedem misericórdia para mim e quando eu dou vocês se sentem traídos. Isso é chato. – Lexa respondeu quase pressionando a menina contra parede e com uma voz calma, porém dura.
Alycia bufou e sustentou o olhar feroz de sua heda:
- Você teve misericórdia de um povo que não teve misericórdia com o seu!
Lexa arregalou os olhos ao sentir as palavras de Alycia como um tapa na cara e se afastou um pouco da menina tentando não desabar ali mesmo.
- Saia! – Lexa ordenou num fio de voz e Alycia suspirou.
- Sim heda – Alycia disse um pouco debochada e saiu da tenda em passos firmes.
Lexa se sentou para não perder o equilíbrio e suspirou. Será que o que ela fez era tão errado assim? No momento parecia tão certo que a menina duvidava que o gesto fosse tão desmerecedor daquele jeito. Ela mordeu os lábios de nervosismo ao se lembrar do olhar de cada um de seu povo para ela. Ela não se sentia tão culpada, mas era um sentimento ruim, um sentimento de ser repreendida por ser um pouco boa. Lexa precisava daquilo: se sentir uma pessoa boa pelo menos uma vez. A garota sentia todas as mortes que ela causava, sentia toda vez que punia alguém e mesmo com toda a reverência e adoração de seu povo por ela, ela se sentia ruim, sentia que ela não era o suficiente. A commander puxou um cordão que estava em seu pescoço e se deparou com aquele hukop[1] especial. Diferente de todos os outros, aquele hukop fora feito pelas mãos da própria Lexa e foi dado para alguém muito especial. Era uma miniatura de um urso polar esculpido na madeira e coberto por pelos brancos de um lobo de verdade que dava um ar mais real para o pequeno objeto. O hukop ainda estava chapiscado por sangue seco e Lexa engoliu as lágrimas ao se lembrar de coisas que ela não gostaria de estar lembrando agora. A garota apertou o hukop em seu peito e soltou o ar que estava prendendo. Ela não iria se arrepender e se sentir culpada por ser boa. Ela nunca faria isso. Só iria tomar um pouco mais de cautela agora para não chatear o seu povo. A commander se levantou confiante e andou em passos calmos para fora da tenda.
Clarke fitava a pira do falecido Finn com um olhar vazio e tentava segurar o choro. A menina estava acreditando agora que tudo o que ela tocava, ela destruía. Ela tinha mãos destruidoras e aquilo estava a sufocando. Seu pai, Wes e agora Finn se foram por culpa dela, ela definitivamente estragava tudo por mais que tentasse ajudar. O sentimento de culpa era tão grande que ela se sentia tão ruim e a cada segundo que ela ficava sozinha, seus muros se erguiam e ganhavam mais força. Ela estava afastando sua mãe, estava afastando seus amigos, estava afastando a todos que se aproximavam dela e mesmo que ela estava sendo consciente daquilo, ela não conseguia deixar ninguém se aproximar. Ela olhava pelo canto dos olhos sua mãe que a olhava de longe se sentindo culpada, olhava para Bellamy que também estava ali tentando se aproximar e mesmo assim ela erguia um muro enorme com todos e ninguém ousava em se aproximar. Clarke se sentia muito divida, ao mesmo tempo em que queria que ninguém se aproximasse, dentro dela ela queria que alguém entendesse tudo aquilo e se aproximasse dela mesmo assim, ela queria que alguém entendesse o seu silêncio, e mesmo que ela não admitisse por nada desse mundo, ela estava desesperada para alguém ser corajoso o suficiente e enfrentasse todo aquele muro carregado de desdém, de raiva, de silêncio e medos que ela tinha.
Lexa procurou Clarke com olhos da porta de sua tenda e viu a menina com um olhar perdido perto da pira do garoto. Ela fechou os olhos com força tomando coragem e puxou o ar com força dando os primeiros passos lentos até a garota. Ela apertou a adaga que estava em sua cintura com força em sinal de nervosismo, mas sem demonstrar. Seu semblante estava neutro como sempre e seus passos eram graciosos. A presença de Lexa era tão forte que prendia a atenção de qualquer um e Lexa sabia daquilo. A commander se aproximou da skygirl ficando ao lado dela. Ela deu uma olhada demorada para a menina, mas logo fixou seu olhar na pira e permaneceu ali do lado de Clarke em silêncio.
Era óbvio que Clarke tinha percebido a heda ali, mas ela não se moveu e muito menos olhou para a menina. Uma parte de Clarke culpava Lexa por tudo o que estava acontecendo, e mesmo que fosse uma parte bem pequena, aquilo ainda a incomodava. A loira suspirou e sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Ela pressionou os lábios com toda a força que tinha, nervosa por se sentir muito vulnerável perto da commander e Clarke se odiava por aquilo. O silêncio entre as duas não era algo desconfortável, na verdade era bem acolhedor.
Lexa suspirou ao perceber a resistência da menina e decidiu quebrar o silêncio:
- Eu perdi alguém muito especial também – Lexa começou com um tom cordial sem olhar para a skygirl. Clarke franziu as sobrancelhas de uma forma confusa – O nome dela era Costia – Lexa continuou num fio de voz tentando conter suas emoções. Lembrar de Costia não era uma tarefa fácil para a garota.
Clarke de alguma forma percebeu o tom da garota e decidiu dar uma chance para a aproximação de Lexa e a olhou. Lexa sentiu o olhar de Clarke sobre si e prendeu a respiração por medo de estar se despindo emocionalmente demais para a skygirl mas decidiu continuar:
- Ela foi presa pela Ice Nation a qual a rainha acreditava que ela sabia dos meus segredos. Por que ela ser minha. – a voz de Lexa já estava oscilando e ela deu uma pausa para respirar fundo. Clarke olhava para a menina um pouco confusa, mas estava recebendo tudo aquilo de braços abertos. Ela não entendia porque diabos Lexa estava confiando aquelas lembranças a ela, mas de alguma forma, seu coração estava feliz por aquilo, estava contente por receber algo tão importante assim de uma forma tão natural.
- Eles a torturam, mataram-na. Deceparam a cabeça dela – Lexa continuava a história lutando fortemente para não desabar ali. Clarke engoliu seco e quis se aproximar mais da menina, mas apenas se contentou com um “Eu sinto muito”. Lexa acenou positivamente com a cabeça recebendo aquelas palavras. – Eu pensei que eu nunca superaria a dor, mas eu superei. – Ela terminou de contar sem olhar para Clarke em nenhum momento e a skygirl engoliu o choro. Lexa estava tentando consolá-la e a loira entendia agora mais ou menos o porquê da garota ser tão complacente com ela. Lexa entendia sua dor.
- Como? – a garota de olhos azuis perguntou com uma voz carregada.
- Reconhecendo isso pelo o que realmente é – Lexa começou a responder e olhou para a menina sustentando seus olhares – Fraqueza.
Clarke ficou confusa e olhava atentamente para os olhos da comandante.
- O que? O amor? – perguntou.
Lexa engoliu seco sentindo seu coração formigar enquanto olhava a menina e confirmou com um aceno de cabeça desviando seu olhar.
- Então você parou de se importar com todas as pessoas? – Clarke perguntou com um tom meio acusatório.
Lexa permanecia com um semblante neutro, mas as perguntas da menina estavam a pressionando tanto que ela mordeu o interior da sua bochecha por nervosismo. Ela deveria mentir? Ela deveria contestar aquilo tudo? A commander apenas prendeu a respiração e acenou com a cabeça em forma positiva um pouco contragosto.
Clarke entendeu o ponto que Lexa estava tentando demonstrar, mas ela sabia que ela não conseguiria fazer isso. Clarke sempre se importava demais com as pessoas e aquilo era um peso tão grande que ela não sabia dizer não. Ela sempre colocava as pessoas em primeiro lugar mesmo que aquilo estivesse a matando lentamente. Ela não sabia lidar com o olhar decepcionado de alguém, ela não conseguia seguir em frente sabendo que ela estava ferindo alguém, mesmo que ela estivesse ferindo sem intenção, mesmo que ela estivesse ferindo alguém para poder pensar nela mesma. Ela não sabia fazer aquilo: pensar nela em primeiro lugar. E Clarke tinha plena consciência que ela estava se punindo, se ferindo por isso, mas ela não tinha a mínima ideia de como reverter aquilo.
- Eu nunca conseguiria fazer isso. – Clarke confessou pesarosa, sentindo o peso de suas palavras.
- Se colocar as pessoas que se importa em perigo, a dor nunca passará. – Lexa rebateu e se virou para olhar a menina novamente – Os mortos já se foram Clarke. Os vivos estão famintos – Lexa terminou com uma voz firme e olhando dentro dos olhos da garota. Clarke sentiu um arrepio estranho causado pelo peso das palavras de Lexa e suspirou. A commander tinha razão.
Enquanto Lexa estava tentando ser boa novamente, Clarke estava tentando se importar mais consigo mesma. Lexa queria ser boa pra alguém e Clarke precisava que alguém fosse boa para ela. Clarke mesmo que não admitisse, precisava que alguém se colocasse em posição de ajuda-la. Ela já tinha ajudado tanto, se doado e sacrificado tanto por alguém e agora ela estava se sentindo sozinha e sem forças.
Lexa não se arrependia de tudo o que ela fez no passado, de jeito nenhum, mas ela precisava de um recomeço bom. Ela precisava permanecer depois de tanto fugir. Ela precisava criar raízes, ela precisava construir algo fixo, já que em toda a sua vida, ela entrava na vida das pessoas temporariamente e depois de se satisfazer suas necessidades e das outras, ela simplesmente partia. Ela construía casas de papel para se sentir em casa por um tempo até se enjoar daquilo. Casas de papel eram mais rápidas de se construir, mais simples e não precisava de grandes esforços. Mas ela sabia que na primeira chuva, sua casa iria desfazer e no primeiro vento, sua casa iria ser levada para longe e ela ficaria sem nada. Não era algo fixo e muito menos sólido e seguro. Aquilo não servia como abrigo, não servia como um lar. Lexa já estava se sentindo angustiada por não ter nada para se apoiar, para se sentir segura. Já estava cansada de se sentir sem um lar, de ser uma garota de papel.
[1] Hukop na língua Trigedasleng pode significar “aliança” quanto ao amuleto que é dado às crianças em seu nascimento como forma de aliança entre a criança e o mentor.
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