CLARKE
Mas o que tinha acabado de acontecer? As duas estavam brincando e rindo, e, de repente, em questão de segundos, Lexa estava falando de vagabundas e batendo a porta na cara dela. O que tinha dito? Ela parecia apressada, então Clarke não quis irritá-la fazendo-a esperar enquanto pegava o número dela.
Pensou que estivesse agindo com cavalheirismo, ou ao menos tentando ser mais cortez.
Mas, segundo Lexa, tinha agido como uma babaca.
"Mulheres". Será que algum dia conseguiria entendê-las?
Enquanto deixava o estacionamento, refletindo sobre todos os motivos pelos quais beijar Lexa outra vez seria uma péssima ideia, o celular tocou.
— Quê que foi? — Estava rouca.
— Opa! Dia ruim? — Octavia riu.
— Tive aula de dança. O que você acha?
— Sinto muito. Espere, você disse que teve aula de dança?
— Não vou repetir — respondeu seca. — Ah, aliás, é capaz de vovó não poder ir ao casamento.
— Sério? Por quê?
— Vou matá-la. Hoje à noite. Ou então vou colocar algum tranquilizante nas vitaminas dela.
— Ah! Bem, não use Benadryl. Ela já tem tolerância a esse.
— É, bem, depois do que aconteceu com Raven, acho que todas podemos dizer que temos tolerância. Posso jurar que usei uma caixa inteira na última vez que tive crise alérgica.
— Fico feliz que ainda esteja respirando. — Octavia riu.
— Não seja babaca. O que você quer?
riu mais uma vez.
— Primeiro me conte mais sobre a dança.
— Dança do acasalamento — corrigiu, pegando a saída para a loja. — Foi tudo bem. Lexa salvou a minha pele. Madame, e sim, esse é o nome dela, queria um novo brinquedinho.
— Como é?
— Um brinquedinho, uma distração, alguém com quem brincar e que pudesse vestir como quisesse. Era provável que você nunca mais me visse.
— Assustador.
— Você não faz ideia. De qualquer forma, acabei de deixar Lexa no trabalho e vou tirar as medidas para o smoking.
— Beleza.
A ligação ficou silenciosa.
— Ô? Está aí?
— Estou. — A irmã ficou quieta outra vez. — Preciso perguntar uma coisa.
— Não, não vou doar um rim para você, peça à vovó.
— Ela só tem um.
— Por isso mesmo.
Octavia suspirou.
— Não é isso. É...
— Ok, agora você está me assustando.
— Então, você sabe que o papai vai levar Raven até o altar, né?
Clarke acabara de estacionar e suspirou.
— Sei.
— Ela, hã... — Octavia soltou um palavrão. — Ela queria saber se teria problema se você... se você fosse com eles.
— EU? — gritou Clarke. — PORQUE ELA IRIA ME QUERER AO LADO DELA? ISSO É UMA PIADA? SE SIM, NÃO É MUITO ENGRAÇADA...
— Pare de gritar! — Octavia soltou outro palavrão. — Viu? Sabia que você iria surtar. É só que... Você e Rae foram melhores amigas por tanto tempo, e, mesmo com esses dois anos complicados, você ainda é importante na vida dela. E ela quer homenageá-la.
Droga.
Clarke nunca chorava.
Nunca.
A última vez que chorara fora quando os pais de Raven morreram. E, mesmo assim, ela se trancara no dormitório e bebera até esquecer que tinha chorado lágrimas de verdade.
Mas desta vez... sentia uma vontade absurda de chorar até não aguentar mais. Porque não devia ser ela a levar Raven até o altar. Nem o seu pai. Devia ser o pai dela. Parte dela, uma parte pequena, se sentia culpada do que acontecera e achava que todos estariam vivos e felizes se fosse possível voltar no tempo e consertar algumas coisas.
— Clarke, está me ouvindo?
— Estou — respondeu. — Posso... hã... Posso pensar no assunto?
— Claro.
— Certo. — Clarke bateu no volante com uma das mãos. — Preciso ir. Diga oi a Raven por mim.
— Ok. A gente se fala depois.
Clarke desligou o carro e bateu no volante de novo.
Uma vez não tinha sido o bastante. E bateu de novo, e de novo, até que a mão ficou tão dormente que ela teve certeza de que precisaria colocar gelo depois.
Um dia ela contaria tudo a Raven. Explicaria que o pai dela tinha... salvado sua vida.
Sentiu um gosto amargo na boca ao pensar no passado — no passado como um todo. Será que Niko sentiria orgulho dela e das escolhas que fizera? Ou será que faria o que fizera oito anos antes... Que a faria cortar lenha e cavar buracos até que seus dedos sangrassem, até que ela percebesse o enorme erro que tinha cometido?
Praguejando, Clarke saiu do carro e caminhou até a loja de smokings. Precisava pensar naquele convite — pensar na possibilidade de levar Raven até o altar —, mesmo que isso significasse que não seria ela a esperá-la no fim do caminho. Nunca tinha merecido um amor como aquele e provavelmente nunca o mereceria.
_-_
LEXA
Lauren estalou os dedos na frente do rosto de Lexa.
— Ei, você ouviu alguma coisa do que eu disse?
Lexa sentiu as bochechas ficarem coradas enquanto tomava um longo gole do vinho.
— Claro, você estava falando sobre o trabalho. — Não era nenhuma novidade. O trabalho de Lauren, que era química em um laboratório médico, sempre rendia histórias sem graça.
— E?
Lexa pôs a taça na mesa, pegou o garfo e espalhou um pouco da salada pelo prato.
— E? Continue!
Lauren suspirou.
— Sério? Acabei de listar os elementos da tabela periódica, e você ainda quer mais?
Lexa soltou uma risada curta e se inclinou para a frente.
— Não me surpreende o fato de eu ter parado de ouvir.
— Onde você está com a cabeça? Hoje é a noite das garotas! Lembra? Comida? Bebida? Diversão?
Ah, você sabe! Onde a cabeça de qualquer outra garota estaria. Beijando Clarke, tocando seus peitos, passando a língua por seu lábio inferior e...
— Alguém disse “noite das garotas”? — Uma voz conhecida se fez ouvir no restaurante. Lexa se virou e deu de cara com vovó. Bem, vovó e uma jaqueta dourada ofuscante, com pele de leopardo no colarinho. A calça jeans skinny era realçada por sapatos de salto com estampa de oncinha.
— Como você...?
— Ah. — Vovó a calou com um gesto de mãos e se sentou à mesa. — Hoje em dia existem aplicativos para tudo. Sabia?
— Sim, mas...
— De qualquer forma... — Vovó acenou para um garçom e pediu três shots de tequila. Era melhor ela beber aquilo sozinha: de jeito nenhum tomaria shots com a avó de Clarke! — Tem um aplicativo muito útil que se chama “Encontre Meus Amigos”!
Lexa pegou o celular.
— Nem sabia que tinha isso no telefone. Nem que você era sta...
Vovó deu de ombros como se estivesse querendo disfarçar um segredo.
— É assim que vigio as vagabundas de Clarke.
Lauren engasgou com a bebida, molhando toda a mesa, e então começou a tossir.
Vovó bocejou e examinou as unhas, sem se deixar abalar pela reação de Lauren. Lexa olhou de cara feia para a irmã e se virou outra vez para vovó.
— Tenho certeza de que o aplicativo foi criado para que ninguém se preocupasse com os amigos e os familiares, não para que as pessoas fossem perseguidas.
— Ah, bem. Cada um usa como quiser. — Vovó pôs o telefone na mesa e clicou na tela com um dedo. Depois clicou outra vez, e outra.
Lauren tentou dizer alguma coisa à irmã apenas mexendo os lábios, mas Lexa não conseguiu entender.
O garçom serviu os shots no instante em que vovó se endireitou, batendo palmas.
— Eu sabia!
Lauren parecia estar entorpecida enquanto via a velha senhora bater palmas e erguer o celular no ar.
— Ela vai chegar logo.
— Desculpe, mas quem é você, mesmo? — perguntou Laur.
— Sou a vovó. — Aquilo foi dito com tanta normalidade, que Lexa teve de admirá-la. Quer dizer, será que havia outro jeito de descrever aquela mulher? Dizer “sou a vovó” devia cobrir todos os pecados. — Saúde! — Vovó pegou seu shot, ergueu-o no ar e então olhou para as duas irmãs.
Lexa bebeu um grande gole de água, pegou seu shot e o ergueu no ar, copiando vovó.
— Um brinde — propôs vovó. — À música que cantarei no casamento da minha neta!
— Claro. — Lauren bateu o copo no dela. — Posso beber a isso.
Lexa deu de ombros e tomou seu shot no instante em que Clarke entrava no restaurante e seguia direto até a mesa delas.
Ela estava acostumada a tomar shots. Mas, por alguma razão, o modo como os jeans rasgados de Clarke envolviam suas coxas definidas a afetou de alguma maneira. A tequila desceu queimando e ameaçou voltar, ainda mais quando ela deu uma piscadela para ela e se inclinou para beijar a avó na bochecha.
Lexa tossiu.
Lauren suspirou.
Lexa chutou a irmã por baixo da mesa.
Vovó pediu mais shots.
— Hã... — Lexa soltou uma risada nervosa. — Estamos comemorando alguma coisa?
— A noite das garotas! — anunciou vovó, sacudindo os seios para a frente e para trás, alegre.
Clarke desviou os olhos e corou.
Era estranho que uma mulher como ela, que não tinha moral alguma, fosse capaz de corar.
— Mas Clarke está aqui. — Lexa apontou para a mulher pecaminosamente cheirosa e rezou para que ela se inclinasse só um pouquinho para a frente, de modo que ela pudesse sentir o calor que emanava de seu corpo sem parecer uma doida no cio.
Vovó olhou a neta de cima a baixo.
— Ela pode não ser grande coisa como mulher mais conta.
— Obrigado, vovó — respondeu Clarke, tensa.
— Oi. Eu sou Lauren. — A irmã de Lexa estendeu a mão sobre a mesa e a cumprimentou. — Teria me apresentado no avião, mas você estava toda inchada.
— Agradeço a lembrança.
— Não há de quê. Bem-vinda à noite das garotas.
— Tenho certeza de que essas foram as últimas palavras de muita gente. — Clarke apertou a mão de Lauren, depois se virou para a avó. — Bem, dá para ver pelas suas roupas que você não foi atropelada por um caminhão nem está sofrendo uma concussão ou de escarlatina. Essa é nova, aliás. — A última frase fora dirigida a Lexa. — Ela costuma deixar as doenças raras para pessoas mais ingênuas, como minha irmã. — Então se dirigiu outra vez à avó. — Que foi que houve?
Vovó ergueu um dedo e começou a procurar alguma coisa na bolsa gigante.
— Tenho certeza de que tem crianças perdidas dessa bolsa. Dá para contar logo, para não precisarmos esperar? — Clarke reclamou.
Vovó fez um gesto pedindo a Clarke que ficasse quieta.
Ela pegou dois shots na mesa e os virou.
Lexa deu tapinhas consoladores em suas costas. Coitada. Ela quase sentia pena dela. Vovó levaria qualquer um a beber demais.
— Achei! — Vovó puxou um pedaço de papel e, com as mãos trêmulas, começou a lê-lo. — Vocês duas ainda precisam completar algumas tarefas da lista que lhes entreguei hoje mais cedo, aliás. — Ela colocou o papel na mesa. — Onde será que está?
Vovó começou a revirar a bolsa outra vez, da qual puxou um par de óculos com diamantes incrustados.
— Onde será que está o quê? Sua cabeça? — perguntou Clarke. — Deve estar na bolsa.
Lauren limpou a garganta para esconder a risada.
— Não, sua idiota! — retrucou vovó.
Lexa pediu mais drinques. Ofensas. Isso não era nada bom.
— A lista que eu dei a vocês hoje de manhã! Tinha um monte de pendências a ser resolvidas antes do casamento. Onde está?
— No carro — respondeu Clarke.
— Perdemos — explicou Lexa, falando ao mesmo tempo que Clarke.
As duas trocaram olhares irritados.
— Eu vou só... — Lauren se levantou da mesa.
— Sente-se! — gritou Lexa.
Lauren obedeceu.
— A lista está com Clarke. — Lexa apontou para Clarke e sorriu de um jeito doce.
Um músculo da mandíbula dela tremeu quando ela se inclinou sobre a mesa e respirou fundo algumas vezes.
— Certo, ela está... em segurança.
— Em segurança. — Vovó bufou com desdém. — Tudo bem. Só não se esqueça de cuidar das últimas tarefas.
— Por que você mesma não faz isso? — perguntou. — Está aposentada, não pode... sair por aí com um dos meus carros e resolver tudo?
Vovó fez silêncio, muito concentrada na própria respiração. Então virou a cabeça bem discretamente na direção de Clarke. Um sorriso frio surgiu em seu rosto antes dela pegar a lista com cuidado e colocá-la na bolsa.
— Se você não fosse uma idiota, saberia: vou jogar cartas com as meninas.
— Todos os dias? — perguntou Clarke.
— Todos os dias. Pelo menos durante a manhã — Vovó deu uma risadinha, parecendo recobrar o bom humor.
— Ótimo. Então consegue cuidar das tarefas à tarde.
— Ah, Clarke! — Ela deu tapinhas no braço da neta. — Você é tão inocente!
Foi a vez de Lexa se engasgar com a bebida.
— Reservo as tardes para outras... atividades.
— Meu Deus do céu! Ao menos tente esconder o fato de que você sai por aí fazendo... coisas.
— Que coisas? — perguntou Lauren de repente, inclinando-se para a frente, demonstrando interesse.
— Não pergunte. — Clarke olhou de cara feia para Lauren e sacudiu a cabeça.
Vovó deu uma risadinha.
— Ah, você sabe! Coisas. — Ela pronunciou “coisas” com grande ênfase, como se a palavra tivesse um significado muito importante, então voltou a dar risadinhas. — Adoro as minhas tardes! Ah, e como adoro! — Seu olhar ficou distante.
— Vamos precisar de mais álcool — sussurrou Lexa para Clarke.
— E de “Boa noite, Cinderela” — acrescentou Clarke. — Quero apagar esta conversa da minha memória. Para sempre.
— Amanhã. — Vovó se afastou da mesa e se levantou. — Clarke, me leve para casa. Estou cansada. Mas amanhã você pode encontrar Lexa... Que tal na hora do almoço, lá em casa? E vocês podem terminar o restante da lista antes de a gente viajar, na quinta-feira.
— Quinta-feira? — gritaram Clarke e Lexa.
Vovó deu uma piscadela.
— Mas é claro! Vocês precisam chegar pelo menos uma semana antes do casamento! O que é que há de errado com os jovens, hoje em dia? — Ela tirou uma nota de 50 dólares da bolsa e a colocou na mesa com um tapa. — Divirtam-se, garotas. Não façam nada que eu não fosse fazer.
— Ótimo, vovó. — Clarke praguejou. — Só falta dar permissão para que elas sejam presas.
— Foi só uma vez ! — argumentou vovó.
— Você esteve em uma prisão mexicana. Tem sorte de estar viva.
— Ah, aquele Pablo era mesmo un diablo! — Vovó apertou o colar e começou a acariciar as pérolas.
Lauren ficou boquiaberta.
Lexa precisou chutar a irmã por baixo da mesa outra vez, para que ela fechasse a boca.
— Bem, tchauzinho! — Vovó acenou e puxou Clarke pela camisa até a saída do restaurante.
A mesa mergulhou em silêncio.
Havia shots de tequila por todos os lados.
Lauren olhou para Lexa.
Lexa olhou para a mesa.
— Então — disse Lauren, chupando um pedaço de limão. — Foi divertido.
Lexa gemeu e bateu a cabeça na mesa.
— Como vou sobreviver às próximas semanas com essas duas?
Lauren riu.
— Fácil.
— Como?
— Calmante.
— Muito engraçado folha A4.
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