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História The Dragon Hall Reformatory (Malvie - Mevie) - Dusk Till Dawn


Escrita por: patriciaquinzel

Notas do Autor


Dusk Till Dawn - Zayn & Sia

OUVI DIZER QUE AINDA HÁ GUERREIROS ESPERANDO POR UMA ATUALIZAÇÃO AQUI?

Eu não estava esperando demorar tanto para lançar este capítulo. Juro que isto não estava nos meus planos. Assim que lancei o último capítulo de One Last Time (Malvie - Mevie), comecei logo a escrever esse daqui. Mas acontece que passei por um bloqueio criativo gigantesco; acho que o maior bloqueio criativo que já tive que enfrentar desde que comecei a escrever. Teve também toda a pressão das voltas às aulas e a confusão com os novos horários que me impediu de escrever. Mesmo escrevendo um pouco todos os dias, o capítulo não parecia andar.

Felizmente, tudo saiu certo quando tinha tudo para dar errado.

Como minha escrita mudou bastante nos últimos meses, vocês devem imaginar que andei dando umas revisadinhas nos capítulos anteriores. Nada que afete totalmente a história. Ajustei algumas coisas aqui e ali, melhorei isso e aquilo, adicionei algumas coisinhas para lá e para cá. Sintam-se à vontade se quiserem reler os capítulos, embora as mudanças não sejam tão grandes.

O fato de eu ter lançado One Last Time antes de lançar este capítulo é muito importante, se quiserem saber. Mencionei coisas neste capítulo que foram melhor explicadas lá, sem contar que muitas curiosidades e spoilers correm soltas ao longo deste capítulo. OLT está definitivamente muito boa, é uma das coisas que mais me orgulho de ter escrito, e recomendo a todos os meus leitores a lerem essa two-shot de Natal. Ao meu ponto de vista, esse spin-off está perfeito, e vejam que costumo ser bem insegura com tudo o que escrevo. Meus leitores mais antigos sabem disto.

Não sei o que dizer sobre este capítulo. O tempo que fiquei afastada me fez perceber que sou muito melhor e particularmente prefiro escrever em primeira pessoa, mas gosto de um desafio, e como não posso mudar tudo de repente, a história continua em terceira pessoa; vou seguir fazendo o meu melhor para evoluir.

Segurem o coração de vocês: Trish Quinzel voltou e voltou com um estrondo! Nas notas finais, como sempre, encontrarão o link para o menu, onde as modificações e acréscimos de personagens já foram feitas, por sinal. Atentem-se a todos os detalhes. Comentem. Tenham uma boa leitura!

Capítulo 6 - Dusk Till Dawn


Fanfic / Fanfiction The Dragon Hall Reformatory (Malvie - Mevie) - Dusk Till Dawn

SEIS

WILLA PUXOU-O PELA MÃO ENFAIXADA, tendo o cuidado de não lhe apertar os dedos inchados. As paredes acinzentadas pichadas com spray pareciam engoli-los como a boca escancarada de uma pantera, deixando-os esgueirarem-se para ainda mais fundo em sua garganta. Como sombras. Ratos. O beco era frio e mal iluminado, com a brisa fétida das caçambas de lixo atrás da biblioteca muito mais à frente e o cheiro forte da neve no calçamento brilhando sob o sol fraco. Ao fundo, as grandes cercas farpadas emergiam, bloqueando a saída do beco para a estrada. A parte traseira da linha pública de Westwend High School desenhava-se após ela, visível, esculpida e elevada sobre elegantes pedras polidas e tinturas caras, separadas além da cerca por calçada e rua.

O cinza das paredes se contorcia entre as pichações, grafites coloridos, para tornar-se visível. Uma mistura de preto, lilás, azul, branco, amarelo e vermelho. Os borrões sobressaíam-se um sobre o outro, tampando e misturando suas cores, criando novas cores, com rabiscos de frases em cursiva elegante sobre eles. Apaixonar-se é ridículo, expunhavam as palavras sobre os borrões de um grafite ilegível. As linhas eram mais grosseiras, mais apressadas, como que escritas em um momento de raiva do pintor; estavam meio esmaecidas, descascadas, não pareciam ser tão recentes. Não deveria estar aqui, queride. Cuidado, suas boas maneiras serão postas em dúvida, gorgolejava outra frase, o deboche escorrendo por cada palavra, respingando.

A peculiaridade semi-oculta fez os olhos de Nolan brilharem na penumbra, como os de uma criança. Sua irmã. Mal. Aquilo, o grafite, o caminho, a saída era obra de Mal. No chão, garrafas de bebidas alcoólicas e latas de refrigerantes, jogadas porca e desajeitadamente, amassadas ou quebradas; num canto, um sofá podre com as espumas saltando para fora se erguia com uma força anormal. Deveria estar ali há muito tempo.

Um gemido de admiração quase escapou de seus lábios; o lábio rebentado ardeu quando abriu a boca, ameaçando sangrar novamente. Seus olhos percorreram cada grafite nas paredes, com cuidado, analisando. Por um minuto, Nolan perguntou-se como a irmã e a namorada sabiam sobre uma saída secreta, livre de câmeras como aquela. Quantas vezes já haviam a usado. Várias, certamente.

A sujeira, os grafites, as latas de spray vazias escondidas numa sacola atrás do sofá: tudo mostrava que o beco era usado com alguma frequência. Poucas pessoas conheciam aquele lugar. Aquele lugar descoberto por sua irmã. O abrigo dela.

Duas figuras erguiam-se em frente às cercas farpadas que deixavam as caçambas de lixo fora do beco, separando-as, frente a rua, no calçamento para que o caminhão pudesse recolher o lixo delas pela manhã sem descobrir o que havia no beco. Estavam encostadas nas paredes, elas também cobertas de grafites que Nolan fez questão de analisar com olhares curiosos, para evitarem serem vistas. Não conseguia ver seus rostos de tão longe; pareciam manchas negras, fantasmas, vultos, os corpos masculinos ainda adolescentes, em processo de formação. Um deles, a figura mais visível, vestia uma jaqueta escura com o zíper meio aberto, emperrado, expondo a blusa xadrez vermelho-bordô e amarelo-mostarda sob suas camadas, um cachecol azul-escuro, quase preto enrolado no pescoço comprido e calças jeans, as mãos brancas enfiadas nos bolsos para aquecê-las.

Ele virou o rosto ao ouvir o som de passos; Nolan reconheceu-o com facilidade. Os olhos brilhavam, avelã escuros como um abismo musguento misterioso, a pele tão pálida que chegava a ser azulada feito a de um cadáver. Poderia estar morto. Os cabelos tingidos de preto estavam bem penteados para cima com um ar mais sério, mais nobre, mais maturo. Para um adolescente, Nikolaus Lovegood já tinha uma estrutura facial e corporal bem esculpida, marcante. Ao lado dele, a outra figura abraçava-o pelo quadril; o carinho e o cuidado visível. Aparentava ser maior, mais largo que ele, mas mais baixo, e seguiu seu olhar. Conhecia aquele sorriso e aquele olhar. Queimavam nos seus sempre que ia ao Hell Hall visitar sua namorada e sempre cobravam um abraço apertado.

Wyatt — chamou Willa, sem cochichar.

O rapaz levantou uma mão, acenando para indicar que a conseguia ouvir. Wyatt Lykensen era tão sorridente quanto sua irmã gêmea era séria. Sorria para tudo, para conhecidos, para desconhecidos, até mesmo para as paredes.

Ele agitou-se com o chamado, puxando o namorado junto para se aproximar; a diferença de altura era grande, mas não parecia incomodar nenhum dos dois. O moletom, dividido entre o marrom escuro e o bege, escamado em listras, combinava com sua pele morena, um pouco mais clara que a da irmã, e com os olhos tão escuros quanto os dela. Ambos donos do luar. Pretas, as calças eram simples, sem muitos detalhes ou enfeites; os coturnos cinzentos desprovidos de cadarços.

Rapidamente, ajeitou os cabelos, passando os dedos pela única mecha branca entre o castanho médio, e sorriu enquanto se aproximava, exibindo as presas lupinas na boca; Willa também tinha uma única mecha branca entre os cabelos escuros. Ela se misturava em meio aos fios enrolados, um contraste que Nolan adorava. Adorava brincar com a mecha distinta nos cabelos da namorada, enrolá-la e desenrolá-la no dedo quando estavam sozinhos. O outro rapaz seguiu o exemplo do namorado, sorrindo e levantando as sobrancelhas, os olhos focados nas feridas no rosto do loiro.

— Uma bela briga, hein, Noli LaRusso? — Kol provocou sorrindo, e apontou para o olho inchado, meio roxo, do amigo. Ele se afastou do namorado para colocar as duas mãos nos quadris, balançando a cabeça e mordendo a ponta da língua. — É por entretenimento como este que pago uma bolsa de estudos aqui.

Nolan riu, batendo o punho bom no peito dele pelo apelido. Fraco o suficiente para não machucá-lo, mas forte o bastante para sentir a pele sobre os dedos, amaciando o impacto, como uma repreensão. Noli. Ninguém além de seus irmãos mais velhos chamavam-o por esse apelido.

Quando ele nasceu, Daphne sempre teve dificuldade em enrolar a língua para pronunciar o lan de seu nome, e passou a chamá-lo assim, passou a chamá-lo por Noli, substituindo o lan pelo li. O nome pegou e continuou a ser usado por ela, Heath e Mal, mesmo depois que ela aprendeu a pronunciar seu nome corretamente. A pequena marca herdada pelo caçula: sempre pequeno, sempre nas sombras, sempre no último lugar.

Estalando os dedos gelados na tentativa de aquecê-los um pouco, seu cunhado mirou Kol.

— Achei que pagava a bolsa por mim — comentou Wyatt baixinho. Os olhos semicerrados, uma faixa de escuridão solitária enquanto olhava para o namorado.

Nikolaus riu, inclinando-se para deixar um selinho caloroso nos lábios do namorado, que não relutou em retribuir, devagar, lhe chupando os lábios em resposta.

— Por você também, lindo.

— Que nojo — murmurou Willa com uma careta forçada, fazendo o irmão gêmeo arquear as sobrancelhas para ela, debochando ao olhar para a mão dela ainda entrelaçada à do próprio namorado em uma provocação silenciosa. Então Wyatt mostrou a língua para ela, como uma criança, antes de se inclinar para beijar o namorado de novo.

Os dedos de Nolan apertaram os dela mais uma vez, em silêncio, quentes, apesar do frio. Ela sorriu e esticou o pescoço, revirando os olhos e lançando um olhar breve para além das cercas trancadas de arames farpados.

— E o moleque? — ela sussurrou.

Moleque?

— Deve chegar a qualquer momento. Não é assim tão fácil convencer duas irmãs mais velhas a deixá-lo usar o carro da família se tendo quatorze anos — Wyatt respondeu, balançando os ombros. Ele sorriu para o olhar confuso do namorado de sua irmã, lendo a pergunta sobrevoando os olhos azuis, enevoado-os. — Você o conhece, cunhado. Relaxe um pouco.

Ao lado dele, os olhos de Kol brilharam; por um momento o verde pareceu ficar mais evidente, mas fora apenas pela rápida luz branca que os atingiu pelas costas, contorcendo-se, iluminando-os como uma áurea antes de desaparecer rapidamente.

Nolan os observou, confuso.

— Quem? — perguntou anárquico. Em seguida olhou para a namorada, para aquela garota tão complexa, tão envolvente… Se vivessem em realidades diferentes, onde fossem um pouquinho mais próximos, um pouquinho mais íntimos, o rapaz sabia que sua terceira irmã mais velha e sua namorada seriam grandes amigas. Talvez amigas bastante próximas. Compartilhavam de um comportamento semelhante, de formas semelhantes de agir; fariam grandes loucuras juntas. Supunhava. — Para onde vamos?

— Eu lhe disse para confiar em mim. — Willa sorriu, vendo-o corar.

Sob seus pés, o chão tremeu levemente, estremecendo; o som dos pneus queimando e derrapando sobre o asfalto depois das cercas audível. Os motores zumbiram, disparando, enquanto a emissão de calor lançava jatos de vapor na rua, cuspindo-os contra a atmosfera e o ar. Preto, elevado e cromado, o tom de carvão. Os enormes pneus e a estrutura reforçada elevavam o veículo, deixando-o a mais de meio metro do chão. Com cuidado, o carro parou na beira da rua, junto ao meio-fio, mas a porta permaneceu fechada, trancada por alguns segundos, o motor ainda ligado e vivo, bradando.

O vidro salgado escurecido protegia o jovem no banco do motorista dos olhos curiosos, escondendo-o, como uma capa. A janela do lado do motorista, à direita, baixou devagar, lentamente; a do lado do passageiro, que estava vazio, permaneceu fechada para manter alguma privacidade.

— Mike.

Não fazia muito tempo desde que havia visto Michael Montgomery pessoalmente, em carne e osso pela última vez. Eram melhores amigos. Mantinham contato pelo celular e se falavam com frequência, por ligação ou mensagem de texto. Nova Jersey e Nova York não eram tão distantes, mas as novidades sempre eram quentes como café; gostavam de compartilhá-las, não com tanta intensidade ou entusiasmo quanto as meninas, mas gostavam de se manter informados, gostavam de ter assuntos a tratar.

Mike havia frequentado o mesmo internato que Nolan, na Austrália, e tivera as mesmas tutoras que ele: um casal de mulheres, Lhennona e Isobel, empresárias, mulheres de negócios que não pensaram duas vezes em se oferecer para cuidar deles durante a sua estadia no país. Pelos pais, para ajudá-los, para ajudar sua família, ele também cursara empreendedorismo, mesmo que seu coração estivesse preso nos esportes; em particular, no basquete. Era um atleta genuíno, com reflexos rápidos, talento e dedicação, sua altura não interferia durante os jogos.

A última vez que se viram havia sido em uma partida de lacrosse em Nova York, na Rosewood High School, no fim de semana antes do primeiro dia de aula — era um jogo escolar, um jogo pré-campeonato de volta às aulas, mas Mike havia conseguido convencer o treinador a colocar Nolan como substituto de um membro que tinha se afastado devido a uma lesão no joelho. Ganharam.

O rosto sorridente surgiu por trás da janela aberta, a manga da jaqueta marrom-esverdeada arregaçada até o cotovelo e a mão pendendo para fora do veículo; os olhos azuis cintilavam como jóias por trás dos óculos pretos escuros, e uma mecha dos cabelos castanhos prendeu-se no aro, encostando nele, resbalando.

— Vocês vão se mexer ou irei precisar arrancar suas bundas quadradas daí? — Ele riu, acenando com a mão no ar enquanto a outra segurava o volante. A voz baixa para não atrair atenção. Nolan abriu um sorriso afetado em resposta ao amigo, compreendendo o que fariam. Fuga em massa.

— As damas primeiro — Kol comentou, as mãos agora atrás das costas, olhando de soslaio para Willa. Dama. A cunhada revirou os olhos.

O cenário onde se encontravam agora fazia mais sentido; forçando os olhos, as marcas nas paredes, todas perdidas entre os grafites, tornavam-se um pouco mais visíveis. Marcas do solado de sapatos. O marrom-acinzentado da sujeira era difícil de se identificar à primeira olhada. Uma mais cautelosa, porém, tornava-a mais exposta.

Willa se afastou, levantando o canto da boca, batalhando contra um sorriso, os olhos trabalhando rápido. Calculando. Percorreram o solo, as paredes, as grades e o calçamento; tudo em uma questão de segundos. Então, sem pensar muito, ela correu.

As paredes não ficavam muito distantes uma da outra, de modo que o primeiro impulso não foi complicado; ela jogou-se sobre a parede esquerda, impulsionando-se como se corresse por ela, e empurrou as pernas contra a direita para lançar-se para cima. Como uma bola escapando do canhão. Seus cabelos voaram, rodopiando no ar, o cortando e estalando como um chicote quando girou uma, duas vezes para escapar da cerca antes de alcançar o chão, levantando neve; Nolan não percebeu que tinha um sorriso bobo e maravilhado no rosto até ouvir a risada de Mike do outro lado.

Um por um, os outros dois rapazes a imitaram. Wyatt passou sobre a cerca com a mesma facilidade que a irmã, sorridente, e Kol exibiu-se um pouco mais enquanto saltava, ensaiando uma cambalhota para aterrissar, fazendo os cabelos pretos perfeitos tremerem, ameaçando bagunçar. Caso encostassem na cerca num único erro, num único deslize, sua eletricidade seria acionada e disparada contra seus corpos. Um alarme seria enviado para a sala da gestão para alertá-los sobre alguma possível fuga do colégio. Só que isso, arriscar-se, não era nenhuma novidade. Eles alcançaram o outro lado em segundos, livres.

— Apresse-se, Noli LaRusso — Nikolaus chamou em voz alta, com cuidado para não gritar.

O rapaz sorriu pasmo, encontrando o olhar da namorada. O brilho do luar contra o céu da manhã. Ela acenou com a cabeça, um gesto mínimo.

Nolan não pensou em nada — não pensou nas consequências, não pensou no depois —, esvaziou a mente e apenas correu.

 

A agulha atravessou o tecido, mais uma vez, ligando a parte cortada à nova parte de renda preta do uniforme, onde ficava a manga esquerda da camisa social, como se nunca tivessem sido separadas. O ar era mais aconchegante no vestiário, a temperatura mais agradável, amena; nem quente demais, para não sufocá-las depois dos exercícios físicos, nem fria demais, para não ser uma mudança de temperatura drástica o suficiente para causar-lhes um choque térmico.

Um tom de cinza mais acolhedor percorria as paredes, quase branco, e os pilares erguiam-se em uma tonalidade mais próxima à caligem misturada ao mínimo de leite possível; as portas dos armários beges, com os números de demarcação no puxador, correndo do chão a quase dois metros de altura, detendo-se muito antes do teto. Ramos de pinheiro se enrolavam nas aberturas de luz retangulares nas paredes, parte das árvores mortas que cercavam o reformatório, sem invadir o vestiário.

Malvina encostou-se no armário às suas costas, seu armário, sem se levantar do banco de madeira reforçada em que estavam sentadas; recolheu um joelho até o peito, abraçando-o com o braço ao passo que deixava o outro esticado, os olhos mais verdes do que azulados focados nela, focados em sua princesa, focados em Evie. As mãos ágeis manuseavam a agulha e a linha com facilidade, como se ela tivesse nascido com toda aquela habilidade de costura, não precisando de uma máquina para fazer seu trabalho.

Aquela área do vestiário estava vazia; era estreita, mas alta, diferente dos outros espaços ali. Estavam sozinhas. Evelyn não percebia que cantarolava, as melodias baixas e doces escapando de seus lábios enquanto costurava, o olhar alternando-se da peça para o esboço esticado no banco. O desenho era simples, simples demais para uma artista tão grande quanto sua líder. Ela era a melhor artista que conhecia, a mais dedicada, a mais talentosa, e sabia que a amiga havia desenhado às pressas, quebrando seus padrões para cumprir uma promessa que não havia feito com palavras, mas com os olhos.

Mal limitou-se ao básico do básico, as linhas, os detalhes e as cores, para representar a ideia que conseguira ilustrar como a base de uma roupa durante a primeira aula que tiveram separadas. E isso, mesmo algo tão simples, era algo também significativo ao ponto de fazer seu coração bater mais rápido e com mais carinho dentro do peito.

Ela levantou o olhar por um momento, as nuances naquela bela mistura de cores entre o laranja, vermelho, amarelo, marrom, dourado e acobreado que formavam o âmbar focando na melhor amiga. O sorriso veio rápido ao ver que ela também a encarava, os lábios levantados em um sorriso discreto, seguindo o movimento caprichoso de suas mãos no tecido mesmo sem nem precisar encará-lo.

— Não pare — Malvina pediu ao vê-la se silenciar, parando de cantarolar; a azulada ergueu as sobrancelhas, confusa, vendo-a encostar a cabeça no armário, relaxada como nunca esteve desde que haviam chegado ali. Como era apenas com ela. O peito subiu e desceu quando ela suspirou. — Estava cantarolando, E. É fofo. Não pare, por favor.

A outra sentiu as bochechas queimarem; um rubor bem discreto, como blush, subiu até elas, colorindo-as.

— Estava prestando atenção em mim, mas seus olhinhos estão distantes. Por pouco não te perco — murmurou de volta; a coloração avermelhada sumiu com lentidão da pele de porcelana. Também estava a observando, discretamente. A agulha parou, e Evie colocou o tecido de lado para se aproximar mais da amiga, que também recolheu a outra perna, em sincronia, para deixá-la sentar mais perto. — O que foi, meu bem?

Os ombros se moveram primeiro, subindo e descendo. Ela não respondeu, e Evie buscou a resposta em suas expressões; Mal era boa em esconder suas emoções e pensamentos, mas não parecia querer escondê-los perto da melhor amiga, sentir alguma necessidade de o fazer. Com a boca fechada, ela se inclinou, descansando o rosto entre os joelhos, deixando-a observá-la.

A líder estava vestida com o uniforme apropriado para a educação física. O short de moletom vermelho como uma mancha de sangue e a blusa de mangas compridas e capuz — igualmente feita de moletom — acinzentada; blusa essa a qual ela cortara uma das mangas compridas, a manga do braço esquerdo, deixando a pele branca exposta. Evie sabia que o frio não a incomodava tanto quanto incomodava os outros, por outro lado, a amiga até gostava da temperatura baixa; aquela que já estava acostumada a manusear o fogo, brincando com ele por entre os dedos, não tinha motivos para se intimidar com o frio.

Delicadamente, os fios roxos estavam presos em um rabo de cavalo alto, meio puxados propositalmente para o lado, fazendo as mechas descansarem sobre o ombro e a clavícula da moça; a azulada viu os lábios dela se erguerem de forma sutil enquanto deixava os olhos a percorrerem.

Então um sorriso veio.

O sorriso que ela não sabia se amava ou odiava.

— O que você está pensando em aprontar? — perguntou em tom de suposição, inclinando-se para ainda mais perto; seu ombro tocou o joelho dela.

O sorriso de Mal se ampliou; um riso nasal escapou conforme ela umedeceu os lábios.

— Por que seu primeiro pensamento quando não consegue me ler é que vou aprontar?

Foi a vez de Evie sorrir.

— Porque eu só não consigo te ler quando está pensando em aprontar.

Ela riu sozinha, com um brilho malicioso no olhar. Malvina não discordou em momento algum.

Evie ouviu o barulho de seu pescoço estalando quando o levantou, ajeitando a postura para indicar o braço esquerdo, na linha do bíceps. Ela o puxou para frente; não para exibir os músculos gerados por anos de sua vida treinando karatê, mas para mostrar a pele falsa que se misturava à pele verdadeira, imperceptível.

Mal brincou com a ponta do adesivo em sua pele, deslizando os dedos ainda mais brancos sob a coloração cinza das paredes por ele.

— Estou pensando em tirar — ela confessou, baixinho. O sorriso desapareceu; Evelyn virou a cabeça devagar, semicerrando os olhos. Era como se perguntasse: “Você tem certeza disso?” — Já estamos aqui, E — explicou. Então, lentamente, deu de ombros. — Não tenho mais nada a perder. Revelar que faço parte do lado sul não pode piorar muita coisa. Acho que isso pode nos ajudar aqui.

— Eu gosto da tatuagem — Evie disse, e era verdade. Gostava de como a marca caía no ombro da amiga, mesmo nunca tendo-o admitido em voz alta. Era um lembrete sexy de sua rebeldia. — Tenho certeza que não é a única do lado sul aqui.

Era verdade. Já vinha acontecendo há bastante tempo. A maior parte dos Southside Serpents eram adolescentes, e adolescentes sempre eram descuidados com tudo; não anteviam seus movimentos, não sabiam quando entrar em fuga. Principalmente os do lado norte; antes, nenhum adolescente do lado norte poderia sequer cogitar ingressar no lado sul. Muito menos alguém como uma LaRusso; era uma sentença de morte. Mas exceções foram abertas. O lado sul havia percebido que certos membros eram irrefutáveis; Malvina LaRusso estava entre eles.

O lado sul era o lado mais pobre de Westwend, o lado mais maltratado, abandonado, cheio de gangsters, brigas e divisões de territórios; uma mancha negra que aos poucos se espalhava pela cidade, engolindo-a e derrubando-a em sua criminalidade com uma rasteira de maneira ininterrupta. Bem diferente do lado norte, com seus avanços tecnológicos e vigilância policial, mesmo fraca.

Quando conheceu mais sobre a gangue, a moça se interessou em participar e em ajudá-los. E o fez. Com seu próprio dinheiro.

Junto com a irmã mais velha, Mal havia feito sua primeira e melhor venda até então, anos atrás, recebendo muito dinheiro por um único quadro. As irmãs compartilharam o dinheiro em partes iguais, e uma parte que ainda restava, depois de tanto tempo, Malvina usou para colaborar com o lado sul da cidade, secretamente.

Participou da cerimônia de iniciação com insistência; não a cerimônia ridícula, onde precisava submeter-se ao pole dance com a “Dança Serpente”, mas os Quatros Estágios Serpentes, com o apoio de algumas garotas que também se recusavam a fazer o pole dance.

Ela passou por todos os estágios; Evelyn sabia disso porque se lembrava perfeitamente do dia em que a amiga entrara pela janela de sua casa após subir na macieira-bruta e bater na porta trancada de seu quarto, com manchas roxas, sangue seco pelo rosto e a tatuagem recém feita no bíceps esquerdo. Se lembrava de como se assustou e de como Mal sorriu enquanto ajudava-a a se limpar; uma ferida se abriu quando ela o fez. “Eu disse que iria entrar”, dissera naquela noite em que a azulada a convencera a dormir em sua casa, conforme a puxava para deitar consigo, travando um gemido pelo choque de dor que ainda percorria seu corpo, num orgulho completamente desaprovado pela outra que queria ajudá-la.

Malvina parecia de fato orgulhosa, e por um momento, Evie deixou-se orgulhar também, sem pensar em como a melhor amiga iria explicar os machucados para o pai quando chegasse em casa ou esconder a tatuagem, sem pensar no que viria a seguir. No que aquilo significava.

Desse dia em diante, a moça dera a líder a chave de seu quarto, para que ela pudesse entrar e sair sempre que precisasse. Uma parte de si sabia que ela ainda guardava a chave no sutiã, como descobrira anos atrás, apesar de ainda não entender realmente o porquê.

— Você apoia? — ela perguntou, engolindo em seco após segundos de silêncio; a expressividade visível nos olhos escalados entre pinceladas verdes e azuis denunciando o quão importante aquela resposta era.

Mal não era a única delas que sabia quando responder ou não uma pergunta; graças a Haizea Bellini, Evelyn também sabia.

Cuidadosamente, ela se levantou, dando à amiga tempo o bastante para recuar caso desejasse impor algum limite. Ela se agachou, se apoiando sobre a ponta dos pés, e passou os dedos pelo bíceps da amiga, percorrendo-o; usava um uniforme semelhante ao dela — short vermelho e moletom cinza —, seu moletom com as duas mangas intactas. Como fizera anos antes, enroscou as pontas quentes na borda da pele falsa e puxou em um único gesto, ouvindo o som dela desgrudando da pele real.

A tatuagem parecia ter sido retocada recentemente; era tão detalhada e meticulosa que Evie não ficaria surpresa caso a amiga mesma tivesse desenhado seu modelo em específico à mão para que lhe fosse gravado à pele. O verde era de um tom forte, vívido, sendo o fundo perfeito para os olhos amarelos em ambas as cabeças da serpente; a língua bifurcada parecia dançar, como se a criatura sibilasse através da marca, as presas brancas e afiadas ameaçadoramente expostas. Contorcia-se até formar um S marcante, impossível de não ser notado numa pele tão branca, pálida, quanto a da moça.

Os olhos de Mal seguiram os dela que sorria, traçando com paciência a marca com o dedo indicador, vidrados; ela amassou o pedaço de pele falsa na mão em uma bolinha insignificante, e não se importou em ver onde ela foi parar. Quando levantou o olhar, seus olhos bateram contra os da amiga mais uma vez.

— Quando é que eu não te apoio, M?

 

A sombra de Jay projetou-se sobre o panfleto de inscrição conforme a caneta na mão da morena deslizava pelo papel, bloqueando a luz que invadia o corredor de vidro; ele era maior do que Deena, talvez sete ou oito centímetros mais alto, e mesmo detendo-se dois passos atrás dela, paciente, esperando-a, sua sombra pairava sobre a cabeça da moça, fazendo-se presente.

A tinta da caneta era vermelha, diferente das cores que havia usado no dia anterior para escrever para Samantha; a cor do sangue, a cor das feridas, a cor das cicatrizes que conseguiu reabrir numa única noite por suas decisões impulsivas perante a própria dor, e ainda sangravam, ardendo com intensidade, como fogo e querosene.

Ele a estava acompanhando desde o final da primeira aula; Deena sabia, conforme andava pelos corredores, que os passos mancos e pesados não estavam muito atrás dela. Jay era como um elefante: grande, espaçoso, onipresente; mesmo remendado, conseguia espantar companhias indesejadas sem muito esforço. Sua presença e um olhar cortado eram suficientes para sinalizar que não deveriam se aproximar; e por seu histórico, ninguém sequer tentava quebrar o limite silencioso que ele estendia.

Sam estava entre eles; depois das tentativas fracassadas durante a primeira aula, ela desistiu de procurá-la, dando-lhe um pouco de paz, e Deena estava grata por isso.

Chad Lethifold era uma figura recorrente em seu dia, e seus sorrisos debochados eram suficientes para reacender as imagens dele beijando sua — não mais sua — garota e sua raiva; bastava apenas um segundo de irracionalidade e explodiria, como uma bomba. Era proposital, e não precisava que sua ex tentasse lhe explicar uma situação que por si só era completamente embaraçosa e dolorosa, para puni-la ainda mais.

Esperou por um momento, observando a tinta da caneta secar no papel diante de seu olhar. A cursiva era legível na primeira linha da ficha; as letras poderiam sangrar pela folha. Deena Queren Johnson. Fechando os olhos para respirar, ela fechou a caneta com a tampa igualmente vermelha.

A inscrição foi deixada junto com as demais na caixa transparente; panfletos de inscrição estavam espalhados pela escola toda: antes dos campeonatos começarem, a banda precisava de mais membros, e ela de uma atividade extracurricular; com quase dezoito anos, um pai alcoólatra, uma mãe morta, um irmão mais novo e nenhum curso finalizado, precisava de alguma coisa para colocar em seu currículo. Qualquer coisa.

A banda era sua única salvação.

A abertura de inscrições havia vindo em um bom momento.

— Banda escolar. Maneiro — Jayden murmurou as suas costas. O rapaz deu a volta para surgir à sua frente, ágil, e se encostar na parede para descansar os músculos com uma careta. Ele inclinou a cabeça, lançando-lhe um sorriso; o sorriso que apenas um conquistador barato poderia abrir. — Música é a sua cara, gata.

Ela levantou o canto da boca, batendo com a caneta no pulso esquerdo. Gata.

— Sou lésbica — disse forçando um sorriso para o impedir de continuar com trela, cortando qualquer esperança, os olhos brilhando com o deboche de um falso sinto muito.

Os lábios dele se contraíram, como se ele processasse a frase, então as sobrancelhas se arquearam, e ele gargalhou com força; se o corredor em que se encontravam, o que levava ao ginásio e aos vestiários, não estivesse solitário, vazio, teriam atraído a atenção de algum outro aluno. Sua risada ecoou pelo espaço silencioso, reverberando.

— E eu, gay — Jay rebateu risonho, lançando a mão para a frente em um gesto estereotipado afeminado para completar a frase com um enorme sorriso e depois jogá-la no ar em defesa. — Respeito suas preferências, gata. Eu tinha sacado. Não estou flertando com você; costumo conversar com Mal e Evie dessa forma.

Deena olhou-o por um momento. O rapaz tinha alguma ascendência árabe, era notável; os olhos mais repuxados e a pele cor de café com leite — meio morena, meio amarelada, como um bronzeamento — o denunciavam assim como ele entregava sua sexualidade sem temores, sem receios; apenas sendo ele. Os cabelos longos eram igualmente marcantes, escuros, fortes e hidratados; contudo, um pouco desgrenhados, como se ele não houvesse os penteado. O gorro cor de vinho — borgonha; como Malvina nomearia — na cabeça remetiam-lhe a imagem de ladrão furtivo que talvez ele realmente desejasse transmitir.

Para alguém que havia sido cercado pela polícia e levado dois tiros em tão pouco tempo, Jay parecia bastante disposto; bem humorado, até. Não era como se estivesse abalado.

Sem a muleta ou a tipoia no braço que evitava mover, parecia menos ferido; os gases e as faixas que o remendavam sequer eram perceptíveis sob o uniforme escolar esportivo. Os ferimentos à queima-roupa quase poderiam não se passar de um sonho distante. Quase. Deena não entendia o motivo de ele estar com o uniforme, sendo que não poderia praticar os exercícios por muito tempo até sua recuperação.

Algumas feridas demoravam para se cicatrizar.

— Não espere que eu te chame de “gato” — ela murmurou baixinho, revirando os olhos.

— Eu não estava esperando mesmo por isso — respondeu levando à mão a cabeça para tirar o gorro, girando-o no dedo indicador.

Silencioso, Jay a observou e correu a mão pelos cabelos, retribuindo o olhar que ela mirava a ele conforme se encostava na parede, não muito longe dele; sustentar o olhar nela em uma troca como aquela era muito mais fácil do que sustentar o olhar em Mal. O olhar da líder tinha o poder de incitá-los a obedecê-la, exibiam uma imponência respeitosa impossível de ignorar.

Não havia brincadeira em sua voz quando continuou a falar, de repente sério:

— Não me ache intrometido, Deena — pediu com cautela. — Notei que você parecia estar fugindo de alguém a manhã toda. — A voz saiu mais dura; a morena percebeu que se comportar como alguém maduro não era muito complicado para ele, mesmo com seu gênio mais infantil. Jayden sabia ser discreto, responsável… Sensível. Seu tom mostrava isto. Ela não respondeu. — Uma garota. Olhos azuis, cabelos loiros. Bonita.

Um pouco tensa, Deena mordeu a língua. A resposta saiu arrastada de seus lábios, puxada, como uma bruxa até a forca.

— Sam. Samantha Fraser.

— Sua ex-namorada.

A dúvida e a surpresa voaram rápido para as esferas de besouro da moça.

— Como infernos sabe disso? — Deena soltou rápido demais, revelando a fraqueza que escondia. Ela escondeu as mãos atrás das costas.

Ele observou-a, inclinando a cabeça. Então abriu um sorriso afetado, não querendo encurralá-la; sabia muito bem como era essa sensação. O vazio no peito, os dias cinzentos… Sem precisar de todos os detalhes, um relato complexo e completo, entendia muito bem a situação pela qual ela estava passando.

— Sei reconhecer alguém que sofre por um coração partido. — O suspiro tomou conta da frase ao passo que a dizia, escolhendo as palavras com cuidado. Seus olhos se fecharam por um momento. — Compreendo essa dor como um engenheiro compreende matemática.

— O que quer dizer?

Jay respondeu com toda a calma do mundo ao voltar a abrir os olhos; Deena quase podia jurar que lágrimas subiram por um minuto aos olhos normalmente brincalhões:

— Deena, perdi alguém com quem me importava muito por um erro, uma mentira idiota. Perdi essa pessoa porque sou um brutamonte estúpido e sem sentimentos. Perdi meu Alex porque escolhi uma vida do crime à ele, escolhi me arriscar à ficar e desfrutar da companhia dele, escolhi roubos ao amor dele, e caralho, me arrependo disso até hoje.

Num ímpeto, tão rápido quanto surgiram, as lágrimas se dissolveram como ácido, substituídas por punhos cerrados e uma vontade de ferro; ele não reclamou da dor quando moveu o braço baleado para enfiar o gorro sobre a cabeça mais uma vez, puxando-o para baixo.

— Não sei o que aconteceu entre você e Samantha, e não espero que me conte, mas vejo que ela quer falar com você; mais ainda, você também quer falar com ela, só que está com raiva. E isso não é bom. — Suas palavras eram como uma faca retorcida acertando-a no estômago. — Perdoe-me por me meter, não é da minha conta, mas não perca tempo com raiva quando poderia se entender com ela e se aventurar em algo maravilhoso, porque sei como isso dói. Dói muito, principalmente depois que você percebe que a pessoa que você ama está seguindo em frente e você continua preso no mesmo lugar, andando em círculos e para trás, sempre para trás.

As palavras vibraram.

Uma parte de Deena queria entender por que ele estava se abrindo para ela, revelando-se, confessando seu maior arrependimento. Não eram íntimos, não eram próximos, mal se conheciam. Entretanto, ali estavam, e a moça conseguia sentir o golpe com uma força avassaladora. Cada palavra soava como um soco novo, e já não tinha forças para desviar dele; Jay realmente era um lutador, e sabia onde acertar para fazer doer. Talvez ele trouxesse suas cores de volta.

Se sua vida continuasse assim, dessa forma, com quase tudo que fazia cutucando uma ferida diferente, apanhando por suas atitudes, contudo, ela seriamente duvidava que elas poderiam enfim cicatrizar-se um dia.

Jay forçou um pé no chão, inclinando-se, e colocou a mão ligeira e grande em seu ombro no menor gesto de conforto possível. Apertando-o, ele sorriu como seus amigos sorriram para ele quando ele precisava de seu apoio.

— Não seja uma brutamonte estúpida e sem sentimentos como eu, Deeny.

Em sua voz, Deena ouvia as mesmas coisas que sentia lhe embrulhar o estômago; não como borboletas, mas minhocas, que reviravam-se em um único nó, tentando desatá-lo.

Receio. E pesar.

Ela o observou desaparecer, acelerando os passos mancos até virar o corredor e entrar para o ginásio.

Esperou. Um, dois, três minutos. Processando.

Então balançando a cabeça, como um cachorro atordoado, seguiu um caminho diferente do dele. Os pés a levaram pelo corredor reto, até entrar nos vestiários, rápido, pela entrada que supostamente seria a saída para aqueles que estavam dentro. Invadiu o feminino.

Por onde entrou, estendia-se um caminho estreito. Alto. Uma fileira de armários e bancos de madeira correndo pela área; os chuveiros ficavam mais à frente, numa área separada dos armários, mas conseguia ouvir o barulho de um ou dois já ligados, com a água quente fugindo de suas duchas. As cores mortas coincidiam com todas as que já via.

Discretamente, Deena notou que as luzes fluorescentes projetavam três sombras no chão, não apenas a sua. Um pouco mais à frente, cabelos azuis e roxos se moviam enquanto suas donas vasculhavam seus respectivos armários, como vultos, em silêncio. Mal e Evie. O contraste de cores era reconhecível demais; roxo e azul contra o cinza e branco. Não se importou. Passou reto por elas, sem olhá-las muito, dirigindo-se até seu próprio armário, no mesmo corredor, mas do outro lado.

Não seja uma brutamonte estúpida e sem sentimentos como eu, Deeny.

Nenhuma das moças foi pega desprevenida.

Malvina se virou para olhá-la, os olhos a examinando, de cima a baixo; depois de novo, de baixo para cima, antes de tocar o braço da amiga e se afastar, fechando a porta do armário com um estrondo. Seus olhos prenderam-se na tatuagem no braço esquerdo, involuntariamente, a pele branca demais para uma pessoa que não portava nenhuma doença, percorrendo o rompante de cores conforme ela andava, com a mesma naturalidade de sempre, sumindo de recinto; a morena ficaria surpresa caso sua cabeça não estivesse pesada demais.

Seus dedos trabalharam em desabotoar a camisa social, botão por botão, e tirá-la de seu corpo. A enfiou no armário, sem dobrá-la, assim como fizera com o blazer que havia arrancado da própria cintura.

O uniforme esportivo estava cuidadosamente dobrado, e Deena não conseguia sequer se lembrar de tê-lo arrumado desde que o pegou na lavanderia do reformatório; puxou-o para fora antes que fosse engolido pelos bolos de roupas que enfiava, colocando-o sobre o banco mais próximo. Com o canto dos olhos, notou a forma como a azulada, sozinha, dobrava pacientemente tecidos e alinhava linhas no armário, sem pressa alguma. Lembrou-se de Samantha.

Uma das primeiras coisas que descobriu sobre Sam foi que ela era uma jovem extremamente cuidadosa.

Suas roupas, seus pertences, suas coisas: tudo o que tinha eram como seus filhos, protegidos e cuidados com orgulho. Ela era paciente quando se tratava de organizá-los; não se importava de perder seu tempo, horas, dias fazendo isso. Como Evelyn. Era engraçado como uma pessoa tão desconhecida podia remeter-lhe a uma pessoa tão… conhecida. A observou, os olhos correndo dos cabelos azul-turquesa para as roupas do uniforme esportivo, que lhe caíam muito bem; Evie não era nada parecida com Samantha, mas seus traços de personalidade, desde que a havia conhecido, só conseguiam fazer a morena pensar em sua ex.

Evie virou-se quando ela apanhou a blusa de moletom, passando-a pelo pescoço e descendo pelos braços. Com os olhos âmbar, a pele branca, os cabelos azuis, os lábios cheios e pingamentados de vermelho, era inegavelmente linda, mas estava longe de ter a mesma beleza, o mesmo brilho que a Sam que conhecia tinha aos seus olhos.

— Estamos planejando algo — Evelyn disse, balançando a cabeça. A voz saiu baixa, suave, lenta, para não correr o risco de ser ouvida por qualquer outra garota que estivesse perto daquela área. Séria, mas doce. — Professor D'Arcy escolherá você e Chadwick para escolher as equipes. Queimada. Após o aquecimento.

— Por que está me contando isso? — A voz soou confusa, tensa; por pouco não desconfortável por uma menção a si e Chad em uma mesma frase. Deena deu um passo para o lado, abrindo passagem para ela se aproximar. Pagando para ver. — Como descobriram isso?

Ela deu de ombros, e um sorriso rápido como uma faca perpassou seu rosto; um sorriso grandioso, emanando de uma doçura astuta, ardilosa, armada.

— Como conseguimos as informações não importa, Dee, elas são verídicas. Concentre-se nisso, querida — pediu Evie movendo-se. Dee. Sua mão direita deslizou pelos cabelos azuis, brincando com uma mecha entre os dedos com naturalidade. — Atinja o orgulho de Chad. Faça com que ele deixe-a escolher primeiro. Então chame-nos para seu time, eu, Mal, os meninos, e Samantha Fraser também. M irá lhe explicar o resto depois.

Eles já sabiam. Como uma estratégia para evitar intrigas ou desentendimentos entre as séries, Odelia Tremaine decidira que, durante as aulas de educação física, juntariam duas séries para o desenvolvimento das aulas, tornando-as conjuntas. Normalmente, as séries tendo apenas um ano de diferença, fossem os alunos mais jovens ou mais velhos uns que os outros; suas matérias num todo estariam interligadas para que não houvessem interferências.

E, durante essa aula, a junior reuniria-se com os membros da senior.

Fred e George também estariam naquela aula.

Ao lado dela, Deena bufou baixo em escárnio. Ela pegou o short de moletom vermelho na mão, apenas para ocupá-las, conforme rolava os olhos. Cerrou os punhos sobre o tecido.

— Vocês são uns babacas — desdenhou com as ordens que borbulharam em seus ouvidos, antes de invadi-los; o sorriso de escárnio ali, presente, imóvel em sua expressão. Rídiculo. Apesar do xingamento, Evie notou que ela não confirmou nada, assim como tampouco rejeitou totalmente a ideia. — E terminamos aqui, querida Ev.

Evelyn abriu um sorriso bonito e controlado que não parecia nem um pouco sincero.

— Termina quando Mal disser que terminou, Deena. Você está no jogo. Sinto muito.

Ela lançou-lhe um último olhar afiado para deixar isso claro, antes de sair andando pelo caminho que levava ao ginásio; apesar do uniforme esportivo, nos pés, as botas escuras com plataforma vermelha intensa recheada de pontinhos negros permaneciam insubstituíveis.

 

O chão do ginásio era uma mistura de tons marrom-alaranjados envoltos em preto depois das quatro linhas limites, com as marcações das linhas laterais, finais e o círculo de centro brancas e amarelas.

Em cada ponta da quadra, erguia-se uma retorção de ferros brancos envoltos um nos outros, cruzando-se, para sustentar as cestas de basquete; do teto, um painel quadrado pendia entre as luzes para capturar a imagem dos jogadores, e as placas presas um pouco mais abaixo, próximas das câmeras, para marcar os pontos das partidas para o público, enquanto um telão negro e retangular erguia-se acima da cesta esquerda para os jogadores.

Sobre o teto da saída dos vestiários, elevado, um lance de cadeiras brancas despontavam, dispostas lado a lado: onde os jogadores de basquete reservas da liga do reformatório ficavam, assistindo aos jogos, até entrarem ou não na partida. À frente, do outro lado do ginásio, arquibancadas se erguiam atrás de cercas pretas rebaixadas.

O som dos saltos contra o piso branco do vestiário a seguiam; Evie não olhou para trás uma só vez desde que deixou Deena sozinha na área dos armários. Com as mãos na cintura, caminhando, conseguia ver a saída do vestiário; burburinhos de vozes ecoavam pelo ginásio, audíveis, e figuras humanas se mexiam pela área, movimentando-se sob a luz. Uma bancada branca estendia-se entre a porta de uma das saídas do vestiário feminino e do vestiário masculino, emaranhada em madeira amarelada.

— Há quanto tempo você é apaixonada por ela?

Evelyn deteve-se na saída do vestiário, a mão esquerda apoiada no batente da porta metálica. A voz vinha da parte superior à saída do vestiário, uma voz masculina. Desconhecida. Forte, mas controlada. Educada e gentil. Cortês… A pergunta fora baixa, cautelosa, cuidadosa, só para a destinatária ouvir. O fato de ela ter invadido seus ouvidos no momento em que saia era uma coincidência. Estava abaixo do ponto da conversa. Involuntariamente, seus ouvidos se aguçaram.

O suspiro veio devagar, baixinho, como um pesar; relutando em sair da garganta alheia.

— Não acho que tenha existido uma época em que não fui apaixonada por ela.

Mal.

Aquela voz, a voz de sua líder… Não existia um lugar no mundo onde a azulada não a reconhecesse. Paixão e Mal em uma mesma frase parecia algo impossível. Mesmo assim, ao reconhecer a voz, os ombros de Evie se tencionaram, imediatamente, sem que ela percebesse; seu peito doeu por alguma razão desconhecida, apertando-se, encolhendo, a mente tentando assimilar a frase que lhe atravessou o peito como um cavalo a galope.

Ela não deveria ouvir aquilo, ela não deveria interferir, ela sequer deveria estar ali; Evie sabia, lá no fundo, sabia, pois Malvina iria falar com ela se fosse algo que ela quisesse que sua melhor amiga soubesse.

Ainda assim…

Suas pernas trabalharam sozinhas.

— Malvina — Evie chamou em um tom de surpresa, com dificuldades para controlar a voz em uma das poucas vezes na vida. Em um minuto, já estava no ginásio; olhou para cima, para as cadeiras esbranquiçadas, e viu Mal se virar para olhá-la.

Mal estava sentada na segunda fileira de cadeiras. Ao lado direito dela, acomodado, estava um picolé masculino de ossos e tecido. Os cabelos caíam sobre a testa, arrumados de lado, em um tom entre o loiro escuro e o castanho-mel que combinavam perfeitamente com os olhos verdes-avelã; o rosto, bem esculpido, e as sobrancelhas marcantes. Ele empalideceu. As queimaduras de sol já haviam desaparecido de sua pele, e ela parecia muito mais suave do que era meses atrás.

A mão pálida da moça roçou o ombro dele, tocando-o. Ele tinha um par de ombros largos e vestia o uniforme esportivo. O ato pareceu tão natural

A azulada não podia negar o quanto isso a incomodou.

— Deixe-nos a sós, menino fera. Por favor — ela balbuciou sem se virar para olhá-lo.

Ben olhou-a, rápido, dividindo o olhar entre as duas. Então acenou com a cabeça e, tão rápido quanto Evie tinha surgido, ele desapareceu, enfiando as mãos nos bolsos da calça de moletom vermelha.

Malvina? — emendou quando ficaram sozinhas, apenas ela, Evie e o mundo que as ignorava, franzindo a testa.

Ela levantou-se, passando a perna pela cadeira da frente e saltando para a frente da primeira fileira, antes de agarrar-se às grades brancas que batiam abaixo de sua cintura e pular dali para o chão, lançando o corpo para a frente; Benjamin ainda descia as escadas para o chão e observou-a ajeitar-se em frente a amiga, erguendo os ombros, o queixo…

A líder sorriu para a amiga, apenas os lábios, mas pelo que parecia ser a primeira vez, Evelyn não sorriu de volta. E Mal estranhou o ato. Puxou-a para mais perto da parede, afastando-se das linhas limites onde um grupinho de garotas tagaleravam.

— O que aconteceu, E? — perguntou Malvina, recompondo-se, a expressão séria. Ela descansou as mãos nos quadris, parada em frente a amiga, alargando o corpo para encobri-la de quaisquer olhares, apesar de ser mais baixa.

A parede estava fria, gelada, assim como o clima daquele dia. Evie encostou-se nela, permitindo-se ficar à sombra da melhor amiga, os lábios se transformando em uma linha fina.

— Você está apaixonada — ela disse, fechando os dentes sobre o lábio inferior; o batom vermelho não os manchou.

Mal lançou a ela um olhar incrédulo; fagulhas verdes saíam de seus olhos.

O quê?

— Eu ouvi você dizer, M — Evie disse, inclinando-se para frente. — “Não acho que tenha existido uma época em que não fui apaixonada por ela”. — Passou os olhos pela expressão de Malvina, em silêncio, vendo-a deslocar o peso da perna. Ela apenas a encarou de volta. Determinada, insistiu. — Quem é ela?

Uma bolha as engoliu, as envolvendo, como se nada nem ninguém ao redor delas pudesse interromper a conversa.

Eram apenas elas.

Mal e Evie.

Evie e Mal.

Contudo, a moça negou, deslizando a mão pelo rosto. Evelyn notou o tremor nos dedos dela. Os seus estavam iguais, mas os escondia.

— Não existe ela — explicou-se. — Não estava me referindo a mim. Ben é um amigo, conheci ele num acampamento de verão aos quinze anos, vai apresentar a namorada e a namorada da namorada para a mãe e não sabia como falar com ela sobre isso. Ele fez as perguntas, respondi como se fosse ele. É sobre eles, não sobre mim. Você entendeu errado, princesa.

A azulada não parecia muito convencida. Ela piscou.

— Está nervosa — murmurou baixinho, mas era possível ver a insistência deixando devagar seus olhos ambarinos.

— Ah, sim, é claro que estou nervosa — Mal concordou com um sorriso trêmulo nos lábios. Ela se inclinou para segurar uma das mãos de sua amiga, cobrindo-a com ambas as suas; Evie não a puxou de volta. — Você chega dizendo que estou apaixonada, E. É algo muito forte. Isso assusta qualquer pessoa, especialmente uma LaRusso — brincou.

Em seguida, levou delicadamente a mão dela até seu peito, pressionando-a, com força, para que sentisse seus batimentos na própria palma.

Evie correspondeu, as memórias intactas em sua cabeça, movendo os dedos por cima das camadas de tecido uma vez já havia feito anos atrás, lhe acariciando o peito com suavidade; a outra torceu para que ela não notasse a forma como seu coração disparou e sorriu ainda mais, um sorriso meio debochado.

— Evie Bellini — completou —, minha princesa, deveria saber que ninguém entra em meu coração. — Ela levantou uma sobrancelha e as covinhas em seu rosto ficaram mais evidentes quando reforçou, lentamente, molhando os lábios: — Ninguém.

Os braços da moça rodearam seu pescoço em resposta, puxando-a para um abraço forte; apesar da surpresa, ela retribuiu, passando os braços pela cintura dela até alcançar suas costas e deixando que ela deitasse a cabeça em seu ombro para brincar com as madeixas azuis de seus cabelos, correndo os olhos pelas tonalidades da cor que lhe caíam tão bem, combinando com sua estatura graciosa. Mal virou o rosto para lhe beijar a testa, distraída com ela em seus braços.

— Se, apenas se isso acontecesse, você sabe, eu te contaria — murmurou de novo para reforçar. — E, eu te adoro mais do que adoro morangos. Seria a primeira a saber.

A risada de Evie foi doce e maravilhosa; aliviada.

— Eu te adoro muito mais.

— Merda — reclamou uma voz feminina —, vocês não vão se beijar, certo?

A cabeça de Evie se ergueu no momento em que os braços de Malvina se afrouxaram, lentamente, antes que ela a soltasse, lembrando-se de onde estavam. Ela recuou, dando um passo para trás para criar alguma distância, seu maxilar tensionado enquanto ela cruzava os braços; a azulada endireitou a postura, dedilhando os fios de cabelo com a mão. À frente delas, Deena Johnson as encarava, ambas as sobrancelhas levantadas e as mãos unidas atrás das costas.

O pescoço de Mal estalou quando ela virou a cabeça, os cabelos roxos que pareciam curtos, ali na altura do queixo, amarrados, balançando no ar, para olhar para a melhor amiga que assentiu, com cautela, voltando então seu olhar à morena. Ela agora usava um uniforme semelhante ao delas. Duas mechas escuras de seus cabelos caíam sobre os ombros, cuidadosamente, enquanto o resto estava amarrado em um rabo de cavalo habilidoso, puxando a raiz.

— Johnson — murmurou a líder, inclinando a cabeça.

Atrás da morena, punhados de cabelos ruivos-escuros queimavam o canto da visão, ondulando como fogo líquido. Fred e George tinham quase dois metros de altura, e não era difícil localizá-los caminhando ao lado do primo de cabelos brancos que estava entre eles, quase vinte e cinco centímetros mais baixo que os dois. Sardas pipocavam os rostos com peles que pareciam turvas, os olhos acastanhados cintilando, os cabelos como cobre queimado, sorrisos intocáveis nas expressões.

Um forte contraste com Jay, que vinha emburrado, amuado, alguns passos atrás de Carlos.

Nyxly saíra junto com eles do vestiário; os cabelos pretos e brilhantes despontaram quando os quatro se aproximaram, bagunçando conforme ele andava em direção às arquibancadas. Olhou-os por um segundo, sem se aproximar, e desviou o olhar.

— Pensei sobre sua “proposta” — Deena comentou, puxando as mãos para frente do corpo. Com os quatro rapazes parando atrás dela, como sombras, guarda-costas, ficava tão escondida quanto as duas moças. As palavras saíram diretas, mas cuidadosas. — Estou dentro.

Ela apertou os lábios um no outro e mexeu os pés, olhando em volta para diminuir o impacto de sua resposta.

Evie ergueu as sobrancelhas.

— Pensei que fossemos uns babacas para você — ela retrucou.

Rápida, Malvina virou-se para a amiga quando as palavras saíram de seus lábios; os rapazes ficaram em silêncio, observando. Suas sobrancelhas se uniram em reflexão. Repentinamente, parecia maior, mais velha, mais esperta. Como de fato uma líder.

— Ela disse isto? — quis saber de imediato.

Mas ela apenas balançou a cabeça, silenciosamente pedindo para que ela deixasse passar, tocando suas costas para fazê-la olhar para a frente mais uma vez.

— Vocês são uns babacas, sim. E pensam que são superiores a todo mundo — Deena concordou sem pensar duas vezes; Jayden balançou a cabeça, uma ruga entre as sobrancelhas, não concordando ou discordando. — Mas acontece que isso é uma vantagem aqui.

As palavras pareciam sair a contragosto de sua garganta, raspando, como um CD antigo em um toca-discos. Ardiam.

Suas primeiras palavras desde a ideia de fazer algo com a gangue certamente não eram à toa. O tom que a moça usava era baixo, mas firme. Um tom que se usavam ao selar um acordo, um tom que Mal respeitava; ela se aproximou de Deena para ouvi-la falar, o corpo ereto, postura dura, a expressão naquela máscara fria que precisou aprender a portar.

A moça quase, quase, se intimidou.

— E você quer andar com as pessoas certas — compreendeu Carlos um passo atrás dela. Ele deslizou o dedão pela linha do maxilar, pensativo, contornando as sardas espalhadas por todo o rosto. Com um sorriso lupino, concluiu: — Nós somos as pessoas certas.

Ela concordou rápido. Rápido demais. O olhar, por outro lado, permaneceu atento.

— Mas quero saber o que estão planejando — retorquiu, o olhar voltado para aquela que sabia ser a líder do grupo. E o sorriso desta surgiu um pouco maior do que deveria antes que pudesse ser contido ao ouvi-la. Deena cruzou os braços, sentindo o tecido do moletom roçar em sua pele. — Me parece justo. Vocês estão planejando algo que certamente nos mandará para a detenção, então acho que pelo menos tenho o direito de saber no que estou me metendo.

Jayden balançou a cabeça atrás dela, estendendo a mão para tocar seu ombro como um irmão orgulhoso.

Sua voz empoeirada soou profunda, estendendo-se como um rio.

— Sim, é justo — disse com a expressão neutra, antecedendo qualquer resposta ríspida e levantando um ombro com ar de indiferença; o orgulho foi mascarado rapidamente. — Mal?

Os gêmeos se moveram ao lado de Jay, sorrindo enquanto ela olhava para ele, séria por um segundo.

Só que de fato parecia justo.

Seu corpo se aproximou um pouco do de Deena. Ligeiramente virado para o lado, para que Malvina conseguisse olhar para a melhor amiga enquanto falava, o olhar fixo no dela para encontrar algum impulso para dizer o que se passava em sua mente.

Mal beliscou sutilmente a ponte do nariz, virando o rosto para Deena.

— Nós só queremos nos divertir — ela respondeu sem muitos detalhes, balançando os ombros. O sorriso permaneceu intacto. — Acho que há alguns mauricinhos por aqui que precisam de uma lição, sabe?

Os olhos de Deena percorreram o ginásio, revirando-o silenciosamente em busca dos cabelos loiros e encaracolados, quase dourados, que despontaram em sua frente o dia todo, perturbando-a, sem perceber que os demais seguiram seu olhar, disfarçando.

Chad estava nas arquibancadas com seu grupinho de amigos, de pé, o braço apoiado no joelho erguido um degrau acima, pisando firme; Samantha estava sentada um ou dois degraus acima, os cabelos ainda soltos cobrindo o rosto e os olhos, fugindo da panelinha do namorado.

Ela não se lembrava muito do que tinha acontecido antes. Em um minuto, estavam com os times divididos — o time vermelho, o seu, do lado esquerdo e o time azul, o time de Chad, do lado direito —, corpos espalhados pela quadra, os novatos no seu time e Jay assistindo das arquibancadas com os lábios reprimindo um sorriso, e no outro, a bola que havia parado por um momento em sua mão atingia o rosto do namorado de sua ex com uma velocidade assustadora.

A confusão irrompeu com um empurrão, um puxão, antes que os times se fundissem em um.

Deena conseguiu ver Mal puxando Evie para trás de si com discrição, em meio a bagunça, protegendo-a com seu corpo e sem pensar muito, imitou-a, puxando Sam pelo pulso para escondê-la às suas costas. Um segundo depois, sua mão virou-se em um soco tão poderoso no rosto de Chadwick quando o viu se lançar contra ela com grande violência que o derrubou no chão; o corpo pesado criando um barulho enorme ao bater no piso.

Gotículas de sangue mancharam seu punho e seu uniforme.

 

Suas costas se chocaram contra a rocha quando Heath se virou, brilhante e veloz, lançando a perna em um chute forte que lhe acertou o peito. Ele estava vestido com o kimono de seu dojo que se encaixava perfeitamente em seu corpo, com o tecido leve que lhe permitia movimentar os músculos e bloquear os golpes; a pele clara brilhava com uma camada de suor, apesar da estação, pelo treinamento.

O kimono era inteiramente branco com uma faixa da mesma cor amarrando-o na linha da cintura; nas costas, o desenho de um bonsai forte sob o brilho alaranjado do sol que se alastrava pelo céu, tornando-o vermelho-alaranjado. Como o pôr-do-sol.

A rocha era cinzenta e batia na altura de seus ombros; rabiscos de letras japonesas a cobriam no centro com algum significado que não conhecia ou compreendia. Apoiou os braços nela para imitá-lo e tomou impulso, o moicano com as pontas azuis tremendo quando o chutou. O sorriso malicioso de Heath se alargou quando ele agarrou a perna esquerda de Elliott com facilidade, contendo o golpe, e o viu jogar a perna direita em outro golpe, lançando o corpo junto para prendê-lo pelo pescoço com as pernas e derrubá-lo no chão.

A terra sob a grama que cobria o chão manchou o kimono branco. Ele sorriu, sentindo o sangue latejar com a adrenalina; a própria pulsação alta como um tambor nos ouvidos.

Heath o segurou no chão, deslizando rápido para imobilizá-lo, começando pelas pernas e depois pelos braços, como uma cobra. Em seguida lançou-se para cima, com mais experiência, e terra misturada com tufos de grama voou. O braço direito esbofeteou o pescoço, estendido, prendendo-o; a mão esquerda, outrora branca, agora suja de terra e avermelhada por bloquear os golpes, segurou o próprio pulso, colocando-o com mais força entre o queixo e o pescoço, sem pressionar.

— Vocês do Cobra Kai são afobadinhos demais para atacar — comentou ele, deixando outro sorriso irritante se espalhar por seu rosto; Elliott viu o suor escorrer pelo pescoço e adentrar o kimono sujo, descendo pela espinha da coluna.

Ele se colocou em pé com um impulso, libertando Eli de seu aperto; indicando sua vitória. Os cabelos loiros estavam bagunçados, úmidos de suor, mas limpos; ele havia os cortado há pouco tempo.

Antes que partisse da cidade de Westwend para San Fernando Valley com seu pai há quase três anos, Eli lembrava-se de como os cabelos de Heathcliff eram: louros como os raios do sol matinal, chamativos, fortes e compridos; chegavam à altura dos ombros, e ele gostava de andar com eles tanto amarrados quanto com eles soltos. Agora, depois de alguns cortes, estavam mais curtos, com as laterais cheias.

Parecia mais jovem: um homem com vinte anos recém-completos.

— Vocês do Miyagi-Do que são muito certinhos e educados para atacar — rebateu à altura com as sobrancelhas levantadas.

Elliott agarrou a mão que ele o estendia, sentindo-a se fechar sobre a sua com um aperto firme. Ele o puxou para cima. Suas mãos se perderam no moicano na cabeça enquanto se sentava na elevação entre os pisos de madeira que levavam ao santuário de karatê e ao pequeno lago da família com uma placa de madeira lisa e redonda e dois vasos de plantas aquáticas equilibrados em cada lado dela, repleto de peixes. A natureza e o verde envolviam o dojo, ao contrário do dojo Cobra Kai, que ficava em um salão alugado ao lado de um mini-mercado, com energia-à-gato.

A blusa e as calças de moletom cinzas com adornos em vermelho e amarelo faziam um contraste de cores visível contra a vasta quantidade de verde, marrom e azul. Estavam um pouco sujos por ter rolado com eles no chão, e Eli sabia que caso ainda tivesse contato com sua irmã mais velha, e ela presenciasse uma cena como essa, seria como pedir para morrer; só com o pensamento, conseguia imaginar as mãos frias da morte o envolvendo, prontas para arrastá-lo com elas por ser tão desrespeitoso com os tecidos.

Sem reclamar, o rapaz aceitou uma das garrafas de água amarelas que Heath lhe trouxera antes que ele sentasse ao seu lado, esbarrando o ombro no seu com cuidado, provocando-o para que não ficasse emburrado por perder mais uma vez.

A verdade era que não se importava em perder para um amigo tão bom e tão experiente quanto Heath LaRusso. Ele lhe lembrava de Demetri.

— Como seu pai se sente tendo que voltar para a cidade depois de tanto tempo? — Heath perguntou de repente, com cautela, brincando com a garrafa d'água nas mãos. O peito ainda subia e descia, mas não com tanta rapidez quanto antes; sua respiração já não estava tão descompassada.

Seu perfil tinha traços bem definidos, traços que faziam sentido, com nariz reto, fronte altiva e faces esculpidas; a pele clara, pálida, e os fios de cabelos louros davam um toque a mais ao seu perfil. Ele era benéficos cinco centímetros mais alto que Eli, de modo que o rapaz era obrigado a levantar levemente o rosto, depois de virá-lo, para encarar seus olhos de céu de tundra. Gélidos, implacáveis, infinitos.

Repentinamente mais sério, ele encostou a garrafa nos lábios, tomando um gole da água. Os olhos tão ambarinos quanto os de sua irmã pareciam pensativos, mas não revelavam muito de suas emoções; Heath evitou olhar em seus olhos para não ver nada que ele não desejasse revelar.

Queria que ele falasse.

— Ele prometeu que nunca mais colocaria os pés nesta cidade quando assinou o divórcio, mas voltou pela Evie.

Antes de continuar, ele tomou outro gole, levantando os lábios e a garrafa.

Sua cicatriz acima do lábio superior, entre o buraco na narina direita e a curva do lábio esquerdo, era quase imperceptível com o novo corte de cabelo; antes das pontas azuladas do moicano, o loiro escuro e o castanho claro ainda batalhavam, mas o castanho se sobressaia.

— Minha irmã sempre foi a princesinha dele. Ela era a princesa e eu o príncipe. A princesa e o príncipe Bellini. Quando ele descobriu o que sua princesinha fez em sua ausência, primeiro ficou sem reação. Então, possesso — disse Elliott, colocando a garrafa de lado para brincar com os dedos da mão. — Ele a deixou aqui porque achou que seria o melhor para ela. Pensou que nossa mãe conseguiria cuidar dela, pelo menos, sozinha. Mas parece que nem isso ela consegue fazer.

— Meu pai também ficou sem palavras quando soube que Mal estava envolvida nos roubos que estavam acontecendo pela cidade, que minha irmã estava à frente da maioria desses roubos — comentou Heath com a expressão retorcida, talvez em desgosto.

O jantar ainda estava sendo servido quando a polícia ligou; ele, Nolan e seu pai estavam sentados à mesa alocada entre a cozinha e a copa que, desde a morte de Daphne, possuía um lugar vazio cheio de lembranças fantasmas.

Elinor, uma das empregadas de sua família, foi quem atendeu ao telefone. Ela empalidecera e entregara rapidamente o celular para o patriarca da família quando ouviu a palavra “polícia”.

Maxon LaRusso ouviu os policiais em silêncio por longos quinze minutos; as expressões em seu rosto alteravam-se de forma sutil com o passar dos minutos. Quando desligaram, ele voltou para o seu lugar em frente aos dois filhos, enterrou o rosto nas mãos e, em seguida, com raiva, lançou o prato com costeletas de cordeiro contra a parede branca, manchando-a e espalhando pedaços da louça pelo carpete.

Um instante depois, estava andando em círculos, sob o olhar dos dois, passando a mão pelos cabelos castanhos — “castanhos” que um dia em sua juventude já haviam sido louros, mas escureceram com o tempo e a idade — e ligando para todos os advogados que tinha à sua disposição.

— Minha irmã e a sua, elas, eles… todos tiveram uma razão para fazer o que fizeram — Eli afirmou com suavidade, os olhos perdidos, observando as folhas nas árvores depois das cercas se moverem com o vento. Em algum lugar ao longo daquelas rotas, havia um caminho entre a extensão verde de árvores que levava a uma ponte de madeira e corda e, além dela, um lago de águas cristalinas. Encolheu os ombros. — Todo mundo sempre tem um motivo para fazer alguma coisa.

O corpo de Heathcliff inclinou-se para frente quando ele uniu os dedos de ambas as mãos para virar a cabeça e olhá-lo calmamente. Sabia ser pragmático. Conseguia pensar, na maioria das vezes, dez passos à frente.

— Você teve uma razão para todas as suas mudanças, Hawk?

A mudança de aparência, um novo nome, uma nova personalidade: todas as suas mudanças.

Aos poucos, Elliott concordou.

— Tive.

E era verdade.

Ao seu lado, Heath se levantou, balançando a cabeça como quem compreendia. Nenhum julgamento. Os olhos azuis não estavam nem congelados nem em chamas. Estavam normais.

Ele apertou a faixa branca do kimono, prendendo-o com mais força no corpo conforme os pés nus voltavam a tocar a grama no chão; os dedos se moveram sobre a grama.

Com o canto dos olhos, ele olhou-o; os olhos azulados vagaram dos cabelos novos para a nova postura física. A postura de lutador que adquirira após meses de treinamento no karatê.

Heath LaRusso deu de ombros.

A voz saiu baixa, como um sussurro, quando disse:

— Sempre gostei muito do velho Eli.

 

O azul-ardósia do céu e os tênues raios alaranjados do sol misturavam-se devagar, lentamente, envolvendo-se, como uma pintura ou uma fotografia. O pôr-do-sol surgia a pinceladas tortuosas. As folhas espalhadas pelo chão estalavam, secas e avermelhadas, quando pisavam sobre elas — partiam-se antes de se desfazerem; as folhas que sobreviviam nas árvores secas pendiam dos galhos, ameaçando cair sobre as lápides.

Sob a jaqueta jeans com forro branco, o moletom preto a mantinha um pouco mais aquecida, o capuz descartado e solto sobre a jaqueta; as noites tendiam a ser congelantes nessa estação do ano, e mesmo sem que a neve voltasse a se fazer presente, Roselen sentia o mesmo frio que sentira dentro do avião no dia anterior se espalhando por suas entranhas; consumindo-as. A calça também era feita de moletom, preta, e enfiava-se dentro do tênis escuro com cadarços brancos. Sem o cachecol, os cabelos soltos eram a única coisa que aqueciam sua nuca e seu pescoço, com suas madeixas grossas e macias.

O cemitério estava vazio. Ou ao menos aquela área estava vazia. Uma única rua corria entre os dois lados, dividindo-os, separando as lápides para permitir a passagem de carros das funerárias que transportavam os caixões dos velórios para os enterros. Estava limpa, sem neve ou folhas mortas.

Roselen havia estacionado o carro muito antes dali, perto dos portões de entrada. Nas mãos, carregava um buquê de flores copo-de-leite. Elas tinham uma beleza rústica. Elegância, delicadeza, aroma suave; associadas à inocência, paz, calma, pureza. Seus dedos as dedilhavam com cuidado enquanto caminhava, arrastando-se pela subida que levava à área reservada aos LaRusso, um pouco mais elevada entre as outras lápides, em uma pequena colina.

Haviam três lápides, cada uma delas gravada cuidadosamente pelos entes queridos daqueles que já haviam partido. A mais antiga era a de Octavian LaRusso; a rocha era retangular, lisa, com uma única placa de metal prata e preta presa a ela, o símbolo do infinito gravado em cada uma das quatro pontas: OCTAVIAN ADRASTOS LARUSSO; 20 DE JANEIRO DE 2000 — 20 DE JANEIRO DE 2000; “AQUELE QUE NOS FOI TIRADO CEDO DEMAIS: SUA MEMÓRIA SERÁ LEMBRADA POR INFINITOS ANOS”.

Ao lado dela estava a lápide de Nariyoshi Miyagi, a placa da mesma cor e do mesmo formato, com uma rosa marcada em cada lateral e a recriação artística de sua medalha de honra colocada ao lado da frase abaixo da dedicatória em japonês.

A lápide mais recente era a de Daphne. Lisa, cinzenta, retangular. Em cada uma das quatro pontas de sua placa, uma lua, e espalhadas por todo o metal em sua homenagem, estrelas prateadas despontavam, brilhando contra o preto da tintura bem cuidada; a placa ainda parecia cintilar, como se quase um ano não tivesse se passado. DAPHNE C. RHIANNON LARUSSO; I8 DE ABRIL DE I997 — I8 DE ABRIL DE 20I5; “GRANDE FILHA, GRANDE IRMÃ, GRANDE NAMORADA, GRANDE NOIVA; PROVOU-NOS QUE REESCREVER AS ESTRELAS É POSSÍVEL MAIS DE UMA VEZ, E AGORA POSSUI SEU LUGAR ENTRE ELAS. BRILHE POR TODOS NÓS, LUTADORA”. Uma coroa de ramos repousava sobre a terra uma vez cavada para enterrar o caixão.

Moveu os pés em direção às sepulturas, forçando-se a continuar andando. Sua garganta fechou, o vento soprou.

A lápide de Miyagi estava alocada entre as lápides dos dois LaRusso falecidos, como se o avô guardasse os dois netos mesmo depois de sua morte; os protegia onde quer que os três estivessem. Atrás das três lápides, um bonsai se erguia; não era muito grande, mas marcava sua presença entre os três, ligando-os entre si. Daphne estava enterrada perto do que tanto amava. Natureza era o que não faltava por ali. Árvores, folhas, flores: estavam ali, cada um em uma parte, próximos dela. Aquilo que ela amava agora lhe fazia companhia, devolvendo o que ela lhes dera durante anos.

Rose deixou o polegar contornar a pequena foto da noiva quando se abaixou para colocar as flores junto com a coroa de ramos. A imagem era pequena, do tamanho da palma de uma mão, colada entre o nome e as suas datas “mais importantes”: o nascimento e a morte. De alguma forma, ela ainda parecia bonita, linda, mesmo em uma foto tão triste.

Os cabelos platinados caíam sobre os ombros, repartidos, e as mechas de fios que uma vez haviam sido uma franja caíam sobre o olho direito, cobrindo-o; a blusa preta era simples, com as mangas alcançando até metade dos braços e uma abertura no busto, subindo em tiras que se cruzavam dali até o pescoço. No pescoço, ela usava uma gargantilha fina e escura.

A foto estava em preto e branco, de modo que não conseguia ver a coloração verde-esmeralda de seus olhos; a alternância intensa de cores entre o verde e o azul que lutavam para ver quem se sobressairia em cada dia. Uma parte de Roselen desejou que não tivessem tirado a cor da imagem; observar os olhos de Daphne mais uma vez, mesmo que por uma foto, faria com que seu peito se aquietasse um pouco depois de tantas turbulências.

— Oi, coração — Rose murmurou baixinho, testando as palavras na língua pesada enquanto se sentava no chão, ao lado da lápide. Fazia tanto tempo que não dizia nada desse tipo… Era estranho. Era como se fosse errado. As palavras pareciam duras, secas. Seu coração afundou no peito; ela balançou a cabeça. — É muito difícil estar aqui, sabia?

Algumas folhas cobriam a parte de cima da lápide e galhos estavam espalhados pela área, certamente movidos com a força dos ventos noturnos e diurnos do inverno. Ela ocupou-se de afastá-los o máximo possível das sepulturas, colocando-os em outro canto para recolher mais tarde, antes de partir. Partir

— Ter ido ao Havaí com Tabitha ainda parece errado para mim — comentou. — Era o nosso plano. Um plano feito por nós duas. E tê-lo usado como uma forma de fugir de você não parece algo certo. Nunca pareceu ser algo certo.

Daphne tinha feito questão que a lua de mel das duas fosse no Havaí.

Embora amasse o verde da natureza e a cor das flores, Daphne não gostava de coisas muito coloridas por natureza. Seu mundo resumia-se em preto. E em castanho-dourado; a segunda cor que coloria todos os seus dias e que marcava presença em seu peito. Mas, ainda assim, ela faria qualquer coisa para deixar sua noiva feliz. Qualquer coisa. Mudaria as constelações, criaria um novo planeta.

Roselen lembrava-se que uma vez comentara, brincando, que adoraria vê-la em uma camiseta florida, dançando hula, e ela guardou isso na mente.

Guardou por muito tempo.

Daphne LaRusso geralmente costumava levar tudo o que ela dizia muito a sério.

O casamento seria no local onde nascera — já tinham em mente um salão próximo ao cânion de Cochran, e apenas precisavam definir uma data para alugá-lo para a cerimônia —, em Westwend, e a lua de mel, no Havaí.

— Ficamos em Volcano. É um lugar bonito, por sinal. Mas acho que ficaria muito mais bonito se você estivesse lá comigo.

Se eu não houvesse a perdido antes de realizarmos este sonho, as palavras não ditas perambulavam, vagando nas entrelinhas, tentando pulá-las.

— Na maioria das vezes, tudo o que eu conseguia pensar era em você. — Roselen juntou as mãos, apertando a elas e aos dedos, nervosa. Sentiu os olhos ficarem úmidos ao mesmo tempo que a garganta se fechou, encolhendo aos poucos, diminuindo, até que se tornasse difícil falar, respirar. Precisou pigarrear. — Acho que qualquer um diria que me tornei emocionalmente dependente de você. Mas não acho que seja isso. Simplesmente não me parece justo ver o sol nascer todos os dias e não ver o seu sorriso enquanto acorda ao meu lado. Não poder te beijar e desejar um “bom dia”. Como essa merda poderia ser justa, coração?

A voz falhou; o sussurro, fervoroso, saiu entrecortado. Se fechasse os olhos, poderia imaginá-la ali, sentada ao seu lado. Daphne não gostava de vê-la chorando. Ela se aproximaria, sutilmente, e envolveria os braços ao redor de Rose. Então a puxaria para seu peito e deixaria que ela chorasse por quanto tempo fosse necessário; quando a respiração dela se estabilizasse, beijaria o topo de seus cabelos, e a afastaria para deslizar os dedos por seu rosto, enxugando os resquícios de lágrimas antes de juntar seus lábios aos dela e dizer que tudo ficaria bem…

O primeiro soluço escapou sem que ela percebesse; Rose levou a mão à boca, tampando-a. As lágrimas já escorriam há alguns segundos, mas ela só percebeu que realmente chorava quando as lágrimas salgadas caíram em seus dedos, infiltrando-se entre eles até alcançarem seus lábios secos. Ela não se importou em esconder o segundo soluço, muito menos o terceiro, e quando o quarto veio, ela ignorou-o por completo.

Estava escondendo as lágrimas há muitos meses. Havia sido forte por tempo demais.

O vento passava direto por ela, uivando como um lobo; o choro era o único som que lutava contra o silêncio do cemitério. Uma sombra passou, rápida, onipresente, e escondeu-se atrás de um arbusto grande o suficiente para escondê-la, não muito distante. Com a visão turva pelas lágrimas, Roselen não teve a chance de ver ou ouvir o som das folhas sendo esmagadas sob o ruído das botas.

— Às vezes ainda penso que poderia ter te segurado naquele quarto. Tê-la feito ficar comigo naquela cama — esforçou-se a dizer, deslizando a mão pelo rosto apenas para molhá-la com as lágrimas; elas agarravam-se aos cílios grossos e escorriam quando piscava, insistentes em não abandoná-la. — Eu não deveria tê-la deixado sair. Mal sabia se virar, Cass. Sempre soube. Não deveria ter ido ver o que ela estava indo fazer, não deveria ter saído. Se eu tivesse insistido mais, só um pouco mais, talvez… Talvez você ainda estivesse aqui. Talvez você…

Ela balançou a cabeça, frustrada, apertando os lábios; mordeu a bochecha com tanta força que, por um momento, pensou que poderia começar a sangrar. Só que o gosto metálico do sangue não veio. Fechou os olhos, jogando a cabeça para trás.

— Você disse que voltaria, Cass, e nunca havia quebrado uma promessa antes. Então por que você não voltou? Por que você não voltou para mim? Merda, coração! Você sempre voltou. E agora eu… eu… — Soluçou mais uma vez, negando. A voz saiu como um sussurro, sem intensidade, sem forças: — Não sei o que fazer, certo? Te amei por anos, Cass. Anos. Eu te amei como Van Gogh amou as estrelas e você me amou como ele amou a vida. Você não está mais aqui, e mesmo assim eu ainda amo você. Não me culpe por estar sentindo tanta dor agora, coração, não tenho culpa por te amar tanto.

Roselen sabia que já não conseguia mais pensar com clareza; ser tão racional quanto costumava ser. Enterrou a cabeça entre os joelhos, abraçando-os com os braços.

De repente, a ideia de apenas deitar-se ali, no chão, ao lado do túmulo dela e ficar imóvel não parecia tão ruim. Não levantar-se mais. Apenas ficar fazendo companhia a ela, deixando que a neve que posteriormente viria a engolisse até que sua presença fosse esquecida. Era seu maior impulso.

Uma mão tocou seu pulso. Era pequena e quente. Rose sobressaltou-se, levantando e secando o rosto num ímpeto. Uma garotinha estava parada à frente dela. Os cabelos pretos eram enrolados e caíam sobre os ombros, e sua pele era morena, coberta de sardinhas; um dos olhos era negro como a noite e o outro azul como o céu da manhã. Ela tinha um pequeno corte acima da sobrancelha esquerda. Não parecia ter mais do que cinco ou seis anos.

Uma rosa branca estava na mão dela, e ela lhe estendia-a.

— Para a senhora — disse a menina com um sorrisinho tímido.

Roselen lembrava-se de ter visto um arbusto cheio de rosas brancas conforme caminhava. Confusa, meio surpresa, ela estendeu a mão, lenta, tomando cuidado para não tocar os espinhos da rosa. Quando enfim apanhou-a, a menina se inclinou para abraçá-la. Ela era pequenininha, e Rose demorou para passar os braços em volta dela, aceitando o abraço e o calor da menina.

Apesar de não a conhecer, o gesto ajudou um pouco; Roselen conseguia sentir o cheiro forte do xampu nos cabelos da garota. Uma única fresta abriu-se naquele arbusto não muito distante.

— Vai passar, está bem? — a menininha sussurrou, o pequeno queixo apoiado no ombro de Rose, seus bracinhos envolvendo-a. — A senhora é bonita demais para ficar chorando. Sua namorada não iria gostar.

— Esposa — Roselen corrigiu com cuidado, ouvindo a menina soltar um risinho, concordando ao se corrigir também. “Sua esposa”. Não haviam conseguido realizar a cerimônia, mas Daphne era, sim, sua esposa. A menina se afastou, colocando as pequenas mãos atrás das costas. — Qual o seu nome?

Seus dedos dedilhavam a rosa branca. Seu coração agitou-se no peito, disparando em meio ao caminho de afundar, como se uma bóia de repente tivesse sido lançada em sua direção. A rosa era parecida com a que Daphne lhe dera em seu primeiro encontro.

A menina sorriu de uma forma que apenas as crianças conseguiam sorrir.

— Alora.

— É um nome bonito — elogiou, a voz baixa. — Meu nome é Rose — acrescentou enquanto estendia a mão livre para ela; a garota tocou-a com sua mãozinha pequena, apertando antes de soltar. Ela esticou os ombros, endireitando-se, ainda sentada; Alora era baixa o suficiente para que conseguisse olhar em seus olhos bicolores sem precisar alinhar muito a postura. — Quem te mandou aqui, Alora?

Alora deu de ombros, inclinando-se para bater o dedo indicador na ponta do nariz de Rose antes de se virar em passos saltitantes.

— Tia Lary — cantarolou.

Lary.

A menina desapareceu tão rápido quanto surgiu; Roselen observou os cabelos escuros de Alora balançarem enquanto ela descia a colina, as pernas trabalhando rápido no ato de deixá-la sozinha mais uma vez, apenas com a rosa branca nas mãos negras para lembrá-la de sua presença.

— Roselen.

Os cabelos louros estavam passos atrás dela, os olhos azuis a mirando; os cabelos estavam lambidos para trás, o que tornava seus olhos ainda mais claros. Rose se virou para encontrar Heath LaRusso subindo a colina pelo lado oposto. Ele trazia três tipos diferentes de buquês de flores nas mãos; um buquê de crisântemos, um de lírios e outro de gérberas. Suas botas esmagavam galhos e folhas conforme ele andava em direção às três lápides.

Apesar de seus olhos surpresos, Heath abriu um sorriso ao vê-la. Ele vestia uma jaqueta de couro marrom escura sobre uma camisa de botões azul-clara; os jeans escuros eram tão simples quanto as botas igualmente marrons. Ele se aproximou para colocar as flores — os lírios para Daphne, os crisântemos para Octavian e as gérberas para Miyagi — em frente às lápides antes de deixar o corpo cair ao lado do dela no chão.

Heath abraçou os joelhos, como ela, e Roselen sentiu-se bem por ter alguém com quem compartilhar calor; seu rosto já estava seco, como se não houvesse mais lágrimas para derramar, e a rosa ainda estava em sua mão. Uma presença fantasma se fazia presente entre eles.

— Não sabia que você já havia voltado — Heathcliff comentou, virando-se para olhar para ela. — Pop não falou nada sobre.

Roselen Nethilor não era muito mais velha do que ele. Um ano apenas. Mas ele conseguia ver que ela parecia um pouco mais velha do que sua idade realmente dizia; parecia mais preocupada do que ele jamais poderia imaginar, cansada, com olheiras sob os olhos castanhos-dourados que Daphne tanto elogiava. Os últimos meses pareciam ter acabado com ela também.

— Faz pouco tempo. Juro — respondeu Rose, brincando com as pétalas da rosa branca; Heath seguiu os movimentos dela com os olhos. — Tabitha e eu voltamos ontem.

Ele concordou com a cabeça.

— Como você está, cunhada?

Os ombros de Roselen ficaram tensos por um rápido momento, depois baixaram-se, devagar, uma leve descontração na rigidez de aço que não combinava com ela. Ela piscou, o olhar focado em nada. Aquele era um “como você está, cunhada?”, e não um, “você está bem, Roselen?”. Heath sabia que ela não estava bem. Por trás de todas as camadas, ele também não estava bem.

Depois de uma longa pausa, ela soltou o ar, observando-o se transformar em uma pequena nuvem de vapor branco; quanto mais o anoitecer vinha, mais a temperatura caía.

— Tem sido difícil, muito difícil passar por tudo sem ela — Roselen confessou a ele, resistindo à vontade de deixar as lágrimas escorrerem pelo rosto novamente. Ela respirou fundo, mordendo a língua. Ainda preferia guardar certas coisas para si mesma. — Todo dia é uma tortura. Sabia que seria doloroso, mas não esperava que fosse tanto. Sinto falta dela, do corpo dela, do cheiro dela, do toque dela todos os dias. Acho que no momento em que Daphne se foi, uma parte de mim se foi junto.

O inverno enviou uma brisa de vento ainda mais forte, mais intensa, mais cortante que assobiou contra o silêncio; o farfalhar das folhas era baixo, fácil de ignorar, difícil de perceber.

Heath levantou os olhos azuis para o céu. Os raios alaranjados do sol já haviam desaparecido àquela altura.

— Sei como é — ele comentou com uma risada dura e sem humor. — Na primeira semana sem ela, fui ao quarto dela mais de oito vezes para provocá-la, e só me lembrei de que ela tinha ido embora para sempre quando encontrei a porta trancada para não ser aberta por ninguém.

Falar parecia fazer com que a ferida sangrasse ainda mais; o líquido rubro espalhava-se, dominando o território, impiedoso. Com esforço, Heath obrigou-se a continuar, por Rose

— E todas as noites, ao ouvir o som de alguma moto passando perto de casa, Cerberus se agita e dispara até a porta. As garras dele estão marcadas na madeira. É como se ele estivesse esperando que ela volte.

Baixou os olhos, coçando a sobrancelha com a mão. Tentava ignorar o peso das lembranças, mas parecia difícil.

— Lembro-me até de quando papai chamou acidentalmente Mal de Daphne na mesa do café. Primeiro ela ficou surpresa. Então ela sorriu e disse: “Obrigada pelo elogio, senhor, mas ao contrário desses idiotas, eu não me apaixono por ninguém”. Ele percebeu o erro e sorriu de volta com lágrimas presas nos olhos.

Roselen soltou uma risada baixa. Baixa demais. Uma risada que não combinava em nada com aquela situação, mas foi inevitável.

Poucas horas antes de conhecê-la, Daphne conversara com o pai sobre tentar não se envolver em problemas com garotas como ele e seu tio haviam feito na adolescência. Ele estava falando sério, alertando-a, e ela dissera isso, a mesma frase para ele para convencê-lo. Algumas horas depois, se viu encantada por ela.

O riso de Heath também soou baixo e vago.

Ele enfiou a mão dentro da jaqueta que vestia, puxando algo do bolso interno dela. Um pedaço de papel meio amarelado, um pouco amassado. Uma carta. Uma carta escrita por ele. Cuidadosamente, ele a esticou para que Rose pudesse vê-la.

— Escrevi isso em uma carta pouco após acontecer. Já faz um tempo e só agora tive a coragem de trazê-la aqui — Heath disse ao balançar a carta na mão. Sua letra formava a frase o que eu deveria ter dito na frente do envelope assinado por ele logo abaixo.

Ele se levantou por um segundo.

Roselen o observou colocar a carta dentro da placa da lápide, empurrando-a para dentro para protegê-la. Como se assim estivesse entregando-a para a irmã que havia perdido. Então, com carinho, olhou para a foto da irmã presa ali antes de olhar para a cunhada. Ele colocou o cotovelo na lápide como se a abraçasse; Rose sentiu vontade de fazer o mesmo para ver se isso a faria sentir como se abraçasse o amor de sua vida mais uma vez.

— Todos sentimos falta dela.

Todos sentiam, sim.

Daphne havia sido uma figura inesquecível demais para todos que a conheciam.

Eles não conseguiram ouvir os passos da figura que se afastava em silêncio com os ouvidos cheios de informações que pesavam demais.


Notas Finais


Sendo sincera, fiquei mais empacada na hora de escrever a primeira cena. Em um minuto, eu tinha toda a ideia para focar no Nolan e na Willa logo no início do capítulo e, de repente, toda a minha criatividade deu-me bye bye. Além de improvisar, tive que reduzir muito a cena deles. Era pra ser bem maior. Mas ainda vou compensar isto em outro capítulo.

Tive muitas oportunidades de colocar um beijo Mevie neste capítulo. Enquanto escrevia determinadas cenas, tudo que conseguia pensar era: “e se o beijo rolar agora?”. Mas eu já tenho um planejamento todo bonitinho, sei como quero fazer o beijo delas, então me segurei para não estragar tudo. Querem o beijo logo, leitores? VÃO LER ONE LAST TIME!!!

A cena do Eli/Hawk e do Heath foi bem curtinha, bem simplezinha, bem levinha. Queria apenas introduzi-los à história de uma vez para poder desenvolvê-los melhor futuramente. E acho que para uma primeira aparição, a cena deles dois até que ficou boa.

Nada a comentar sobre o final do capítulo, só digo que a cena parecia mais triste e melhor na minha mente. Já tinha ela na mente há um bom tempo, não saiu como eu imaginava, mas acho que ficou boa. Vocês que lutem com isto.

Acho que depois de meses sem postar nada, consegui compensar minha demora com esse capítulo, certo? Consegui colocar boa parte do que tinha em mente nele e apresentar os personagens da forma que queria; aos meus olhos, ele realmente ficou bom. Estou um pouco mais confiante com minha escrita, e vou buscar melhorar ainda mais conforme a história for avançando.

Abaixo, o link do menu, de One Last Time — não percam a oportunidade de ler, sério, no capítulo teve muitas informações relacionadas a OLT — e Shut Up and Kiss Me, para aqueles que ainda não leram:

Menu - Personagens - The Dragon Hall Reformatory
https://docs.google.com/document/d/1c3Ytrv7OiuRxAdvH9jG-BCCy__rZVGytPfbhCejoGj8/edit?usp=sharing
One Last Time (Malvie - Mevie)
https://www.spiritfanfiction.com/historia/one-last-time-malvie--mevie-23449568
Shut Up and Kiss Me (Malvie - Mevie)
https://www.spiritfanfiction.com/historia/shut-up-and-kiss-me-malvie--mevie-23327197

Gostaria de já deixar avisado aqui: não tenho a menor ideia de quando o próximo capítulo será lançado. Além do trabalho e do esforço desde já para um dia ir além das barreiras do spirit e das fanfics com histórias originais e minha vida acadêmica, quero lançar o primeiro capítulo de “Rewrite the Stars - Daphelen” antes de começar a escrever o capítulo 7. Acho que agora que comecei realmente a focar na Daphne e na Rose aqui, é a hora certa para apresentar mais sobre a história dessas duas deusas à vocês.

Não me abandonem, porque em algum momento tudo vai valer a pena. Prometo a vocês — e lembrem-se que não costumo quebrar uma promessa. Comentem o que acharam deste capítulo em si, meus queridos. Amo criticas construtivas e saber o que vocês estão pensando. Conversem comigo!

Edit do dia 12/02/2023: eu ainda estou aqui, leitores. Estava escrevendo algo preparado especificamente para o Universo Reformatory, mas meus notebooks insistem em me deixar na mão. Só que eu ainda não desisti da história. Não vou desistir dela. Por favor, também não desistam. Quando menos esperarem, estarei ressurgindo das cinzas, como Westwend City, com outro capítulo.


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