Parecia a Lei de Murphy. Quando eu queria que o tempo passasse devagar, ele simplesmente voava. Só porque eu queria aproveitar cada segundo que me restava em Paris.
As semanas se tornaram dias, e os dias se tornaram horas. Finalmente chegou a hora de dar adeus à cidade do amor.
A escolinha que meus filhos estudavam fez uma festa de despedida tão linda que chorei como um bebê.
David me segurava firme ao lado dele, mostrando seu apoio silencioso. Eu sentiria falta de muitas coisas ali. Do nosso chalé, das tardes batendo perna com Will, de ir buscar as crianças na escolinha e conversar com as mães das outras crianças. Da torre, dos monumentos de Paris, dos restaurantes, de ir assistir aos jogos do PSG com meus amigos e fazer farra na arquibancada.
-Tá tudo bem, amor? –David sussurra em meu ouvido e eu assinto. Seus braços me envolvem de uma forma afetuosa – Eu prometo que vai gostar de Londres... – Sua voz denunciava a culpa por estarmos saindo daquele paraíso.
-É claro que eu vou gostar – Giro meu corpo e o encaro. Era um daqueles momentos em que parecia só haver nós dois no recinto, mesmo estando rodeada de pessoas – Você estará lá, meu amor. Vamos ter um recomeço juntos!
Ele me abraça e sinto seu coração tamborilando dentro do peito.
-Você é a melhor esposa do mundo, Lily.
-Eu sei – Dou-lhe uma piscadela e ele dá seu sorriso torto.
A professora das crianças nos entrega fotografias de Miguel e Gabriel nas apresentações, nas aulas e na recreação. Meu coração dispara na mesma hora.
-Merci! – Eu a puxo pra perto e tasco um abraço caloroso, que é retribuído com igual carinho – Sentiremos falta de vocês!
-Nós que sentiremos. O Miguel e o Biel são crianças incríveis. Parabéns aos dois por esses anjinhos!
David fica todo orgulhoso quando ouve aquilo.
Fico pensando no nosso recomeço em Londres, e por um momento sinto um aperto familiar no peito. O medo do desconhecido retornando. Estávamos bem demais dentro de nossa bolha. Eu precisava ser forte pra levar essa família adiante, pois sabia muito bem qual era o meu papel a desempenhar. Se eu não estivesse feliz, isso refletiria diretamente nos homens da minha casa. David, Miguel e Gabriel.
-Ok, agora vamos! – David carrega a caixa com presentes que os amiguinhos dos meninos entregaram, e coloca no porta malas. – Vamos passar em algum lugar para comer e depois vamos direto para a estação.
David tinha marcado tudo. Viagem, hotel. E acabamos decidindo ir de trem. Oliver nos conduziu, David ao seu lado no banco do passageiro e eu atrás com os meninos. Nosso cachorrinho, Auggie, que agora estava obeso ia na caixa de transporte, latindo a cada dois minutos.
-Alguém aqui está com fome? – Falo enquanto afago a barrigona e sinto Charlie se remexer lá dentro. – Pois as garotas da casa estão famintas!
-Já estamos chegando, ô comilona. – David olha pra trás com um sorriso cômico e um brilho no olhar já conhecido.
-Hummm. Ok. – Encosto a cabeça no assento e começo a cantar. – Procurando bem todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina....
Biel e Miguel que outrora estavam sonolentos se entreolham e começaram a me acompanhar.
E tem piriri
Tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira ela não tem...
Em poucos segundos o carro inteiro estava uma bagunça. David, eu, as crianças cantando e Auggie latindo como se quisesse participar da cantoria. Nem dei atenção quando Oliver fez uma cara de “me tirem daqui pelo amor de Deus”, e cada vez cantávamos mais alto.
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem
Um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
-Chegamos! Finalmente... – Oliver gritou quando estacionou no mesmo lugar que fomos comer depois na minha formatura.
Parece que se passaram meses desde aquele dia. Seguro a vontade de chorar e abro a porta, David já está nos esperando, pegando os meninos no colo.
Oliver permanece encostado no carro e troca um olhar suspeito com David.
-Ai, ai. – Falo no encalço de David – Vocês dois estão aprontando o que?
Paraliso quando vejo pra onde David está olhando. Seu sorriso torto magnífico me conduz até uma mesa no canto.
Todos acenam pra gente. Balões com os dizeres “sentiremos sua falta” “boa sorte em Londres” “amamos vocês” estavam pendurados ao redor da mesa, e um misto de emoção com tristeza se apoderou de mim.
Will e John, Cameron e Samanta, Lucas, Marquinhos e Carol, Cavani, Verratti, Dudu, Gustavo. Todos os nossos amigos de Paris estavam lá.
-Você não existe! – Falo dando um cutucão na costela de David, que faz uma careta.
Ficamos algumas horas por ali, eu quase não desgrudava de Will, que nos dava várias recomendações.
-Não deixe ela comer pizza todas as noites – Will lança um olhar maléfico para David – Lembra de como ela engordou na gravidez do Biel? – David balança a cabeça dando risada e eu lhe dou um cutucão – Então, foi super difícil ela voltar ao corpinho esbelto de sempre, então... Pegue no pé dela!
-Ok, ok. Vamos parar de falar de minhas gorduras!Que eu saiba meu marido nunca reclamou delas!
Samanta aproveita a deixa para tagarelar.
-Olha, preparem o quarto de hóspedes – Ela lança um olhar maroto para Cam e Will – pois de vez em quando vou dar uma passadinha lá pra ver os jogos do Chelsea. Tenho um rolinho com o Piazon e...
-Ai meu Deus! Vou sentir saudade da minha amiga bitch! – Falo em meio á lágrimas e a aperto num abraço de urso.
-Hummmm olha quem chegou – Will fala olhando em direção á porta. David acompanha seu olhar e estreita os olhos, com raiva.
É Kevin Trapp. Meu amigo trazia uma caixa de presente na mão, seu sorriso vacilante me fez paralisar por um momento.
Olho para David, que dá de ombros e revira os olhos.
-David... Relaxe e deixe o cara se despedir – Marquinhos alerta quando meu marido cerra os punhos.
-Vai logo, Lily. – Ele rosna e eu corro para me despedir de Kevin, antes que David mude de ideia.
Kevin me lança um olhar colérico e eu sorrio pra tentar fazer seu humor melhorar.
-Então você vai mesmo ir embora, Red?
-Tenho que ir...
-Se tivesse ficado comigo, não precisaria fazer essa escolha – Sua voz é firme e precisa. Como sempre, claro.
-Você ainda fala nisso? – Tento não ruborizar, mas é impossível – Pensei que...
-Eu ainda amo você, Lily.
-Droga, Kevin! Você é meu amigo! Sabe o que eu sinto pelo David... Sabe que somos uma família e que...
-Eu sempre vou esperar por você. Você sabe disso – Ele abre um sorriso galante, mas eu fecho a cara pra ele.
-Sabe que está perdendo o seu tempo. Eu acho mesmo que ir para Londres vai ser o melhor. Por favor, Trepp. Me esqueça.
Ele revira os olhos, suas pálpebras tremem de raiva.
-Não é tão fácil assim, sabia? – Ele grunhe.
-Seria fácil se você realmente quisesse me esquecer. Mas você não quer, não é mesmo? Eu sou aquela que você não conseguiu fisgar, e isso machuca o seu ego!
Bingo! Cheguei ao ponto onde ele não queria que eu chegasse.
-Você se acha mesmo a sabichona né?
Olho para trás e David está com os braços cruzados, a cara está vermelha de raiva. Lucas está tentando o dissuadir, mas ele parece disposto a vir me buscar.
-Kevin, por que veio aqui?
-Desculpe. Não quero te chatear. Eu trouxe esse presente – Ele entrega o embrulho pesado – Espero que goste. – Ele faz menção em sair, mas fica paralisado – E... Você está muito linda. Sério. Ser mãe só te fez ficar mais gloriosa...
-Ah, Kevin! – Puxo o capuz de seu blusão do PSG e o abraço – Apesar de ser chato e insistente, eu vou sentir sua falta!
Um brilho se forma em seu olhar, e ele encosta o nariz em meu ombro, fungando.
-Isso não é um adeus, Red.
-É sim, Kevin. Eu nunca vou desgrudar do David. Eu amo o meu marido, e amo meus filhos. Por favor, entenda...
-Eu posso entregar um currículo no Manchester United... – ele fala num tom de riso, mas eu desconfio que já tenha feito isso – E não ficaremos assim tão longe...
Abro a boca para falar, mas David já está ao meu lado, com a mão apoiada em minhas costas.
-Agradecemos sua presença, Kevin – A voz de David é dura e áspera – Mas já estamos de saída.
Eles trocam um olhar carregado de tensão e eu dou um sorriso amarelo para Kevin, que bate com o punho fechado na porta e sai ás pressas.
-Que cara mais idiota! – David sorri pra mim, me puxando junto a seu corpo – Tem gente que simplesmente não para, até levar uns socos. – ele me beija e por um instante me sinto nauseada com o seu gosto viril.
Hormônios!
-Estamos mesmo de saída? – Falo tristonha.
David segura meu queixo e se desculpa com o olhar.
Miguel e Gabriel estão passando de colo em colo, sendo paparicados por todos.
A despedida é cheia de lágrimas, principalmente as minhas, e o vazio que sinto no coração é tão imenso que minhas pernas cambaleiam.
-Adeus Will... – Falo num sussurro quando olho meu amigo sentado, com o olhar disperso, longe de todos.
-Oliver – David nos coloca no carro e fecha a porta – Vamos para a estação de trem, por favor – Ele entra e coloca o cinto.
Talvez ir embora seja mesmo a melhor opção. Apesar de gostar de Kevin, aquilo que ele sentia por mim não era nada saudável. E eu não podia deixar mais ninguém interferir no meu casamento, na minha família.
A viagem é rápida, mas estou tão exausta que cochilo. As crianças ficam no colo de David, olhando pela janela do trem. Auggie fica no compartimento de pets, e Oliver se senta sozinho em seu próprio espaço.
Acordo com as mãos carinhosas de David em meu rosto.
-Chegamos, querida.
Os meninos dormem, e eu os acordo. Pego Miguel no colo e David leva Gabriel.
-As malas já estão no hotel. – David fala para Oliver – Vamos ficar lá até amanhã.
Uma lágrima teimosa se forma em meu olho. Eu lembro do nosso chalé que deixamos para trás.
O tempo para a mudança foi tão curto que mal tivemos tempo para escolher uma nova casa em Londres.
David havia alugado um apartamento em King´s Cross, mas ainda não era definitivo. Por hora, estava decidido que não venderíamos nosso chalé em Paris, tanto por conta da atual crise imobiliária, quanto pelo fato de que se desfazer de algo tão grandioso era difícil no momento.
Visto as crianças com casacos mais quentes e caminhamos até o táxi.
-Estão desmaiados! – David fala quando colocamos os casacos neles e eles nem sequer acordam.
-Não estão acostumados com viagens assim. – Falo vestindo um casaco também. – Para onde vamos?
-Fiz uma reserva no Four Seasons – David fala com naturalidade.
Em poucos minutos chegamos ao imponente hotel, e eu fico sem ar por um momento, admirando a grandeza do edifício.
Fico pensando em quantas vezes David levou garotas para aquele hotel e fico instantaneamente enciumada.
Ele paralisa quando vê minha expressão.
-O que foi? – O vento forte fazia seus cachos emoldurarem seu rosto com grandiosa beleza – Você está bem? Sente alguma coisa?
-Estou bem – Falo com indisposição. – Só não quero ficar no hotel onde você levava suas peguetes.
-O que???
Ele para de andar e ri até se contorcer.
-Tá rindo do que? – Rosno, mas ele ri ainda mais.
-Você está com ciúmes? – Sua cara marota me faz ficar ainda mais nervosa.
-Claro que sim, quando você jogava aqui era o maior garanhão!
Alguma coisa nas minhas palavras fizeram David abrir um sorriso enorme.
-Eu até podia ser – Ele me abraça e me beija sem parar – Mas olha só... Eu não era feliz... Era um idiota. Até conhecer você, amor.
-Sei... – Dou uma cotovelada nele quando estamos chegando à portaria elegante do hotel.
-Você acha mesmo que eu vou trocar minha esposa gostosona e os melhores filhos do mundo por qualquer coisa? – Ele berra e algumas pessoas nos olham curiosas.
Estou recebendo mordidas na ponta de minha orelha e quase me desequilibro, com a demonstração de afeto – e possessividade – de meu marido quando me deparo com o requinte e a decoração maravilhosa do hotel. O toque em vermelho e dourado dos móveis conferiam um ar luxurioso ao lugar, a iluminação era impecável, lustres com cor amarela iluminavam de um jeito suave e aconchegante.
-Boa noite! – David sorri para a hostess lindíssima que está atrás do longo balcão de mármore. – Temos reserva na cobertura. – Ele entrega seu golden card pra ela, que sorri.
-Boa noite, senhor David!
-Nossa. Você fala português? – Pergunto estupefata.
-Falo seis idiomas atualmente. – Ela fala quase não olhando para mim - Inglês, francês, alemão, espanhol, japonês e português.
Fico sem graça e me pergunto se era um pré requisito para trabalhar ali falar tantos idiomas.
O bagageiro surge ao nosso lado, vestindo um uniforme vermelho e chapéu de igual cor. Miguel está sonolento, mas fala alguma coisa como “ olha o mordomo da cinderela”.
David olha pra ele segurando o riso.
-O Alan vai levar suas bagagens, e o mordomo Peter vai os acompanhar até a cobertura. – A hostess fala no seu tom monótono – Querem alguma coisa?
-A minha linda esposa vai querer uma porção de purê de batata – David me dá uma piscadela e eu agradeço por ele me conhecer tão bem, principalmente durante a gravidez – Então pode trazer em grande quantidade. E os bebês vão querer morango com leite condensado.
- E o senhor? – A voz agora aveludada da hostess me deixou furiosa.
-Batata frita.
O mordomo nos leva ao elevador, e percebo que é um elevador privativo.
-A suíte presidencial teve um toque especial para que a família se acomodasse confortavelmente – Ele fala num jeito cortês, mas com a habitual monotonia. Acho que era coisa dos ingleses – E estaremos a pronto a qualquer hora, basta discar o zero do telefone que fica ao lado do criado mudo.
A suíte era incrivelmente grande. Havia dois banheiros, uma grande sacada com vista para a cidade, um escritório e uma pequena sala, além do dormitório.
A decoração é luxuosa, mas me admiro com a quantidade de flores. Lírios, orquídeas, cravos, tulipas... Havia flores por todos os lados, em límpidos vasos de cristais.
-Uau!
David poderia governar o mundo com seu controle e organização.
-Eu amo você, Lils.
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