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História The other side - Capítulo 1


Escrita por: secret_gaycare e vanessadragao

Notas do Autor


Ei! Como vocês estão?

Então, essa é uma fanfic que eu estou escrevendo com uma amiga, e estou bem animada, porque é a primeira vez que escrevo com alguém! A ideia de toda a história é da @vanessadragao, assim como os roteiros, e eu escreverei as narrativas. Como vocês devem ter percebido, a fanfic trata de um transtorno mental bem sério, mas não muito conhecido a fundo, e nós duas estamos pesquisando bastante para abordar isto da melhor forma possível.

Enfim, nós duas esperamos que vocês gostem da história. Boa leitura!!

Capítulo 1 - Capítulo 1


O relógio se movimenta vagarosamente na parede do consultório, e Seulgi sente como se os ponteiros ficassem mais lentos a cada segundo que ela insiste em olhar para eles. Um desafia o outro, é uma competição, e a mulher sente que está perdendo. Do outro lado da mesa, a jovem psiquiatra de 31 anos estuda atentamente o modo como o sol do fim da tarde reflete nas cores extravagantes da camisa larga e longa de Seulgi.

 

“Seulgi?” Dra. Taeyeon chama, mas em vão. Ela desce seu campo de visão, e observa o modo como os calcanhares de Seulgi batem contra o assoalho de modo persistente. A jovem usa uma calça jeans escura, mas isso não impede a psiquiatra de afirmar que cada parte das pernas da outra se movem, devido à força da agitação dela.

 

O ponto de foco de Seulgi, que antes era visual, agora é auditivo. Ela corre os olhos pela sala inteira, desde o sofá, arquivos, plantas penduradas próxima à janela até a mesa, logo na sua frente, mas sua atenção se concentra apenas no som de uma sirene, que gradativamente se aproxima. Seus olhos se estreitam quando ficam contra a luz do fim da tarde que entra pela janela, e é como se ela conseguisse sentir as batidas do próprio coração quando a ambulância que carrega a sirene passa em frente ao prédio que se localiza no centro de Seul. Assim que o som começa a se afastar, o mesmo acontece com sua desconcentração.

 

“Seulgi?” Taeyeon tenta mais uma vez, e sente que obteve vitória quando Seulgi olha na sua direção, aparentemente incomodada.

 

“Sim, esse é o meu nome.” Os cantos dos lábios de Seulgi se erguem em um sorriso desdenhoso. “Sabia que eu não gosto muito dele?” Ela repentinamente muda sua posição na cadeira e cruza as pernas. Seulgi pensa um pouco, e enquanto faz isso, conta os botões presentes na blusa social da psiquiatra, que combina com a cor dos sapatos de salto alto, visíveis entre os pés da mesa. “Mas eu não reclamo. Não é como se a minha mãe tivesse perguntado ‘ei, minha filhinha, qual nome você gostaria de ter?’, sabe?” Seulgi ri ao imitar a voz da própria mãe, mas logo interrompe o ato quando vê que a mulher na sua frente não esboça nem ao menos um sorriso. Ela estala a língua, descruza as pernas, e inverte-as. “Ela não me perguntou. Registrou meu nome dois dias depois de eu nascer. Ou foram três? Não tenho certeza, mas eu acho que foi dois dias depois. Dois dias? Isso, foram dois dias. Isso importa?” Seulgi entrelaça as duas mãos entre as pernas, agora descruzadas, e o movimento de agitação nelas retorna. A psiquiatra não consegue decidir o que é mais agitado em Seulgi, a fala ou os movimentos corporais.

 

“Não,” Dra. Taeyeon nega com a cabeça, e abaixa-a para fitar seu bloco em cima da mesa por um breve segundo. “Não no momento.”

 

Seulgi assente ao olhar em volta. Ela encara o relógio mais um pouco e então começa a sorrir. Atenta, Dra. Taeyeon observa o ato e em seguida anota algo em seu bloco. “Eu gosto do seu nome, Seulgi.”

 

Isso faz Seulgi olhar para a mesa da psiquiatra e buscar por algo em específico. Seus olhos se movem rapidamente, de um lado para o outro, mas ela não acha o que procura.

 

“Você está procurando alguma coisa?” A psiquiatra questiona.

 

“Sim, o seu nome.” Diz Seulgi.

 

“E por que não me pergunta?” A fala de Taeyeon induz Seulgi a parar, completamente, por um breve momento, e fitá-la.

 

“Qual é o seu nome?”

 

“Kim Taeyeon.”

 

“Dra. Kim Taeyeon.” Seulgi abaixa o olhar e murmura para si mesma. Em silêncio, ela remove as mãos dentre as pernas e percebe o brilho de suor nelas. Seulgi desliza as palmas das mãos pelas coxas e, de repente, o movimento de agitação retorna. “Doutora...” Ela murmura novamente, fecha os olhos e aperta-os um pouco antes de estalar a língua.

 

A psiquiatra se preocupa um pouco com o esquecimento abrupto de Seulgi, mas a última não precisa e nem deve saber disto, então a doutora apenas age com a frequente naturalidade. “Estou vendo que você ainda não decorou meu nome.”

 

“É,” Seulgi ri de leve e reabre os olhos. “Eu não sou muito boa com nomes.” Ela encara um ponto fixo da mesa da psiquiatra, sem piscar. “Mas eu sou boa com números, sabia?” A fala repentinamente alta de Seulgi assusta um pouco a psiquiatra. “Muito boa. Eu fazia as tarefas de matemática dos meus colegas no ensino fundamental. Colegas não, eles não eram meus colegas. Eles eram do nono ano, eu estava no sétimo. Eu odiava eles. Odiava muito...” Seus olhos descansam sob o pequeno abajur no canto direito da mesa, e uma de suas mãos desliza com certa força em cima da própria perna.

 

“Por que os odiava?” Pergunta dra. Taeyeon.

 

“Eu não sei. Eles eram chatos. Irritantes. Eu não fazia as tarefas deles porque eu queria. Eu não queria, mas eu era boa. Eu sou boa em matemática, já falei? E até mesmo em física. Muito, muito boa.” Seulgi se levanta da cadeira por um segundo para trocar de posição. Ela deixa seu corpo cair para trás com agressividade e começa a rir sozinha. “Eles me obrigavam, sabia? E eu fazia. Mas eu não tinha medo, eu só fazia porque eu sou boa nisso.” Ela dá de ombros.

 

Do outro lado da mesa, dra. Taeyeon mantém sua atenção flutuante e anota pequenas observações em seu bloco à medida em que Seulgi fala. “Eles chegavam a ser agressivos com você?”

 

A pergunta faz Seulgi encarar a psiquiatra com intensidade e rir em incrédulo. “Não.” Ela ri mais, e até mesmo nega com a cabeça. “Como eu falei, eles eram irritantes, não eram valentões. Só falavam, falavam, falavam, falavam, falavam e falavam.” A cada palavra repetida de modo exagerado, Seulgi aumenta o tom de voz e gesticula com as mãos até se cansar. “Era só isso que eles sabiam fazer. Falar. Eles falavam e eu resolvia.” Ela relaxa o corpo na cadeira e molha os lábios secos de tanto se moverem. O sorriso retorna para seus lábios, e apenas alguns segundos passam para que sua posição na cadeira mude novamente. Os movimentos são feitos com tanta agitação motora que a psiquiatra consegue até mesmo ouvir o barulho de rangidos em sua cadeira reforçada.

 

“Por que você ri disso, Seulgi?” Dra. Taeyeon pergunta.

 

“Porque é uma piada.” Seulgi fala como se a resposta fosse óbvia, e suas risadas se intensificam. “Quando me lembro, sabe? É como se fosse uma piada. Eu podia ter me recusado a fazer.”

 

“E por que não recusou?” Questiona a psiquiatra.

 

“Eu não sei. Como vou saber? Eu fiz. Hoje eu não faria, mas naquela época eu fiz.”

 

“Então não poderia ter recusado.”

 

“Hoje eu recusaria.” Seulgi fala em tom levemente irritado. Ela sentiu que a psiquiatra estava querendo lhe desafiar, e não gostou nenhum pouco. Seu desejo é fuzilar dra. Taeyeon com os olhos, mas a psiquiatra está de cabeça baixa, fazendo anotações em seu bloco. Seulgi observa atentamente. Taeyeon percebe isso, mas não diz nada sobre, e somente termina as anotações que tem em mente.

 

“Então, Seulgi...” A psiquiatra larga a caneta e cede total atenção visual à sua paciente. “O que pretende fazer agora?”

 

“Eu não sei...” Seulgi murmura, com os olhos ainda imersos no bloco de anotações da psiquiatra. Sua linha de raciocínio se perde com o barulho de pessoas falando ao lado de fora do consultório, na sala de espera, e até mesmo a doutora se incomoda, pois desfere uma olhadela na direção da porta. “Acho que estou desempregada.” Ela lamenta, mas em ironia. “O idiota do Siwon me demitiu. Você acha que isso faz sentido?”

 

“Você não?” Pergunta Taeyeon.

 

“Não... Eu sou a melhor advogada que aquela advocacia tem –“

 

“E isso justifica você –“

 

“Eu posso terminar?” Seulgi aumenta o tom de voz, incomodada com a interrupção. “Você me interrompeu. Eu ainda não terminei.” Seulgi enrijece a expressão em seu rosto, e assiste dra. Taeyeon assentir com a cabeça e gesticular com a mão para que ela prossiga. Ajeitando seu corpo na cadeira, Seulgi olha nos olhos da psiquiatra, que sustenta o contato, e uma leve tensão surge entre elas. “Sabe que idade eu tenho?”

 

Os olhos de Taeyeon descem para a ficha de Seulgi que está sobre sua mesa, logo abaixo de seu bloco de anotações. Ela corre os olhos pelos dados da paciente até encontrar a idade. “Pelo que eu vejo aqui você acabou de completar vinte e seis anos.”

 

“Isso mesmo... Sabe quantos casos eu defendi e finalizei com vinte e seis anos?” Pergunta Seulgi.

 

“Não, me conte.” Pede a psiquiatra.

 

“Trinta e um.” Seulgi sinaliza o número com seus dedos. “Finalizados. Vou repetir, eu, com vinte e seis anos defendi e finalizei trinta e um casos!” Ela se agita, testa várias posições na cadeira e passa as mãos entre os fios de seus cabelos castanhos que insistem em cair por seu rosto. “Agora você me pergunta... ‘Seulgi, e desses casos quantos você perdeu?’ e eu respondo,” Ela pausa, e aponta um dedo na direção da psiquiatra. “Você quer que eu responda?”

 

“Por favor.” Dra. Taeyeon assente com a cabeça.

 

“Um.” Seulgi volta a sinalizar com o dedo, e ri antes de passar a ponta da língua na parte interior da bochecha. “Só um!” Ela deixa seu corpo cair para trás, e adota uma expressão orgulhosa no rosto, com um sorriso sereno nos lábios. Seulgi fita o teto e usa a força das pernas para inclinar a cadeira para trás até que dois pés dela fiquem erguidos no ar. Logo em seguida ela levanta os seus pés para que os da frente da cadeira batam de volta no chão, e repete o movimento várias vezes enquanto dá risada.

 

“Do que você ri?”

 

“Do fato de que o único caso que perdi me fez ser enviada para a porra de um hospital psiquiátrico.” Seulgi nega com a cabeça, ainda encarando o teto.

 

Dra. Taeyeon tira alguns segundos para fazer mais algumas anotações em seu bloco, e Seulgi permanece com os olhos escuros fixos no teto claro. Assim que termina suas anotações, a psiquiatra ergue o olhar e estuda Seulgi por um momento, desde a expressão distante nos olhos dela até o movimento irritante de fazer os pés da cadeira baterem no chão frequentemente.

 

“Me diga, Seulgi, você conseguiu dormir esta noite?”

 

“Talvez... eu acho.” Seulgi dá de ombros.

 

“Por quantas horas?” Pergunta dra. Taeyeon.

 

“Eu não contei. Estava dormindo.” Seulgi ri, debochando da psiquiatra.

 

“Não se lembra a hora em que foi se deitar?” Dra. Taeyeon reformula sua pergunta.

 

“Não,” Seulgi nega com a cabeça e, num ato repentino, deixa a cadeira voltar à posição original, o que causa um barulho alto. Ela encara a psiquiatra por um momento. “Não tenho um relógio e eles também não me deixam ter um celular.”

 

Dra. Taeyeon murmura em concordância e faz algumas anotações. “Com eles você quer dizer os seus pais?”

 

“Sim.”

 

“E por que é que eles não a deixam ter um celular?”

 

Seulgi não responde de imediato. Fica pensativa por um instante e olha para a janela que oferece nitidamente a vista do pôr-do-sol escondido entre os prédios da cidade. “Para que eu não consiga falar com a minha esposa.” Ela ri, ainda olhando pela janela. “E eu tenho vinte e seis anos.”

 

“Você não tem esposa, Seulgi.” Dra. Taeyeon.

 

Os olhos de Seulgi se desviam para a psiquiatra no mesmo instante. A fala da dra. Taeyeon lhe atingiu como a maior ofensa de todas, e ela aperta o maxilar, contendo seus sentimentos. “Tenho. Eu sou casada, está vendo?” Ela ergue a mão e aponta a aliança em seu dedo anelar. “Essa é a minha aliança. É minha aliança de casamento. Eu me casei.”

 

Dra. Taeyeon suspira fundo e ajeita sua postura na cadeira. Ela apoia os antebraços na mesa e entrelaça uma mão na outra antes de olhar para Seulgi novamente. “Você é divorciada, Seulgi.”

 

Seulgi ri do que ouve e, a certo ponto, suas risadas saem fora de controle, totalmente desproporcionais ao que a psiquiatra lhe revelou. “Que história é essa, hm?” A expressão no rosto dela muda bruscamente. “O que você está falando, dra. Taeyeon? Não viu minha aliança? Espere, eu vou...” Seulgi ergue um pouco os braços e faz força para tirar do dedo a aliança que não é retirada desde que a esposa colocou em seu dedo. Assim que consegue tirar o objeto do dedo, ela joga-o em cima da mesa, mas a psiquiatra apenas segue com os olhos o deslizar da aliança pela mesa. “Aí está! Pode pegar, eu não me importo. Pegue!” Seulgi aponta para a aliança e eleva o tom de voz.

 

“Você assinou os papéis do divórcio há cinco meses, você não está mais casada.” Dra. Taeyeon apenas ignora o comando de Seulgi e mantém a calma, ao contrário da advogada.

 

Os ombros de Seulgi caem e ela respira fundo, agora adotando uma expressão séria. “Eu não queria assinar, mas eles me obrigaram.” O tom de voz dela, que antes era raivoso, agora se torna distante e reflexivo. “Quer saber de uma coisa?” Seulgi, com os olhos marejados, se vira para a psiquiatra e espera pelo assentir de cabeça dela. “Eu conheço a minha esposa desde que tínhamos quinze anos. Começamos a namorar um ano depois, fizemos o ensino médio e a faculdade juntas. Eu fui a primeira namorada dela e ela a minha. Eu fiquei cuidando do cão dela, o Alf, por duas semanas para ela poder ir de viagem com a família. A nossa primeira viagem foi juntas. Foi na Tailândia, ela tinha me dito que gostaria de provar banana roti. Eu levei ela na Tailândia e ela comeu sabe o quê? Banana roti. Entende agora?” A mulher começa a se exaltar, e a psiquiatra tenta pensar em algo para dizer, mas Seulgi está agitada demais para fazer uma pausa.

 

“Ela me ama e eu a amo.” Em um gesto brusco, Seulgi ergue o torso e puxa a aliança de volta para colocá-la no dedo. “Não tem isso de divórcio, porque não faz sentido. Ela só está chateada, porque eu tive um comportamento agressivo no tribunal. Ela não quer o divórcio e nem eu quero, entende? Ela não quer!” Seulgi respira fundo, se afundando na cadeira. Ela abaixa a cabeça e para fitar a aliança em seu dedo, e passa os dedos debaixo dos olhos antes que lágrimas possam cair deles.

 

A psiquiatra escolhe o silêncio por um minuto, permitindo que Seulgi se recomponha do episódio que acabou de ter. “Seulgi,” Dra. Taeyeon espera que a advogada olhe na sua direção para assim prosseguir. “É importante que você entenda que existe uma ordem de restrição, e você não pode chegar perto de Seungwan. Se você violar essa ordem terá de voltar a ser internada, é isso que você quer?” Ela arqueia as sobrancelhas.

 

Seulgi volta abaixar o olhar e usa o dedão e o indicador para girar a aliança que está em seu dedo. Ela começa a rir de modo debochado e logo em seguida nega com a cabeça. “Eu não posso me aproximar da minha esposa?” Ela aponta para o próprio peito e faz a pergunta como se fosse uma bela piada. “É isso que está dizendo?”

 

“O que eu estou dizendo é que você tem uma ordem de restrição para não se aproximar de Seungwan, Seulgi.” A psiquiatra usa seu tom mais sério possível, esperando que a advogada entenda a gravidade da situação. “Ela já não é mais sua esposa, e é importante que você aceite isso. E também é importante que você cumpra essa ordem, para o seu próprio bem.”

 

“Meu bem...” Seulgi passa mais uma vez as mãos suadas sobre o seu rosto, suspirando, e abafa uma risada entre seus dedos. O silêncio se instala na sala e nenhuma voz se faz ouvir nos próximos dois minutos, somente o barulho de carros passando ao lado de fora do prédio. “Ela ainda me ama, e eu sei.” O tom de voz que sai da boca de Seulgi é o mais sereno que a psiquiatra ouviu desde que a sessão começou e, ironicamente, isso deixa-a apreensiva.

 

“Por que você pensa isso?”

 

“Porque eu sei.” Seulgi responde com segurança. “Eu tenho tudo que o ela gosta em alguém... ou melhor, eu sou tudo o que ela gosta.”

 

Dra. Taeyeon faz algumas anotações e olha para Seulgi. “O que te faz pensar isso, Seulgi?”

 

“Eu sempre fiz todas as vontades dela.” Diz Seulgi, junto a um dar de ombros. “Que pessoa não iria querer alguém assim? Todo mundo procura alguém que se entregue do jeito que eu me entreguei. Tudo o que eu sou, hoje e agora, eu devo a ela, entende?” Ela começa a gesticular com as mãos, e dra. Taeyeon percebe que a agitação motora que estava nas pernas de Seulgi agora estão mais presentes no torso. “Eu sou o que ela sempre sonhou e idealizou. Alguém que está sempre do lado dela, em qualquer situação. Alguém que não a critica, e sim elogia. Alguém que diz não, mas então ela diz sim e eu digo sim... tudo porque ela disse sim. Se ela diz uma coisa, eu concordo. Se ela me pede para fazer algo, eu faço. Agora me diga...” Seulgi para por um segundo. Ela estala em língua em irritação e, de olhos fechados, leva uma mão até a têmpora. “Isso... dra. Taeyeon.” Seus dedos se estalam assim que ela se recorda do nome da psiquiatra. “Me diga, dra. Kim Taeyeon, você não iria querer alguém assim? Hm? Seja sincera.”

 

Do outro lado da mesa, tudo o que a psiquiatra faz é olhar para Seulgi. Ela olha por um longo tempo, e isso frustra a advogada grandemente. “Responda.” Seulgi diz entredentes, mas a psiquiatra continua apenas lhe observando. Em um gesto de desistência, Seulgi suspira e se recosta na cadeira.

 

“Claro que iria querer.” Seulgi ri, olhando para o teto que, agora, já é atingido por uma menor quantidade de raios de luz do que na última vez que ela o observou. “Você seria hipócrita demais se dissesse que não, por isso não me responde.” A advogada se contenta com a própria resposta.

 

Dra. Taeyeon aproveita o momento mais tranquilo de Seulgi para fazer mais anotações e, em seguida, seguir com a sessão. “Seungwan é promotora de justiça, certo?”

 

“Sim,” Seulgi responde num piscar de olhos. “Uma das melhores. Você deveria ver como ela é em um tribunal...” Ela estampa um sorriso sonhador, ainda olhando para o teto. “Ela é maravilhosa.”

 

“Por que você escolheu estudar direito?”

 

“Para ser uma advogada... obviamente” Seulgi ri em desdém.

 

“E por que quis ser advogada?”

 

Seulgi franze as sobrancelhas e fita um ponto específico do teto, pensando. “Eu gosto. Não tem um motivo. Eu gosto e sou uma advogada muito boa.”

 

“Desde quando você pensou em ser advogada? É algo que sempre teve em mente?” Pergunta dra. Taeyeon.

 

“Não sei, eu...” Seulgi volta a franzir o cenho, e endireita seu corpo quando sua nuca começa a ficar dolorida de tanto sustentar sua cabeça inclinada para trás. “Acho que me interessei pelo curso quando minha esposa começou a falar sobre comigo.”

 

“O que Seungwan disse? Você se lembra?” Dra. Taeyeon pergunta.

 

“Você pode parar de falar o nome dela? Ela é minha esposa.” Seulgi mostra indignação. “Não se refira a ela como Seungwan quando estiver falando comigo, é ridículo.”

 

“Lembra-se do que ela falou?” A psiquiatra insiste.

 

“Ah... Ela falou algo de como ser uma advogada era ser altruísta... coisas do tipo.” Seulgi fala com certo desinteresse sobre algo relacionado à própria profissão, o que chama a atenção da doutora. “E que gostaria que eu fosse uma, porque assim poderíamos trabalhar no mesmo local, e iríamos passar mais tempo juntas.” Ela olha para a psiquiatra e ergue as sobrancelhas. “Mas de que tudo isso importa? Não importa, tudo bem? Eu já te falei que ela não quer o divórcio, foi um impulso, ela não pensou direito, eu sei disso, eu conheço-a, ela me ama porque eu sou tudo o que ela gosta. Ela me ama e não quer um divórcio!” Seulgi volta a se agitar e falar de um modo confuso, o que faz a atenção da psiquiatra redobrar.

 

“E você?”

 

“O que tem eu?”

 

“Gosta de você mesma?”

 

“Que tipo de pergunta é essa?”

 

“Uma que requer resposta.”

 

“Nem toda pergunta tem resposta.” Seulgi responde, e isso faz a psiquiatra voltar a anotar em seu bloco. Com o diálogo que acabou de acontecer, ela confirma que, quanto mais acelerada fica a conversa, mais o raciocínio de Seulgi se desenvolve e expande. Isso diz muito para ela.

 

“Você precisa escrever tudo o que eu falo?” Seulgi pergunta.

 

“Eu não escrevo tudo o que você fala, Seulgi.” Dra. Taeyeon responde.

 

“Então o que você tanto escreve?”

 

“São pequenas anotações que eu vou tirando para poder avaliar e ir acompanhando a sua evolução.” A psiquiatra responde do modo mais vago possível.

 

Seulgi assente com a cabeça, lentamente, e começa a rir de um jeito debochado. Dra. Taeyeon olha atentamente para o ato repentino que já notou ser o preferido de Seulgi.

 

“Que evolução?” Seulgi franze o cenho.

 

“A sua.” A psiquiatra responde.

 

“A minha?” Seulgi aponta para o próprio peito. “Por quê? Não existe razão. Não é como seu o meu ‘problema’,” Ela faz o sinal de aspas com os dedos para enfatizar o que quer dizer. “Tivesse cura, não é mesmo?”

 

“Quem te disse isso?” Pergunta dra. Taeyeon.

 

“Alguém no hospital.” Responde Seulgi.

 

A psiquiatra respira fundo, enche os pulmões, e depois solta o ar aos poucos. Ela apoia os braços na mesa e olha para Seulgi. “Isso é verdade, não tem cura.” Dra. Taeyeon é honesta. “Mas tudo isso aqui...” Ela alterna o dedo entre seu próprio peito e Seulgi. “Faz parte do seu tratamento, Seulgi.”

 

“Junto da medicação.” Seulgi complementa.

 

“Sim, junto da medicação.” Dra. Taeyeon assente, contente em saber que Seulgi está ciente deste fato. “A medicação que eu espero que você esteja tomando corretamente.”

 

Seulgi assente a cabeça em confirmação e lembra-se que não toma os remédios desde que saiu do internamento, três dias atrás.

 

“Tem tomado a medicação?” A psiquiatra pergunta.

 

“Sim.” Seulgi fala.

 

“E o que você toma?”

 

“Paroxetina, 20 mg, 1 vez ao dia, intercalado com Haloperidol, 8 mg. Quetiapina, 300 mg, 2 vezes ao dia.” Seulgi responde, e observa dra. Taeyeon fazer mais algumas anotações.

 

“É importante que você tome eles corretamente, Seulgi.” A psiquiatra faz uma pausa para efeito, e espera um momento até ter os olhos de Seulgi na sua direção, lhe dando plena e completa atenção. “Seulgi, você sofre de transtorno de personalidade bipolar tipo 1. O que aconteceu com você na faculdade e o que aconteceu naquele dia em tribunal pode acontecer mais tarde em uma situação diferente caso você não cumpra devidamente o tratamento. É isso que quer?” Ela pressiona, pois é isso o que o momento pede.

 

Seulgi mostra óbvio desconforto quando a psiquiatra traz para a conversa os piores momentos de sua vida. Sua agitação motora se mostra novamente quando os pés começam a chacoalhar de modo nervoso. “Eu estou seguindo o tratamento.” Ela diz, e seu tom é incisivo e grosso. “O que você vê na sua frente?”

 

“Você.”

 

“Isso mesmo.” Seulgi assente, e aponta para o próprio peito. “Sou eu aqui. Terapia faz parte do tratamento e eu estou aqui, vê? Eu estou seguindo o tratamento.” Ela afirma.

 

Dra. Taeyeon desce os olhos com discrição na direção das pernas agitadas de Seulgi, e logo em seguida estuda os rápidos e inquietos movimentos oculares dela. “Seulgi, A medicação não é sua inimiga, e de forma alguma vai afetar a sua personalidade ou criatividade –“

 

“Eu não falei que ela era minha inimiga! Eu disse que estou tomando. Você não acredita em mim?” Seulgi levanta a voz e encara a psiquiatra. “Eu estou tomando a porra da medicação, tudo bem!?” Ela grita ao ponto de fazer a mulher na sua frente fechar os olhos por um segundo.

 

Dra. Taeyeon está ciente de que não é prudente pressionar Seulgi ainda mais, então ela apenas gesticula com as mãos para que ela se acalme, e assente. “Seulgi, eu acredito em você.”

 

“Então porque não está anotando nessa merda de bloco que eu estou tomando a medicação!?” Seulgi aponta para o bloco em cima da mesa, e respira fundo ao deslizar os dedos pela testa com tanta força que o volume de sua aliança até mesmo deixa uma marca em sua pele.

 

“Tudo bem,” Dra. Taeyeon, procurando acalmar a advogada, clica a caneta e escreve no bloco. “Eu estou anotando.” Ela fala enquanto escreve em seu bloco que a paciente em questão não tem tomado a medicação. “Pronto. Anotado.”

 

“Muito obrigada.” Seulgi diz ironicamente, e a psiquiatra apenas assiste o ato, sem esboçar nenhuma reação.

 

“Como eu estava falando, nada vai mudar quem você é. A medicação é apenas para estabilizar o humor, sem grandes oscilações, e impedir que você evolua para um quadro de mania, como o último episódio que você teve, ou para um quadro depressivo, que você já teve também anos atrás.” Dra. Taeyeon faz uma pausa para que Seulgi assimile sua fala aos acontecimentos em questão. “Se você quer voltar a ter uma vida normal é importante que dê seguimento a todo o tratamento. À medicação, à terapia e à prática de exercício físico.” Ela se cala ao fim da orientação e espera por uma resposta de Seulgi, mas recebe apenas o silêncio. Tudo o que Seulgi faz é fitar a janela, e a psiquiatra espera pacientemente.

 

“Eu posso ir embora?” Seulgi pergunta repentinamente.

 

“Mas nosso tempo ainda não terminou. Por que quer ir embora?” Pergunta dra. Taeyeon.

 

“Eu só quero ir para casa.” Seulgi fala.

 

“Tudo bem. Nos vemos na quinta-feira então.” Dra. Taeyeon diz.

 

Seulgi se coloca de pé no ato, apenas murmurando em concordância. Ela se apressa até a porta, mas cessa os passos quando dra. Taeyeon chama por seu nome.

 

“Continue tomando a medicação, e faça exercícios físicos.” A psiquiatra orienta.

 

“Tudo bem.” Seulgi assente com a cabeça e finalmente deixa a sala.

 

Ela suspira em puro alívio assim que está livre de toda tensão, e chacoalha um pouco o corpo, girando o pescoço, antes de voltar a caminhar. Seulgi coloca as mãos nos bolsos frontais da calça e desce a pequena quantidade de escadas que dá para o saguão principal do lado de fora do consultório de sua psiquiatra. Quando está no fim das escadas, ela sorri e pula três degraus de uma vez só, o que chama a atenção de um senhor que está por ali esperando por atendimento.

 

“Srta. Kang?” A recepcionista chama quando percebe a presença de Seulgi.

 

“Sim?” Seulgi se aproxima do balcão, e observa a recepcionista esticar uma prancheta na sua direção. É uma lista de presença.

 

“Você precisa assinar.” Ela diz, e observa Seulgi pegar a caneta que lhe é direcionada e assinar a lista.

 

“Mais alguma coisa...” Seulgi estreita os olhos e tenta ler o nome no crachá da recepcionista. “Lee Soonkyu?”

 

“Não. Isso é tudo.” Soonkyu diz, e sorri educadamente. Sendo assim, Seulgi apenas assente com a cabeça, sorri de volta, coloca as mãos nos bolsos novamente e deixa o prédio.

 

 

 

 

 

 


Notas Finais


Esperamos que vocês tenham gostado do primeiro capítulo, e até o próximo!! ❤️


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