Não me convém contar qualquer mentira. Sempre, ao longo de meu curto período de vida, quis optar pela mais pura sinceridade. A verdade me parecia bonita. Demasiadamente bonita. Mesmo que as vezes podia ferir-me da forma mais cruel possível. Comparar a verdade à uma rosa não me parece tão louco.A rosa é bela, por sua lindas pétalas. Perigosa; seus espinhos cortam e fazem sangrar.
Não vou dizer que estava feliz. Honestamente, meu coração fervia em ódio. Não entendia o porquê de precisarmos nos mudar, nunca levara a sério os assuntos dos meus pais. Se mudar? Para a Coréia do Sul? que legal, eu estaria cercada de olhos puxados que nem sequer eram receptivos com estrangeiros.
Eu era fluente em inglês e francês, mas não sabia nem o básico do coreano. Como eu conseguiria conversar com alguém? Com gestos de libras? — sinceramente, não fazia a mínima idéia se havia libras como opção de comunicação lá.
Eu me vi perdida, de fato. Um labirinto se fez em meu cérebro e meu coração gritava por socorro, de meus olhos transbordavam água.
Minha vida no Brasil era ótima; mas não, o papai sempre tinha que estragar tudo. "É à trabalho" eles me repetiam. Eu revirava os olhos. Malcriação nunca fora o meu forte, mas as circunstâncias atuais moviam-me contra a obediência.
Sabia que sentiria saudade das minhas amigas do Brasil. A despedida fora tristemente agoniante.
—(S/N)! Nós vamos sentir saudades — dissera, Isabelle, entre suas muitas lágrimas.
—Me mande fotos de seus amigos coreanos — Larissa me pediu.
—Amigos? Ah, meu amor, acho bem difícil! — exclamei, desprovida de qualquer restício de alegria. Comecei a chorar. —Eu não quero ir. Sempre amarei vocês.
—Aish, não se deve fazer uma menina de 14 anos se mudar para longe das amigas! Deveria ser crime!
—Pois é. Infelizmente não tenho direito a nada!
"Querida, vamos!"
Ouvi ao longe a voz de minha mãe. Abracei minhas amigas. Permiti-me chorar. Lágrimas pesadas desciam e inundavam minhas bochechas. As olhei, pela última vez. Senti seus carinhos, pela última vez. Peguei, com considerável dificuldade, minhas malas. Andava, lentamente, para o avião. Meus pés estavam a roçar o chão e minhas pernas moviam-se em passos lentos. Meu coração dizia que não, mas eu não podia desobedecer meus pais, tampouco viver sem eles.
Não olhei para trás.
E entrei no avião.
• • •
O relógio se tornara meu pior inimigo. As horas faziam birra; simplesmente não queriam passar. E cada segundo me aterrorizava, eu odiava decolar de avião, odiava tudo o que estava me acontecendo.
Olhei para meu irmão adotivo, Jackson Wang. Minhas lembranças não alcançam o momento em que Jackson chegou na minha vida, mas eu sabia que ele era adotado; sempre ouvira mamãe e papai conversando sobre o juramento que fizeram para os pais dele, que, por sua vez, morreram. Meu saber sobre tal caracterizava meu medo de avião: eles morreram no meio de uma viagem para a Flórida. O avião deles caira no mar.
Quando meus pais viram seus corpos, foram tomados por um sofrimento descomunal. Eram grandes amigos. Aliás, consideravam-se irmãos de sangue — o que não entendi na época, como meus pais, que descendem de afro-brasileiros, poderiam ser irmãos de chineses? Coisa de louco! —, portanto, Jackson era considerado um sobrinho. E eles resolveram adotar o órfão quando eu tinha entre sete e oito anos. Eu e ele crescemos juntos. Sempre possuímos uma boa relação. Wang sempre me protegera contra os valentões da escola e eu sempre me disponibilizava para ajudá-lo em algumas lições de casa, isso quando não estávamos brigando. Eu o considerava, realmente, um irmão. Até que completei doze anos e ele treze. Bom, neste momento, começamos a nos enxergar com outros olhos. Uma paixão começou a florescer dentro de mim. Eu estava gostando do meu irmão adotivo. Ele dizia sentir o mesmo. Então, quando tínhamos vontade, beijávamos um ao outro. Não é algo que eu me orgulhe de contar, mas não era incesto. Era escondido dos pais, mas, bom, não éramos irmãos de verdade. Fora que, não era um compromisso sério.
A gente se pegava quando não tinha ninguém para pegar, ora bolas. Então, quando completei quatorze anos, percebi que se tratava apenas de uma mera ilusão. Nunca estive perdidamente apaixonada por meu irmão adotivo. Jackson e eu não nascemos para ficar juntos; nada além de irmãos.
Ultimamente, eu estava apaixonada por um garoto da minha escola brasileira. Ele era lindo, ao meu ver. Branco, olhos castanho-claro, cabelo preto e óculos. Eu sentia vontade de namorá-lo, mas me achava nova para esse tipo de coisa.
Eu não espalhava estes sentimentos. Ninguém sabia além do meu próprio eu. Não contava nem para a minha mãe. Mas, para falar a verdade, nunca fui próxima dos meus pais. Eles seriam as últimas pessoas para quem eu contaria algo do tipo. Não podiam nem sonhar que eu e Jackson já havíamos nos beijado antes. Eles eram bastante chatos.
Na escola, eu era considerada popular. Conhecia todo mundo, mas não sei responder se todo mundo me conhecia. Eu nunca estava sozinha e isso era o que me importava. Não sei o motivo, mas todos queriam ser meus amigos. Talvez eu fosse legal. Talvez fosse interessante. O que mais poderia atrair tanta gente? Meu senso de humor? Minha beleza? Hm, será?
Talvez as pessoas gostassem de mim por meu coração. Eu apreciava a gentileza, e nunca desprezei ninguém pelo que a beleza exterior pudera oferecer.
Só se vê bem com o coração; o essencial é invisível aos olhos.
Meus olhos lentamente fechavam as portas de minhas pálpebras. Repentinamente, meu corpo se imergiu em sono profundo.
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