Por algum motivo desconhecido, acordei às 5h15 da manhã. Não consegui mais dormir. O sono fugiu-me, como um ladrão foge de um policial.
Meus pais já estavam acordados. Seus cochichos não escapavam-me dos ouvidos. Eu não tinha verificado, mas tinha plena certeza de que Jackson dormia feito pedra.
Sem nada para fazer, resolvi terminar de assistir a série que começara.
A série se baseava no desaparecimento de uma menina e das suas amigas lidando com mensagens anônimas que carregavam seus segredos que só a amiga desaparecida sabia. No início, eu não ia com a cara de uma das personagens por ela ter sido talarica* com a própria irmã, mas conforme fui assistindo a série, fui me apaixonando mais por essa personagem e me identificando com ela.
Depois, reatei com as aulas de coreano online. Eu iria precisar, né. No Brasil, por ser fã de k-hiphop, eu sempre me dedicava a aprender um pouco de coreano. Parei, porque achei que não seria necessário. Dois anos depois, percebi o quanto estava errada.
Minha mãe apareceu no quarto. Acorde, ela disse. Depois de um segundo, ela percebeu que eu já estava acordada.
— Já?! - se espantou.
— Sim, acordei e não consegui mais dormir.
— Vá se arrumar. Hoje é o primeiro dia de vocês na escola. Pegue seu uniforme - ela colocou na minha cama.
Me levantei, contra a minha vontade. Fui ao banheiro e tomei banho.
Me arrumei, logo estava pronta para ir para a escola.
Ajudei minha mãe a colocar a mesa do café da manhã. Papai e Jackson apareceram minutos depois, também prontos.
• • •
— Essa escola é muito grande. Caralho, vamos demorar uma hora só para conhecer esse lugar!
— Pois é - concordei. — As pessoas não param de olhar, que saco!
— E você se importa? Eu me aproveito disso! - falou, Jackson, enquanto éramos o centro das atenções — Tá olhando é porque quer me dar, tá me olhando é porque quer me dar - ele começou.
— Jackson! Retardado, ninguém vai entender o que você está dizendo.
— Essa é a graça!
Comecei a rir. As pessoas da escola nos olhavam muito e, quando Jackson começou a cantar, chamou ainda mais atenção.
Caminhamos até a diretoria e batemos na porta.
"Abra" ouvimos.
— Com licença, nós...
— Vocês são os alunos novos? - perguntou um senhor. Provavelmente, nosso diretor.
— Sim.
Ele pegou uns papéis.
— Você é Jackson Wang e você (S/N/C)*, certo?
Confirmamos.
— Certo. Vocês podem escolher uma classe. Temos as de Física, Biologia, Sociologia, Química, Automação e Filosofia.
Nos entreolhamos.
— Física - falou Jackson — e você?
— Biologia.
— Ok, podem ir para suas respectivas classes. Peçam ajuda aos coordenadores.
— Obrigada - respondi.
Saímos da sala do diretor.
— Acho que a classe de Física fica por ali.
— Ah, ok. Pode ir. Eu vou perguntar a algum coordenador que encontrar. Boa sorte, Jackie.
Comecei a andar pela escola. Sozinha. Jackson já havia encontrado sua turma, mas eu ainda estava perdida. Eu não conseguia olhar para frente, meu olhar se centrava em meus pés. Timidamente, andei por aqueles corredores, hesitando fazer contato visual com qualquer pessoa, até que...
— Meus livros! - eu esbarrei em uma garota.
— Ah, meu Deus! Desculpe, eu... - tentei falar, com um coreano beeem carente.
— Caralho! Que porra! - ela falou em português.
— Espera! Você disse "caralho"? "porra"? Ah, meu Deus! Eu não estou louca! Você disse "caralho" e "porra"!
— Olha aqui garota, percebi que você é brasileira. E se tu for uma daquelas que vai vir de militância e mimimi só porque eu xinguei, e...
— Não! Não, eu não ligo se você xingou! É que você falou em português e é a primeira brasileira que eu vejo aqui. Cara, isso é muito bom.
— Você é nova aqui, né? - perguntou.
— Sim, eu cheguei hoje. Qual é o seu nome?
— Camilly, e o seu?
— (S/N).
— Prazer, (S/N). É bom finalmente falar com uma brasileira depois de morar meses aqui e ter que conviver com essas pernas de hashi. Acredita que me chamaram de gorda e ninguém socializou comigo durante três dias?
Ri. Ela era engraçada.
— Ah, menina, acredito! As pessoas me olham como se eu fosse um monstro.
— Aqui eles são bem preconceituosos. Mas, pelo menos eu encontrei o Xexeng.
— Quem? - não entendi.
— Si Cheng. Meu namorado. Ele foi o primeiro a falar comigo e foi super gentil, ao contrário de muitos aqui. Depois ele me incluiu no grupinho dele e agora eu tenho amigos. Talvez aconteça o mesmo com você, mas nós podemos ser amigas.
— Você também, poc. Eai, tá em qual sala?
— Eu estou na de Biologia. E você?
— Também! Vamos, vou te mostrar onde é.
Segui ela. Fiquei feliz por ter feito uma amiga logo no primeiro dia.
Chegamos na sala de aula.
— Achei que tinha ido apenas no banheiro, Camilly.
— E eu fui. Mas aí acabei encontrando uma aluna nova no caminho e... Se apresenta, (S/N).
— Olá. Meu nome é (S/N) e eu sou a nova aluna de Biologia - falei, errando algumas coisas, em coreano.
— Ela também é brasileira e o coreano dela é um pouquinho ruim, maaaas eu vou ensinar a ela - disse.
— Ok. Sente-se ao lado dela, Camilly. Ah, e venha aqui. - pediu o professor à ela. Ela foi.
Ele sussurrou algo no ouvido dela, que o olhou incrédula. Os dois começaram a discutir baixinho, mas eu nem tentei ouvir.
— Vem, (S/N) - ela me chamou pra sentar do lado dela. Sentei.
"Onde estávamos? Ah, sim. As plantas... "
*quebra de tempo*
—Ai! - senti minha cabeça ser atingida por algo. Olhei pra baixo. Uma bolinha de papel.
Olhei para o lado e vi alguns alunos rindo, enquanto faziam caretas. Peguei o papel do chão e o abri.
"Volte para o seu país! : ) "
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