~Bree.
Nos deixaram entrar. Fomos desarmadas, amarradas e jogadas no interior daquela escola. Estávamos em uma espécie de pátio. Jane estava conosco, não estava amarrada, porém ainda não havia tirado a bandana de Sienna dos olhos.
Os homens que nos atenderam pararam a nossa frente, possivelmente, junto com todo o seu grupo. Cerca de 20 bundas-moles, homens e mulheres, nos encarando, apenas uma pequena parcela armados.
—Kalel, Éder—chamou o líder deles, Slater.
Um dos homens armados se aproximou de mim e começou a dizer algumas baixarias, as quais nem valeria a pena repetir.
—Eu sou lésbica, babaca!—gritei, cortando-o.
O outro homem de Slater, que o convenceu de nos deixar entrar, se aproximou de Jane e tentou retirar a venda dos olhos da pequena, que a segurava com força.
—Tire suas mãos dela!—gritou Sienna.
—Não quero machucá-la, só estou tentando deixá-la mais confortável—respondeu o homem.
—Nem perca seu tempo tentando, ela só vai tirar a bandana quando eu disser.
O homem tentou uma última vez, olhou para Sienna e se afastou, indo em direção a Slater. Ao se aproximar, o homem o puxou em um beijo suave e logo se retirou, sentando-se em um banquinho junto ao resto do grupo.
—Então, vocês mataram nossos zumbis do lado de fora e ainda tentaram invadir nosso refúgio. Por que não deveríamos matá-las?
—Há um grupo grande de zumbis, maior do que qualquer um que já tenham visto antes, eles vêm para cá, não vai demorar muito até invadirem esse lugar—dizia Sienna—Se nos soltarem, podemos lutar com vocês. Podemos protegê-los…
—Não—Slater a corta, caminha até uma mesa com armas e pega um enorme machado. Sienna e eu nos entreolhamos, e eu lhe dou uma piscadela.
—Meus parabéns, Sienna! Colocou a gente nessa furada!—grito, ela logo entende o que estou tentando fazer e entra no jogo.
—Pelo menos eu estava tentando, mas, e você, que só o que fez até agora foi reclamar?
—Seria mais fácil não reclamar, se eu não tivesse que te proteger de toda ameaça que encontramos!—respondo.
—Você me protege? Você estaria morta nesse exato momento se eu não tivesse te salvado naquele celeiro— diz ela, e, na verdade, Sienna estava certa quanto a isso.
—Quando sairmos daqui, vadia, eu juro que mato você com minhas próprias mãos!—digo.
—Estou louca pra ver você tentar!—diz ela. Os homens ao nosso redor se interessam por nossa discussão e logo passam a clamar por uma briga. Slater decide atender ao pedido de seu povo e ordena que seu braço direito, Éder, o mesmo babaca que se aproximou de mim, nos solte, e ele o faz.
Sienna e eu, então, passamos a fingir uma luta. Eu vou em direção à Sienna de forma agressiva e gritando, ela defende e após três socos, deixa o quarto a atingir. Espero não ter socado tão forte quanto imagino ter feito. Em seguida, é a vez de Sienna contra atacar. Ela desfere alguns socos em minha direção e termina com um chute, eu agarro sua perna e, segurando-a, faço Sienna cair do chão. Dessa forma, pude me posicionar em cima de Sienna, fingindo estar estrangulando-a, de modo que Slater ou algum de seus homens não conseguissem vê-la retirar uma adaga de suas costas.
—Ao meu sinal—disse ela, enquanto segurava a adaga na melhor posição possível, ainda sem deixar ninguém notar—Agora!—eu me joguei, sem pensar duas vezes, para o lado enquanto Sienna arremessava sua adaga na direção de Slater.
Foi um tiro perfeito, a adaga arremessada por Sienna atingiu a jaqueta de Slater pouco acima do ombro e o prendeu na parede, cortando, também, um pouco de seu pescoço superficialmente.
Eu ajudei Sienna a se levantar enquanto os homens apontavam suas armas para nós, Slater apenas sinalizou para que abaixassem as armas e eles obedeceram. Isso que eu chamo de respeito conquistado!
—Jane, já pode olhar agora—disse Sienna, a pequena retirou a bandana dos olhos e partiu em disparada na direção de Slater.
—Você vai se arrepender de mexer conosco!—dizia ela, enquanto tentava socá-lo freneticamente, Slater apenas colocou sua mão contra a cabeça de Jane para segurá-la enquanto se soltava.
Kalel, o moço que havia beijado Slater mais cedo, soltou um pequeno riso ao ver Jane tentando bater em seu possível namorado. Todos nós demos.
—Que fique de aviso—dizia Sienna—se quiséssemos, poderíamos ter matado cada um de vocês.
—E o quê a impede?—Pergunta Slater, finalmente se libertando da adaga.
—Não viemos aqui para isso—ela responde—Venha Jane!—A garotinha rapidamente deixou Slater e correu na direção de Sienna, escondendo-se atrás da mesma.
Avisto um caixote com nossas armas no canto do pátio, próximo ao babaca, dou uma boa encarada em cada um dos homens ao redor e pego o caixote. Eles me olham feio, mas nenhum deles ousa tentar me impedir.
Retiro minha faca, pistola e escopeta de dentro do caixote e Sienna também recolhe suas outras duas adagas e pistolas, finalmente, prontas para ir embora.
—Mas eu falava sério quanto ao bando. Acreditem, é maior do que qualquer um que já encontraram—ela os alerta mais uma vez.
—Agradeço o aviso, mas estamos preparados—responde Slater, enquanto joga a última adaga de Sienna, ela a pega, mas não a põe de volta em suas costas.
—Vamos embora!—Sienna nos chama. Nós começamos a caminhar em direção à saída quando me recordo de algo que não posso deixar barato.
—Esperem—digo, caminho de volta em direção ao braço direito de Slater e o soco o mais forte que consigo, o rapaz cambaleia um pouco com o rosto virado—Isso é pelo "gostosa", babaca—digo, e, em seguida, cuspo em sua blusa. Todos, incluindo Slater, Kalel e Sienna, passam a rir do homem, enquanto eu caminho, triunfante, com minhas garotas para fora daquele lugar imundo.
[...]
Caminhamos por alguns minutos em direção oeste, até avistarmos uma kombi azulada atravessada em um viaduto.
—Isso! É disso q eu to falando!—vibrou Sienna.
—Uma kombi?— perguntei, não vendo toda a magia que Sienna vera.
—Não, não é só uma kombi—dizia ela— Isso aqui é o começo de muita coisa. É a nossa esperança.
— Claro!— respondo, sarcasticamente.
—Quer saber? Vou chamá-la de "Hope". É... Hope! O que acha Jane?
—A Hope é meio velha e suja— respondeu a ingênua garotinha, não pude deixar de conter um riso.
—Vejamos se sua preciosa hope ainda funciona— disse, eu me posicionei embaixo do volante da kombi e abri a portinha de cobertura da coluna da direção. Apesar de velha e suja, os fios da kombi ainda estavam em ótimo estado. Com uma faca, eu desencapei a ponta dos fios de bateria e partida. Em seguida, apenas encostei a ponta dos fios e pisei, levemente, no acelerador. O motor da Hope rugiu.
—Viu só?— disse Sienna, radiante—Todos à bordo!
—Só espero não pegar tétano dirigindo essa coisa—digo—Para onde vamos?
—Deveríamos voltar, e seguir pela direção norte dessa vez. É mais provável encontrar abrigo por lá.
—E por que viemos pra esse lado, então?— Perguntou Jane.
—Não tínhamos um meio de transporte antes, se encontrarmos com o bando agora, será mais fácil de contorná-los.
Dirigindo pela estrada, alguns quilômetros depois de avistarmos a rua na qual encontramos a escola de Slater, pude avistar três pequenos vultos à frente. Vultos familiares até demais.
—Sienna!—eu a chamei, ela se reclinou para olhar para a frente e sorriu.
—Desacelera, Bree! Essa vai ser boa!—disse ela, abrindo a porta da kombi ainda em movimento. Eu reduzi a velocidade da Kombi o máximo que pude, até ficarmos lado a lado com as três figuras. Fiz questão de ajustar os espelhos retrovisores para olhar bem para a cara deles.
—Ora, ora— diz Sienna, atraindo a atenção de Slater, Kalel e o babaca.
—Bom te ver novamente, madame—disse Kalel.
—Deixa eu adivinhar, foi o bando, não foi?—Ela prosseguiu—Parece que seus homens não estavam tão preparados assim.
—Nos pegaram desprevenidos, estávamos limpando os cadáveres que vocês deixaram espalhados quando o bando chegou—dizia o babaca—Nossos homens não conseguiram fechar os portões a tempo e o bando entrou.
—Não teriam sido pegos de surpresa se tivessem ouvido à mim.
Jane, que observava da janela, aparece ao lado de Sienna.
—Para onde vocês vão agora?— ela pergunta.
—Qualquer lugar, encontraremos um novo abrigo—diz Kalel.
—É uma pena, se ao menos tivesse algo que os poupasse da longa caminhada, alguma coisa sobre rodas... Talvez uma moto, ou um caminhão, quem sabe até uma van—diz Sienna, sarcasticamente, apenas rio dela e continuo os observando.
—Mas onde poderíamos encontrar algo assim?—Pergunta Jane, a garota cruza os braços e faz uma longa pausa pensando—Espera... Nós temos uma kombi!—Kalel sorri.
—Vão nos ajudar, Jane?— o homem pergunta sorrindo.
—Não, nem pensar!—diz Sienna e bate a porta bruscamente.
De alguma forma, durante os minutos que se seguiram, Jane conseguiu convencer Sienna a deixar os 3 homens embarcarem na Hope, talvez tenha sido a carinha de cachorro abandonado. O que eu não contava era que Éder, o babaca, ia decidir vir no banco da frente.
—Ei, é "Bree", não é?— dizia ele, apenas o olhei pelo canto do olho com uma expressão fria—Olha, eu peço desculpas por meu comportamento hoje mais cedo, eu sei que eu realmente fui...
—Um babaca—completei.
—É, um babaca. Eu também sei que começamos com o pé errado, então irei me apresentar. Meu nome é Éden, tenho 29 anos, gosto muito de verde, e eu só queria dizer que eu te achei muito bonita.
—E por isso se achou no direito de falar grosserias?—Questionei.
—Não, é só que...— ele se embolou.
—Um babaca mesmo—disse.
—O que eu quero dizer, é que vc é muito bonita, tá? É um elogio!
—Obrigada... eu acho—Não andamos 10 míseros metros até ele decidir abrir a maldita boca de novo.
—E, aquela parada hoje mais cedo, sobre você ser...
—Lésbica?—perguntei.
—É, isso era realmente verdade?—Ele me perguntou. Inacreditável! Olhei para o rosto do rapaz e ele falava sério. Havia sido uma pergunta verdadeira.
—Será que dá pra alguém aí trocar de lugar com ele? Sienna?—perguntei, olhando pelo retrovisor, ela apenas estava sentada no chão da kombi escrevendo em seu diário.
—Negativo, ele é seu problema.
—O que eu quero dizer é que, você nunca tentou outras opções ou...—O babaca prosseguiu.
—Cale a boca, antes que eu te soque novamente, babaca—disse.
—Só estou dizendo que, se você quiser tentar, eu estou disponível para...
—Kalel? Jane? Como vão aí atrás?—Eu o cortei.
—Estamos bem, e você?— respondeu Kalel.
—Estaria melhor se algum de vocês viesse para cá—disse, tentando convencê-los a me ajudar—Jane, você ganhou meu respeito hoje, pode andar no banco da frente comigo!
—Estou bem aqui atrás, Bree– ela respondeu.
—Claro que está!—disse—Tudo bem, eu sei que irei me arrepender disso, mas, Slater?—Ele apenas me olhou pelo retrovisor e balançou a cabeça em um "não".
—É, parece que somos só nós dois, Bree, não soa como destino?—disse o babaca.
—Cala a boca!
—O que é aquilo?—pergunta o babaca— Parece um abrigo.
—Sienna!—eu a chamo para dar uma olhada. Era uma construção mediana, cerca de quatro andares, com todas as portas e janelas reforçadas com tábuas pregadas, no passado, talvez, esse pequeno prédio teria sido uma casa de repouso. Bem, ao menos, se parecia com uma.
—Vamos!—Sienna me responde e eu estaciono a Kombi.
—Então, por que paramos?— perguntou Kalel.
—É assim que vivemos, Kalel, encontramos um lugar, o verificamos, passamos a noite, saqueamos e vamos embora—dizia Sienna.
—Como nômades, sem se apegar a nada— eu completei, enquanto todos pegavam suas armas e desciam da Hope.
—Se querem viver conosco, tem de ser um de nós—Sienna disse a Kalel, entregando-lhe uma faca, visto que o rapaz não possuía qualquer arma. Ao se aproximar da porta, uma voz grita.
—Não! Não se aproximem— dizia um belo rapaz de olhos verdes e barba aparada, que aparecera por uma abertura entre as tábuas de uma janela no segundo andar—Aqui!—Ele jogou uma garrafa de água ligeiramente bebida pela abertura na janela— É só isso o que eu tenho! Eu juro!
—Não viemos aqui por isso—respondeu Sienna—Está ferido?
—Não. Só vão embora, por favor.
Sienna e eu nos entreolhamos. Eu caminhei até a Kombi e contei nossos suplementos. Também não tínhamos muito, mas tínhamos o suficiente para dar um pouco ao rapaz. Eu peguei duas garrafas de água potável de dentro de nossa mochila, uma lata de feijão com validade quase infinita e um pacote de curativos e coloquei tudo na porta do prédio, junto com a garrafa que o garoto havia jogado.
—Estamos saindo!—Gritou Sienna—Não pegamos sua garrafa, e também estamos deixando mais algumas coisas. Eu gostaria de poder dar mais, mas também não temos muito—O garoto nada responde, e, começa a chover. Entramos rapidamente dentro da Kombi e seguimos pela estrada. O clima estava meio silencioso dentro da Hope, de certo, todos pensando no rapaz.
—Acha que ele estava ferido?— pergunto.
—Parecia esconder algo— responde Slater, pela primeira vez no dia.
—Ah, então você sabe falar?— pergunto, ironicamente.
—Talvez só estivesse tentando proteger sua família— supõe Kalel.
—Não, concordo com o Slater, isso foi muito suspeito— diz Sienna, batendo inquietamente a caneta sobre seu diário.
—Então por que o ajudou?—pergunta Éder.
—Porque não somos babacas!—respondo, todos no banco de trás riem.
—A chuva aumentou—diz Jane, olhando pela janela da Hope com Kalel.
—Jane tem razão, deveríamos parar logo no próximo lugar que encontrarmos—digo.
—E que tal aquela casinha ali?—sugere Kalel, era uma pequena casinha de dois andares e com uma aparência de mofada, abandonada e odiada.
—Vai servir—diz Sienna— Peguem suas coisas, não deixem nada na hope—Ela retira a bandana de Daryl do bolso e entrega à Jane.
—Here comes the sun?—pergunta ela.
—Minha garota!
—Eu levo ela— Kalel se oferece.
—Tem certeza?— Pergunta Sienna.
—Mas é claro, és mais habilidosa que eu. Garanto que será mais útil sem ela em seu colo.
—Obrigada.
Nos aprontamos e preparamos para invadir a casa. Paramos em frente a porta de entrada e demos uma olhada pelas janelas laterais. Kalel e Jane ficaram na entrada observando os arredores da casa, enquanto Slater e Sienna permaneceram na porta, e, por fim, babaca e eu nos posicionamos nas janelas laterais.
Slater bate várias vezes à porta, com força, para atrair a atenção de possíveis zumbis no interior da casa. Avisto dois andarilhos seguindo em direção à porta e aviso Slater e Sienna. O primeiro abre a porta rapidamente, enquanto o segundo os mata antes que pudessem encostar em Slater. Ele fecha novamente a porta e tenta fazer mais barulho ainda, alguns segundos se passam e, como não vemos nenhum sinal de movimento dentro da casa, entramos.
Kalel e Jane permanecem na entrada, do lado de dentro, enquanto nos dividimos em duplas para averiguar o restante do térreo. Sienna e eu olhamos o banheiro, cozinha e lavanderia; Slater e Babaca observaram o quarto de hóspedes e nos encontramos na sala.
Decidimos que Sienna devia ficar para proteger Kalel e Jane, enquanto nós três subimos para inspecionar o primeiro andar. Novamente, nada de especial, exceto por um zumbi que, literalmente, saiu de dentro do armário e pulou em cima de mim. Se não fosse por Slater, que rapidamente deu uma machadada na cabeça da criatura, eu não sei se teria conseguido me defender tão rápido. Isso não significa que eu confie nele.
Guardamos os corpos dos zumbis em um banheiro no piso superior, Sienna colocou Jane para dormir e nos reunimos na sala. O clima estava tenso e, talvez, um pouco desagradável, mas, o que esperar de estranhos presos pela chuva em uma casa?
–Tá legal, isso está pior do que eu imaginava—disse o babaca retirando algumas garrafas de dentro de um pequeno armário—Deveríamos beber um pouco pra dar uma relaxada. Topam?
—Finalmente você disse alguma coisa que presta!—digo, todos escolhem suas bebidas. Sienna e Slater optam por Whisky, e Kalel por uma taça de vinho. Me interesso pela garrafa de 51—Qual é, ninguém quer beber de verdade essa noite? Maricas!
—Eu te acompanho!—disse o babaca, aproximando seu copo.
—Ah! Acabou de ganhar um ponto comigo.
—Finalmente!— diz ele, Sienna solta um pequeno riso—Então, qual é a de vocês?
— O quê?—pergunta Sienna.
—Qual é a de vocês? O que faziam antes disso tudo? Sienna, qual é a sua?
—Eu era uma fazendeira.
—Ah, é só isso que tem a dizer?—diz Kalel.
—O que mais quer saber?
— Tudo, conta pra gente... Quem era a Sienna?— pergunta o babaca.
—Sienna Clark era só mais uma fazendeira, e quase uma mãe nas horas vagas... —Ela faz uma pequena pausa olhando para seu copo de Whisky— Eu perdi meus pais quando ainda era criança, e perdi meus irmãos quando tudo isso começou— Ela toma um shot— Eu matei todos eles, com uma faca de passar manteiga no pão.
—Eu sinto muito—diz Kalel.
—Não sinta, já faz muito tempo, e, honestamente eu nem me lembrava. Mas e você, Sr. Babaca, quem era antes de ser babaca?— Não consigo segurar minha risada, sinto que o apelido de "babaca" vai pegar.
—Vocês podem não acreditar, mas eu, Éder Bryan, era Secretário— Acabo rindo novamente—Na verdade, esse foi meu último emprego de uma longa lista. Fui demitido na manhã em que tudo isso começou.
—Por que da demissão?— pergunta Kalel.
—Dormi com a filha do chefe.
—Então você, na verdade, sempre foi babaca?— pergunta Slater.
—Até o Slater!—digo, novamente, tentando conter uma gargalhada eminente.
—E você, Slater? Qual era a sua?—pergunta Sienna. Slater toma um longo shot.
—Nada demais, era salva-vidas, surfava em meu tempo livre.
— E como um salva-vidas sobreviveu a tudo isso?— pergunta o babaca, Slater faz uma pausa para responder.
—Fiz coisas das quais não me orgulho.
—Salva-vidas, hein?! Então você era o gostosão da praia que todos querem um pedaço?— pergunto, tentando aliviar a tensão do assunto.
—Ah, com certeza ele era— diz Kalel, que o puxa em um beijo suave—Você está fedendo a whisky.
—E isso é um problema?—Pergunta Slater.
—Um pouco— responde e o beija novamente.
—Há quanto tempo estão juntos? Se conheceram antes disso?— pergunta Sienna, nitidamente maravilhada com a química de Slater e Kalel.
—Quem me dera... Eu não era ninguém antes disso. No fundo, eu acho que esse mundo caótico me serviu como uma luva. Só aqui eu me libertei, e tive a oportunidade de ser quem eu sou—dizia Kalel— Minha família nunca me aceitou, mas, aqui, eu não preciso mais me esconder. Apesar de só ter encontrado o Slater há poucos meses, eu sinto como se minha alma tivesse esperado a vida toda por esse momento—Slater sorri.
—Isso é lindo, Kalel. E enquanto a sua família, onde estão?—pergunta o babaca.
—Honestamente, espero que estejam queimando no inferno.
—Haha! Esperamos!—digo.
—Sua vez, Bree— diz o babaca.
—Querem saber sobre meu passado? Tudo bem.. Bree Ramon, uma maldita garçonete do subúrbio, que teve que aprender bem cedo que os contos de fadas não existem, e o príncipe encantando não chega com Cavalo e armadura pra te salvar. Pelo contrário, VOCÊ se salva!— tomo um longo shot antes de continuar, um bem maior que os anteriores, sinto o álcool descer queimando minha garganta, e isso me dá forças para continuar a história— Eu estava dentro de uma merda de ônibus, em um calor de fuder, quando essa desgraça começou! Um cara à frente da catraca começou a convulsionar, o motorista teve que parar aquela lata velha e o cara morreu... E, adivinha só? Pouco depois ele estava mordendo as pessoas. Eu vi a merda que ia acontecer, e puxei aquela alavanca vermelha que todo mundo já quis puxar um dia. Eu corri, e me escondi no primeiro lugar que encontrei, fiquei presa durante dias dentro de um banheiro sujo e fedido—Lágrimas começaram a escorrer de meus olhos e, não importando quantos shots eu tomasse, elas não paravam— Até que eu mesma tive que me salvar, porque meu príncipe encantado não veio atrás de mim, apesar das muitas mensagens na caixa postal. Eu bati tanto naquela porra de zumbi com a tampa da privada... Até hoje eu sinto o sangue em minhas mãos e ouço o som da cabeça dele quebrando em vários pedacinhos— O babaca sorriu, encheu novamente meu copo e repousou sua mão imunda sobre meu ombro—Obrigada.
—E quanto a Jane, alguém sabe dela? —perguntou.
—Não, nós a encontramos um dia antes de vocês—digo.
—Sozinha?— pergunta Kalel. Sienna assentiu com a cabeça
—Os meus pais me salvaram quando os monstros vieram— dizia a pequena Jane enquanto descia as escadas, aparentemente, ela estava nos ouvindo esse tempo todo—Passamos a morar na loja. Meu pai saía e procurava por comida enquanto minha mãe cuidava de mim—As lágrimas começaram a escorrer dos olhos da pequena—Ela queria ir com ele, mas... mas alguém precisava me proteger. Um dia ele saiu, e, quando voltou, já não era mais meu pai. Enganaram ele, a minha mãe tentou ajudar mas ela... ela...—e os soluços de seu próprio choro a interromperam de continuar a frase.
—Jane... tá tudo bem—dizia Kalel.
—Eu saí correndo e tranquei a porta loja, enquanto estavam de costas. Alguns dias depois a Bree e a Sienna me encontraram.
—Jane, como eu adoraria poder te oferecer uma bebida agora— disse o babaca, comovido com a história. Jane caminhou até o centro da sala e olhou para cada um de nós, parando e revezando seu olhar entre Sienna e mim.
—Eu quero ser tão forte quanto vocês—dizia ela— Sienna disse que para viver com vocês, tem de ser um de vocês. Eu quero ser um de vocês! Por favor, me ensinem a ser um de vocês! Quero ajudar, não quero atrapalhar, não quero mais ter que ser protegida!— Sienna se levanta, pega sua mochila e a põe no chão, em frente a sua poltrona, procurando por algo.
—Jane, venha cá— A garota caminhou até sienna— Quantos anos tem agora?
—10— respondeu, de cabeça erguida.
—Então já é grandinha o suficiente pra saber usar isso—Sienna retira uma 38 e uma faca de dentro da mochila. Todos ficam tensos, incluindo a própria Jane— A partir de hoje, isso será sua proteção. Sempre que sairmos, mantenha sua faca em mãos. Mas nunca, e eu repito, NUNCA, mostre sua pistola. Entendido?—A garota concorda com a cabeça— Certo, você não tem permissão de atirar, a menos que eu mande, entendido?— A garota concorda mais uma vez—Repita o que eu disse.
—Minha proteção. Devo sempre andar com minha faca, mas ninguém pode saber que tenho uma pistola.
—E o mais importante?— pergunta Sienna.
—Só atirar quando você mandar!—A garotinha responde.
— Te ensinaremos tudo amanhã, Jane. Mas terá que encarar os monstros, acha que consegue?— pergunto.
—Tenho que conseguir— ela responde, Sienna sorri e passa a mão entre os fios de cabelo da garota.
—Você será uma de nós, Jane!
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