— Algo está errado. - digo.
— Como você pode ter certeza? - Killian pergunta curioso e olha ao redor, como se conseguisse identificar rapidamente o que está errado.
— Eu só sei, ok? - sussurro.
Ele não pergunta por que estou sussurrando, pois lá no fundo, ele sabe a resposta e a teme tanto quanto eu.
Killian não vai dizer, mas eu sei que ele está tão assustado como eu estou agora. Como eu também sei que mesmo assim, ele vai se obrigar a ser forte pela nossa família.
A primeira coisa que passa pela minha cabeça é pegar minha arma; o que infelizmente, está escondida em minhas roupas no quarto. Bufo irritada, atraindo a atenção de Killian para mim. Olho ao redor e encontro ao lado da porta o bastão de basebol, o qual eu rapidamente agarro.
Com pequenos passos hesitantes ando pela sala, vendo se há algo fora do lugar, mas infelizmente, não vejo nada e sigo Killian até a cozinha.
— Foi você? - pergunta e eu o encaro confusa com sua pergunta.
— O que?
— Você andou bebendo vinho?
— É claro que não. - respondo e ele aponta para a taça em cima da mesa, ainda contendo vinho. — Pode ter sido o seu irmão. - dou de ombros.
Ele assente, mas não fala nada. Checamos o banheiro, a lavanderia e dois dos quartos, deixando o da Belle por último.
Quando abrimos a porta a primeira coisa que vemos é a janela quebrada, seguido por cacos de vidros espalhados no chão do quarto. Olho para Killian confusa e um pouco assustada e ele me empurra para fora delicadamente; fechando a porta no processo, até chegarmos na casa de sua mãe.
— Foi você que foi lá em casa e bebeu vinho? - ele pergunta a Caleb quando o encontra no sofá.
— Não, não foi eu. - diz se levantando. — Eu não sai daqui nem por um minuto.
— E a mãe?
— Você acha que a mãe deixou a Belle aqui em casa; mesmo que ela não iria ficar sozinha, pra ir até a casa de vocês só pra beber vinho? A mãe parou de beber pouco antes de saber que a Julie estava grávida.
— Mas alguém foi lá em casa e bebeu vinho. - Killian diz. — A janela do quarto da Belle está quebrada também.
— Você acha que... - começo a falar, mas não termino a frase.
— Você acha que ele estava lá. - Caleb fala e Killian assente. — Ele não seria louco de aparecer quando qualquer um poderia reconhecê-lo.
— Sim, eu acho.
— Onde a Belle está? - pergunto, querendo me afastar dessa conversa e suposições, que mais uma vez insiste em querer tomar conta dos meus pensamentos.
— No banheiro. A mãe está dando banho nela. - Caleb responde e eu assinto.
Caminho em direção ao banheiro no momento em que elas saem dele. Martha, como boa mãe e amiga que é, percebe imediatamente que algo não está certo. Ao me perguntar o que está acontecendo, digo para ela conversar com os seus filhos que estão na sala e sigo para o meu antigo quarto, agora da Isabelle, onde ajudo a se vestir e pentear o cabelo.
E a próxima coisa que eu sei, é a casa sendo cercada por policiais.
*****
— Querida, você precisa se acalmar. - a voz de Killian vem do meu lado direito e eu tento puxar ar, normalizar as batidas do meu coração e não surtar. Tudo bem que não é uma situação comum do dia a dia, muito menos nenhum de nós fez algo errado, mas minha cabeça e meu emocional de grávida decidiram esquecer isso e agir de uma maneira totalmente diferente do que eu esperava. Mesmo em uma situação incomum como essa. Ou eu já deveria estar acostumada a isso?
Um copo d'água é colocado em minha frente, quase colado ao meu rosto e eu o pego, tomando-o rapidamente. As batidas do meu coração diminui, praticamente se estabilizam, mas para o meu azar, começo a me sentir tonta e enjoada.
Com ajuda de Killian chego até o banheiro e não demora muito para todo o conteúdo do meu estômago ser esvaziado. Lavo a boca e ao olhar no espelho consigo ver a expressão no rosto de Killian: um misto de angústia, nervosismo, preocupação e talvez até dor. Não precisa ser um gênio para saber que essas emoções estão relacionadas comigo e com meu mal-estar.
Toco seu rosto suavemente, tentando fazer com que a aflição deixe o seu rosto, mas parece fazer exatamente o oposto.
Ele me carrega até o sofá, me sentando nele mesmo sob meus protestos, e senta ao meu lado com o celular em mãos, dizendo ligar para a Stella. E até mesmo para uma ambulância.
— Você precisar ir ao hospital, algum médico tem que examinar você e...
— Eu não vou a lugar nenhum. - respondo, me sentindo um pouco menos tonta.
— Foi emoção demais para ela, Killian. - Martha fala a poucos metros de distância com a Belle em seu colo. — Isso a pegou desprevenida. Dê-lhe um minuto para se recuperar. Mas se ela não melhorar, a levaremos para o hospital. Ela querendo ou não.
— Eu sinto muito por isso, Julie. - Albert diz, dirigindo a palavra apenas a mim pela primeira vez desde que ele passou pela porta. — Killian ligou para mim, contou o que vocês acharam e eu tinha que trazer os policiais comigo imediatamente. Eles precisam checar cada parte da sua casa e procurar pelo Donovan pelo bairro.
— Acho que a essa altura ele já deve estar longe e achado um lugar pra se esconder. - Caleb diz com os braços cruzados. Ao olhar para ele, vejo a mesma expressão que tinha no rosto do seu irmão, mas com um pouco mais de raiva. — Estou vendo que daqui a pouco teremos que contratar alguém para procurá-lo por conta própria. Pelo que estou vendo, a polícia está sendo um pouco incompetente. Normalmente, quando um bandido foge, os primeiros lugares que devem se procurar e até ficar de escolta, é nos lugares em que ele costumava frequentar e principalmente, a casa das vítimas que ele ameaça ou ameaçou matar .Eu não sei o que a polícia está fazendo, mas com certeza, não está concentrada em encontrar esse cara antes que algo aconteça.
— Eu entendo a sua frustração, mas não é tão fácil assim lidar com algo desse tipo. - olho ao som da voz, só agora notando a figura desconhecida no ambiente. Um homem alto, moreno e de cabelo preto, com uma expressão indecifrável no rosto, encara Caleb.
— OK, eu entendo que não seja tão fácil assim quanto eu possa estar imaginando, mas parece que vocês não estão fazendo absolutamente nada! Tem um psicopata a solta e em menos de quarenta e oito horas se tem pista de que ele esteve na casa da mulher que o colocou na prisão. Eu posso estar soando como um louco agora, mas é a minha melhor amiga correndo risco de vida porque você e o seu pessoal não estão fazendo o trabalho necessário. O que é preciso pra isso acontecer? Acontecer uma tragédia e ela morrer? - exaltado, Caleb se aproxima do que agora sei que é um policial.
— Caleb... - Killian diz alto, trazendo sua atenção para ele. — cara... eu entendo essa sua raiva porque é a mesma que estou sentindo, mas será que isso pode ser feito outra hora? A Julie não está legal...
Caleb me encara e assente em silêncio. Pega a Belle do colo da Martha e a leva para o seu quarto, deixando-nos na companhia do policial como se sua "pequena" explosão não tivesse acontecido. Mas eu o entendia.
Eu estou com medo tanto quanto ele está, talvez até mais. Mas infelizmente, sou teimosa demais para explodir como a pouco Caleb explodiu. Ao pensar por um minuto, me pergunto se apenas irei explodir quando algo pior acontecer.
Eu não queria pensar nisso, mas infelizmente eu não controlava os meus pensamentos.
— Eu lamento pela investigação e a captura não está acontecendo como o planejado, ou como todos esperam. Entendam que precisamos seguir determinadas pistas e....
— O meu filho está certo, seu policial. - Martha fala, atraindo a atenção. — Todos sabemos do que esse homem é capaz de fazer, seria de se imaginar que em algum momento ele aparecia nesse bairro para aterrorizá-la, amedrontá-la, machucá-la ou qualquer outra coisa. Não consigo entender como vocês, pessoas que cumprem a lei, não cogitaram a possibilidade disso acontecer e não se mantiveram no bairro. E se algo tivesse acontecido e ela tivesse se machucado? Ela está grávida! Agora você entende a nossa frustração e raiva?
— Senhora, eu realmente entendo e sinto muito pelo rumo das coisas. De verdade. Mas a minha equipe não é tão grande assim, e além de estarmos investigando e tentando capturá-lo, estamos investigando a morte do seu advogado para termos certeza se ele é o assassino. Assim, quando o prendermos, ele poderá pegar a prisão perpetua e...
— Espere... - falo confusa com suas últimas palavras. — O advogado de quem está morto? - pergunto
— O advogado do suspeito. - o policial responde e eu o encaro chocada. Olho para Killian e ele parece desconfortável, pois evita olhar para mim.
— Não me diga que você sabia disso e não me contou. - digo chateada.
— Eu... eu achei melhor não contar a você. - diz agora olhando nos meus olhos. — Você estava nervosa e inquieta e....
— Você não devia ter escondido isso de mim, Killian. Em hipótese alguma.
— Eu sei... sinto muito. - assinto, sabendo que ele fez com a melhor das intenções.
— Bem... a minha equipe já deve ter terminado de fazer a busca e de colher qualquer possível material que possa confirmar e colocar o suspeito dentro da sua casa. - o policial diz. — Mas eu recomendo que fiquem fora da casa por essa noite. Peguem o que for necessário e vão para outro lugar. Só para a segurança de vocês. Apenas por hoje. Amanhã podemos nos reunir para uma conversa, se assim quiserem.
— Tudo bem. - Killian diz assentindo.
— Bom... eu o acompanho até a porta. - Martha diz e o policia, que eu não sei o nome, se despede prometendo elevar o padrão da sua investigação.
— Acho que devo fazer uma reserva em um hotel para vocês. - Albert fala.
— Oh, de jeito nenhum. - respondo. — Eu não saio daqui.
— Julie...
— Nós dormirem aqui na casa da sua mãe, Killian.
— Eu não acho que essa é a coisa certa a se fazer, Julie. Esse cara esteve na nossa casa, quem não garante que ele vai voltar e entrar aqui quando todos estiverem dormindo? - Killian pergunta, girando seu corpo em direção ao meu, fazendo com que ficamos praticamente um de frente para o outro.
— O policial está se sentindo muito mal com toda essa situação. - Martha diz sentando no mesmo lugar que estava a pouco. — E com isso, ele deixará dois policiais na frente da casa.
— Não faz mais do que o trabalho dele. - Caleb fala voltando para sala. — A Belle está chamando por você, Julie.
— Já estou indo. - falo me levantando e me aproximo dele. — Eu quero conversar com você depois, tudo bem?
— É claro, sem problema. - responde.
— Já que parece que não vamos para um hotel, eu vou buscar algumas das nossas coisas em casa. - Killian diz se levantando. — Vem comigo, Caleb?
— Sim, é claro.
— Alguém liga para a Kim, Tara e o David para saber se eles estão bem, por favor. - digo já seguindo para o quarto do Caleb.
— Eu faço isso. - ouço Martha dizer. — Vou pedir algo para o jantar também.
— Ótimo. Obrigada. - grito em resposta entrando no quarto, onde brinco com a Isabelle até a comida chegar.
*****
A conversa com Caleb foi totalmente diferente do que eu achei que seria. Ele ainda estava irritado, chateado e com muita, muita raiva, e não parecia aceitar a forma como eu estava lidando com tudo aquilo. Segundo ele, eu estava calma demais para quem teve sua casa invadida por um psicopata que me quer morta. O que ele não sabia é que eu estava apavorada. O que não mudou muito depois de algumas horas.
Killian não tinha dormido quase nada na noite passada, eu não fiquei muito atrás. Não importa o quanto eu tenha tentado fingir que estava tudo bem, nada estava bem. E quando finalmente a ficha caiu do que tinha acontecido, eu não consegui controlar as lágrimas e impedir que elas transbordassem. Killian me abraçou durante todo o tempo.
Por mais que eu esteja com medo e assustada, sou orgulhosa demais para admitir que talvez a ideia de nos mudar para outro país ou outro estado não é tão maluca assim. Mas eu não sou de fugir da luta, não mais. E mesmo tendo a plena consciência de que ficar colocava a mim em potencial risco, eu não iria embora. Alguém tinha que ser forte o bastante para impedi-lo de uma vez por todas. E no fundo, eu sabia que eu era. Ou não teria conseguido passar pelo que passei.
— Eles vão continuar lá fora? - pergunto a Caleb.
— Eu acho que sim. - responde dando de ombros.
— Isso vai chamar atenção. Fale para eles entrarem, fica menos evidente assim.
— Agora não posso, estou ocupado. - responde. Reviro os olhos, saio da academia e paro ao lado do carona do carro. Isso chama a atenção deles.
— Parece que meu amigo tem mesmo razão... vocês não trabalham nada bem. Beira a incompetência. - digo, sem me importar se serei ou não presa por insultar o trabalho policial. — Vocês estão deixando isso muito evidente, entrem antes que piorem as coisas.
— Não podemos, é ordem do policial Hawkins.
— Deixa eu ver se entendi... vocês vão ficar ao redor mas não podem entrar por sabe lá qual a razão.
— Exato. - o barbudo responde.
Bufo. — Ao menos tratem de se esconder. Não vão conseguir pegar ninguém dessa forma. - eles assentem concordando e eu volto para dentro da academia.
A algumas horas atrás recebi a confirmação do que já sabia. As digitais encontradas na taça de vinho e na janela do quarto da Belle eram mesmo do Donovan; o que de certa forma não me deixou surpresa. Com isso, o policial Hawkins, o mesmo que esteve na casa da Martha na noite passada, concordou com o Albert de que ao menos um policial deveria "acompanhar" meus passos por um tempo, só para o caso do Donovan estiver por perto e tentasse (outra vez) algo contra mim. Fiquei surpresa quando não só um, mas dois policiais se apresentaram de um modo descontraído e diferente de toda aquela situação, de que seriam minhas sombras. Quase meus guardas costas. Surpreendentemente, um deles é filho de um amigo do Albert.
Observo o movimento da academia e no fundo, um pouco afastado de todos, algo chama minha atenção. Eu não falo nada, muito menos me aproximo da confusão que ele é agora. Dou as costas e isso parece chamar a sua atenção, pois o barulho de socos diminui. Killian não chama meu nome, muito pelo contrário, volta sua atenção para a sua atividade e eu suspiro, sabendo que preciso deixá-lo só para se machucar da maneira que ele quer.
Jasper entra no escritório um pouco mais de meia hora depois e apenas ao olhar para o seu rosto, eu sei que Killian parou o que estava fazendo e já não está mais no mesmo lugar.
— Vestiário? - pergunto me levantando.
— Sim. Já falei para ninguém entrar lá.
— Obrigada Jasper. - agradeço e sigo em direção ao vestiário.
Sozinho, ele está sentado de cabeça baixa em uma maca médica, ainda com as luvas em suas mãos. Me aproximo lentamente e ele levanta a cabeça ao som dos meus passos.
Ele me encara e um suspiro de surpresa escapa de mim. Com um corte na sobrancelha, sangue no canto da boca e com um olho roxo ele me observa, sua expressão embora indecifrável no momento, me diz que ele ainda não liberou toda a raiva dentro de si. Me aproximo com um pano úmido e começo a limpar o seu rosto lentamente e com cuidado.
Não falamos nada, porque não há nada para ser dito nesse momento e porque sei que ele prefere assim.
Quando finalmente termino é que os seus olhos me encontram firmemente, passo os braços em torno do seu pescoço e entrelaço os dedos. Nos encaramos por um minuto, talvez dois. Encosto minha testa na sua e suas mãos abraçam o meu corpo, me puxando para mais perto.
— Eu agi como um idiota, eu sei, mas não vou me desculpar. - fala minutos depois.
— Eu não estou esperando por isso. Só acho que você foi um pouco inconsequente e imprudente de trocar socos com Diego. Caso você não se lembre, ele é aspirante a lutador. - digo. — Embora eu entenda um pouco porque você fez isso.
— Entende? - assinto — Isso não vai mais acontecer. Eu só estou frustrado por aquele bandido ainda estar a solta e....
— Tudo bem, Killian. Eu entendo. Entendo mais do que qualquer outra pessoa. - seguro seu rosto com minhas mãos, o obrigando a olhar no fundo dos meus olhos. — Nós vamos passar por isso. Nós vamos vencê-lo e ele não vai nos machucar nunca mais. Mas para isso, eu preciso de você ao meu lado, porque eu não posso enfrentá-lo sozinho, Killian. Não posso.
Ele assente. — Eu não vou deixar nada acontecer com você, com vocês. - diz, firme, decidido. Em seus olhos, consigo ver a determinação e é impossível não sorrir para ele.
— Eu amo você. - digo, mas logo me corrijo. — Nós amamos você.
Ele me beija e sua mão vai de encontro a minha barriga, permanecendo lá até separamos nossas bocas.
— Vamos embora. Vamos para casa. - assinto feliz com a sua decisão.
Na volta para casa os policiais nos seguem, indo embora antes do jantar para que outros dois policiais cheguem. Por um momento, a sensação de estar um pouco mais segura me enche, fazendo com que minha esperança de que tudo acabe bem aumente.
Mas em menos de três semanas, essa esperança irá se dissipar.
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