Odeio estar onde ela não está, quando não está. No entanto, vivo partindo, e ela não pode vir atrás...
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20 de Fevereiro de 2020
3 semanas antes da pandemia
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Pov's Eloá
Os raios de sol invadiam o quarto fazendo com que eu logo despertasse, aos poucos ouvia o barulho da música que me irritava, sabia que passava das 9h da manhã. De relance percorri os olhos pela janela a fora, pessoas agitadas, rua enfeitada, alguns até já estavam bêbados. Suspirei.
Não gostava do carnaval pela dor de cabeça que ele me causava e, sinceramente, preferia estar em qualquer outro lugar do que a movimentada Paulista.
Sentei-me na cama passando a mão pelo rosto, minha vontade era de gritar ou tomar um tranquilizante até que a farra do carnaval acabasse. Já estava pensando em executar minha segunda ideia, quando, ouvi a voz de Kiara na sala, ela cantarolava uma música qualquer.. se eu bem a conhecia estava concentrada procurando algo, ou melhor, tentando nos livrar da semana festiva de São Paulo.
Rumei a sala bocejando, me joguei no sofá enquanto olhava Kiara de soslaio. Estimava que a mais ou menos quatro meses morávamos juntas, depois de tantas conversas virtuais finalmente consegui encontrar minha amiga e dividir um apartamento com ela. Confesso que tê-la perto mim depois de tanto tempo era definitivamente bem mais agradável. Só não pelo fato dela ser carioca.. mas isso.. eu relevei com o tempo.
Estava sentada de frente para ela que olhava fixamente para a tela de seu computador enquanto comentava sobre alguns dos anúncios que apareciam, minhas mãos cobriam meus olhos, a claridade ainda incomodava. Do nada, Kiara se remexeu fazendo com que eu despertasse, de repente, ela abriu a boca soltando um barulho que me assustou.
- Elô!!! — Ela deu um grito potente que poderia acordar até um elefante sedado. — Você não vai acreditar no que vi! Meu Deus do céu, não é possível, aiii estava esperando tanto...
- O que foi? — Dei uma risada, ela estava tão animada que era contagiante.
- Lolla, ingresso, show, aqui, São Paulo. Não acredito!! — Ela se levantou toda empolgada.
Meu senhor o que tinha dado nessa garota? Não é como se o Lolla nunca tivesse existido, fora que como ela vinha do Rio de Janeiro estava acostumada com esse tipo de evento.. não era pra tanto, pensei.
- O Guns vai vir!!! — Ela completou.
Tudo bem, agora sim entendia o motivo de seus pulos e gritos, era o Guns porra, nossa banda favorita, eu estava surtando junto com ela, depois de anos que estávamos separadas nosso primeiro show seria memorável.
- Eu não acredito. — Me juntei a ela nos pulos, a felicidade era tanta que não poderíamos deixar passar. — Eu vou ver o Axl!!! — Falei abraçando a almofada forte.
- Joga na cara mesmo sua ridícula, só porque não vou poder ver meu Izzy. — Ela cruzou os braços virando a cara enquanto eu não parava de sorrir toda boba com a notícia.
- Pelo menos estarão os três da formação clássica, se anima ai, sei que depois do seu deus albino, aquele loiro girafa fica em segundo lugar.
- É eu sei, mas você sabe que não consigo pensar no Guns sem ele.. e tem esse pessoal novo que nem se quer sei o nome... O Matt eu até aceitei, mas esses ai...
- Relaxa, pelo menos nós vamos ver o... — Ela nem esperou que eu terminasse a fala.
- O Axl, tá bom Elô, já sei que vamos ver ele. — Kiara fez um careta ainda com os braços cruzados.
- Ahhh oh, olha a implicância. — Não pude conter o riso. — E quanto tá o valor do ingresso? — Perguntei.
- Você sabe né, o olho da cara, um rim inteiro, mas não perco isso por nada nesse mundo, nem que o Kurt volte a vida e apresente outro acústico na MTV. — Ela disse isso tudo muito rápido e voltou a pegar o notebook. — Olha, o pass que a gente quer é um pouco mais caro que esse roubo.. digo.. pass na pista, mas dá pra ir, com a espingarda na cabeça, mais dá. — Kiara disse enquanto virava o notebook para mim.
- Ah, não deve ser tão car... MEU DEUS DO CÉU isso é um vergonha! o que é, estão querendo extorquir dinheiro dos cristãos? Eles por acaso vão fazer um feat com o Freddie Mercury e o Michael Jackson? — Questionei incrédula.
- Tá desenterrando os mortos em... Mas pensa bem, é caro, mas com as nossas economias dá, só a gente parcelar em algumas vezes... e outra, nós trabalhamos, dinheiro não ficamos sem, tem que dar, Elô.
- Aí, é muito caro e você sabe que tô guardando esse dinheiro pra outra coisa...
- Deixa de ser mão de vaca, vai. — A carinha de cachorro sem dono funcionava as vezes, mas não iria ceder agora, poxa eu sei que é uma chance única, mas porra.. essa chance poderia ser mais barata.. — E fora que você vai ver o Axl...
Travei meus músculos e Kiara deu risada, ela bem que sabia do meu ponto fraco.
- Arrg... Tá bom, me convenceu. — Eu havia acabado de me contradizer, mas era o meu ruivo.. — Só vou porque é o Guns.
- Perfeito! — Ela disse batendo palma. — Ahh e... já que está tão generosa, eu tive uma idéia..
- Aí lá vem você de novo, já não bastou me deixar sem grana? — Disse chateada, conseguia até ver as notinhas voando...
- Relaxa Elô, você ainda vai me agradecer. — Ela nem parecia estar desapontada com o tanto de dinheiro que havia gasto. — Bom, amanhã começa o carnaval e você sabe, as ruas vão estar lotadas de gente bêbada e de tanto barulho que nem vai dar pra dormir, pensa comigo, o que é melhor que o show do Guns no Lolla?
- Ter conhecido o Guns novinho? — Questionei.
- Não... bom.. sim, era melhor mesmo. — Ela suspirou. — Mas.. isso não conseguimos fazer, então, podemos conhecer onde o Guns N' Roses surgiu! Vamos pra Los Angeles.
- Mas é muito dinheiro que vamos gastar... — A ideia era incrível, mas tínhamos que levar em conta que não éramos ricas.
- Ah Elô, se a gente se organizar direitinho da pra fazer, o foco do mundo agora está aqui no Brasil graças ao carnaval, ir para fora não deve estar tão caro, fora que se fizermos reserva para um mês apenas, não deve ficar exorbitante.
Ela estava tão animada com tudo que já havia passado os ingressos no cartão.. o que me deu um certo aperto no peito.
Kiara era tão rápida que já estava vendo diversos hotéis e preços de passagem.
Era incrível como ela conseguia ser uma rata da internet, achava os melhores preços que nem se eu ficasse o dia todo procurando conseguiria, definitivamente precisava abrir um workshop de pechincha.
- Olha o que eu consegui. — Ela me mostrou a tela toda orgulhosa do resultado e devo admitir que eu até pagaria essa viagem com gosto... — Vai, pode falar, sei que tá toda feliz por dentro, sua colega de quarto manda muito bem.
- É.. até que não ficou um preço absurdo.. mas...
- Qual é, Elô, é uma chance única. — Vi Kiara adicionar as passagens no carrinho, só o que restava era a efetuação do pagamento, a parte que mais doía. — Ou você prefere ficar aqui em São Paulo vendo a Cláudia Leite passar com o bloquinho?
Mostrei uma careta pra ela, a menina sabia como me convencer.. tenho que achar um jeito pra ela não me extorquir facilmente, pensei.
- Tá Kiara, compra logo antes que eu mude de idéia. — Sai da sala deixando minha amiga sozinha, mas quem eu queria enganar? Estava mais animada que ela com a nossa ida até Los Angeles.
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2 semanas e meia antes da pandemia
Pov's Kiara
Nossas passagens já estavam prontas, faltava apenas um dia para nossa viagem, o que me deixava ansiosa e ao mesmo tempo nervosa, nem acreditava que tinha convencido minha amiga a ir, pão dura do jeito que é. Mas, é claro que Eloá estava P da vida, foi obrigada a passar duas noites escutando a música e o pessoal empolgado com o carnaval. A coitada se quer relaxou, confesso que até achava graça já que eu não tinha nenhum problema em dormir com som alto. Eloá havia acordado com um mau humor terrível, só essa viagem mesmo pra melhorar as emoções dela.
...
O dia passava rápido, nossas malas já estavam arrumadas e postas perto da porta, só restava deixar a chave com o síndico de manhã bem cedo assim que sairmos. Eu não podia estar mais empolgada, minha vida finalmente está tomando um rumo melhor, desde que conheci Eloá e fui aceita em uma faculdade aqui em São Paulo... só podia estar vivendo um sonho. Mas, parece que só eu estava feliz com tudo isso, esse mau humor da Eloá está aos poucos passando pra mim.
- Poxa, Elô. Se anima um pouco, amanhã estaremos em Los Angeles. — Segurei em seus ombros dando uma leve sacudida.
- Me animar, me animar. Você não sabe o inferno que passei na madrugada, não acredito que esse povo anda transando no meio da rua.. eu escutei tudo.. arrg. — Ela fez um careta se lembrando da cena.
- É carnaval, a última preocupação desse pessoal é saber se alguém está ouvindo. — Dei uma risada alta. — Bom.. eu consegui dormir. — Lhe lancei um olhar superior.
- É claro que conseguiu, já está acostumada a ouvir os tiros do Rio de janeiro, o que seria toda essa baderna comparado a isso?
- Escuta aqui, é bem melhor ouvir tiro do que morar em um estado poluído.. — Calei minha boca quando percebi que ela se quer estava dando atenção, pelo menos havia conseguido faze-la sorrir.
- Coloca uma música aí, assim esqueço a baixaria que ouvi ontem, aquele "aí não para, não para" tá na minha cabeça. — Eloá fez uma careta novamente.
Sorri e logo em seguida coloquei nosso som preferido.
- Eu amo essa música. — Disse.
- Eu também, é tão linda e sentimental. — Eloá concordou enquanto arrumava a sala.
Sem nem perceber, começamos a cantarolar baixinho.
And now I don't know why
She wouldn't say goodbye
But then it seems that I
Had seen it in her eyes
(E agora eu não sei por quê
Ela não diria adeus
Mas então parece que eu
Vi isso nos olhos dela)
~ This I Love
- Eu adoraria saber a história por trás dessa canção, você acha que se inspiraram em alguém? — Eloá perguntou.
- Eu não sei.. acho que sim, nunca achei entrevista em que Axl e Duff falassem sobre essa música.
- Vai ver tiveram os corações partidos. — Brincou.
- É. — Sorri. — Só espero que eles a cantem no Lolla.
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- Tudo pronto? — Perguntei e conferi minhas coisas.
- Sim, sim, acho que não estou esquecendo de nada. — Eloá foi até seu quarto e voltou constatando que havia pego tudo. — Vamos? O trânsito deve estar uma bagunça, chegaremos no horário se formos agora.
- Beleza, vamos.
Apaguei a luz da sala percorrendo meus olhos pelo apartamento vazio, em minhas mãos carregava o passaporte, apertei-o levemente entre meus dedos soltando um suspiro em seguida.
- Até daqui um mês, Brasil. — Sorri fechando a porta, rodei a chave duas vezes enquanto era observada por Eloá, ela verificou seu celular uma última vez e fez um sinal com a cabeça. Descemos pelo elevador entregando a chave da nossa residência para o síndico que nos desejou uma boa viagem.
Eloá caminhou na frente, entregando suas bagagens ao taxista, fui logo atrás sentindo o clima tropical do meu Brasil, olhei para a rua que mesmo estando bem cedo, já estava movimentada. — Como esse povo consegue ter tanto pique? — Pensei.
Parei um pouco na calçada olhando para Eloá que se encontrava dentro do táxi, ela estava com a feição alegre, o que também me deixou feliz.
- Moça? Posso colocar suas malas no bagageiro? — O senhor do táxi perguntou gentilmente.
Me desculpei pela minha desconcentração e o ajudei com a bagagem. Logo já estávamos na estrada, indo em direção ao aeroporto de Guarulhos.
Olhei de relance para Eloá que estava com fones de ouvido, parecia cochilar tranquilamente. Era compreensível, Elô não dormia direito a três dias.
Suspirei fundo e fiz o mesmo, me encostei no vidro olhando para estrada ao som de patience que tocava no fone.
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Los Angeles - 23 de Fevereiro de 2020
Pov's Axl
Me sentei no sofá esperando Duff e Slash, meus dois amigos de longa data, chegarem. Já me sentia cansado.. pensando a um bom tempo quando seria a hora certa de dar adeus ao Guns N' Roses. Sentia que minha missão já estava realizada, conseguimos uma lealdade de fãs, construímos nosso próprio império, fizemos músicas que estarão pra sempre na memória dessas pessoas, shows incríveis.. será que estava na hora de dar um ponto final nisso tudo? O Guns é a minha vida, meu refúgio, mas, estou tão cansado.. não tenho mais o mesmo ritmo do Axl de 25 anos. Estou velho, minha voz não ecoa como antes, meu timbre não é mais o mesmo. Valeria a pena largar mão de tudo isso?
De qualquer maneira, a banda Guns N' Roses sempre será lembrada. Com esses pensamentos em mente, recebi Duff e Slash que entraram sorrindo. Olhei para eles.. e ainda assim conseguia ver meus dois amigos na época da juventude. Pensando bem.. o tempo não foi nada generoso comigo.
Slash é um homem casado e tem dois filhos. Duff.. casado e tem duas filhas. E quanto a mim? Por alguma razão.. não consegui seguir em frente, olhava para meu passado e, não conseguia pensar em um futuro... sem ela. Sentia que eu precisava de alguém, precisava sim! Mas.. não era ela. Eu não saberia explicar.. mas eu sei que existiu alguém, alguém que eu realmente amo.
Já pensei que estava ficando louco, por desejar uma pessoa que nem se quer sei o rosto ou o nome, só sei que.. eu a desejo. Talvez eu realmente tenha ficado louco, pois, não consigo dizer quem é essa pessoa, nem eu mesmo sei, mas algo dentro de mim.. me diz que eu a amo e nunca deixarei de amar.
- Oi Axl. Tá tudo bem? — Slash me cumprimentou, chamando minha atenção.
- Hãn.. sim, está.
- Então, porquê nos chamou? — Duff questionou confuso.
- Pra falarmos sobre o show no Brasil, Lollapalooza. — Disse e eles logo concordaram com a cabeça.
Alguns de nossos empresários também estavam presentes, contei a um tempo para Duff e Slash sobre a possibilidade do Guns N' Roses acabar. Expliquei os motivos e eles assim como eu, também pareciam cansados, não dá banda, mas.. da vida corrida.
- Então, como vocês já sabem, o Lollapalooza é um grande evento no Brasil, confirmamos a presença de vocês e abrimos o lote dos ingressos, em menos de 4h já havia esgotado. — Nosso empresário explicava, troquei um olhar com meus amigos e eles pareciam tão felizes como eu. — Se vocês realmente acham melhor dar um tempo com a banda, o Lolla é um grande evento para isso, podemos dizer que será o último show memorável.
- Que pena que não temos mais a mesma energia de antes, infelizmente, a idade chega para todo mundo. — Duff disse enquanto passava a mão por sua coluna.
- É.. seria legal fazermos um último show com o mesmo pique que tínhamos nos anos 80. — Slash apoiou o amigo.
Olhei para eles pensando por algum tempo, estávamos velhos e não tínhamos o mesmo ritmo.. mas.. isso não quer dizer que não poderíamos fazer um show inesquecível.
Abri a tela do meu celular descendo pela lista de contatos, a um bom tempo que eu não falava com meus outros dois velhos amigos.
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