1. Spirit Fanfics >
  2. Tempo (INCOMPLETA) >
  3. John Lennon, no ápice de sua rebeldia

História Tempo (INCOMPLETA) - John Lennon, no ápice de sua rebeldia


Escrita por: HarrisonGuitar

Capítulo 2 - John Lennon, no ápice de sua rebeldia


CAPÍTULO II

 Quando eu era criança, eu sonhava em ter uma máquina do tempo para poder me encontrar com os dinossauros e conhecer os reis e rainhas que via nas aulas de história. Na adolescência eu ainda tinha esse pensamento, mas porque queria estar na época em que viviam as bandas e artistas antigos que eu gostava; queria ter visto o pop dos anos 80 e o rock dos anos 50. Na vida adulta, eu só pediria por uma máquina do tempo se ela pudesse me transportar de volta à minha infância, quando tudo era bem mais fácil e divertido, quando os dinossauros eram minha preocupação.

 Quando pessoas viajam no tempo nos filmes e séries nunca dá certo, todo mundo sabe disso. O passado muda e o futuro como consequência, os personagens morrem e o mundo vira um caos. E eu não estou a fim de ser a responsável por instaurar uma catástrofe temporal na Terra se for verdade que John Lennon reapareceu na atualidade. Também não quero parecer louca se conversar com as pessoas e dizer que estou vendo pessoas mortas. Como solução, tentei descartar qualquer possibilidade, fingir que nada aconteceu, dar as costas e seguir minha vida.

 - Hey – o ser humano (que não conseguirei chamar de John, porque é muito estranho) me seguiu mesmo depois que saí do banheiro

 Eu queria fugir, mas não conseguiria ignorá-lo, então só suspirei, retomei um pouco de minha concentração e razão, e voltei a encará-lo. Atrás de mim, no entanto, a atenção dele já havia se dispersado e seu olhar dedurava o quanto estava perdido. Não só no espaço, mas no tempo também. E foi quando me convenci de que aquele cara, sendo Lennon ou não, não era de 2018. Ele parecia completamente deslocado dali, como se não conhecesse nada de onde estávamos.

- Você não conhece nada disso, não é? – pensei alto, notando a curiosidade estampada em sua cara.

 Claro, se ele realmente acha que está em Londres nos anos 60, não fazia nenhum sentido em sua cabeça estar rodeado por falantes de português, com escritos em português, letreiros brilhantes, celulares, tablets e roupas que passam longe de terninhos alinhados. E, mesmo que uma réplica de John Lennon estivesse parada na frente da porta do banheiro feminino, ninguém parecia perceber sua presença – e não é muito mentira que a maioria dos jovens brasileiros nem sabe quem ele foi ou no máximo sabe seu nome e não seria capaz de reconhece-lo.

 Mas a questão principal é: o que eu poderia fazer?

 Sendo ele John Lennon ou não, o que eu poderia fazer com ele? É uma pessoa perdida, que só fala o puxado inglês britânico, mas que continua sendo um completo estranho. Eu não deveria levá-lo pra minha casa, deveria?

 Isso é mais difícil do que parece ser nos filmes e novelas.

- Por um acaso você tem pra onde ir? – bufei e me aproximei outra vez. Ele demorou a voltar sua atenção estava distraído com o movimento do metrô

- Onde estamos? – perguntou, em um fio de voz. Seu tom me deixou um pouco desconfortável, porque dava pra perceber que era ele quem estava com medo de toda a situação

 - No metrô de São Paulo – respondi, mesmo sabendo que provavelmente a resposta continuaria a não fazer sentido pra ele – No Brasil. E não é mais 1965...

**

 Deixei de prestar atenção no chá que colocava na xícara enquanto olhava aquele homem de olhar perdido andando pela minha sala. O dito John mexia nas minhas coisas discretamente, não sabendo como disfarçar seu encanto e curiosidade por coisas que claramente não conhecia. E eram coisas toscas como a televisão ou meu notebook desligado. Eu não tinha razão pra trazê-lo pra casa, eu sei, mas também não conseguiria sair daquele metrô deixando-o pra trás. Ando com o coração muito mole ultimamente. E como resultado da minha distração, o chá transbordou e tive que me apressar pra impedir que escorresse por todo o balcão. Um pequeno desastre daqueles típicos da minha vida.

 Por conta de tudo isso, tivemos que desistir do metrô e voltar de taxi pra minha casa, o que me custou mais do que eu gostaria de ter gastado – e o que me fez descobrir que, além de tudo, esse John não tinha um centavo no bolso. Nada, ele não tinha absolutamente nada. Nem dinheiro, nem malas, nem roupas, nada. Quando chegamos, tirei uma foto dele e enviei pra Clarissa, eu queria saber se estava maluca. Mas, quando a minha pergunta foi ‘quem é essa pessoa?’, ela só me respondeu um ‘obviamente John Lennon, por que?’.

 Então desisti de pensar que pudesse ser outra pessoa, mesmo que não fizesse sentido algum. Por um lado pensei que talvez estivesse vendo uma alma penada ou um fantasma, seria uma teoria com mais sentido do que a de viagem temporal, mas ele teria que ser um fantasma muito real pra agir da forma que age, poder ser tocado e não desaparecer do nada. Ou seja, não era um fantasma. Sendo assim, só me restava aceitar que era o verdadeiro John Lennon, mesmo que não pudesse ser. Mesmo que o mundo inteiro soubesse que ele foi morto nos anos 80, quase quarenta anos atrás.

 E a parte mais engraçada disso tudo é que eu tive que esconder todos os discos dos Beatles que tinha exposto no meu quarto. Isso porque eram álbuns que ele tecnicamente ainda não lançou e eu supus que estaria dando um spoiler sobre seu futuro e estragando a linha temporal histórica se por um acaso ele visse ou ouvisse tudo aquilo. Faz ainda menos sentido tudo existir no presente se ainda não aconteceu no passado – e se aconteceu o que John Lennon está fazendo na minha sala?

 Felizmente ele ainda não percorreu meus outros cômodos, porque digamos que eu tenha coisas dos Beatles espalhadas por toda a casa. De todas as eras, desde pôsteres até itens de colecionador que herdei de meu pai, um beatlemaníaco fissurado que morreria outra vez se soubesse da visita que habita minha sala nesse momento. Eu mesma me pergunto porque ainda não surtei estando de frente ao meu beatle favorito e vendo o cara que ocupa um pôster gigantesco do meu quarto na minha frente, mas acho que ainda é irreal demais pra que eu consiga agir. É como se eu estivesse fazendo as coisas por instinto.

 Além do mais, eu sou uma escritora especializada em música. Eu estudei esse homem na universidade, eu escrevi um artigo sobre ele durante minha graduação: “As contribuições de John Lennon para a cultura do rock atual”, esse era o título. Eu já escrevi inúmeros editoriais com o nome dos Beatles e todo ano sou a responsável por escrever algo que relembre o aniversário de sua morte. Se já escrevi tantas vezes que John Lennon foi morto, na frente do edifício Dakota, em Nova York, na noite de 8 de dezembro de 1980...

 QUAL O SENTIDO DE ESTAR O OBSERVANDO ENQUANTO PASSEIA PELA MINHA SALA?

- O que foi? – aquela voz conhecida e seu sotaque interiorano me tiraram do mundo da Lua. Ouvir aquela voz familiar já era suficiente para arrepiar todos meus pelos, como se realmente uma alma do além estivesse falando comigo. Notei que estava parada no meio da sala, com a xícara na mão, sem dizer nada, já fazia um tempo

- Toma – entreguei o chá que havia preparado (e que eu deveria tomar para tentar diminuir meus nervos) e comecei a pensar em possíveis conversar, enquanto desviava o olhar por ainda achar muito estranho encarar aquela pessoa. Respirei fundo e desisti de evita-lo – Você realmente é John Lennon? Tipo, aquele John Lennon? O verdadeiro?

- Existe algum outro? – respondeu, parecendo gostar do chá fervente. Bufei, preocupada em encontrar alguma outra forma de confirmar aquela tese

- Qual o nome da sua mãe? – joguei uma questão aleatória, fazendo-o me encarar com uma cara de impaciência

- Por que está me perguntando coisas sem sentido? – retrucou, dando o último gole no chá e me devolvendo a xícara vazia. Dei de ombros, acreditando que ele responderia da mesma forma – O nome da minha mãe é Julia, por que?

- Então você é mesmo aquele John – joguei a cabeça pra trás, sem saber o que mais pensar. Ele continuou me encarando, com a confusão estampada. Era irritante como eu conseguia decifrar facilmente suas expressões, afinal, eu o havia estudado por anos – Se estava em 1965, quer dizer que ainda não existia Yoko, ainda não existe Sgt. Peppers, sua mulher ainda é a Cynthia e ainda existem turnês... – pensei alto, juntando todas as informações que conseguia recuperar de minha memória sobre aquele fatídico ano

- Sobre o que está falando? – John me interrompeu, tentando entender minhas confusões. Eu não queria que ele entendesse, então não repeti nada

- Isso é loucura!

 Voltei pra cozinha, com a xícara em mãos, sentindo seu olhar me seguir até o outro cômodo. Okay, eu realmente tenho John Lennon vindo do passado na minha sala e isso deveria ser algo bom? Parece um total desastre. Quer dizer que vou mudar o passado e vamos entrar em um loop temporal eterno? Ou quer dizer que eu deveria chamar a mídia e expor a situação, ficando famosa por ter revivido um beatle nesse século? Ou eu deveria entrar em contato com Paul e Ringo e dizer que John está na minha casa?

 Espera... Paul e Ringo ainda estão vivos (e velhinhos). Isso quer dizer que se um encontro entre eles acontecesse, John seria um garoto de 25 anos enquanto seus companheiros remanescentes seriam vovôs de 70? Quão bizarro seria isso? E se Lennon veio do passado, quer dizer que o futuro em que habito ainda é inexistente e será construído ou que alguma parte do passado acaba de perder uma pessoa importante? Se ele não está no passado como as coisas continuam as mesmas? Como a história dos Beatles não se alterou? Ou será que ela ainda vai se alterar?

 Ele precisa voltar, não precisa?

 Enquanto eu me distraía com minhas teorias na cozinha, a campainha tocou. Com todas as minhas forças, eu torci pra que fosse um vendedor ambulante, alguém querendo avisar que um cachorro havia feito cocô na minha calçada ou mesmo um policial querendo me intimar, mas que não fosse nenhum conhecido.  Larguei a xícara dentro da pia e fui até a estante, conferindo as câmeras de segurança (que também pareciam algo surreal para o ser que estava atrás de mim) e, bem, quando as coisas estão uma loucura, elas tendem a ficar uma loucura ainda maior.

 Era Clarissa.

- Pelo amor de Deus vem comigo – em um desespero momentâneo eu esqueci até mesmo de utilizar do meu inglês.

 Apenas agarrei o pulso de John e o arrastei pelas escadas que davam até meu quarto. Se Clarissa o descobrisse a confusão se tornaria ainda maior. Abri a porta apressada o lancei pro lado de dentro, percebendo que em poucos segundos ele notaria a sua própria cara estampada em cima da minha cama. Por mais que provavelmente fosse me dar um trabalho depois, não havia outra opção.

 - Não ouse sair desse quarto até eu voltar! – eu, que só poderia estar maluca deixando um ‘desconhecido’ no meu quarto, sai correndo depois de fechar a porta

 Revisei a sala algumas vezes, procurando eliminar qualquer vestígio de que outra pessoa estava na minha casa, e depois sai para abrir o portão. Tentei discretamente fazer com que minha amiga não passasse do portão, mas ela aparentemente queria fazer uma festinha particular comigo – e já estava um pouco bêbada, diga-se de passagem (àquela hora da noite).

- Clarissa, eu já disse que não queria mais festas – insisti, observando o início da escada com toda a discrição possível. Ela, no entanto, ignorou minhas palavras e invadiu minha casa, indo direto pra cozinha

- Eu trouxe até um bolo pra você – disse, animada, enquanto jogava uma sacola sobre o balcão – Não é dos melhores, mas foi o que deu pra encontrar nesse horário

- Já comemoramos o meu aniversário – completei, me sentando em frente ao balcão e a observando com toda sua intimidade mexer em minha geladeira em busca de água gelada

- Comemoração nunca é demais – retrucou, parando em minha frente e enchendo um copo – Você sabe que... – estranhamente, Clarissa parou de falar do nada. Sua boca formou um ‘o’ perfeito e o copo quase escorregou de suas mãos. Por um instante eu m esqueci de certas possibilidades, mas me toquei assim que vi a direção de seu olhar indo pro começo da minha escada

- John! – me larguei sobre o balcão, frustrada. Por que nem um viajante temporal consegue entender minhas regras? Na MINHA casa?

- Por que tem uma foto minha no seu quarto?

 Claro, Marcela, claro. Você o estudou, não foi?

 John Lennon não aceitaria uma ordem sua desse jeito.

 Afinal, ainda é John Lennon, no ápice de sua rebeldia.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...