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  3. Agosto, 2015. IX.

História Time After Time - Agosto, 2015. IX.


Escrita por: AmandaCSousa

Notas do Autor


Oláááááááááááá galerinha das ficssssss
Chegamos com mais um capítulo. Espero que vocês gostem dele, eu particularmente gostei.
Aviso importante para vocês: Minha formatura está próxima (dia 17) e nas duas próximas semanas minha vida estará corridissima. Tentarei não deixar de postar capítulo novo, mas caso ocorra peço a compreensão de todos.

Tem música no capítulo de hoje:
In my veins - Adrew Belle (link nas notas finais), quando tiver play deixem ela tocar no repeat até o fim do capítulo a letra não vai estar em sincronia com a música, mas eu coloquei ela mesmo assim, pois é uma letra maravilhosa para a fic.

Enjoy.

Capítulo 26 - Agosto, 2015. IX.


Fanfic / Fanfiction Time After Time - Agosto, 2015. IX.

As coisas realmente ruins da vida costumam vir até nós de duas formas: de repente, ou muito devagar.

É comum que as pessoas pensem que os males repentinos são os piores, elas dizem “Eu não sei o que aconteceu. Estava tudo bem e, de repente, não estava mais”. De fato, os males repentinos são cruéis, porque eles te roubam a paz, arrancam a sua tranquilidade e rompem o estado de nirvana em que você estava. Ninguém quer ser acordado na melhor parte do sonho, ou ter tudo e no momento seguinte não ter nada. As coisas ruins que vem de repente são difíceis, porque, bem, elas chegam de repente e agente nunca está preparado para o que vêm de repente.

O problema é que as pessoas não percebem as coisas ruins que vem devagar. Talvez, seja por isso que elas não enxergam a sua verdadeira face. Os males lentos, eles se arrastam silenciosamente até você, chegam quietos, despercebidos. Por vezes, até se repara alguma coisa errada, algum detalhe estranho, mas em seguida tudo parece normal de novo e ninguém se importa. Quando na verdade, aquele era o aviso do mal que estava entrando.

Os males lentos são como os sintomas de uma doença silenciosa: estava ali o tempo todo, só que ninguém viu. É que as coisas ruins que vem devagar são taciturnas, silentes, quase mudas. Elas não causam alardes, vêm sossegadas e com calma. Você não as vê entrando, mas elas entram e, mesmo sem você perceber, elas te envolvem, te ocupam, te consomem, até que elas se tornam você, se tornam a sua rotina e fazem parte do seu mundo.

Quando você percebe que existe algo de ruim, quando você, finalmente, enxerga e sente os efeitos da maldade, você vai querer lutar contra isso, arranca-la, extermina-la, derrota-la. Só que ela já é quem você é, ela passou a fazer parte das suas estruturas, do seu organismo, da sua vida e lutar contra ela é lutar contra você mesmo. 

Lauren chegou ao Hospital por volta da meia noite do dia se segunda-feira, logo após desembarcar em Nova York. Adentrou ao lugar urgente e encontrou Vicente, filho de Giusepe, no hall de espera do hospital.

- Eu vim assim que você me avisou. – Ele apontou.

- Desculpa. – Ela pediu. – Eu deveria ter deixado o seu nome no cadastro dele como contato de emergência também. Você já sabe o que aconteceu? – Perguntou nervosa.

- Infarto. – Respondeu apreensivo. – Os médicos não voltaram para dar mais informações. Ainda bem que ele não estava em casa, se ele tivesse ninguém teria visto para ajudar. Eu não gosto nem de imaginar...

Cerca de dois meses atrás, meados de junho, Lauren chegou do trabalho e como de costume desceu para falar com Giusepe. Assim que entrou na casa do velho estranhou o fato de ele estar muito quieto, sentado à mesa envolto em uma coberta. Lauren questionou se o homem se sentia bem e ele garantiu que sim. No entanto, quando se aproximou e depositou um beijo em sua testa, notou que ele queimava de febre. Giusepe nunca reclamava de dores, ou qualquer coisa do tipo e sempre fora cheio de vida. Porém, Lauren estava o achando um pouco abatido nos últimos tempos e já havia reparado que ele levava uma das mãos às costas ao andar. Giusepe estava velho, é verdade, já beirava seus 80 anos, seria normal algumas coisas começarem a desandar. Só que quando Lauren lhe perguntava, ele apenas dizia que estava cansado, ou dormindo mal.

Naquele dia ela o obrigou a ir ao Hospital, foi deveras difícil convencê-lo, mas ao fim saiu vencedora. Quando foi atendido o médico constatou que, aparentemente, não havia motivos para a febre que o acometia, com exceção de algumas dores nas pernas e nas costas, Giusepe não tinha mais nada. Por isso, o médico, um senhor de cabelos grisalhos e meia idade chamado Dr. Philip, pediu para que ele realizasse alguns exames laboratoriais. Lauren se assegurou de que o homem os fizesse, bem como se assegurou de deixar seu nome e números de telefone cadastrados como contato de emergência de Giusepe, junto ao hospital. Os resultados dos exames apresentaram algumas alterações no sangue, mas nada alarmante. Diante disso, Dr. Philip agendou uma consulta com o velho para o mês seguinte. Lauren havia anotado em sua agenda, a consulta estava marcada para a sexta-feira da próxima semana. No entanto, o organismo de Giusepe não esperou.

Quando seu pai lhe falou que haviam ligado do Bellevue Hospital Center, Lauren sabia que algo acontecera a Giusepe e aquilo a desesperou. Ele era a única pessoa com quem ela, realmente, poderia contar em Nova York. Lauren não conseguia pensar no que teria feito durante todos aqueles anos na cidade sem ele, a ideia lhe aterrorizava. O pensamento de perdê-lo lhe aterrorizava ainda mais.

A morena se sentou numa poltrona da sala de espera. O lugar era amplo, servido por diversas cadeiras e algumas mesas de centro, as paredes eram de vidro e Lauren poderia ver a noite cheia de possibilidades passando lá fora, mas tudo que restava para si era aguardar que algum médico aparecesse para dar informações.

 

Camila e Jacob fizeram todo o percurso de Ocala até em casa em silêncio, ambos absorvendo os últimos acontecimentos. Assim que o carro adentrou a garagem da casa os latidos esganiçados de cachorro se fizeram audíveis. Camila abriu a porta e viu Red, um Retriever da Nova Escócia de porte médio e pelagem marrom avermelhada, correr efusivamente para cima de Jacob e lamber a cara do homem, que não teve tempo de desviar.

A cena fez Camila soltar uma risada.

- Eii carinha vai com calma. – Jacob falou, afastando o rosto o máximo possível do cachorro. – Camila me ajuda! – Pediu.

Camila, ainda rindo, tirou o cachorro de cima de Jacob e o colocou no chão. No entanto, no segundo seguinte ele estava em cima de Jake novamente.

- Eu não tenho culpa. Ele te ama. – Camila falou rindo e empurrou a cadeira de Jake parar dentro da casa, com cachorro e tudo.

- Ele passa a metade da vida deitado sobre minhas pernas. – Jake riu. – O mínimo que pode fazer é me amar. – Red latiu, como se estivesse concordando com Jacob, o que fez os dois adultos rirem abertamente. – Você é incrível mesmo hein cara, consegue até fazer a mamãe rir. – Jacob falou afinando a voz, como se estivesse falando com uma criança. – Isso tem sido uma missão impossível ultimamente, ainda bem que você está aqui... – Camila rolou os olhos. Parou a cadeira de Jacob no meio da sala e voltou ao carro para buscar o restante das coisas.

O casal havia se mudado para uma casa maior logo após o acidente de Jacob. Esta era ampla e muito bem equipada para as necessidades do homem. Mudaram-se assim que ele recebeu alta do hospital, porque não havia meios de continuarem no mesmo apartamento de antes, que além de minúsculo não possuía elevador.

Camila surtou por dias pensando em como faria aquilo, porque, mesmo com a ajuda de sua mãe e dos pais de Jacob, não tinha dinheiro para uma casa nova. Cogitou morarem com sua mãe, mas uma casa com escada não parecia algo adequado o suficiente, por fim, restava apenas a casas dos pais de Jacob, era a saída que Camila havia encontrado. Até que Ally e Troy insistiram para que ela visitasse junto com eles uma casa, que estava à venda na vizinhança de onde moravam. Camila não teria o dinheiro para comprá-la, mas foi mesmo assim, porque os amigos praticamente a obrigaram. Entrou e deparou-se com o lugar já todo adaptado, recusou a acreditar que aquilo era verdade, mas quando encarou Troy os azuis do homem lhe disseram que “sim, ela é de vocês”. Camila o abraçou e chorou por longos minutos, um choro de agradecimento e alívio.

A mulher terminou de tirar as coisas do carro e organiza-las enquanto Jacob tomava banho. Esforçou-se durante todo o tempo para não pensar em Lauren, ou nos últimos dois dias. Se pudesse gostaria de apagar tudo, apenas deletar de sua lembrança a presença perturbante da outra. Pensar em Lauren casualmente lhe incomodava, não conseguir parar de pensar em Lauren lhe enfurecia.

Esperou Jacob se deitar para ir tomar seu banho. Demorou no chuveiro a fim de que, quando saísse o homem já tivesse pegado no sono.

Camila não queria conversar.

Ao chegar no quarto agradeceu mentalmente por seu plano ter funcionado, levantou a coberta devagar para não acordar Jake e deitou-se de costas para ele.

Jacob abriu os olhos assim que Camila desligou a luz de seu abajur, não estava dormindo, mas, tampouco, queria conversar aquela noite.

 

Passava das 2 horas da manhã e nenhum médico havia aparecido. Lauren sentia-se capaz de estrangular alguém com as próprias mãos devido ao nervosismo. Já tinha ido até o balcão de informações três vezes e a resposta era sempre a mesma “A Sra. precisa esperar o médico na sala ao lado”. Estava exausta de esperar o médico, exausta pela viagem e exausta por cada hora dos últimos dois dias.

Olhou pelo vidro e viu Vicente do lado de fora, fumando. Lauren desejou ter algo que pudesse lhe acalmar também, talvez assim ela até conseguisse dormir esperando o médico, como uma jovem loira fazia quatro cadeiras distantes da sua. Suspirou fundo mais uma vez e agoniada se levantou. Pegou uma nota de dinheiro em sua bolsa e caminhou até a máquina de refrigerantes que servia a sala.

Inseriu a nota e selecionou a opção Coca-Cola, um pouco de cafeína lhe ajudaria com a exaustão. Esperou seu refrigerante sair pela boca da geringonça e nada. Apertou o botão mais uma vez. Esperou. Nada. Começou a apertar o botão repetidas vezes. Nada. Riu com escárnio de si mesma.

- Maldita. – Brigou com a máquina. – Me dá meu refrigerante. – Esmurrou o objeto. – Não é possível que nem a porra de um refrigerante eu possa ter nessa vida. – Empurrou com mais força. – Porra. – Lauren muito raramente perdia o controle de si, ou das situações ao seu redor, mas naquele momento a fúria e a dor acumulada em seu peito somando-se ao nervosismo e a angustia da espera, era mais do que ela podia aguentar em silêncio. – Pelo menos devolve a porra do meu dinheiro! – Esmurrou a máquina com força mais uma vez, descontando nela toda sua frustração. Sentiu as mãos arderem pelo impacto contra a superfície e uma lágrima ameaçou cair de seus olhos de raiva, o que a fez socar a máquina de novo.  

- Eiii. – Uma voz soou ao seu lado e Lauren virou-se de pronto. – Ela funciona se você levantar um pouco a porta. – Era a loira que estava dormindo na sala. – Deixa que eu faço. – A mulher falou caminhando para perto de Lauren. Com prática ela levantou minimante a porta e o refrigerante saiu. – Prontinho. – Finalizou, ao pegar a lata e esticar para Lauren.

Lauren pegou a Coca-Cola extremamente constrangida por alguém ter presenciado seu momento de fúria.

- Desculpa. – Falou completamente sem graça. – Eu não queria te acordar.

- Tudo bem. – A loira respondeu, formando um sorriso largo para comprovar o que dizia. – Eu é que estava descansado no lugar errado. Sentei ali só para aliviar um pouco os pés e acabei pegando no sono, mas já está na minha hora de voltar. – Falou se afastando.

- Espera! Espera! – Lauren a chamou. – Você trabalha aqui?

- Sim. Eu sou médica. – A mulher soltou uma risadinha, agora quem estava constrangida era ela, por ter ser uma médica flagrada dormindo na sala de espera.

- Meu amigo deu entrada há algumas horas com infarto e nenhum médico apareceu para dar notícias até agora. Será que você pode me ajudar Dra...? – Lauren procurou o nome dela em algum crachá, ou coisa do tipo, mas a mulher não usava nenhum e, ao perceber o que Lauren procurava, mais uma vez se sentiu pega no flagra.

- Hmm... Não é o meu setor, mas vou ver no que posso ajudar. – Falou e saiu num risco.

Lauren bufou. Não era possível que ninguém naquele lugar pudesse ajuda-la a ter uma mísera informação, abriu o refrigerante em suas mãos e deu três goles seguidos, tentando se acalmar.

Cerca de quinze minutos mais tarde um médico, com nítida exaustão estampada no rosto, saiu a procura dela e de Vicente, que entrou correndo quando viu o homem.

- Bem... O Sr. Giusepe sofreu um infarto, como vocês já sabem. Ele teve algumas paradas respiratórias, o que nos tomou muito tempo para estabiliza-lo. – Lauren escutava a tudo com atenção, mesmo sentindo seu coração bater na garganta. – Nós fizemos diversos exames e a princípio não identificamos nenhum problema cardíaco nele. Ele também não é hipertenso, ou tem colesterol alto, essas costumam ser as principais causas do infarto. Diante disso, como ele não se enquadrava em nenhum dos casos, partimos para a verificação dos níveis de eletrólitos no sangue dele e os resultados apontaram excesso de potássio no organismo, o que causou o infarto. Buscamos a causa do excesso de potássio e identificamos que ele está com insuficiência renal. Terá que fazer hemodiálise e ficar internado até que os rins voltem a funcionar. Ele está estável no momento. – Lauren respirou aliviada. – Mas bastante debilitado, precisamos descobrir a origem dessa insuficiência renal o quanto antes. Eu já entrei em contato com o Dr. Philip, que é quem estava o atendendo, ele vai continuar a realizar os exames específicos. As alterações no sangue que ele apresentou já eram sintomas do quadro de insuficiência renal.

- A gente pode vê-lo? – Lauren perguntou.

- Bem ele vai ficar na UTI até acordar, o que pode ser a qualquer momento, depois disso será levado para um quarto. Vocês poderão vê-lo quando ele for para lá, é mais seguro. Sugiro que vocês esperem em casa, descansem, quando ele estiver no quarto nós avisamos.

- Tudo bem Dr., mas prefiro esperar aqui. – Lauren falou.

- Vocês que sabem. Foi apenas uma sugestão...

O homem se despediu deles e saiu. Lauren se permitiu desabar na cadeira, aliviada em termos.

- Você vai ficar aqui? – Vicente perguntou.

- Sim, se você quiser ir pra casa descansar vá tranquilo, qualquer coisa eu mesma te ligo. A gente pode dividir os turnos de acompanhante, assim ele não fica sozinho.

- Tem certeza?

- Claro. – Lauren confirmou.

O fato é que, Lauren já havia gastado sua cota de abandono de amigos em hospitais. Ela não cometeria esse erro mais de uma vez.

 

Lauren pegou no sono numa das cadeiras da sala de espera, encostou a lateral da cabeça na parede e se permitiu fechar os olhos por algum tempo. Foi acordada de súbito por uma enfermeira, avisando-a que Giusepe havia acordado, que passava bem e estava sendo levado para o quarto onde Lauren poderia ficar com ele.

A morena entrou no quarto e o homem estava dormindo de novamente. A enfermeira explicou que ele estava bastante sonolento por conta dos medicamentos e que qualquer coisa que precisassem era só chama-la. Lauren agradeceu a mulher, que não se demorou a sair.

Assim que se viu só Lauren caminhou até a beirada da cama e analisou a feição serena e pálida do velho Giu. Escorregou sua mão sobre a cama e segurou a dele, reparando na fragilidade da pele fina e enrugada. Lembrou-se da primeira vez que o viu, enquanto ele fazia a barba de um cliente, e de quando num desespero solitário ela entrou na barbearia do homem lhe perguntando se cortava cabelos femininos, o que, por óbvio, Lauren sabia que não. Lembrou-se que desde sempre, achou suas mãos habilidosas para o ofício e de como o velho italiano, que falava alto e tinha gestos delicados, se tornou seu amigo instantaneamente.

Era uma amizade improvável, por isso Lauren o considerava um amigo especial. As coisas improváveis tendem a ter tons especiais. A amizade de Giusepe tinha milhares de tons especiais: às vezes ele era seu pai, cobrando que ela fizesse as coisas do jeito certo. Às vezes era seu avô e lhe ensinava a fazer coisas que ela não sabia, como jogar buraco por um exemplo. Outras vezes ele era seu filho e ela precisava obriga-lo a se cuidar. No entanto, na maior parte do tempo ele era seu anjo da guarda, lhe dava abrigo e proteção, nunca lhe negava um abraço, um ombro amigo, ou uma xícara de café e que, sobre tudo, não a julgava, ainda que nem sempre a compreendesse. 

Na manhã daquele dia, algumas horas mais tarde, Lauren acordou toda torta na poltrona azul designada ao acompanhante do paciente, seu corpo inteiro estava dolorido pela noite mal dormida. O sol brilhava lá fora e ela encarou Giusepe dormir, a claridade transpassava pela grande janela do quarto e batia delicadamente sobre ele. Levantou-se e caminhou até a beira da cama, arrumou com a ponta dos dedos os cabelos grisalhos do homem, que desalinhados caiam pela sua testa.

- Que susto você me deu hein... – Sussurrou assim que o viu abrir os olhos lentamente.

O velho manejou lhe dar um meio sorriso e Lauren sorriu-lhe de volta.  

 

Jacob acordou e estranhou o espaço vazio ao seu lado, pois Camila raramente acordava mais cedo do que ele. Puxou sua cadeira para a lateral da cama e, utilizando a ajuda de um apoio fixo à parede, manejou habilmente pular de uma para a outra. Saiu do quarto em busca da mulher e a encontrou deitada de barriga para cima no sofá da sala.

- O que você faz ai? – Perguntou curioso para a latina.

- Estou pensando. – Respondeu simples.

- Pensando em que? – Empurrou-se até o lado do sofá e depositou um beijo na bochecha da latina.

- Em todas as coisas que temos para fazer hoje.

- Sofrendo por antecipação? – Perguntou divertido já a caminho da cozinha.

- Eu não tenho como te levar para a fisioterapia hoje, porque vou dar aulas extras. – Informou. – E todo mundo vai estar ocupado. Você se importa de pegar um táxi?

- Ah... Eu não vou, é melhor. – Odiava pegar Táxi, era constrangedor precisar da ajuda de um homem estranho para entrar no carro.

- Jake... – Camila advertiu entrando na cozinha atrás dele. 

- Eu não vou Camila. Não faz diferença... – Respondeu sério.

Camila rolou os olhos, não iria discutir. Jacob não era uma criança.    

- Faz o que você achar melhor então. – Falou seca e saiu.

Camila dava aulas de história da arte e fotografia numa casa de arte no centro de Miami. Não era uma instituição grande, nem possuía uma reputação que fosse lhe garantir renome na área, mas ela gostava. Primeiro, porque conseguia, de alguma forma, manter-se ligada a sua paixão que era fotografia, embora, geralmente ela ficasse a cargo das aulas mais teóricas. Segundo, porque as vantagens e garantias de um salário fixo e um bom horário de trabalho supriam suas necessidades. Suas turmas costumavam ser bem diversas, desde crianças até idosos, todos apaixonados por artes visuais, assim como ela. A latina não tinha do que reclamar, aliás, ainda que tivesse, provavelmente, não reclamaria.

Camila não costumava reclamar, porque, de um modo geral, sua vida não era ruim. Quando Jacob se acidentou por algum tempo tudo parecia estar perdido e arrasado. O acidente foi, definitivamente, algo ruim que chegou de repente e a princípio ela achou que não conseguiriam viver normalmente nunca mais. De fato não conseguiam, mas reinventaram o normal e seguiram em frente.

Camila sempre teve consciência de que todos no mundo têm problemas, por isso, conformava-se com os seus. O que Camila nem sempre teve consciência é que, as coisas ruins da vida vêm de duas formas e uma delas é devagar. Nunca prestou atenção nos males que vem devagar e, por isso, se habitou a eles. Camila deixou que se espalhassem por toda a sua rotina e fizessem parte da sua vida. Nunca se deu conta do mal que era a permanente ausência de expectativas e falta dos sonhos. Uma vez Lauren arrancou isso dela, no entanto, nada a impedia de cria-los de volta, a não ser a sua habitualidade a se sentir vazia.

 

Lauren entrou em seu apartamento e soltou a mala de viagem no meio da sala. O sol entrava pela janela desenhando reflexos no chão e nas paredes, de uma forma que costumava tranquilizá-la, no entanto, não aquele dia. A visão de todas as caixas espalhadas pelo lugar foi atormentadora, ter todas as suas coisas encaixotadas tornava tudo ainda mais vazio. O pior é que durante o caminho do hospital até em casa, concluiu que aquele seria um péssimo momento para se mudar e, portanto, suas coisas ficariam guardadas naquelas caixas, estagnadas por mais tempo do que previra.

Lauren buscou o telefone e cancelou a mudança agendada para aquela semana. Aproveitou o celular em mãos e ligou para sua secretária, informou que só iria para o escritório no período da tarde. Tomou um banho demorado, estava sedenta por um.

Esparramou-se no sofá da sala, ainda com os cabelos molhados. Deitada ali, depois de todos os acontecimentos do final de semana, era impossível não se lembrar de Camila. O pensamento passou pela sua mente trazendo com ele a carta da latina, que Lauren prontamente pegou em sua bolsa.

Encarou a caligrafia torta no papel, que desenhava o nome “Camila”, e respirou fundo. Observando os fatos depois do calor do momento, Lauren concluiu que ter pegado a carta não fora a melhor ideia que já teve. Primeiro, porque era algo que não lhe pertencia, indiferente de ter qualquer coisa sobre si escrita ali, não lhe pertencia e fim. Camila ter tido a oportunidade de reavê-la não tornava a atitude de Lauren menos condenável. Depois, porque deveria ter suposto que se torturaria com a dúvida entre ler, ou não, a carta.

Lauren queria ler, queria saber o que Camila havia escrito, principalmente por ter sido a antiga Camila quem escreveu, estava se corroendo por dentro para abrir o papel e ler. No entanto, também não queria. Na realidade, não sabia se deveria, pois tinha consciência de ser algo pessoal e íntimo demais e abrir sem ter a permissão de Camila para tanto, seria uma invasão. Ao menos, Lauren se sentiria uma invasora e uma invasora logo de Camila, o que tornava tudo ainda mais delicado.

Ela suspirou novamente e depositou a carta na mesa de centro, ciente de que não chegaria a uma decisão tão cedo.

 

No fim da tarde Lauren saiu do escritório e foi direto para o hospital, já escurecia e aos poucos Nova York começava a brilhar. Ela observou, através da janela do táxi, as pessoas ficarem para trás em seu caminho, todos preocupados com suas próprias vidas, completos estranhos, avulsos em suas rotinas não se importavam muito uns com os outros. “Todos invisíveis” ela pensou e sorriu para o pensamento. Camila havia entendido mais sobre aquela cidade em um mês do que Lauren em anos.  

Chegou ao Bellevue Hospital Center e Vicente estava no quarto, por isso, sentou-se na sala de espera, não era permitido mais de um acompanhante por paciente. Algum tempo depois o filho de Giusepe entrou na sala e foi ao seu encontro.

- Como ele está? – Foi a primeira coisa que perguntou.

- Bem, eu acho. Eles passaram a tarde fazendo exames, até amanhã, no máximo, saem os resultados. Ele foi levado para fazer hemodiálise agora. – Lauren concordou com a cabeça. – Eu vou ficar essa noite. Você já passou a madrugada toda aqui, vai pra casa descansar...

- Uhum. – Lauren meneou em concordância, mas não tinha a menor intenção de sair dali. Ela não iria embora, não queria a companhia de suas caixas e de uma carta embolorada. Estar onde Giusepe estava parecia adequado, então ficaria ali.

Vicente voltou para o quarto em seguida e Lauren ficou sozinha novamente, encarou o chão, observando o próprio pé. Lembrou-se de Ally lhe acusando de tê-la abandonado em um hospital, se antes já dava razão a menor agora dava muito mais. Sentada naquela poltrona, numa sala de espera de hospital, percebeu que o grande mal de sua vida resumia-se a todas as coisas que deixava de fazer.

Arrependeu-se do que havia dito a Normani em Ocala. Se pudesse voltar no tempo não teria mudado tudo, apenas teria feito todas as coisas que não fez. Lauren não poderia continuar se sentido culpada por tudo que aconteceu, eram acontecimentos muito maiores do que ela, coisas que ninguém tem controle, ou culpa. Porém, ela era a única responsável por suas ausências, era a culpada por todas as coisas que deveria ter feito e não fez. Seus medos e receios eram justificáveis, sempre foram. Ninguém está livre deles, é natural a todos os animais nascerem com medo, ele é o mecanismo de defesa mais essencial para a sobrevivência. Viemos ao mundo programados para sentirmos medo, ou não sobreviveríamos a ele. Lauren não poderia se culpar por ter os tido. No entanto, suas ausências jamais teriam justificativas suficientes, era sobre elas que Lauren deveria se sentir mal. Deveria se condenar por todas as boas desculpas que arranjou para se esquivar daquilo que tinha medo, mas nunca do medo em si.

Os males que vêm devagar, em geral, quando percebidos soam óbvios, afinal eles estavam ali o tempo todo. Um fato sobre a percepção das coisas ruins que vem devagar, é que quando você, enfim, percebe que há um mal em sua vida, não são as consequências dele que perturbam, mas sim as causas.

Lauren enfrentava diariamente as consequências do mal que a acometia, todos os dias ela reconhecia a sua condição de estar sozinha, de não ter mais seus amigos. Ainda assim, tornar-se consciente das causas era devastador, saber que estava sozinha devido a todas as coisas que deixou de fazer a arrasava. Pela primeira vez, constatou que seus medos não eram o problema, que tudo bem em tê-los, o problema era ela ter depositado neles a culpa pelas falhas que na verdade eram suas. Foi isso que a fez perceber que, ao invés de sentir-se culpa somente por seus próprios erros, havia tomado inteiramente para si a culpa por erros que eram de todo mundo.

- Ei? – Uma voz a chamou. Fazendo com que ela desviasse os olhos dos próprios pés. Era a médica loira da noite anterior.

- Tudo bem? – Questionou. – Você está com uma cara péssima, está passando mal?

- Não. – Lauren respondeu. – Eu estou bem. Eu só... Está tudo bem.

- Ok. – A médica concordou. – Só passei e fiquei um pouco preocupada, porque né... Estamos num hospital.

Lauren forçou os lábios num sorriso falso para mulher e procurou mais uma vez algum crachá onde pudesse ver o nome dela, mas novamente não encontrou. Ela se afastou sem dizer mais nada e Lauren a observou. Era uma mulher graciosa e de feição simpática, possuía um corpo esguio, estatura mediana e os cabelos loiros, amarrados num rabo de cavalo, balançava de um lado para o outro enquanto ela andava. Dessa vez ela vestia um jaleco branco por cima das vestes verdes do hospital.

Lauren se ajeitou na poltrona, acomodando sua cabeça no respaldo da mesma e fechou os olhos, apenas uns minutos.  

- Ei? – Alguém a chamou de novo fazendo-a despertar depressa. Era a médica loira novamente.

Ela se sentou numa poltrona ao lado de Lauren e lhe estendeu um sanduíche, enquanto mordia outro. A morena estranhou o gesto e franziu o cenho para a médica.

- Eu fui jantar e pensei que talvez a razão dos seus maus hábitos fosse fome. – Lauren levantou as sobrancelhas num gesto de indignação, perplexa com a ousadia da mulher, no entanto, a expressão dela enquanto falava era ingênua e doce. – Então eu comprei um pra você também. É natural de frango, espero que você goste...

Lauren esticou a mão e pegou o sanduíche que a mulher lhe estendia.

- Você faz isso sempre Dra.? – Perguntou curiosa.

- Jantar sanduíche? – Perguntou divertida.

- Trazer sanduíches para estranhos na sala de espera! – Lauren respondeu, tentando não ser brusca, pois, aparentemente a mulher estava mesmo fazendo uma gentileza.

- Eu sou médica, gosto de cuidar das pessoas. Mesmo as estranhas. – Riu e Lauren deu-se por vencida e riu também, não deixou de reparar que a mulher possuía um sorriso encantador.

A morena deu de ombros para a estranheza da situação. Abriu a embalagem do sanduíche. Estava mesmo com fome, pois não havia jantando, deu uma mordida no pão com vontade.

- Gostou?

- Sim! É ótimo. Faz sentido você jantar ele.

- Como está seu amigo? – Perguntou e Lauren torceu o rosto.

- Ainda não sabem o que ele tem exatamente, mas acho que amanhã teremos algum diagnóstico. – Explicou.

- Espero que ele fique bem!

- Eu também. – Respondeu triste.

A mulher se pôs de pé, ainda mastigando sua comida.  

- Eu preciso voltar, não estou na minha hora de descanso. Dei uma fugidinha pra comer só.

- Obrigada. – Lauren agradeceu quando ela já se afastava. – Ah! Mesmo que você goste se cuidar de estranhos meu nome é Lauren, Dra... ? – A mulher parou e olhou para si mesma, antes de virar-se para Lauren de novo. 

- Droga! Esqueci meu crachá de novo. – Se condenou. – Benson. Savannah Benson.

- Obrigada pelo sanduíche Dra. Benson.

- De nada, Lauren. – Respondeu ainda sorrindo, seu rosto parecia moldado permanentemente nele.

 

Play até o final do capítulo – In my veins (Andrew Belle)

Dinah chegou exausta em seu apartamento, as últimas aulas de segunda-feira eram sempre desgastantes. Entrou e foi direto à geladeira, faminta devido a todo o esforço físico do dia. Assim que se sentou à mesa, com um pacote de torradas e geleia de framboesa, sua preferida, seu celular tocou na bolsa e ela levantou bufando para busca-lo.

- Oi Mani. – Atendeu.

- Cadê você? Hoje é segunda-feira.

- Sim, eu sei.

- Segunda-feira, também conhecido como o dia nacional de jantarmos todos juntos!

- Sim, mas a Mila e a Ally cancelaram o jantar de hoje... – Dinah respondeu óbvia. – Você não leu as mensagens?

- Claro que eu li! A Ally e o Troy não vêm porque ele está numa reunião importante, a Mila e o Jake não vêm porque a Mila vai dar aulas extras, mas e você? Eu estou te esperando.

- Mani. – Falou em tom de tranquilidade. – O jantar foi cancelado, isso significa que não vai ninguém...

- Mas Dinah, eu não quero jantar sozinha. Suba aqui, eu estou terminando de fazer a comida.

- Não, Mani. Eu não vou hoje.

- Dinah... – A outra suplicou.

- Você precisa aprender a fazer as coisas sozinha. – Dinah falou no tom mais doce que encontrou, pois sua intenção não era gerar mais uma briga com a amiga. – O fato de nós fazermos tudo juntos é para que a vida seja mais prazerosa, só que você não pode deixar isso te impedir de ser independente...

- Ok. – Normani respondeu triste.

- Não fique brava comigo. – Pediu.

- Eu não estou. Juro. – Respondeu no mesmo tom tristonho.

- Tá bom... Boa noite.

- Boa noite. – Desligou.

 

Nothing goes as planned. Everything will break

People say goodbye in their own special way

Nada acontece como o planejado. Tudo irá quebrar

Pessoas dizem adeus em sua própria maneira especial

 

Dinah voltou para as suas torradas, mas as encarou sem ânimo. Ela fazia e falava aquilo para o bem de Normani, mas a consciência do fato não tornava a prática mais fácil. Dizer não a amiga era algo que lhe doía profundamente.

 

Ally escutou de seu quarto quando o carro de Troy adentrou a garagem, depositou o livro que lia na cabeceira da cama e se levantou para ir de encontro ao marido.

Troy entrou em casa, exausto, retirou o paletó, serviu-se de uma dose de whiskey e afrouxou o nó de sua gravata antes de sorver a bebida, a sensação que tinha era que o líquido não lograria passar por ali.

 

All that you rely on, and all that you can fake

Will leave you in the morning, come find you in the day

Tudo em que você confia e tudo que você pode fingir
Deixarão você pela manhã e virão encontrá-lo de dia.

 

Ally se aproximou dele, cruzou os braços na altura do seu peito do homem e depositou um beijo em suas costas.

A menor sentiu o quanto os músculos dele estavam tensos.

- Como foi? – Ela perguntou, e sentiu um das mãos dele alisar as suas.

- Difícil. – Respondeu e delicadamente rompeu o abraço. – Estamos pior do que eu pensei. – Caminhou até uma das poltronas da sala e esfregou sua mão na testa. – Perdemos mais investidores hoje e aparentemente meu pai perdeu a cabeça.

- Como assim? – Ally questionou preocupada.

- Ele não está me ajudando com nada Ally. Ele perde o controle o tempo todo. - Reclamou.

- Eu sinto muito, por isso. Gostaria de te ajudar de alguma forma. – Falou se aproximando dele na poltrona.

- Não há nada que você possa fazer. – Soltou um riso leve. – Não acho que exista algo que qualquer pessoa possa fazer na verdade. Estamos apenas administrando as perdas.

Ally se debruçou sobre Troy na poltrona e depositou um beijo arrastado nos lábios sabor amargo do homem. A menor deslizou as mãos pela camisa amarrotada dele e manejou desabotoar o primeiro botão, suas mãos dirigiam-se para o segundo quando Troy a interrompeu.

- Eu preciso tomar um banho e relaxar um pouco. – Ele falou.

Ally se afastou para o homem levantar.

- Ok. – Respondeu sem expressar reações. – Te espero na cama.

A mulher se deitou novamente para esperar Troy sair do banheiro. No entanto, quando o homem o fez passou direto pelo quarto em direção a porta.

- Você não vem se deitar? – Perguntou.

- Ainda não Ally. Estou sem sono. – Fechou a porta atrás de si.

 

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, you're all I taste, at night inside of my mouth

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

Oh, você é tudo que eu provo, à noite, dentro da minha boca

 

Ally se virou na cama, encarando o espaço de Troy vazio ao seu lado, concluindo que aquela seria mais uma noite sozinha.

Troy se serviu de outro copo de whiskey e caminhou até a grande janela do cômodo para abri-la, fazia calor em Miami, sorveu o líquido num gole só e tratou de encher seu copo novamente. Algo em cima da mesa central da sala chamou sua atenção e ele caminhou até lá, era sua carta.

No meio da confusão do dia anterior e diante do desespero de Ally se esqueceu completamente da carta, jogou-a de qualquer forma entre suas coisas antes de voltarem para casa. Provavelmente, Ally a encontrou, enquanto arrumava as bagagens da viagem, e colocou ali, sabendo que aquele era um lugar onde ele a encontraria.

 Troy buscou o papel e se sentou na poltrona da sala. Não se lembrava de tudo que havia escrito nela, na verdade não recordava da maior parte. Há seis anos quando a escreveu estava atordoado de alegria e vinho, nem que quisesse poderia se lembrar do que havia escrito. O homem bebeu mais um gole de whiskey, repousou o copo no suporte ao lado da poltrona e girou o papel em suas mãos, para alcançar a abertura, e iniciou a correr os olhos nas linhas borradas pela umidade.

Querido homem dez anos mais velho...

Eu não sei por onde começar, então iniciarei pelo óbvio: eu sou você, só que você não sou eu. Existe algo mais aterrorizante do que isso? Essa certeza que corre em nossas veias de que o tempo vai nos mudar? Todos os dias daqui pra frente a vida, as responsabilidades e os anos vão nos impor mudanças, vão cobrar de nós atitudes e ações que nos obrigarão a mudar. Mudar de rumo, mudar de opinião, mudar de pensamento, mudar de hábitos, mudar de casa, é um mudar de tudo. A vida está em constante mudança, isso é tudo o que nos espera e, por mais que tentemos, não poderemos evita-la. Crescer é, mesmo, inevitável.

Em dez anos tudo pode ter mudado, mas isso não significa que essas mudanças tenham sido para pior. Crescer é mesmo inevitável, mas não é por isso que precisa doer. Tenho fé que nós podemos mudar sem nos perdemos de nós mesmos, podemos mudar sem abandonar os nossos corações e a nossa essência.    

Se em dez anos você tiver mudado tanto a ponto de não se reconhecer, eu quero que você pare e olhe para cá, olhe para trás e tente se lembrar da pessoa que você costumava ser. Você viveu sua vida inteira num ambiente de cobranças e sua tendência sempre foi se curvar a elas, exceto pelo momento em que você precisou brigar pelo seu coração.

Essa é a minha confissão a fazer: Eu tive que brigar com meus pais para poder namorar a Ally, não porque eles não gostam dela, mas, certamente, esperavam alguém do nosso nível social. Além disso, eu tive que brigar, e muito, para eles aceitarem que eu ficaria em Miami e não iria para uma Universidade mais conceituada. Eles concordaram quando viram o quão determinado eu estava a não me afastar, mas, certamente, se lembrarão disso se algum dia eu falhar na vida.

De qualquer forma, Troy, eu espero que você tenha mantido a capacidade de lutar pelas coisas que ama e que não tenha se permitido deixar que as pessoas ao seu redor te imponham o que fazer, ou quem ser, ou quais são os seus valores.

Mas caso você tenha perdido essa capacidade, lembre-se de mim Troy. Lembre-se do quanto eu gostava de passar tempo com nossos amigos, do quanto era importante sempre ajuda-los e entende-los. Lembre-se que seu desejo sempre foi passar mais tempo nessa casa de campo. Lembre-se de aproveitar os detalhes, de sorrir com frequência, de chorar também. Lembre-se, sobre tudo, de fazer a sua pequena feliz. Lembre-se de manter o seu coração sempre na ponta da sua língua, e só falar aquilo que for doce, de mantê-lo dentro nas dobrinhas de suas orelhas e só dar ouvidos àquilo que for amável e de guarda-lo em sua cabeça, para consulta-lo antes de toda e qualquer decisão, porque nem sempre a razão tem razão.  

Lembre-se de mim Troy, seja alguém de quem eu me orgulharia e nós teremos feito isso certo.

Com amor, do homem dez anos mais jovem.”

Troy tinha lágrimas escorrendo pela face quando terminou de ler. O seu eu de seis anos atrás parecia uma pessoa muito melhor do que ele estava sendo agora, talvez, ele houvesse perdido a consciência de si próprio por um breve momento. No entanto, Troy sabia dentro de seu coração que ainda era aquela pessoa.

 

Oh, you run away. Cause I am not what you found

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, você foge. Porque eu não sou o que você achou

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

 

Ele enxugou as lágrimas se levantou num pulo e caminhou rápido em direção ao quarto, observou Ally deitada sozinha na cama gigante, tão minúscula e frágil que teve vontade de chorar de novo. 

Está é uma vantagem sobre os males que vem devagar, eles raramente são vistos há tempo, mas quando são se tornam evitáveis, ou combatíveis, não são como os males que vêm de repente, que de súbito nos invalidam. Afinal, como o próprio nome diz, eles vêm devagar e justamente por isso, nas raras oportunidades em que são flagrados à espreita, tentando se aproximar pelas beiradas, podem, facilmente, ser expulsos para longe.  

Troy se deitou na cama ao lado de Ally e puxou a menor para os seus braços. Ela abriu os olhos assustada e o encarou com o cenho franzido.

- Eu tenho uma ideia de como você pode me ajudar. – Confessou.

- Como? – Ally questionou ainda mais confusa.

- Me conceda o privilégio de ter um filho seu.

O sorriso que surgiu nos lábios da menor foi suficiente para Troy saber que não poderia ter tomado decisão mais correta que aquela.

- Você tá falando sério? A gente pode tentar outra vez? Mesmo no meio dessa bagunça toda.

- Sim! Vamos ter um filho. Eu tenho certeza que vai dar tudo certo dessa vez. – Sorriu. Ally o beijou, um beijo terno e cheio de esperanças.  

 

Camila chegou em casa muito mais tarde do que previra. Sua última aula do dia foi no laboratório de revelação de fotos analógicas, o que sempre tomava muito tempo, pois tinha todo o preparo para a revelação dos filmes. As aulas extras eram aulas individuais, onde o aluno pagava para ter aulas exclusivas com algum professor e, ao contrário do que todos supunham, dar aula para um único aluno poderia ser muito mais exaustivo do que para uma turma cheia deles.

Por isso, a latina estava louca por um banho e uma noite de sono. Adentrou a sua residência e Red logo veio ao seu encontro. Ela afagou brevemente a cabeça do cão.

- Desculpa amigo, hoje não deu para te levar pra caminhar. Prometo que compensaremos amanhã.

Quase todas as noites Camila e Jacob levavam Red para passear. No entanto, Camila tinha certeza que Jacob não sairia sozinho de casa com o cão, sabia que ele tinha medo que, eventualmente, o cachorro se desprendesse da coleira e fugisse, porque não poderia fazer muita coisa a não ser gritar por ajuda.

- Jake? – A latina chamou e não obteve resposta. – Jacob? – Chamou outra vez entrando na cozinha. – Onde está o papai? Ãh? – Perguntou para o cão. 

Caminhou até o quarto que servia de escritório para o homem, a porta estava entreaberta e a luz acessa.

- Jake?

- Oi... – Ele respondeu lá de dentro. – Desculpa, não ouvi você chegando.

Camila abriu a porta, mas não entrou. Aquele era o cômodo exclusivo da casa para Jacob, claro que ela poderia entrar se quisesse, mas em geral o fazia só quando limpava o local. Os dois achavam saudável cada um ter um canto só seu, para suas coisas. Era uma maneira de manter alguma individualidade, mesmo casados.

- Você passou o dia inteiro ai? – Perguntou vendo o homem sentado na mesa de escritório que servia o local e encarando o monitor do computador com o semblante sério.

- Uhum. – Ele respondeu.

- Você comeu? – Questionou preocupada.

- Claro. – Respondeu óbvio dando uma risada. – Mas eu limpei a cozinha. Não queria deixar sujeira para você.

- Desculpa, eu não consegui vir para o almoço.

- Tudo bem, Mila. Eu consigo me virar sozinho.

- Eu sei. – Ela respondeu, oferecendo um sorriso orgulhoso a ele. – O que você está fazendo?

- Elaborando uma análise contábil que o Troy me pediu. Acho que ele está desconfiado que o contador da empreiteira fez alguns desvios.

- Hmmm... Complicado isso.

- Nem me diga. Vou levar dias para fazer.

- É mais trabalhoso do que as pericias que você costuma fazer? – Jacob prestava serviço como perito contábil para escritório de advocacia e Camila sabia que algumas das pericias que fazia eram verdadeiros martírios.

 - Tão chato quanto. – Foi o que ele lhe respondeu e ela riu fraco.

- Ok. Eu vou tomar banho e dormir.

- Uhum! Logo eu vou também.

Camila tinha recém se deitado quando Jacob entrou no quarto, ele passou de sua cadeira para a cama e com algum esforço se ajeitou para dormir. Camila poderia ter lhe ajudado, mas ela sabia que ele gostava de fazer aquilo sozinho.

Permaneceram em silêncio por um bom tempo. A latina gostaria de dizer que não, mas era perceptível que as palavras da carta de Jacob ditas em alto e bom som haviam mudado alguma coisa. Enquanto aqueles fatos eram apenas suposições, ou desconfianças suas era fácil de ignora-las. No entanto, agora existiam no plano do concreto e deitavam-se ali, entre eles na cama.

Everything will changed.

Nothing stays the same

Tudo vai mudar.

Nada permanece o mesmo

 

Jacob quebrou o silêncio num tom ameno.

- Sabe... Se a gente admitisse, só por alguns minutos, que as cartas mudaram alguma coisa eu teria que te pedir desculpas também. – Confessou e Camila meneou um sinal positivo com a cabeça. – Eu devia ter te contado que eu sempre soube.

- Isso não tem importância. – Camila contestou, definitivamente não queria falar sobre aquilo.

- Eu nunca quis condenar a sua vida. – Jake voltou a falar e Camila lhe encarou com atenção. – Eu só queria te proteger de alguma forma, te ajudar. – Aquilo acertou Camila em cheio, a sinceridade nos olhos de Jacob costumava causar esse efeito nela.

- Você me ajudou. – Ela lhe garantiu com a voz firme e descansou sua cabeça no peito dele, mas isso não o conteve.

- Às vezes eu acho que eu fiz tudo errado. – Se condenou.

Ao ouvir tais palavras Camila levantou minimamente o rosto para encara-lo.

- Todos nós fizemos coisas erradas, mas você me salvou. Nunca se esqueça disso, porque eu não vou. – Voltou a descansar a cabeça no peito do homem e ele lhe beijou os cabelos.

 

Nobody is perfect.

Oh, but everyone's to blame

Ninguém é perfeito.

Oh, mas todo mundo é culpado

 

Jacob não voltou a falar e Camila permaneceu deitada sobre o peito dele até que escutou a respiração abaixo de si se tornar profunda e soube que ele estava dormindo. Ela estava exausta, mas não conseguia fechar os olhos. A sensação que tinha era de que, assim que o fizesse duas enormes galáxias verdes iriam abduzi-las para outro universo. Um universo onde ela não queria estar.

All that you rely on and all that you can save

Will leave you in the morning. Come find you in the day

Tudo em que você confia e tudo que você pode salvar
Deixarão você pela manhã. E virão encontrá-lo de dia.

 

Afastou-se de Jake com calma, para não acorda-lo, e saiu do quarto nas pontas do pé, fechando a porta com delicadeza atrás de si. Ao alcançar a sala da casa ajeitou o sofá e se deitou nele. Encarou o teto por alguns minutos, um fio de luz entrava pelas janelas do cômodo e Camila vagueou os olhos por ele e deixou o sono lhe vencer. Porque ali ela poderia se permitir dormir em paz, sem se preocupar com os sonhos que viria a ter.

 

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, you're all I taste, at night inside of my mouth

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

Oh, você é tudo que eu provo, à noite, dentro da minha boca

 

Desde que voltaram de Ocala, Lauren se tornou uma presença constante em sua mente atribulada. A raiva e agonia habitavam seu peito de forma permanente desde então e a latina sabia que durante a noite ela se faria presente em seus sonhos.

 

Oh, you run away. Cause I am not what you found

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, você foge. Porque eu não sou o que você achou

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

 

Fazia anos que não sonhava mais com Lauren, exatamente dois anos, desde o acidente de Jacob. No entanto, o sonho que teve em Ocala com o campo coberto de cinzas e a gargalhada de Lauren ao fundo retornou na noite seguinte e na outra também e ela não tinha dúvidas que retornaria novamente esta noite. A cada sonho a risada de Lauren se tornava mais próxima e ela sabia que, eventualmente, a própria Lauren surgiria ao seu lado sobre as cinzas, porque era isso que acontecia quando Lauren lhe dominava. Ela dominava tudo, sua mente, seu corpo, seus impulsos e seus sonhos, era isso que deixava Camila com tanta raiva, sentia-se fraca e irritantemente estupida por, depois de tudo, ainda se sentir assim.  

 

No, I cannot get you out

No, I cannot get you

Oh no, I cannot get you out

No, I cannot get you

Não, eu não consigo tirar você

Não, eu não consigo tirar você

Oh não, eu não consigo tirar você

Não, eu não consigo tirar você

 

Ao menos, dessa vez ela tinha consciência dos seus erros e não correria o risco de cometê-los de novo. Não faria Jake passar por aquilo outra vez, ele não merecia. Se fosse preciso dormiria no sofá todas as noites até Lauren parar de lhe atormentar em seus sonhos.

  

Lauren estava dormindo, com a cabeça escorada no respaldo de uma das poltronas da sala de espera, quando Vicente lhe cutucou no braço. Ela arregalou os olhos de súbito.

 

Everything is dark. It's more than you can take

But you catch a glimpse of sunlight.

Shining, shining down on your face. Your face, oh your face

Tudo é escuro. É mais do que você pode aguentar

Mas você pega um vislumbre de luz solar.

Brilhando, brilhando em seu rosto. Seu rosto, oh seu rosto

 

- Ah? Oi? Que foi? – Perguntou aflita, o dia já começava a dar as caras do lado de fora, manhoso e tranquilamente.

- Dr. Philip está aqui. – Ele falou com um pouco de pesar em sua voz. – Está conversando a sós com papai.

- Por que? – Lauren questionou.

- Ele está com os resultados dos exames em mãos, mas você sabe como é o velho... Não deixou o médico falar na minha frente, ralhou comigo e me mandou sair.  

Lauren se pôs de pé.

- Seu pai é a pessoa mais teimosa que eu conheço. – Falou e caminhou em direção ao quarto de Giusepe em passos firmes.

- O que você vai fazer?

- Ser mais teimosa do que ele. – Respondeu batendo na porta do quarto.

 

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, you're all I taste, at night inside of my mouth

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

Oh, você é tudo que eu provo, à noite, dentro da minha boca

 

Dr. Philip abriu a porta, desavisado, e Lauren passou por ela feito um vulcão.

- Só pode um acompanhante por... – Ele tentou falar, mas ela não lhe deu ouvidos.

- Você vai nos deixar ouvir o que o Dr. Philip tem a dizer sim senhor. – Falou para Giusepe. – Nós estamos aflitos e preocupados o dia inteiro, você não pode nos deixar no escuro dessa forma.

- Não posso e nem vou. – Giusepe manejou responde-la da forma mais firme que conseguiu. – Eu estou com câncer, Lauren. O Dr. Philip acabou de me informar e eu estava explicando a ele, quando você entrou feito cavalo xucro, que não farei nenhum tratamento quimioterápico.

A expressão de Lauren passou de teimosa cheia de razão para susto e voltou para a anterior, tudo em questão de segundos.  

- Como assim, não vai fazer o tratamento? – Perguntou indignada.

O Dr. Philip tomou a iniciativa de falar antes que Giusepe lhe respondesse.

- O Sr. Giusepe está com Mieloma Múltiplo, um câncer raro que atinge o sangue. A insuficiência renal que ele está enfrentando é consequência desse câncer. Bem como, as dores nas costas e nas pernas, o cansaço e dificuldade para dormir, que ele vem sentido há algum tempo. Infelizmente, esse câncer é uma doença muito silenciosa e de difícil diagnóstico, pois tem sintomas muito genéricos. Nós fizemos uma biopsia da medula dele essa tarde e verificamos que o câncer está em estagio bastante avançado, o que significa que o Sr. Giusepe está há um tempo considerável acometido por esta moléstia. A única possibilidade de tratamento é através de quimioterapia intensiva, mas não há garantias de recuperação, como eu disse, o câncer está em estagio bastante avançado.  

Vicente estava chorando quando o Dr. Philip finalizou sua explicação e Lauren continha todas as lágrimas dentro de si, seus olhos iam de Giusepe para o médico e do médico para Giusepe outra vez.

- Você tem que fazer o tratamento Giu. – Ela manejou falar, a voz embargada, se aproximou da cama do homem e segurou em sua mão.

- Eu não vou fazer Lauren. – Ele lhe respondeu da forma mais doce que conseguiu.

- Mas Giusepe...

- Sem mas... Eu não vou fazer. – Ele apertou a mão dela entre as suas, queria demonstrar de alguma forma que estava firme em sua decisão.

- Não seja teimoso e ranzinza... – Ela suplicou.

- Não seja você... Eu já disse que não vou fazer. Vicente venha cá. – O homem chamou o filho e Lauren se afastou para abrir o espaço ao outro. – Preciso que você tome algumas providências para mim. Arrume todas as minhas coisas, eu quero voltar para a Itália assim que eu receber alta. Eu quero morrer na minha terra.

- Tá bom. – O homem respondeu simples. – Eu vou fazer o que você quer pai. – Falou chorando.

 

Oh, you run away. Cause I am not what you found

Oh, you're in my veins and I cannot get you out

Oh, você foge. Porque eu não sou o que você achou

Oh, você está em minhas veias e eu não consigo te tirar

 

Não era possível que ninguém fosse fazer nada, ou falar nada. Não era possível que eles fossem deixar Giusepe se entregar daquela forma.

- Não. Não. O que você está fazendo? Giusepe não! Por favor? Não faça isso. – Lauren suplicou e não conseguiu prender o choro, deixou as lágrimas começarem a cair.

- Criança, vem aqui. – O velho a chamou e Lauren voltou a se aproximar dele na cama. – Mais perto, estou fraco. – Ela se aproximou chorando.

Assim que Lauren se aproximou o suficiente Giusepe manejou passar uma mão ao redor de seu pescoço e trouxe Lauren seu encontro. Abraçando-a.

Lauren desabou sobre ele sendo, presa nos abraços do amigo. Chorou de soluçar e o velho lhe acariciou os cabelos negros, pedindo para que ela se acalmasse. No entanto, não havia uma única parte do cérebro de Lauren processando o que ele falava. Ela iria perdê-lo, aquilo era tudo que sua mente conseguia focar. Iria perder seu único amigo. Seu amigo especial. Seu pai, avô, filho e anjo da guarda e ele não iria nem tentar se salvar. Não tinha como aceitar aquilo. 

- Por que você não faz o tratamento? – Perguntou entre o choro.

Giusepe rolou os olhos, sabendo o trabalho que teria pela frente.

- Eu já te falei que tive três filhos e nenhum deles me deu tanta preocupação quanto você me dá? – Questionou com um sorriso triste.

 

No, I cannot get you out

(Oh, you're in my veins)

No, I cannot get you out

Não, eu não consigo tirar você

(Oh, você está em minhas veias)

Não, eu não consigo tirar você

 

Lauren não respondeu, não conseguia amenizar o choro para falar. Giusepe apenas suspirou fundo e tentou abraça-la o mais forte que conseguia, o que não era muito naquele momento, mas, ainda assim, era tudo o que Lauren precisava.

As coisas realmente ruins da vida costumam vir até nós de duas formas, uma delas é de repente, a outra é devagar. As pessoas tendem a pensar que as coisas ruins que vêm de repente são as piores, mas não percebem que as coisas ruins que vem devagar são as que, aos poucos, nos matam por dentro.

Oh no, I cannot get you

Oh não, eu não consigo tirar você


Notas Finais


Link música https://www.youtube.com/watch?v=q0KZuZF01FA

Aguardando comentários.

Qualquer coisa berra no @Clara_Decidida.


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